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domingo, 31 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15689: Atlanticando-me (Tony Borié) (4): Nunca é tarde (4)

Quarto episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é Tarde - Capítulo 4

Hoje voltámos a ver o nosso interlocutor, que além de falar, gosta de “Mal Assadas”, que é um doce característico da região dos Açores, também gosta de vinho tinto e o seu clube preferido é o Dallas Cowboy, por causa das raparigas com pouca roupa, que iniciam o espectáculo. Não sei se estão lembrados, o último capítulo terminou com a morte da Diane, cá vai a continuação.

O Nico, agora viúvo, passava os dias, triste, sempre lhe vinham as lágrimas quando via na sua memória a falecida Diane, sorrindo-lhe. Não quis mais tirar as licenças de capitão de barco, nos primeiros tempos queria morrer também. Chegou mesmo a pensar em sair para o mar de barco, atirar-se borda fora, simulando um acidente. Aos poucos foi resistindo, começou a pensar no filho Mike, iria fazer tudo para fazer o que a falecida Diane lhe pediu nos últimos dias de vida, que era para o fazer homem honrado, digno do património dos avós.

O Mike, na universidade não tinha muita vocação para finanças, o que adorava era a política. Fazia parte do comité de estudantes na altura das eleições para senador do estado, ajudava como voluntário, até tirava licença na universidade para andar por outras cidades, fazendo campanha. Gostava de política e iria ser um político.
O pai Nico dizia-lhe:
- Mike, todo o património dos teus avós tem que ser administrado por alguém, esse alguém és tu, pensa bem meu filho.
Mas o Mike, sorridente, como a falecida mãe, logo lhe respondia:
- Pai, não me ponhas responsabilidade e pressão em coisas que não penso, que por agora não me interessam, sabes o que agora me interessa? É que o senador que eu ajudo, seja eleito. Toma um beijo, vai divertir-te. Porque é que não vais ao teu Portugal, ao teu continente?
E saía, porta fora, carregando bandeiras e panfletos de propaganda do seu senador.

Os sogros de Nico tinham todas as propriedades bem administradas. Tinham encarregados em algumas quintas de gado, que sabiam o que faziam, alguns eram das ilhas, que ajudou a emigrar, eram sérios e respeitadores. Na empresa marítima, já era diferente, era um grupo de sócios, administrado por uma gerência, com alguns advogados e estava a seguir em frente, com as contas prestadas todos os meses, com esclarecimentos a todos os sócios. Portanto, estava tudo a rolar sem problemas. O Nico também já tinha conhecimento da organização e, em alguns casos, já assinava alguns papeis, mas ocupava o seu tempo em algumas quintas, vendo o gado pela manhã. Ao meio dia vinha a casa, comia algo, sozinho, depois ia até à empresa marítima, regressando de novo a casa. Não podia passar em frente ao bar onde se juntava com a falecida Diane, que lhe vinha um forte ataque de choro, tinha que parar o carro, era mais forte do que ele. A memória da falecida estava bem viva.

Nunca mais tinha ido a Portugal, a principal razão era a vergonha, não tinha coragem de enfrentar a Dina, se a voltasse a ver, chegou a convidar os pais para virem ao seu casamento, mas não vieram, respondendo-lhe que eram pessoas de uma só cara, honrados, que cumpriam a sua palavra, coisa que ele não fez. Estavam ambos vivos, mas não o queriam ver, depois do que fez à Dina. E diziam mesmo, nas cartas que a princípio escreviam, que tinham perdido um filho, mas tinham ganho uma filha, que era a Dina.

Estas palavras, agora sozinho, começavam a vir de novo ao seu pensamento, algumas vezes já ocupavam mais o seu pensamento do que as saudades da sua querida Diane, e pensava:
- Que sorte a minha, meu Deus, vim à procura da fortuna, encontrei-a, agora sou rico, financeiramente, estou em muito boas condições, mas estou sozinho e infeliz, não sei se vou resistir muito mais. Nesse mesmo dia, ao cair da tarde, os sogros vieram visitá-lo, e disseram-lhe:
- Então Nico, como vais homem? E o nosso neto Mike, como vai nos estudos? Aparece lá por casa, leva-o, queremos ver o nosso neto, tens que começar a sair mais de casa, ninguém vai dar vida à nossa Diane.
E dito isto, limparam umas lágrimas.


Passaram uns anos, o Nico foi aos poucos tomando conta de toda a organização e do património dos sogros, o Mike, acabou o curso de finanças, mas era deputado na cidade, andava em campanha para presidente da câmara. Ajudava o pai, mas pouco, todo o seu tempo eram reuniões do partido e envolvido na campanha. Passados uns meses foi  eleito presidente da câmara.

O clube dos Açores fechava muitas vezes ao público, pois estava sempre ocupado com reuniões e comícios, do presidente Mike, que estava a subir na política a olhos vistos.

O Nico andava com uma ideia, que cada vez lhe ocupava mais o pensamento, não podia viver mais no meio de toda aquela riqueza, sabendo os seus pais velhos, em Portugal, que já não respondiam às suas cartas, algumas pedindo perdão, há alguns anos. Tinha que fazer algo, estes pensamentos atormentavam-no, ocupavam a sua mente durante todo o tempo, algumas vezes, já não pensasse na falecida Diane, até já nem olhava para a sua fotografia quando se levantava pela manhã, qdepois de acordar de alguns sonhos, onde os pais o corriam, dizendo:
- Sai da nossa frente, desgraçado, que nos envergonhaste, repara naquela rapariga!

E via a figura da Dina, que não era bem a Dina, era uma árvore onde ela aparecia, com cara de amor, chorando, quando da sua despedida e, os juramentos de amor eterno, logo lhe vinham ao pensamento, passando o resto do dia atormentado.

Os sogros, passado um tempo, foram internados numa casa de pessoas idosas, onde os tratavam muito bem, mas para eles tanto fazia bem ou mal, pois já estavam ambos com uma doença, não conhecendo nem se lembrando de ninguém, balbuciando apenas algumas palavras que não se compreendiam. Os doutores diziam que estavam por dias, meses, ou até talvez anos, mas não tinham cura, iriam morrer assim.

O filho Mike andava a concorrer para senador, iria ser eleito, pois o partido investiu nele, no entanto, o Nico, tinha uma ideia diferente a respeito do filho e, comentava só para si:
- O meu filho não vai suportar por mais tempo ser o pau mandado de todos aqueles ricalhaços, que só querem é leis que os protejam, para continuarem a fumar charuto e olharem para um cifrão, sem quererem saber de mais nada, a não ser os seus privilégios, enriquecerem com prejuízo de todas as pessoas, principalmente aquelas com menos recursos financeiros, os ditos pobres. Eu conheço o meu filho, ele qualquer dia “bate com a porta”, como se dizia lá nas Gafanhas, em Portugal.

Como estava certo o Nico nos seus pensamentos, na verdade o senador Mike foi eleito, exerceu por quase dois anos o seu mandato, chegou a ser nomeado o porta-voz do partido no congresso, no entanto não exerceu o cargo, pois as ideias que o seu partido lhe comunicava para ele dizer e fazer no senado, não iam de acordo com os seus sentimentos, renunciou ao cargo, com a desculpa que tinha que se encarregar dos negócios da família, pois entretanto os avós morreram, o seu pai já estava um pouco avançado na idade.

E deste modo renunciou ao cargo, numa altura que tinha um futuro bastante promissor na sua frente, se concordasse com as ideias do seu partido, no entanto, foi a pessoa de descendência portuguesa que exerceu um cargo com mais valor no governo dos Estados Unidos.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15662: Atlanticando-me (Tony Borié) (3): Nunca é tarde (3)

Terceiro episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - Capítulo 3

Hoje, vimos e falámos com o nosso interlocutor, é uma autêntica “picareta falante”, nunca está calado e, repete tudo, para ver se entendemos, não sei se estão recordados, o Nico encontrou uma nova rapariga de nome Diane, cá vai a continuação da história.

Passado um tempo, já se viam aos fins de semana, nas festas que se realizavam no clube dos Açores e, numa dessas festas, um dos presentes, homem já de uma certa idade, oriundo dos Açores, com responsabilidades numa quinta, propriedade do pai da Diane, pergunta-lhe:
- Ó companheiro, de que ilha é o senhor, lá nos Açores?
O Nico, muito admirado com a pergunta, responde:
- Eu não sou dos Açores, eu sou do continente.
E logo lhe responde, o outro:
- Então não é dos Açores, e anda a dançar com a filha do patrão!

O Nico ficou embaraçado, não soube o que responder, no entanto tomou alguma coragem e, quando teve oportunidade, perguntou à Diane:
- Tu és filha do meu patrão?
Ao que ela respondeu, sorrindo:
- Eu tentei manter esse pormenor em segredo, com receio que isso afectasse a nossa boa relação, todavia, não é só o meu pai que é dono. O meu pai, na altura, tinha dois barcos de pesca, associou-se à empresa, mas há mais sócios, mas isso não impede que sejas meu amigo, ou impede?
Ele, de novo embaraçado, responde:
- Não, não, só que uma rapariga bonita como tu, andares na companhia de um empregado...
Ela, não o deixou acabar de falar, e disse-lhe:
- Achas que sou bonita? Então por que esperas?
Ele, ainda mais embaraçado, responde-lhe:
- Espero, porquê?
E ela, desinibida, alegre, responde-lhe:
- Para me dares um beijo e, começares a namorar comigo.

O Nico ficou como uma criança, de cinco anos, a quem dão um brinquedo e não sabe para que serve. Primeiro, o seu pensamento parou, depois pensou na Dina, depois olhou para a Diane, mirou-lhe o corpo, de alto a baixo, fixou-lhe os olhos, viu ternura, carinho, talvez amor, paixão, um desejo percorreu-lhe o corpo, sentiu mesmo vontade de a beijar, como ela lhe pediu, não resistiu mais, quase sem querer, beijou-a na face. Ela, nesse momento, fechou os olhos, e pensou: "Ele é mesmo bonito. Vai ser o meu marido, custe a quem custar".

A Diane era uma mulher desinibida, sem preconceitos, sabia o que queria, não deixou mais o Nico, que aos poucos foi rareando as cartas para Portugal, acabando mesmo o namoro com a Dina e, claro, passado algum tempo, o clube dos Açores, na cidade de São Diego, estado da California, num domingo de primavera, fechou para o público, pois iria receber uma grande festa privada, que era a cerimónia do casamento da Diane com o Nico. Este, quando deu um beijo na Diane, após o padre, perante as pessoas presentes que enchiam a igreja, os ter pronunciado marido e mulher, pensou por instantes: "Como foi possível ter vindo tão longe, encontrar um amor numa mulher que eu não conhecia, que agora é minha esposa, que eu adoro. Como Deus é grande, sou tão feliz".
E a Diane, nesse preciso momento, pensava: "Eu sabia que este homem iria ser meu. Que feliz que me sinto".


A Diane, passado uns tempos, fica grávida, nasce um rapaz, o clube dos Açores volta a fechar para o público, pois realizou-se o baptizado do filho da Diane e do Nico, que ficou com o nome Michael, mas que todos chamavam Mike. A Diane era filha única, o Mike cresce com toda atenção que é possível dar a uma criança, em que toda a família põe os olhos, pensando que no futuro será um líder.

Os pais da Diane também tinham outras propriedades, onde pastavam grandes manadas de vacas, com grandes pomares de árvores de fruto. O Mike frequentou escolas privadas, sempre com bom aproveitamento, nos tempos livres andava pelos jardins da casa e nas propriedades dos avós, descalço, a correr, atrás dos pássaros, para ver onde faziam os ninhos. Já mais crescido ingressa numa universidade, para continuar a estudar, com a intenção de se graduar em finanças, pois era essa a disciplina que a família queria, mas o Mike tinha outras ideias.

Certo dia pela manhã, o Nico, ao levantar-se diz à Diane:
- Vou para a escola de novo, vou tirar as licenças de capitão de barco, para mim é fácil, pois já sei toda a técnica, embora não vá exercer, quero ter as licenças de capitão.
Ela, como sempre, sorridente, responde-lhe:
- Se é esse o teu sonho, realiza-o, mas creio que é mais útil se começares a tomar conta de alguma administração das propriedades dos meus pais, até mesmo lá na empresa marítima.
O Nico ficou a pensar. Os pais da Diane já não eram novos, e diziam-lhe:
- Vocês deviam ir morar por uns tempos, lá no campo, naquela propriedade ao norte, ver como é bom cheirar as flores das árvores, agora sozinhos, com o Mike na universidade, até vos fazia bem, e claro, começavam a olhar por aquilo, pois nós já não somos crianças.

A Diane, quando ficou grávida, e depois quando do nascimento do Mike, teve alguns problemas, teve mesmo que ir para o hospital um mês antes de a criança nascer, os doutores na altura recomendaram que não tivesse mais filhos, pois já a mãe tinha tido o mesmo problema, quando do nascimento da Diane. Agora andava com algumas dores em toda a região da barriga, só ela sabia como se sentia, algumas vezes tentava esquecer, mas as dores estavam lá, por todo o tempo e um dia pela manhã, diz ao Nico:
- De algum tempo para cá, tenho uma dor aqui, não é bem aqui, parece que é em toda esta zona.

Quando dizia isto, apalpava, toda a zona do estômago, em baixo... O Nico não a deixou acabar de falar. Imediatamente lhe disse:
- Vamos já ver o nosso doutor, já me devias ter dito isso. És uma pessoa que toma tantas atitudes e esta não. Por Deus, veste-te, arranja-te, vou já telefonar a marcar consulta para esta manhã.

Foram ver o doutor, que depois de a analisar, a manda internar no hospital para exames. A Diane foi internada, e nos exames foi-lhe detectada uma doença nova, a que nos dias de hoje, chamam câncer. Não resistiu, morreu uns meses depois, com dores de sofrimento, mas sorrindo, sempre que olhava para o Nico, o grande amor da sua vida.

O clube dos Açores voltou a fechar para o público, pois realizou-se um beberete, depois das exéquias do enterro da Diane.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

domingo, 17 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15625: Atlanticando-me (Tony Borié) (2): Nunca é tarde (2)

Segundo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Nunca é tarde - 2 

Nesta viajem que fizemos à Califórnia não pudemos ouvir o nosso interlocutor, mas prosseguimos com a história, não sei se estão lembrados, o Nico regressa da segunda safra, lá na Terra Nova, cá vai a continuação.

Depois de mais esta “safra”, regressa de novo, a Dina e os pais esperam-no na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de contentamento, em terra continua aprendendo inglês no liceu da cidade de Aveiro, namorando com a Dina e exercendo funções no seu trabalho temporário. Embarca para a terceira “safra”, o mesmo se segue, abraços à Dina, com beijos e promessas de fidelidade até à morte, a bordo, todos o conhecem, qualquer coisa que não funcione bem, é ao Nico que se dirigem, às vezes ignorando o capitão. Vêm de novo a terra, ao porto de St. John’s, no mar da Terra Nova, abastecerem-se, entre outras coisas, de água fresca e isca, o Nico já fala inglês com alguma facilidade, conhece outros mecânicos, pessoal de outros barcos, de outras nacionalidades. Há um capitão de um barco, de nacionalidade americana, que falando com ele, tomando conhecimento da sua especialidade a bordo, vendo nele um homem robusto e novo, oferece-lhe um contrato para trabalhar num barco de pesca nos Estados Unidos, no sul da Califórnia. O Nico, não lhe diz que sim, nem que não, mas ficam com o contacto um do outro. Regressa a bordo, é quase meia noite, mas no lugar do globo onde se encontra, ainda é dia, cá fora, no convés, escreve mais uma carta apaixonada à Dina, com promessas de amor que, quem sabe, talvez nunca virá a cumprir. Põe essa carta no correio, no porto de St. John’s, no mar da Terra Nova.

Quando veio pôr a carta no correio para a Dina, vai de novo ao local onde se encontrava o tal capitão que lhe tinha feito a oferta, falam de novo, vão ao barco desse tal capitão, acertam tudo, quanto iria ganhar, quais as condições, como ia decorrer o processo, assina algumas folhas que eram só futuras promessas. Regressa a bordo, não sabe porquê, está confiante, sente-se um homem, apesar de ser um jovem ainda, pensa só para si: Há um ditado que diz que o comboio não passa duas vezes, portanto vou apanhar este, pode ser que seja o meu.

Regressou de mais uma “safra”, lá estava a Dina e os pais a espera na entrada da barra, mais beijos, abraços e lágrimas, no regresso a casa, o pai diz-lhe:
- Ó Nico, chegou há dias uma carta dos Estados Unidos para ti, está lá em casa para tu veres.

O Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser algum amigo que eu conheci no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Depois disto chegaram mais cinco cartas, o Nico, abriu-as, algumas continham documentos para preencher e assinar, outras eram pedidos de diversos certificados. Deu aviamento a tudo, sempre com desculpas de que eram amigos a escreverem-lhe, como ninguém compreendia inglês, a não ser ele, foi fácil enganar os pais e a Dina. A sua vida continuou a correr normalmente em terra, os beijos à Dina, o liceu, continuando a aprender inglês e o trabalho temporário na cidade de Aveiro.

Embarca para uma quarta safra, tudo normal, a bordo continua a ser uma pessoa popular, mesmo o capitão João o chama muitas vezes para que lhe traduza algumas cartas em inglês ou para ouvir e responder às pessoas que avisam naquela zona do globo como está o tempo. Pouco a pouco vai-se inteirando de todas as tarefas a bordo, ganha experiência, vai resolvendo muitos problemas. Quando vêm meter isca a terra, fala e convive com pessoas de outras nacionalidades, em inglês, quase sem dificuldade, escreve cartas à luz do dia, embora seja meia-noite, com juras de amor eterno à Dina que, mais uma vez, não sabe se vai cumprir.


Regressa, lá está a Dina e os pais, acenando-lhe na entrada da barra, mais beijos, lágrimas e risos de alegria, no regresso a casa, o pai diz-lhe:

Ó Nico, estão lá, mais umas tantas cartas para ti. E o Nico, fazendo-se despercebido, disse:
- Deve de ser de algum amigo que eu conheci, no porto de St. John’s, lá no mar da Terra Nova.

Uma dessas cartas era do consulado dos Estados Unidos, para tratar de uns tantos documentos e apresentar-se para receber um visto e ir trabalhar para uma empresa marítima na Califórnia. Arranjou todos os documentos, o governo de Portugal, nesses tempos, depois de cumprir quatro anos na safra do bacalhau, não lhe pôs qualquer dificuldade.

Vai ao consulado, é entrevistado, recebe um visto para emigrar para os Estados Unidos, regressando a casa, com alguma coragem, diz ao pai e à mãe:
- Vou emigrar para os Estados Unidos.

Contando-lhes toda a história desde o princípio, agora tinha que dizer à Dina. Foi vê-la, olhando-a nos olhos, explicou-lhe:
- Dina, meu amor, não podemos perder esta oportunidade... Explicou-lhe tudo desde o princípio, com a promessa de que iria na frente para ver como as coisas iriam correr, logo viria casar, levando-a para junto de si. Outra promessa, que não sabia se iria cumprir. O Nico, mais uma vez se despede com beijos, abraços e algumas lágrimas e embarca num navio de origem italiana, rumo aos Estados Unidos, desembarcando em Nova Iorque. Recebe nova documentação, toma o comboio, ao fim de uns dias sai na estação de caminhos de ferro “Santa Fé”, na cidade de São Diego, no estado da Califórnia, dirigindo-se à empresa marítima que lhe ofereceu emprego, que imediatamente lhe proporcionou alojamento, sendo uns dias depois, colocado em determinado barco de pesca, começando o seu trabalho.

Sabendo o idioma inglês, conhecendo todo o sistema das máquinas da embarcação melhor do que ninguém, novo e sempre disponível para ajudar, em pouco tempo começou a ganhar a confiança dos colegas, que o convidavam para frequentes festas, que se realizavam nas redondezas. Numa dessas festas conhece uma rapariga que falava algumas palavras em português, pois os avós eram oriundos dos Açores, mas tanto ela como os pais já tinham nascido na Califórnia, chamava-se Diane, já era a segunda vez que se cruzava com ela, pois a primeira foi no parque de estacionamento da empresa marítima, viu-a chegar de carro, ele ia entrando para o barco, pois iriam sair para o mar dentro de minutos, viu-a, despertou-lhe a atenção, pois ela fechou a porta do carro, com o pé, quase com um pontapé.

E pensou para si, na altura: Porra, mulher duma figa. Só na América.

Este foi tema de começarem a conversar, entendiam-se, ela queria falar português, ele não se importava da companhia dela, tinha cabelo preto, um pouco acastanhado, era da altura dele, usava saia curta, um pouco abaixo dos joelhos, quando ela se movimentava, podia mesmo ver-lhe os joelhos, para ele, ela parecia-lhe bonita, falava com alguma desenvoltura, como já se conhecessem há anos. Ao Nico, dava-lhe a impressão que a Diane não tinha preconceitos, tratava-o por tu, tocava-lhe nos braços ao falar com ele, pedia-lhe para falar em português e, quando o Nico falava, ela ouvia-o com atenção, não sabendo se era para aprender português ou porque estava interessada nele, enfim, deixava-o confuso e, ao mesmo tempo, ficava a pensar nela.

Quando ficava a pensar na Diane, pegava na caneta e escrevia cartas apaixonadas à Dina. Ao fim de algum tempo, já não sabia se escrevia à Dina pensando na Diane, ou se pensava na Dina e queria ver a Diane. O certo é que já não sentia tanto a necessidade de escrever à Dina.

Primeiro, começaram por encontrar-se por acaso no bar que havia junto à empresa marítima, onde em geral, todos os trabalhadores do mar se encontravam, depois já marcavam encontro, dizendo um ao outro:
- Amanhã, à mesma hora.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 10 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)

domingo, 10 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15602: Atlanticando-me (Tony Borié) (1): Nunca é tarde (1)

Ano Novo, nova série do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66). Hoje iniciamos "Atlanticando-me" com o primeiro episódio de Nunca é tarde.




Nunca é tarde - Capítulo 1

Ano Novo, “Título Novo”, desta vez chama-se “Atlanticando-me”, não sabemos se está bem escrito, perdoem lá, vai ficar assim, pelo menos este ano de 2016, a palavra, no nosso modesto entender, quer mais ou menos dizer, que os nossos desejos são aproximar-nos ainda mais desse lindo País, que é Portugal!


Posto isto, vamos à conversa de hoje.

Companheiros, já lá vão uns anos, o nosso filho estava no cumprimento do seu dever, fazendo parte do Corpo de Marines dos USA, estacionado numa base da Califórnia, nós, dadas as facilidades de transporte, pois havia uma companhia aérea que saía de Nova Iorque pela manhã, chegando a Los Angeles à noite, tinha oito ou nove paragens, em diversas cidades, carregando e descarregando pessoas e mercadoria, era uma espécie avião de correio, os lugares eram sem marcação, portanto se saísse num aeroporto e regressasse ao avião, já o nosso lugar poderia estar ocupado por outro passageiro, mas era barato, era quase o preço de um jantar para dois.

Deste modo, talvez duas vezes ao mês, íamos à Califórnia, fazíamos companhia ao nosso filho, levando-lhe entre outras coisas, comida da mãe, muitas vezes estava cumprindo as suas tarefas, logo, não podia estar connosco, então andávamos por ali, frequentando algumas vezes o clube dos Açores, que havia numa cidade próxima, onde um senhor, já de uma certa idade, nascido nos USA, cujo pai fora emigrante, oriundo dos Açores, depois de alguma conversa, sabendo que éramos oriundos da região de Aveiro, nos foi contando a história desta personagem. Nós, pela informação que fomos recolhendo, vamos descrever a história, vai ser em alguns capítulos, pois o espaço no nosso blogue é de ouro, mas vale a pena ler, é uma odisseia de um emigrante, de uma geração antes da nossa. O título é “nunca é tarde”, cá vai o primeiro capítulo:


Os pais do Nico tinham algumas terras na região das areias, mais propriamente nas Gafanhas, mesmo encostadas ao canal de água salgada, a sua mãe, quando o via chegar a casa, todo sujo, com alguma lama nas pernas, logo lhe dizia, com cara de pai:
- Qualquer dia vais ficar enterrado na areia, ninguém te lá vai buscar. Vai lavar-te e não entres em casa assim.

E já mais calma, pensava:
- Isto é que é um vício. Não precisamos de berbigão para nada, pois é tanto, que até o damos aos porcos, este rapaz, sempre metido na areia suja, valha-me Deus!

O Nico, o seu verdadeiro nome era Eurico mas todos lhe chamavam assim, era aquele rapaz muito popular, tipo “o rapaz nosso amigo, da casa do nosso vizinho”, havia muitas pessoas no lugar, que conviviam com ele desde que nasceu, não sabendo o seu verdadeiro nome, era o Nico, que todos gostavam e andava por ali. Na primavera, o seu passatempo preferido era andar aos ninhos, pois já sabia onde os pássaros das terras alagadiças costumavam pôr os ovos. Ajudava os pais no que podia, às vezes ia à taverna fazer recados aos vizinhos, mas a maior parte do seu tempo era passado chafurdando na areia escura, durante a maré baixa, procurando berbigão e às vezes enguias.

Os seus pais tinham tido uma menina antes, que morreu ainda bebé com uma doença ruim, como eles diziam, depois nasceu o Nico, faziam tudo para que o rapaz crescesse com alguma saúde, não gostavam muito que andasse sozinho, mas ele gostava de andar pela beira das terras, encostadas ao canal, descalço, metido na areia, com alguma lama, às vezes, quando a maré já começava a subir, ele até tentava nadar para o meio do canal, era assim, estava-lhe no sangue, adorava água, correr pelas terras, descalço, queria liberdade. Chega a idade, frequenta e termina a escola primária, os pais matriculam-no numa escola da cidade de Aveiro, compram-lhe uma bicicleta, para ir e vir todos os dias, com alguma dificuldade, pois não era muito bom aluno, termina o quinto ano na área de indústria.

Os pais, procurando um futuro para o seu filho, assim que souberam que o senhor Capitão João, que andava na pesca do bacalhau na Terra Nova, estava em terra, logo foram ter com ele, pedindo-lhe:
- Senhor capitão, queríamos pedir a vossa senhoria, o favor, se podia recomendar o meu Nico para embarcar na próxima safra, pois já completou o curso industrial.

O senhor capitão João, informa-os de como devem proceder, o Nico faz os exames, tira a cédula marítima, embarcando como serralheiro mecânico, na próxima safra, no navio bacalhoeiro onde o senhor capitão João era o comandante, seguindo rumo às águas frias do norte do Atlântico, mais propriamente à região de Newfoundland, mais conhecida entre os pescadores portugueses, por Terra Nova.

A Dina, cujo verdadeiro nome era Albertina, era mais nova uns meses do que o Nico, vivia umas casas acima, no mesmo lugar onde vivia o Nico, conheciam-se desde crianças, os vizinhos diziam sempre que eles eram namorados, eram um para o outro, ela completou a escola primária, aprendendo em seguida costura, era a costureira do lugar, muito boa rapariga, todos sabiam que andava perdida de amores pelo Nico.

Quando o Nico completou o quinto ano da escola industrial, os pais deram uma pequena festa para a família e vizinhos mais próximos, onde compareceu a Dina, sempre sorridente e amável para com o Nico, que se enche de coragem e lhe diz:
- Dina, não sei como começar.., mas agora que já completei a escola e vou trabalhar, queria que fosses a minha namorada.

A Dina não cabendo em si de alegria, agarrou-se aos beijos ao Nico, na frente de todos, fazendo estes compreenderem que algo de verdadeiro e sério iria começar entre os dois. Passavam muito tempo juntos, faziam planos para o futuro, a Dina começou a costurar o seu enxoval, entretanto o Nico, embarca para a primeira safra do bacalhau, houve beijos e lágrimas de despedida, promessas de amor eterno, que seriam um do outro até à morte, vieram todos ver o barco sair a barra, junto farol.

No navio, a vida era totalmente diferente do que o Nico imaginava, havia muita disciplina, muito trabalho, as horas de dormir estavam marcadas, tinham que se ajudar uns aos outros, o Nico adorava liberdade, correr pelas terras alagadiças, andar descalço, foi muito difícil os primeiros tempos, até que começou compreender o regime de bordo, aos poucos foi-se habituando, cumprindo o melhor que podia as suas tarefas, regressando com alguma alegria ao ver a Dina, na entrada da barra, acenando-lhe com os braços abertos, assim como os seus pais, esperando-o.

No tempo que está em terra namora a Dina, continuam com as promessas de amor eterno, arranja um trabalho temporário na cidade de Aveiro. Matricula-se outra vez na escola só para aprender o idioma inglês, chegou a altura de embarcar de novo, outra vez beijos, abraços, lágrimas, e lá vai o Nico em direcção aos mares da Terra Nova, já tem alguma prática, tem algum controle no seu tempo, já resolve alguns problemas mecânicos a bordo, já o consideram uma pessoa quase indispensável, vêm a terra, cremos que ao porto de St. John’s, no mar na Terra Nova, abastecer o barco, entre outras coisas de água fresca e de isco para a faina da pesca, como já fala algumas palavras em inglês, todos o querem acompanhar, já é popular a bordo.

(continua)

Tony Borie, Julho de 2015
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domingo, 3 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15570: Libertando-me (Tony Borié) (50): Em direcção ao sul

Quinquagésimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 30 de Dezembro de 2015.




Em direcção ao sul

Viajando pelas montanhas do estado de Pennsylvania, que estão localizadas a norte do equador, se, na nossa imaginação tomássemos uma qualquer estrela como referência no nosso trajecto, iríamos verificar que, embora lentamente, ela se movia para trás, ao contrário de nós que viajávamos em frente, isto talvez seja o efeito de que o dia tropical, portanto a sul do equador, embora seja uns segundos mais pequeno, nesta altura do ano existe mais tempo de luz, mas como as estrelas estão a uma enorme distância, vistas a “olho nu”, de nós seres humanos, é de uma diferença enorme.

Isto tudo companheiros, vem a propósito de que nos meses de inverno, estas montanhas, sem neve, dão-nos a sensação de um cenário lunar, com áreas e áreas sem qualquer vegetação e, onde ela existe, é rasteira e queimada pelo frio. De vez em quando uma família de veados, procurando no alcatrão partido da estrada, qualquer vegetação que tenta sobreviver com o calor desse mesmo alcatrão, ou um urso preto, que se pendura num galho seco de uma qualquer árvore, procurando chegar à sua ponta, para depenar alguma flor ou rebento que tenta vir à luz do dia.

Chegámos sem neve, partindo sem a ver.

Viajámos de retorno ao sul, seguindo o mesmo trajecto, pagando, entre outras coisas, gasolina um pouco mais cara e as tais “portagens do norte”, debaixo de nevoeiro e alguma chuva miudinha, até ao estado de Virgínia, parando na área da pequena cidade de Petersburg, de que hoje vamos falar.

Deixando a estrada rápida 95, seguindo pela estrada estadual 301, pouco depois encontramos a pequena cidade de Petersburg, no estado de Virginia que foi um local estratégico durante a Guerra Civil Americana e cenário de diversas batalhas. Existe aqui um Centro de Visitantes, administrado pelo Serviço Nacional de Parques, dedicado à área das batalhas travadas durante o Cerco a Petersburg, nos anos de 1864 e 1865, que foi determinante para o fim da Guerra Civil Americana. Depois de vermos uma exposição e alguns filmes sobre todos estes acontecimentos, pudemos viajar de veículo automóvel pelos antigos campos de batalha, vendo aqui e ali as trincheiras, os locais estratégicos, as barricadas, alguns monumentos comemorativos, do que foram, entre outras, a “Batalha de Cinco Forquilhas”, que destruiu uma parte considerável do restante exército confederado de Virgínia do Norte, local onde alguns historiadores designam por "Waterloo da Confederação", pois a “Batalha de Cinco Forquilhas” ajudou a pôr em marcha uma série de eventos que levaram à rendição de Robert E. Lee, na aldeia de Appomattox Court House.

Não querendo roubar espaço ao nosso blogue, vamos ser breves na história que nos diz que Petersburg lutou a partir de 9 de junho de 1864 a 25 de março de 1865, durante a Guerra Civil Americana, embora seja mais conhecido popularmente como o Cerco de Petersburg, que não era um cerco militar clássico, em que uma cidade geralmente é cercada e todas as linhas de abastecimento são cortadas, nem foi estritamente limitado a acções contra Petersburg, pois a campanha consistiu em nove meses de guerra de trincheira em que as forças da União, comandados pelo Tenente-General Ulysses S. Grant, assaltou Petersburg sem sucesso e, em seguida, as linhas de trincheiras construídas que eventualmente se estenderam ao longo de 48 km, a partir dos arredores a leste de Richmond, para cerca de uma periferia leste e sul de Petersburg, foram cruciais para o fornecimento do exército confederado do General Robert E. Lee e a capital confederada de Richmond, onde numerosos ataques foram realizados e batalhas se travaram na tentativa de cortar as linhas de abastecimento, tornando assim a diminuição dos recursos confederados.


No entanto, o General Robert E. Lee, cedeu à pressão no ponto em que as linhas de abastecimento foram finalmente cortadas e um verdadeiro cerco começou em 25 de Março, abandonando ambas as cidades em Abril de 1865, o que levou à sua retirada e rendição na aldeia de Appomattox Court House. De salientar que o cerco de Petersburgo era uma cópia da guerra de trincheiras que era comum na Primeira Guerra Mundial, que ganhou uma posição de destaque na história militar. Também não podemos esquecer que deste cerco fez parte a maior concentração de guerra das tropas americanas africanas, que sofreram pesadas baixas.

A batalha de Appomattox Court House, travada na manhã de 9 de Abril de 1865, foi uma das últimas da Guerra Civil Americana. Era o final do Exército da Virgínia do Norte que pertencia ao Exército Confederado do General Robert E. Lee, onde já não tinha escolha a não ser render-se.

A assinatura dos documentos de rendição ocorreu na sala de estar da casa propriedade de Wilmer McLean, na aldeia de Appomattox, na tarde de 9 de Abril, numa cerimónia formal marcando a dissolução do Exército da Virgínia do Norte, dando liberdade condicional aos seus oficiais e soldados, impondo assim, de forma eficaz, o fim da guerra em Virgínia, onde este evento desencadeou uma série de resgates em todo o Sul, levando assim ao fim da Guerra Civil Americana.

Não querendo ser o General Robert E. Lee, rompemos o cerco, seguindo em direcção ao sul, já era noite no estado de Carolina do Sul, logo a seguir ao “South of the Border”, de que já falámos por diversas vezes. Numa qualquer área de descanso, das muitas que existem ao longo da estrada rápida número 95, dormimos umas horas, tal como fazem centenas de famílias viajantes que regressam ao sul e, ou não têm recursos financeiros para uma estadia num hotel, ou entendem que não é necessário, parando pouco tempo, ocupar um quarto de hotel. De um modo ou de outro, nós, “viajantes do mundo”, chegámos à nossa Flórida, onde já existe sol, não “frio de rachar”.

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15545: Libertando-me (Tony Borié) (49): Newark, New Yok, Newark

domingo, 27 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15545: Libertando-me (Tony Borié) (49): Newark, New Yok, Newark

Quadragésimo nono episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 24 de Dezembro de 2015.




Newark, New Yok, Newark! 

Devíamos de ter na altura, talvez 8 ou 9 anos de idade, foi quando celebrámos a “comunhão cristã”, que colocámos nos pés a primeira protecção, uns sapatos usados, oferecidos ou emprestados, não sabemos ao certo, pelo companheiro Carlos, filho do Santos dos Correios de Águeda, que tinha vindo dos lados de Leiria. Até essa idade, era “pé descalço”, no inverno, nas manhãs de geada, divertíamo-nos partindo o gelo das poças de água com os pés, nos carreiros da nossa aldeia, era uma bricadeira agradável, pois o gelo derretia com mais facilidade.
Ufa, até nos arrepiamos só de lembrar, mas é Dezembro, ainda não vimos neve, está muito frio por aqui, mas esta história de colocarmos nos pés a primeira protecção, para nós, ainda é considerada “o nosso primeiro Dia de Natal”.

Deixemos o passado, nesse bonito Portugal, vamos falar de hoje, chegámos a Nova Jersey, viemos em trânsito para Nova Iorque, passámos na cidade de Newark, visitámos a portuguesa Ferry Street, procurámos os lugares nossos conhecidos, onde moravam as personagens de que vos temos falado, está tudo diferente, no lugar do “Bar do Minhoto” está um Restaurante Grill, que aceita reservas via internete; onde morava a Gracinda está um parque de estacionamento, onde uma senhora afro-americana, nos atendeu, embrulhada num enorme casaco e cachecol, pois o frio era muito, teve dificuldade em receber o pagamento e guardar o dinheiro, pois usava umas luvas sem a parte dos dedos, onde sobressaiam umas “unhas azuis”, muito compridas. Perguntámos se falava português ou espanhol, pois era a “Ferry Street”, com um sorriso matreiro, respondeu-nos qualquer coisa como, “mi non habla”.

A Ferry Street tem algumas árvores, está limpa, alguns canteiros com flores, onde havia a loja do Orlando está um grande edifício de um Banco, os estabelecimentos têm portas de vidro, não mais aquelas portas em madeira, que “chiavam”, alguns restaurantes têm esplanadas nos passeios, está uma Avenida para turistas.

Vamos em frente, deixámos a viatura na cidade de Newark, seguindo de comboio, pois o estacionamento na cidade de Nova Iorque é muito caro. Estava nevoeiro, quase cerrado, como se dizia na minha aldeia. Atravessámos um dos túneis do rio Hudson que desagua na ilha de Manhattan, que é o mais densamente povoado dos cinco bairros da cidade de Nova Iorque, que se situa na ilha com o mesmo nome, delimitada pelos rios Hudson, East e Harlem, sendo um dos principais centros comerciais, financeiros e culturais do mundo. É o coração da "Big Apple", é onde estão os arranha-céus, cujas imagens correm o mundo, como o Empire State Building. As luzes de néon no Times Square ou os teatros da Broadway, nós saímos na área do World Trade Center, visitámos mais uma vez o museu educativo, dedicado ao “11 de Setembro”, meditámos em homenagem às vítimas, tomando em seguida o “subway” para a Rua 53, junto da Quinta Avenida, caminhando, fomos vendo a Catedral de São Patrício, parando por mais tempo na área do “Rockefeller Center”, onde está a árvore de Natal que tradicionalmente é um abeto vermelho da Noruega, sendo iluminada por 30.000 ecológicas luzes, que envolvem mais de cinco milhas de fio eléctrico, coroada por uma estrela de cristal Swarovski. Esta árvore de Natal é um símbolo mundial em Nova York, foi acesa pela primeira vez na quarta-feira, 2 de Dezembro, com performances ao vivo na Rockefeller Plaza, entre as Ruas 48, 51, e a Quinta e Sexta Avenidas, onde dezenas de milhares de pessoas todos os dias enchem as calçadas para assistir a este evento, que milhões podem assistir em todo o mundo pelos meios de comunicação que hoje existem.
Faz este ano 83 anos que foi iluminada pela primeira vez, e permanecerá acesa, podendo ser visitada até ao dia 7 de Janeiro de 2016. Oxalá seja a mensageira de Paz para todos nós, em especial para os nossos companheiros combatentes.


Comemos “pretzels cookies”, que é um biscoito típico, parecido com pão, feito de massa, em forma de um nó torcido, que teve origem na Europa, provavelmente entre os mosteiros da Idade Média, que se vende em qualquer quiosque de rua, em Nova Yorque e não só. Continuando a nossa jornada, vendo os edifícios da cadeia de televisão NBC, do Rádio City Music Hall, onde em frente algumas “Rockettes”, que são as tais raparigas que dançando, levantam a perna esquerda ou a direita, todas ao mesmo tempo, fazendo uma coreografia de “cabaré do século passado”, convidam a partilharmos momentos inesquecíveis juntos, experimentando a magia do Natal, transformando tudo num país das maravilhas onde o “Pai Natal” não se cansa de espalhar elogios a todos.

Parámos por momentos no “Times Square”, já andam em montagem de estruturas para as celebrações da passagem de ano, continuando, pela Sétima Avenida, em direcção à estação de comboio “Pennsylvania”, que se localiza na Rua 34, por baixo do edifício de grandes eventos desportivos e não só, que é o célebre e histórico “Madison Square Garden”, onde tomámos o comboio de regresso à cidade de Newark, em Nova Jersey, de novo na portuguesa Ferry Street, onde tivemos a sorte de encontrar um restaurante que dá pelo nome de “Bar & Restaurante Sagres”, com charme, num espaço acolhedor, música ambiente, onde numa escala de dez, damos a nota dez, onde o Henrique, um simpático jovem, que se dedicava ao ensino em Portugal e veio para os EUA há uns anos para “ver a neve”, e que por cá ficou, nos atendeu com simpatia, servindo-nos “Chistorra” e “Bacalhau à Casa” com natas e camarões, que estava bom, mesmo muito bom, oferecendo-nos no final, um copo com vinho do Porto.

Não sabemos se era o efeito do vinho do Porto ou se sonhávamos, mas retornando à Ferry Street, já no regresso, em direcção ao parque de estacionamento, não vimos roupas escuras, xailes, tranças e bigodes, mas sim uma jovem, usava um sapato alto de cada cor, umas meias compridas de um azul escuro, por baixo de uma saia que parecia o lenço que a minha avó usava à cintura, quando ia à romaria do Senhor dos Passos, na vila de Águeda, onde uma espécie de blusa só lhe tapava parte da frente do seu corpo, mascava “chiclets”, algumas pinturas, não para tornar a face mais atractiva, mas sim diferente do normal, o perfume não era exótico, era diferente, o cabelo era curto, pintado com uma cor que nem era verde nem azul, usava óculos à “Hollywood”, não nos olhos, estavam colocados a segurar o cabelo, um casaco de “cabedal” amarelo, debaixo do braço onde usava umas cinco ou seis pulseiras que brilhavam e completavam a história do seu vestuário, falava alto, numa linguagem sem preconceitos, havia “frio de rachar” mas estava excitada, recebendo o calor, talvez do cigarro que fumava, pois era parecido com aqueles que nós algumas vezes, quando estávamos com o moral em baixo, fumávamos lá na então nossa Guiné, pela coreografia talvez fosse alguma descendente da Inês, aquela portuguesa espanholada, do nosso tempo da Ferry Street.

Boas Festas para todos, em especial aos companheiros combatentes e, já agora, se não é pedir muito, que continuemos juntos pelo ano de 2016, com saúde, alegria em ainda por cá andarmos, que nunca nos falte a panela a cozinhar no fogão e alguma “protecção nos pés”.

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15514: Libertando-me (Tony Borié) (48): Vamos para Norte

domingo, 20 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15514: Libertando-me (Tony Borié) (48): Vamos para Norte

Quadragésimo oitavo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Vamos para Norte

Com atenção ao trânsito, ouvindo música, conversando com a nossa companheira e esposa, viajámos mais de setecentas milhas na óptimas estradas do sul. Parecem pistas, onde se viaja sem custos até entrarmos nos tais estados no norte, encostados ao Oceano Atlântico, bastante comerciais e industriais. Aí começamos a pagar por usar as estradas rápidas, tal como na Europa, as tais “Portagens” e, a estrada não apresenta um bom estado de conservação, não se comparam com as do sul, a única razão compreensível, é que necessitam de reparação frequente, pois o inverno no norte é rigoroso.

Já passámos Washington, é o mesmo que passar de sul para norte, não sabemos se ainda existe a tal influência da federalização das dívidas contraídas ao longo da guerra de independência, pelos estados, onde, os estados do sul já haviam pago a maior parte das suas dívidas, de que já falámos no texto anterior, o que é certo é que ainda hoje, no ano de 2015, no sul, viajamos pela estrada rápida número 95, em óptimo estado, sem pagar qualquer “portagem”, a partir de Washington, existem curvas acentuadas, descidas, subidas, túneis, onde se paga “portagem”; pontes, onde se paga “portagem”; troços de estrada em melhores condições, mas também, onde se paga “portagem”; então se passarmos o estado de Nova Iorque, continuando para norte, com várias pontes e túneis, continua-se a pagar “portagem”, chegando a pensar algumas vezes que era preferível viajar de avião, pois compensava.

Mas os emigrantes que regressam de visita aos estados do norte, onde tiveram residência e ainda estão os seus familiares e amigos, querem viajar de veículo automóvel, pois no regresso querem parar em Nova Jersey, na histórica cidade de Newark, na portuguesa “Ferry Street”, e comprar, além de bacalhau e azeite, talvez, latas de conserva de atum dos Açores, marmelada, rebuçados “São Braz” ou sabão “Clarim”, para levarem para sul, onde agora vivem, e quem sabe, talvez lembrar a Inês, aquela portuguesa espanholada, que além de fumar “Malrboro” e, tudo o que já dissemos a seu respeito, também usava, pelo menos ao fim de semana um perfume exótico, parecido com aquele que usavam as filhas do Libanês, lá na vila de Mansoa, na então Guiné Portuguesa, que lhe trouxe a Eulália, que trabalhava na “fábrica dos perfumes”, que vivia maritalmente com o Zé Paulo, um rapaz muito educado, que servia ao balcão no “Bar do Minhoto”, no seu tempo livre, pois trabalhava a tempo inteiro na construção, fazendo parte do “gang” do Manuel Murtosa, marido da Gracinda, mulher honrada e respeitadora, que não falava na vida de ninguém, mas não perdia qualquer oportunidade para fazer gestos eróticos com os dedos da mão, piscar o olho ou apalpar o rabo ao Zé Paulo, que era um jovem que ao chegar do trabalho na construção, tomava banho, arranjava as unhas, vestia com elegância, com uma camisa branca e um laço preto, com que atendia ao balcão do “Bar do Minhoto”, onde sem o querer, dada a sua posição, facilitava encontros para, entre outras coisas, trabalho, pois sabia quem precisava de força laboral e quem procurava trabalho, sabia dos problemas, alegrias e desgostos de quase toda a comunidade, indo muitas vezes levar a casa alguns emigrantes que por lá ficavam a beber até mais tarde, como por exemplo o “Carlos das Pombas”, pois viviam no mesmo edifício.


Este bom homem, o “Carlos das Pombas”, cujo apelido lhe foi dado porque trabalhando na “fábrica da reciclagem”, que se localizava próximo de algumas pontes, lá para os lados do Porto de Newark, vivia amargurado, dizendo que tinha perdido a sua honra porque um dia, vendo centenas de pombas, que viviam debaixo das já referidas pontes, pensando “numa valente arrozada”, pediu a alguém uma espingarda e, aquilo era, cada tiro meia dúzia das bonitas aves que vinham parar ao chão, alguém passou por lá, talvez sentindo-se molestado, nunca ninguém soube, ouviu tiros, avisou a polícia, uns minutos depois passa por lá um carro policial, em silêncio, com dois polícias armados, que vendo um homem de caçadeira na mão, naquele local, onde a ramagem quase cobria um homem e o terreno era alagadiço, logo pensaram tratar-se de algum “ajuste de contas da máfia”, o melhor era irem embora com o mesmo silêncio com que vieram, contudo, com alguma coragem, de pistola em punho, foram-se aproximando e, ainda a uma certa distância, ficaram algo surpreendidos, ao verem o Carlos a descalçar as botas, tirar as calças e ir em cuecas, apanhar uma pomba à água, que tinha caído ao lado do rio e ainda esvoaçava.

Quando o Carlos se volta, ainda dentro da água, em cuecas, ao ouvir os polícias ordenarem-lhe prisão e para que fique quieto, mudou a cor do seu rosto, ia-lhe dando uma tontura que quase mergulhava na água, largou a pomba, começou a tremer, tendo um dos polícias entrando na água para o socorrer, claro, os polícias esperaram que se vestisse de novo, foi algemado e levaram-no preso.

Toda a Ferry Street soube da desgraça do Carlos, a sua esposa, a Lucinda, que trabalhava na “fábrica dos perfumes”, juntamente com a Eulália, foram à esquadra em seu socorro, primeiro com o senhor padre, da Igreja Nossa Senhora de Fátima, que falava muito bem inglês, que era um português do Bunheiro, uma localidade próxima da vila da Murtosa, em Portugal, depois logo apareceu o sargento da polícia, filho de portugueses nascidos no Minho, que o libertaram com a responsabilidade de se apresentar ao juiz no dia seguinte, que derivado ao bom comportamento anterior, lhe confiscou a arma, sentenciando-o, entre outras restrições para o futuro, com uma multa por não ter licença de usar arma de fogo e uma pena de serviços comunitários por o período de algum tempo, mas a partir desse momento foi sempre um homem amargurado, não se cansando de dizer que tinha sido preso em cuecas e que era agora a vergonha da família.

Ferry Street, Ferry Street!

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15483: Libertando-me (Tony Borié) (47): É Dezembro, vamos ao Norte

domingo, 13 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15483: Libertando-me (Tony Borié) (47): É Dezembro, vamos ao Norte

Quadragésimo sétimo episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




É Dezembro, vamos ao norte

É Dezembro, aproximam-se as festas de Natal, vamos a caminho do norte, vamos para os estados de Pennsylvania e Nova Jersey, viajamos no nosso carro utilitário, não na “caravana”, pois a neve e o frio para estes lados, não convida a “acampar”. A estrada rápida número 95 é terreno plano com longas rectas, por vezes passamos a poucos quilómetros do Oceano Atlântico, outras no interior. Paramos aqui e ali, até que o trânsito fica mais lento, alguma construção, abrem-se novas vias, que podem ser usadas alternadamente para norte ou para sul, que são abertas consoante o trânsito o determina, começando a surgir placas de sinalização com a palavra Washington, D.C., que é a capital dos USA e, para quem não sabe, D.C. é a abreviatura de Distrito de Colúmbia, onde a cidade está localizada, no entanto, a cidade tanto pode ser conhecida como Washington, D.C. ou simplesmente Washington, que foi formada com território cedido pelos Estados de Maryland e Virgínia, por volta do ano de 1847, todavia a região que fora cedida pela Virgínia foi devolvida, fazendo parte atualmente do Condado de Arlington, que é onde está localizado o Cemitério Nacional de Arlington, motivo que nos fez parar, pois era um local que queríamos visitar. Dezenas de vezes por aqui passamos, quase nem reparamos, mas desta vez parámos, queríamos visitar o Cemitério, mais conhecido por ser o cemitério militar dos USA, fundado no antigo terreno da Casa de Arlington, que era o palácio da família da esposa do comandante das forças confederadas da Guerra Civil Americana, General Robert Lee, Mary Anna Lee, descendente da mulher de George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos da América.

Para quem quiser, viajando pela estrada rápida número 95, desviando-se para oeste, pode atravessar a cidade, passando na Avenida Pennsylvania, vendo os edifícios famosos, cujas imagens correm o mundo nos meios de comunicação, pois o Cemitério fica do outro lado do Rio Potomac, que corta a cidade, perto dos prédios do Pentágono. Na sua área, com várias centenas de acres, estão enterradas mais de 300 mil pessoas, veteranos de cada uma das guerras travadas pelos USA, desde a revolução americana até à actual Guerra do Iraque. Os corpos dos mortos antes da Guerra da Secessão foram para lá levados, após o ano de 1900.

Algumas das personagens históricas mais famosas estão enterradas em Arlington, mas o local mais popular entre os visitantes é o Túmulo ao Soldado Desconhecido, onde os restos de três soldados não identificados da I Guerra Mundial, Guerra da Coreia e Segunda Guerra Mundial, são guardados perpetuamente por uma Guarda de Honra do Exército, cuja cerimónia de troca de sentinelas é um evento bastante procurado pelos visitantes. Nós emocionámo-nos ao ver as imagens de alguns monumentos da parte dedicada à guerra do Vietname, é muito parecida com as imagens que nós, combatentes da guerra da Guiné, passámos por aquelas savanas e pântanos, que nos estão gravadas para sempre na nossa memória.


Já no regresso, voltámos a passar por dentro da cidade, que foi escolhida para capital, pois no início da independência dos USA não havia uma capital fixa e as reuniões do Congresso eram feitas em diferentes cidades, mas por volta do ano de 1783, houve um motim durante uma reunião do congresso na cidade de Filadélfia, o que forçou os congressistas a saírem da cidade, que ficou conhecido como “Motim da Pennsilvânia de 1783”, onde as autoridades locais se recusaram a enfrentar o motim e, a necessidade de uma capital independente dos estados, foi discutida no mesmo local quatro anos depois. No entanto, a Constituição não estabelecia o local específico onde seria o distrito, claro, houve logo um conflito de interesses entre as regiões norte e sul para estabelecer a sua localização. Os estados do norte preferiam a capital numa das grandes cidades do país, localizadas ao norte, enquanto os estados do sul favoreciam uma capital mais próxima de seus interesses, onde usavam o trabalho escravo, sobretudo nos trabalhos agrícolas. Houve negociações, onde foi proposta a federalização das dívidas contraídas ao longo da guerra de independência pelos estados, onde os estados do sul já haviam pago a maior parte das suas dívidas. Assim, o acordo foi a federalização das dívidas em troca da localização da capital num estado do sul, onde, por volta do ano de 1790, deu ao então Presidente Americano, George Washington, o poder de escolher o local onde seria construída a nova capital americana.

Logo no ano seguinte, George Washington escolheu uma área de 259 km² na margem do Rio Potomac, onde a vila de Georgetown estava localizada, que, talvez por coincidência, ficava a escassos quilómetros da sua casa, pois vivia em Mount Vernon, Virgínia.

Já vamos longe, mas não queremos terminar sem mencionar uma questão controversa na nova capital dos USA, que era a escravidão, pois a capital Washington, estava localizada na Região Sul dos USA, onde o uso de escravos era intensivo. Dizem alguns historiadores que foi com o trabalho dos escravos que muito da cidade foi construída, incluindo as estruturas governamentais e vias públicas, mas a grande parte do país era contra a escravidão, especialmente a população dos Estados do norte e, só por volta do ano de 1850, uma lei federal proibiu o comércio escravo em Washington, no entanto, a escravidão seria definitivamente abolida pelo Presidente Americano Abraham Lincoln só em 1863, quando a guerra Civil Americana havia já começado dois anos antes. Proprietários de escravos que decidiram ficar do lado da União Nortista, composta por estados que apoiavam a abolição da escravidão e leais ao Presidente Americano, foram recompensados com 300 dólares por cada escravo libertado.

Companheiros, já vamos longe, deixemos os cemitérios e os escravos em paz, continuemos para norte, tendo quase a certeza de que não regressaremos ao sul sem parar em Nova Jersey, na histórica cidade de Newark, o bairro do Ironbound, visitar o “Portuguesa” Ferry Street, comprar bacalhau, azeite ou castanhas, ver os restaurantes e padarias portuguesas, não querendo falar outra vez na Gracinda, aquela das tranças, que adorava vestir de preto, já com os dedos das mãos tortos, de montar os esqueletos dos colchões, lá na “fábrica dos colchões” onde trabalhava, que diziam que “mandava” no seu marido, o Manuel Murtosa, que era encarregado, mas na linguagem emigrante, era “puxa” na construção, que dizia que a Inês, uma rapariga portuguesa espanholada, que praticamente vivia na Ferry Street e, na boca da Gracinda, fazia favores aos homens honrados e trabalhadores, era mesmo o “diabo em figura de gente”, uma tentadora, com aquele corpinho jeitoso, fazia com que os homens perdessem todo o seu tempo livre na Ferry Street, agora usava pinturas, fumava, fazia a permanente e usava uns óculos à “Hollywood”. Um dia o seu Manuel apareceu em casa a cheirar a tabaco, e ela, a Gracinda, mulher honrada e respeitadora, que nunca falou da vida de ninguém, não sabia porquê, aquele cheiro a tabaco, tudo isto, porque ela, a Inês, aquela espanhola que parecia portuguesa, trabalhava na “fábrica dos óculos”, e lá, segundo o seu parecer, era tudo uma “putaria”, ou então quando se lastimava que, o António Serrano, vítima de um acidente, pois entrou com o seu carro para debaixo de um camião, era quase uma hora da manhã, quando vinha do trabalho, na “fábrica do cobre”, depois de fazer dois turnos seguidos, morreu a uma quarta-feira, e já tinha quase 30 horas de “overtime”, lá na companhia onde trabalhava e, agora a Rosa, a viúva, anda por aí a “dá-lo e a gastá-lo”, até já foi à Flórida, ao parque do Walt Disney, com aquele “garoto” com quem anda agora metida.

Enfim, era a Ferry Street do nosso tempo, em que a filha dos nossos vizinhos do segundo andar, que também eram de origem portuguesa e, sempre diziam que a sua filha era irreverente e mal educada, pois ela, era a segunda geração de emigração portuguesa, não apreciava roupas escuras, xailes, tranças no cabelo, grandes bigodes, vinho, carne de porco salgada, couves e pão caseiro, adorava coca-cola, hamburgueres e batatas fritas e, pela manhã, ao cimo das escadas, quase sem roupa interior, esticando os braços para o céu, nos falava em inglês, sorrindo:
“what a beautiful day, let's enjoy it”

Tony Borie, Dezembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15451: Libertando-me (Tony Borié) (46): O Bairro de Ironbound, Newark, N.J. - USA

domingo, 6 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15451: Libertando-me (Tony Borié) (46): O Bairro de Ironbound, Newark, N.J. - USA

Quadragésimo sexto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




“We Speak English”

Cada País tem o seu idioma oficial, todavia em alguns, praticam-se diversos, mas, por vezes, pelo menos por aqui, tirando a normal conversação entre pessoas que se querem compreender, pelo menos nós emigrantes, ao ouvir esta frase, vinda da boca de algumas personagens em certas ocasiões, mostra um pouco de, “arrogância”, “xenofobismo”, “querer ser mais”, “mostrar que a pessoa com quem se fala, não tem suficiente educação escolar”, ou única e simplesmente, “querer mostrar-se”.

Nas novas gerações, em qualquer País, é normal falar inglês e, claro, sem o perceberem, estão a esquecer o idioma da sua Pátria, todavia, não é o caso dos emigrantes que viveram ou ainda vivem no Bairro do Ironbound, na histórica cidade de Newark, do lado de lá do rio Hudson, no estado de Nova Jersey.

Muito antiga, fundada no ano de 1666, a cidade de Newark é a cidade com mais habitantes no estado de Nova Jersey e, dada a sua localização, é uma das principais cidades da região metropolitana de Nova Iorque, além de centro comercial, industrial e financeiro, que é a Baía do Rio Passaic que abriga um dos maiores portos de mar, inaugurado no ano de 1831, onde chegava o carvão das minas do estado de Pensylvania para sustentar as unidades fabris da região. Também aqui está localizado o segundo principal aeroporto que é o conhecido mundialmente, o Aeroporto Internacional de Newark, que movimenta quase 30 milhões de passageiros anualmente.

Mas hoje companheiros, não estamos aqui para falar das potencialidades da cidade, mas sim de nós, portugueses, emigrantes do século passado, onde quase todas as conversações entre nós era, trabalho, trabalho e quase só trabalho, onde a palavra “yes”, (sim), ou “overtime”, que neste caso, quer dizer mais ou menos “horas extrordinárias”, era sempre uma das primeiras que se aprendia.

Portanto, cá vai.

Existe por aqui o tal bairro operário chamado Ironbound, mais conhecido pelo bairro português, no qual existe grande concentração de portugueses, onde a principal rua é a Ferry Street, cujo segundo nome é “Portugal Avenue”, ou seja Avenida de Portugal.


À medida que os emigrantes Portugueses foram chegando à cidade, atraídos pela concentração de indústria que existia na altura, principalmente no tal bairro do Ironbound, que quer dizer mais ou menos “rodeado de ferro”, com intensa actividade comercial e industrial, cercado de linhas férreas, era um lugar muito atractivo, para quem tinha desejos de trabalhar, onde estes homens e mulheres, de descendência portuguesa, com a sua força física e dedicação, por vezes destruindo a sua própria saúde, compensavam a falta de educação escolar.

As raízes portuguesas na área são profundas, com os primeiros emigrantes, talvez chegados na década de 1910, mas o grande afluxo de portugueses veio na década de sessenta e setenta do século passado, porque hoje, a emigração de Portugal é praticamente inexistente, mas o idioma português mantém-se estável e, se voltássemos àquelas décadas do século passado, podíamos ver e ouvir, em qualquer rua do bairro do Ironbound, este cenário:
“...a Gracinda, casada com o Manuel Murtosa, que é encarregado de uma “gang” de construção de valas para esgoto, homem robusto e respeitado, até tem “pic-up” da companhia, onde todos os dias, por volta das quatro ou cinco horas da manhã, pois o trabalho é longe, lá para os lados de Riverville, transporta os outros cinco companheiros do seu grupo. Hoje é domingo, eles, os homens, estão para a “Ferry Street”, foram ouvir o relato e beber uns copos, ela, a Gracinda, neste momento de domingo à tarde, está sentada nas escadas de entrada do edifício onde residem, num compartimento de cave, que repartem com a Ermelinda e o João de Verdemilho, anda sempre vestida de preto, gosta desta cor, às vezes, quando vai à missa, até põe qualquer coisa de outra cor, especialmente uma blusa branca, que uma vizinha lhe trouxe da “fábrica da costura”, onde trabalha, está sol, começou por pentear-se, desfez, tornando a fazer as tranças, deu-lhe duas voltas, fazendo um “carrapito”, os dedos das suas mãos, já estão um pouco tortos, é dos calos, tem que falar com a Nazaré, que trabalha na “fábrica das peles”, para lhe trazer umas luvas, pois ela, trabalha na “fábrica dos colchões”, ganha mais que as outras, compete com os homens, trabalha à peça, monta o esqueleto dos colchões, encaixa as molas, “tudo a pulso”, ali, em frente ao “boss”, que é o seu chefe, mas é “cheap”, pois não lhe dá, lá muito “overtime”.
Ali sentada, entretem-se a falar com a Ermelinda, está um pouco enjoada, pois comeu uns chocolates que a Alzira lhe trouxe, aquela das “ilhas”, que trabalha na “fábrica dos chocolates”, parece que lhe “caíram” mal, vai remendando umas meias do seu Manuel, até nem precisava, pois tem mais três pares, que lhe trouxe a Manuela, aquela rapariga alta, que tem cara de homem, pois dizem que corta o bigode, que trabalha na “fábrica das meias”, mas está a guardá-las para levar para Portugal, quando lá for, por altura das vindimas, pois a sua casa, que ela diz a todos que é uma pequena “mansão”, lá em Portugal, precisa de ser aberta e arejada e, talvez necessite de pintura, pois à beira do mar, o vento e a chuva, às vezes traz sal”.

E continuando, diz: Porra, Caral.., que já me espetei na agulha, Santíssima Nossa Senhora de Fátima me perdoe que hoje é “Sunday”, (Domingo), e estou a dizer asneiras, já me esquecia, lembra-me por favor, o meu Manuel tem que chamar o Eurico, aquele da Agência, que fala muito bem inglês, para ir com ele terça-feira ao aeroporto, para “grab” (agarrar) o José Maricas, que foi a Portugal, creio que lhe morreu um irmão, pois ele não sabe o caminho e, já agora, tu sabes se a Filomena, aquela solteirona, que anda “in love” (apaixonada) com aquele “bonitinho”, que anda a estudar, que trabalha em “part-time” (meio tempo) na farmácia, ainda trabalha na fábrica da “meat” (carne), em Jersey City, queria ver se ela ”bring” (trazer) umas chouriças italianas, o meu Manuel “like” (gosta muito) fod.-.., caral.. que já me espetei outra vez, olha, precisamos de uma panela maior para cozinhar as batatas, couves e a carne de porco salgada, tu sabes, caldo e conduto ao mesmo tempo, para todos nós, vamos falar com a Isaura, aquela que trabalha na “fábrica das cafeteiras”, para ver se nos arranja uma, das grandes, o meu Manuel já tem quase cinquenta garrafões vazios, daquele vinho da Califórnia “Paisano”, que parece português, para “send” (mandar) para Portugal, quando houver lugar no Contendor da agência do Eurico, que sai do porto de Newark, pelo menos quatro vezes ao ano, tu sabes que o Orlando da mercearia, na Ferry Street, já não põe as coisas em “vegas” (cartuchos) de papel, que eram tão jeitosas, eu até andava a guardá-las para levar para Portugal, agora usa “vegas” de plástico, aquela merda rompe-se toda.

Voltando aos dias de hoje, esta linguagem era corrente e comum, as ditas “asneiras” eram normais, o bairro do Ironbound é um bairro onde o idioma inglês é pouco ouvido, sendo superado pelo idioma português, com palavras em inglês pelo meio, ou mesmo espanhol, tornando-se num bairro famoso, chegando a ser considerado uma das maiores concentrações de portugueses, fora de Portugal, aqui existia tudo o necessário para se poder viver, falava-se, e ainda se fala em alguns lugares, português com sotaque do Minho ao Algarve, com algumas palavras de inglês pelo meio, nos restaurantes, bares, casas de mercearia, alfaiatarias, sapatarias, peixarias, galinheiros, padarias, lojas de fruta, farmácias, lojas de ferramentas, consultórios de doutores, dentistas ou advogados, hospital local e agências de viajem. Construiu-se uma igreja, ao domingo havia e continua a haver, missa em português, oficinas mecânicas e venda de carros e, muito mais, em algumas ruas, em alguns estabelecimentos, onde só viviam portugueses havia letreiros, dizendo: “WE SPEACK ENGLISH”.

Pois às vezes, também por lá passava uma pessoa de origem americana.

Tony Borie, Dezembro de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15422: Libertando-me (Tony Borié) (45): Antes éramos cowboys

domingo, 29 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15422: Libertando-me (Tony Borié) (45): Antes éramos cowboys

Quadragésimo quinto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Antes, éramos Cowboys, agora somos Índios!

Era ainda manhã, a estrada rápida número 75, no sentido norte, nas proximidades da cidade de Atlanta, no estado da Geórgia, era uma azáfama, todos procuravam o seu rumo, a estrada dividia-se, havia seis ou sete pistas para cada lado, mas passavam uns pelos outros, fazendo sinal para esquerda ou para a direita, procurando a saída para o seu destino. O nosso rumo era o norte, lá íamos seguindo, até que o trânsito ficou mais livre, já tínhamos passado a cidade, estávamos quase na fronteira, passando-a, para o estado de Tennessee, continuámos no sentido norte, passando ao lado da cidade de Chattanooga, até nos surgir a placa de sinalização da estrada estadual número 60, depois a 58, tomando em seguida uma estrada rural, que dá pelo nome de Blythe Ferry Lane, que segue entre pequenas povoações, quintas, pequenos lagos e pântanos, acabando em frente ao rio Tennessee, onde está localizado o “Cherokee Removal Memorial Park”, onde parámos.

Companheiros, temos que interromper para vos dizer que hoje, nas nossas viagens por aqui, vamos falar de um local que nos merece muito respeito, onde a história nos diz que uma nação se constrói por períodos bons e outros menos bons, como esta grande Nação que nos recebeu de “mãos abertas”, a nós europeus e nos deu aquilo que o nosso País de nascimento, por quem todos demos a vida numa frente de combate, e agora falando de nós, pessoas simples do povo que éramos, sem educação superior e, essa mãe Pátria, esse nosso querido Portugal, sempre nos colocou numa posição de pessoa inferior, talvez por entre outras coisas, os nossos progenitores sempre dizerem não a certas situações que privilegiavam outros, que nada faziam para contribuir para uma sociedade mais justa.

Perdoem lá, já me estou a desviar com palavras que nada têm a ver com a nossa conversa de hoje, vamos continuar. Este local, cujo nome já mencionámos, que quer dizer mais ou menos, “Parque Memorial da Remoção do Povo Cherokee”, é visitado por quem tem, ou quer ter, algum conhecimento do que foi o destino dos verdadeiros americanos, aqueles a quem ainda chamam “Índios”.


Aqui, neste local, existe alguma informação daquilo que foi um dos capítulos mais sombrios da história americana, que foi o acto desprezível da remoção de alguns povos, entre eles os “Cherokees”, os “Chickasaw”, os “Choctaw”, os “Creeks” e “Seminoles”, na altura chamadas de “As Cinco Tribos Civilizadas”, que por aqui viviam com alguma autonomia política e que deveriam ser considerados americanos do sul. Aqui começou o “Trail of Tears”, que tem muitas traduções, mas para nós quer dizer mais ou menos o Caminho das Lágrimas, mas na linguagem Cherokee é chamado de “Nunna daul Isunyi”, “O caminho onde eles choraram”, que fez correr muitas lágrimas e é uma marca negra na história americana, que nunca poderá ser justificada ou explicada, mas como em tudo na vida, nenhum de nós tem qualquer culpa de actos menos felizes, praticados pelos nossos antepassados, temos é que aprender e fazer com que nunca mais se repitam.

Em 1835, alguns representantes auto-nomeados da nação Cherokee, ao fim de alguns anos de negociações, assinaram o Tratado de “New Echota”, onde diziam que trocavam as suas terras a leste de Mississippi por cinco milhões de dólares, que envolvia assistência para a deslocalização assim como a compensação pela propriedade perdida, deste modo, as tribos indígenas localizadas a leste do rio Mississippi foram forçadas a viajar no “Caminho Cherokee das Lágrimas”.


A história diz que, pelo resultado deste tratado, documento com base numa lei de 1830 (Indian Removal Act), assinado pelo Partido Ridge nunca foi aceite pelos líderes ou pela maioria da tribo Cherokee, representada no Partido Ross, mas esse pormenor pouca influência iria ter, pois as tensões entre os representantes do estado da Georgia e do povo Cherokee ficaram tensas com a descoberta de ouro nas proximidades de Dahlonega, no estado da Georgia, em 1829, onde alguns historiadores dizem que esta foi a primeira “corrida ao ouro” na história dos EUA.

Quando o povo Cherokee assinou o tratado, foi-lhe prometida a tal quantia em dinheiro, que devia ser paga em ouro, todavia não sabemos se foi paga em ouro ou em papel impresso, cedendo as suas terras ao governo federal, começando assim a sua migração forçada por mais de 1200 milhas para o chamado Território Indígena, que é hoje o actual estado de Oklahoma. Os nativos sofreram muito com esta migração, e vários morreram durante as viagens e nos acampamentos forçados, que se formavam durante esta migração, estimando-se que, da tribo Cherokee, de uma população de 15.000, vieram a falecer cerca de 4000.

Centenas de escravos e afro-americanos libertos, que viviam com os índios, acompanharam-nos nesta migração, por este Caminho das Lágrimas, muitos foram transportados em grandes carroças, mas a neve e o frio de inverno dificultavam este procedimento e, com a diminuição da comida, havia racionamento, alguns moradores das aldeias por onde passavam iam ajudando, viajando em barcos ou jangadas, quando era possível pelos rios ou pântanos, mas quando a temperatura baixava, os rios congelavam, forçando a pararem e formarem acampamentos onde iam morrendo, principalmente por serem mal alimentados, onde a maioria das mortes ocorria por coqueluche, tifo, disenteria, cólera, infecções ou gripes, assim como a fome, foram essas as epidemias que ao longo do caminho assolavam esses acampamentos.


O Presidente Martin Van Buren enviou o General Winfield Scott 7000 soldados para organizar o processo de remoção. Scott e as suas tropas forçaram o povo Cherokee para fora das suas casas, na ponta das suas baionetas, enquanto outros saqueavam casas e pertences. Um dos soldados da operação, sob as ordens do general Winfield Scott, escreveu: “Eu lutei nas guerras entre países e disparei contra muitos homens, mas a remoção Cherokee foi o trabalho mais cruel que eu conheci”.

Um filósofo francês, no ano de 1831, testemunhou esta migração forçada, escrevendo na altura: “Pairava no ar um sentimento de ruína e destruição, era o fim destes atraiçoados, era o seu adeus, ninguém poderia aqui assistir sem sentir um aperto no coração. Os Índios estavam quietos, sombrios e tactiturnos, perguntei a um deles por que deixavam as suas terras, responderam-me, “para serem livres”. Assistimos à expulsão de um dos mais famosos e antigos povos americanos”.

Aqueles que resistiram, querendo ficar nas suas terras, foram objecto de intimidação legal e perseguição, tendo as suas casas sido derrubadas e queimadas, assim como o seu gado.

O governo federal prometeu ao povo Cherokee, que a sua nova terra, ou seja o tal “Indian Territory”, que é hoje o estado de Oklahoma, iria permanecer sua para sempre, sem serem molestados, mas a força da colonização branca empurrou-o para o oeste e foi encolhendo, encolhendo, o espaço do “Indian Territory” e, claro, quando em 1907, Oklahoma se tornou num estado, o “Indian Territory”, tinha ido embora para sempre. Muitos anos passaram, hoje a população Cherokee, que mantém o seu próprio alfabeto, portanto fala a sua língua, teve alguma recuperação e são esses índios o maior grupo nativo americano.

Depois de algum tempo de meditação, deixámos este parque, localizado no meio de alguns pântanos, em silêncio, também sombrios e taciturnos, passados quase dois séculos, em respeito por este povo.

Tony Borie, Novembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15394: Libertando-me (Tony Borié) (44): Simplesmente Fernando

domingo, 22 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15394: Libertando-me (Tony Borié) (44): Simplesmente Fernando

Quadragésimo quarto episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 18 de Novembro de 2015.




Simplesmente, Fernando

Quando um caminho rural se separa, com uma simples placa de sinalização, normalmente colocada numa velha árvore, paramos, pensando por momentos, mas seguimos o nosso destino, ficando no nosso pensamento, onde nos levará o outro caminho, na outra direcção. É como em tudo na vida, ninguém tem o poder de adivinhar o futuro, seguimos o nosso caminho, pensando sempre que para a frente haverá primavera, flores aqui e ali, algum sol, aves exóticas chilreando, homens, mulheres e crianças sorrindo, árvores com fruto, rios de água pura, prados verdes onde animais pastam, um sossego divino, enfim, um mundo agradável para se viver.

Quase nunca queremos voltar para trás, ir ver de novo a placa de sinalização, pois sabemos que não está lá escrito, que naquela direcção é inverno escuro, frio, não existe vegetação, árvores, sol, homens, mulheres e crianças sorrindo, enfim, só lá existe guerra pela sobrevivência, entre outras muitas coisas, alguma fome, injustiça, discriminação, onde só nós, os seres humanos, podemos modificar o ambiente educando, dando exemplos de solidariedade, perdoando, tentando fazer a diferença.

Tudo isto, companheiros, vem a propósito de que ele, o Fernando Vasconcelos, andou por lá, em Bissau, na Guiné, nos anos de 1965/68, não como militar, trabalhava para um “colonialista”, perdão, vamos aqui interromper para explicar que, ao mencionar a palavra “colonialista”, não é nossa intenção desprestigiar o verdadeiro “colonialista”, pois todos sabemos que havia “colonialistas” no verdadeiro sentido da palavra e, as “pessoas ou até famílias colonialistas”, que única e simplesmente foram para África procurar um meio melhor de sobrevivência, eram honestas no tratamento com os naturais, ajudavam, ensinavam, conviviam, repartiam a sua casa, os seus bens, criavam motores de desenvolvimento, dando comida, trabalho, ajudando em caso de doença, enfim, proporcionavam aos naturais uma vida melhor, uma vida mais fácil, criando e desenvolvendo uma comunidade, onde todos se conheciam e entendiam, onde os naturais tiravam algum proveito da presença das tais pessoas que iam da Europa, na procura de uma vida melhor.

Vamos continuar, este “colonialista” tinha estabelecimento em Bissau, os seus negócios desenvolveram-se com a situação de guerra que se vivia na altura, a chegada de militares, vindos da Europa, eram potenciais clientes, pois todos os que conseguiram sobreviver àquela maldita guerra, sempre que vinham, ou mesmo se estivessem estacionados na capital, entre duas cervejas, um passear pela marginal, reparavam naquelas letras pintadas por cima da porta de entrada que anunciava a Casa António Pinto, “Pintozinho”, onde compravam a máquina de fotografar “Leica M6”, o rádio portátil a pilhas “Sony”, o par de sapatos “de pala”, (que não eram necessário atacadores), a camisa branca de manga curta, importada de Macau, o relógio de pulso “Cauny”, (alguns, muito grandes, com cronómetro), para não falar nos óculos “Ray-Ban”, que eram um “luxo” e faziam “manga de ronco”.


Voltando ao Fernando, ele nasceu no Bairro da Mouraria, vivendo e trabalhando na altura em Lisboa, no Bairro das Mercês, o seu pai, que relembra, enxugando uma lágrima furtiva, tocava guitarra, conhecia melhor o nome das ruas da capital que um motorista de táxi, pois caminhava todos os dias daqui para ali, fazendo entregas ou outras coisas, lidava com pessoas, era, e ainda é, muito comunicativo, houve uma oferta de emprego para uma província do então Ultramar, recomendaram-no, ele lá foi à entrevista, numa casa com algum luxo no Estoril, ficou entusiasmado com a oferta, umas semanas depois, navegando no barco “Alfredo da Silva”, da Companhia Colonial de Navegação, com paragens de rotina na Ilha da Madeira e em Cabo Verde, desembarcando finalmente na então província da Guiné e, para quem o tinha visto em Lisboa, agora podia vê-lo em Bissau, atencioso por trás do balcão e não só, fazendo vendas, explicando, falando a nossalinguagem de nós, militares. As vendas aumentaram, já andava por fora, nos aquartelamentos, fazendo contratos para produtos de consumo, já conhecia e convivia com alguns militares com patente superior, deslocava-se mesmo a Cutia ou a Mansoa, o patrão prometia, mas no final do mês, no acerto de contas, havia sempre uma desculpa em favor deste.

Um dia até lhe disse, com ar muito sério: “Se conseguirmos vender “mil contos mensais”, vou dar a cada funcionário um corte de fazenda para um fato, dos melhores”.

Vendiam até mais, mas dava a desculpa de que os produtos que não davam lá muito lucro, portanto a promessa não era cumprida e o tal corte de fazenda, que aqueles “costureiros, fulas, papeis, balantas e mandingas”, que nós todos víamos nas ruas de Bissau e não só, em frente a uma máquina de costura “Singer”, nunca tiveram oportunidade de tirar as medidas ao corpo do Fernando para lhe fazer o tal fato, da tal melhor fazenda.

Era popular em Bissau, tirou as licenças para conduzir automóvel e bicicleta, depressa fazia amigos, ajudava, repartia o seu ordenado por amigos guinéus mais carenciados, tendo algum dinheiro no bolso não havia fome ao seu redor, dizia ele que só conhecia “escudos”, os “pesos” eram da Guiné, portanto eram dos locais, não eram dele, eram de todos, dava-se com todas as pessoas com quem convivia, o local onde vivia era visitado e repartido tanto por civis como militares, andava, conhecia e confraternizava com pessoas, principalmente ao fim de semana, nos principais clubes de Bissau, em algumas festas a Polícia do Estado estava presente e pedia a sua colaboração, perguntando-lhe se conhecia aquele ou o outro, jurando-me ele, hoje, que nunca deu uma resposta comprometendo ninguém, dizia sempre que conhecia, mas não sabia mais nada, o que às vezes fazia com que a polícia lhe dissesse coisas como: “qualquer dia, vais dentro”.

Viveu alguns anos em Bissau, mas o seu patrão “colonialista”, fez como a outra direcção, da tal placa de sinalização, que mencionámos a princípio, que nos dirigia para o tal mundo de inverno escuro e frio, onde as pessoas não sorriem, não existem árvores de fruto, as pessoas lutam e morrem, não são compreensivas, não perdoam, fez com que deixasse de acreditar em promessas, em ganâncias, no lucro fácil, que normalmente é só temporário, assim despediu-se dos amigos e colegas de trabalho, dizendo que tinha que regressar à então Metrópole, por motivos particulares, todas as pessoas com quem tinha convivido acompanharam-no ao aeroporto de Bissalanca, numa “romaria”, fazendo “manga de ronco”, o que o fez pensar que o tempo passado na então Guiné foi uma experiência muito rica, pelo menos em pura amizade.

Hoje, o Fernando Vasconcelos vive aqui, com sua dedicada esposa, no estado da Flórida, viveu muitos anos no norte, no estado de New Jersey, onde constituiu família, de que se orgulha, continua a ser popular, entre outras actividades, tal com nós, é pescador, quando saímos a barra, enquanto uns admiram a paisagem, ele, o Fernando, começa imediatamente a preparar as canas, a iscar ou a encher os tanques com água salgada, continua a querer ajudar, às vezes entra pela nossa casa com um balde de camarão, fresco a saltar, ajudando todos que se lhe dirigem, levando os que necessitam, ao doutor, ao hospital, ao aeroporto, ou até a um Centro de Compras, onde muitos vão comprar coisas simples, onde já não existe à venda, aquele relógio de pulso, “Cauny”, ou um rádio a pilhas “Sony”, a que chamávamos, “o meu transistor”.

Amanhã, vamos à pesca do camarão, Fernando?

Tony Borie, Setembro de 2015.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15370: Libertando-me (Tony Borié) (43): Pois, se não viste, vê!

domingo, 15 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15370: Libertando-me (Tony Borié) (43): Pois, se não viste, vê!

Quadragésimo terceiro episódio da série "Libertando-me" do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66, enviado ao nosso blogue em mensagem do dia 10 de Novembro de 2015.




...Pois se não viste, vê! 

Já lá vão mais de trinta anos, muito perto dos quarenta, recebemos uma mensagem daí de Portugal, a dizer que o pai Tónio estava doente, depressa fizemos tudo para o ir ver, sobretudo, mostrá-lo ao nosso filho, pois em todas as conversas que tínhamos sobre ele, sempre falávamos dele como um “heroi”, não sabia ler ou escrever, assinava de cruz, mais tarde, desenhava o seu nome, criou a sua família, alimentando-a à base de uma agricultura artesanal, deixou os filhos irem à escola do Adro, em Águeda, tinha coragem para ser do “contra”, fazia favores aos vizinhos, por vezes dava o último bocado de broa a um cigano ou qualquer pobre que por lá passava, sempre com um sorriso naquele rosto com a pele morena e encorrilhada, do sol ou chuva que recebia, pegando numa enxada o dia inteiro, onde aquela boina preta, que encobria um olhar de sofrimento, lhe dava um ar de pessoa honesta e amargurada, sobrevivendo numa sociedade complicada, sempre contrariado quando descia à vila de Águeda, onde alguns invejavam a sua coragem e outros o desprezavam, porque eram beneficiados pelo tal sistema e viam naquela simples personagem, uma negação às benesses com que eram contemplados.

Portanto, depois de tudo o que lhe dizíamos, no pensamento do nosso filho, ele, o pai Tónio, era um “herói”. Na nossa viajem “à pressa”, levámos o nosso filho a ver o avô Tónio, o seu “herói”, fomos os dois, ia pela nossa mão, desembarcámos em Lisboa, tomámos um táxi para a estação de Santa Apolónia, trajecto que conhecíamos do serviço militar, lá indo no comboio rumo ao norte, era depois da Revolução do 25 de Abril, em todo o lugar por onde passávamos viam-se cartazes retratando um militar com uma multidão a apoiá-lo, ao ponto de o nosso filho nos questionar se a figura representada no cartaz, era o avô Tónio, o seu “heroi”. Em Águeda, além da família, convivemos com muitas pessoas e um companheiro que tinha sido nosso amigo, mas agora era “representante do povo”. Ao ver-nos, sabendo que éramos emigrantes nos EUA, logo nos questionou:
- Então, estás nos Estados Unidos, de lá, no sul, existe algum local onde se pode ver a ilha de Cuba?

E, com uma expressão que não enganava, pois era mesmo provocativa, rematou:
- Tu já viste, pois se não viste, vê, é lá, naquela ilha, naquele líder que está o futuro.

Nós ouvimos, lembrámo-nos de que não respondemos, pensando que aquelas palavras, vindo da boca de um amigo, que naquele momento, parecia se ter tornado num inimigo feroz, valiam o que podiam valer, no entanto muitos anos passaram, quis o destino que viéssemos viver aqui para a Flórida, portanto, talvez seguindo a recomendação do nosso amigo, que parecia ser nosso inimigo, “representante do povo” e, segundo viemos a saber, não exerceu por muito tempo a tal “representação”, pois pouco tempo depois abandonou o mandato, emigrando “a salto” para França, talvez desolado por todas as manhãs ao sair de casa ver que a sua rua continuava com o mesmo aspecto. Disse-nos mais tarde a mãe Joana que queria exercer o tal poder, mas em seu benefício, pois das primeiras decisões que quis tomar, após a sua eleição, foi querer alargar a rua em frente à sua casa, roubando o terreno dos seus vizinhos, alargando e beneficiando a frente da sua casa, o que não conseguiu, pois o tal “seu povo”, não concordou.
Enfim, pequenas “coisas da revolução” que podem ser consideradas normais, em qualquer revolução, em qualquer país, mas vamos em frente, contando coisas daqui.

Como dizíamos, talvez seguindo a sua “recomendação”, um dia pela madrugada, um pequeno farnel na caixa frigorífica, eis-nos na estrada rápida número 95, no sentido sul, em direcção à área das “Florida Keys”, que é um conjunto de ilhas ligadas por pontes, algumas com quilómetros de extensão, que começa na ilha de Key Largo, passando por muitas outras mais pequenas, onde as principais são as ilhas de Islamorada e de Marathon, terminando na de Key West.

Levámos as canas de pesca, fomos parando aqui e ali, vendo vestígios de tempestades, em alguns locais o mar parecendo um rio, em outros, correntes fortes saindo Golfo, levando areia e ramagem em direcção ao sul, até que chegando ao nosso destino, parámos na ponta final, na ilha de Key West, onde além de muitas outras atracções existe um marco histórico identificando o local como que estando a 90 milhas, (140 Km) de Cuba, onde alguns naturais dizem que com o tempo limpo, com o auxílio de uns potentes binóculos se pode ver uma nuvem, que é a ilha de Cuba.

Mas Key West é uma ilha cujas dimensões têm mais ou menos 6,5 Km de comprimento por 1,5 de largura, onde a Duval Street é a típica “main street”, ou seja a rua principal, com quase 2 quilómetros, atravessando 14 pequenas ruas que vêm do Golfo, onde a água é calma e quente, até ao oceano Atlântico, onde a água se caracteriza pela sua cor azul, com muitas zonas onde existe vegetação submarina, com algas a saírem à superfície, desprendendo-se do fundo do oceano, vindo dar à praia.


Nestas 14 pequenas ruas, assim como na avenida principal, existe todo o tipo de atracções, desde as casas de personagens famosos que por aqui viveram em determinado momento da sua vida, como os antigos presidentes dos USA, Harry Truman, Franklin D. Rosevelt, Dwight D. Eisenhover ou John F. Kennedy. Um lugar bastante visitado é o que foi a residência de Ernest Hemingway, onde viveu e escreveu o famoso livro “Farewell to Arms”, onde contam as mais mirabolantes histórias deste famoso escritor que adorava visitar o bar da esquina, que ainda se chama ”Sloppy Joe’s Bar”, onde ainda se serve uma bebida composta de rum e coca-cola, ou seja a união do continente USA com as Caraíbas! O pôr-do-sol é muito apreciado nesta área, proporcionando excelentes fotos, onde as palmeiras e outras ramagens tropicais servem de fundo, em contraste com com a cor avermelhada do horizonte, principalmente para o lado da ilha de Cuba. Também por aqui existe um razoável porto de mar, onde o primeiro navio de cruzeiro, que se chamava “Sunward”, aqui atracou no ano 1969 e onde hoje fazem regular visita as companhias de cruzeiros: Royal Caribbean, Magesty of the Seas ou a Carnival Fascination.

O local mais visitado, e onde se tiram mais fotos, onde em alguns dias a fila se prolonga por algum tempo, principalmente quando chegam barcos de cruzeiro, é o marco histórico assinalando as 90 milhas de Cuba, erguido em 1983, pintado com cores distintas e com os dizeres já famosos, que são: “Southernmost Point Continental USA”, ou seja, ponto mais ao sul do território do Estados Unidos. Outras atrações podem-se considerar única e simplesmente admirar as casas, os seus telhados, no histórico distrito, onde as estruturas de casas de madeira, com um ou um e meio andares, com datas de 1886, se distinguem por serem construídas sobre estacas de tronco de árvores, sobre a água, com varandas e passeios em frente das casas, que nos fazem lembrar um quadro pintado.

Embora indo um pouco longe na dimensão do texto, não queremos terminar o mesmo sem vos dizer que esta ilha em tempos pré-colombianos, era habitada pelo povo “Calusa”, que foi um povo que entrou no que é hoje a Florida há alguns milhares de anos, onde o clima tinha alcançado as condições actuais e o mar tinha subido para perto do que é hoje o seu nível actual e as pessoas começaram a viver em aldeias perto de zonas húmidas, locais favorecidos, que provavelmente foram ocupados por várias gerações, onde as pessoas apreciavam viver, ocupando ambas as zonas húmidas, mas com água doce e salgada, onde por séculos, a sua dieta ficou dependente, principalmente de peixe, marisco ou aves, vivendo em grandes aldeias, com montes de terraplanagem, construídos de propósito, às vezes formando pequenas ilhas, onde além de outras ocupações, começaram a criar a cerâmica queimada no fogo, onde se foi desenvolvendo uma cultura regional muito distinta.

Tudo isto até que por aqui chegou a primeiro europeu, que foi Juan Ponce de Leon, por volta do ano de 1521, tornando-se imediatamente num território espanhol, como uma aldeia de pescadores e de salvamento, com uma pequena guarnição para sua defesa. “Cayo Hueso” foi o seu nome original em espanhol e as pessoas de língua espanhola ainda hoje usam este termo para se referir à ilha de Key West. Este nome significa literalmente “ilhota óssea”, mas na verdade é uma ilha baixa, com alguns recifes, dizendo-se hoje que a ilha estava coberta com os restos de ossos de habitantes nativos anteriores, que usavam a ilha como um cemitério comunal. Um pormenor importante é que esta ilha, naquele tempo, foi por muitos anos a Key (em inglês chave), portanto a chave ocidental, como um suprimento confiável de água.

Em 1763, quando a Grã-Bretanha assumiu o controle da Florida, a comunidade de espanhóis e nativos americanos que aqui viviam, foram transferidos para a aldeia ou porto de Havana, na ilha de Cuba, mas a Flórida retornou ao controle Espanhol 20 anos mais tarde, no entanto já não houve reassentamento oficial da ilha, pois informalmente esta foi usada pelos pescadores de Cuba, Britânicos e mais tarde os USA, após a sua independência, o que quer dizer que enquanto reivindicada a sua soberania pela Espanha, nenhuma outra nação exerceu o controlo sobre esta comunidade, por algum tempo.

Voltando ao tempo de hoje, também existe a parte moderna, já com centros comerciais, restaurantes e hotéis “temáticos”, onde nós, na nossa infinita ignorância, perguntámos o preço de uma dormida e, talvez por ser à última hora, sem marcação prévia, nos disseram que estavam superlotados, mas por sermos seniores e talvez “boas pessoas”, nos arranjariam um confortável quarto, pagando somente à volta quatro centenas de dólares por uma noite.

Companheiros, depois de terem a pachorra de lerem tudo isto, talvez já se estivessem esquecido se o pai Tónio sobreviveu, sim, sobreviveu e mais tarde veio aqui ver-nos, andou por Nova Iorque com a mesma boina na cabeça, viu a Broadway, foi ao cimo das torres gémeas, tirou fotos na Manhattan Bridge, comparou o rio Hudson ao rio Águeda, queria descalçar as botas, pois estava muito calor e queria refrescar-se. Entrando no lago que existe no Central Park, e apesar de levarmos as canas de pesca, não tivemos lá muita sorte na “pescaria”, e claro, da próxima vez que pensarmos em ir a Key West, vamos levar a caravana, pois derivado ao elevado preço que se pratica lá, viemos dormir à cidade de Miami, por os normais $69.99, com direito ao pequeno almoço.

Até qualquer dia, de novo em viagem.
Tony Borie, Novembro de 2015
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15340: Libertando-me (Tony Borié) (42): As Regras da Escola