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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19159: Recortes de imprensa (98): "Diário de Lisboa": o assassinato de Amilcar Cabral em 20 de janeiro de 1973 e a escalada da guerra no CTIG... Sete dias depois, assina-se o Acordo de Paz de Paris, que vai estabelecer o cessar-fogo no Vietname...




Diário de Lisboa, segunda-feira, 22 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17989, Ano 52, Segunda, 22 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5387 (2018-11-1)


Diário de Lisboa, terça-feira, 23 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17990, Ano 52, Terça, 23 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5250 (2018-11-1)


Diário de Lisboa, quarta-feira, 24 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17991, Ano 52, Quarta, 24 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5251 (2018-11-1)



Diário de Lisboa,  quarta-feira, 24 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17991, Ano 52, Quarta, 24 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5251 (2018-11-1)


Diário de Lisboa,  domingo, 28 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17995, Ano 52, Domingo, 28 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5258 (2018-11-1)

Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Fundo; Documentos Ruella Ramos (Com a devida vénia...)


1. Dia 20 de janeiro, à noite, em Conacri, era assassinado, por elementos do seu próprio partido, o Amílcar Cabral.  Os jornais portugueses, sujeitos à censura prévia, só deram a notícia 48 horas depois. É, pelo menos, o caso do "Diário de Lisboa", conotado com a "oposição democrática" ao regime de Salazar-Caetano. O noticiário é cauteloso. E dá-se a subentender que os "falcões" do PAIGC é que estão por detrás do assassinato do líder...

Em boa verdade, houve uma escalada da guerra, depois da morte de Amílcar Cabral. Os "falcões" do PAIGC, o regime de Sékou Touré e os russos são, sem sombra de dúvida, os ganhadores.  Spínola sai, claramente, como "perdedor"... Ironicamente, chamou-se Op Amílcar Cabral à escalada da guerra por parte do PAIGC, desembocando nas batalhas dos 3 G (Guidaje, Guileje e Gadamael) e na entrada em cena do míssil Strela, fornecido pelos russos, e culminando com a declaração unilateral da independência da Guiné em 24 de setembro de 1973...

Da Guiné se disse, com maior ou menor propriedade, que foi o Vietname português...


2. Nessa mesma semana, são assinados, a 27 de janeiro de 1973, os Acordos de Paz de Paris (ou Acordo de Paris para o Fim da Guerra e Restauração da Paz no Vietname).

 O acordo ou acordos têm a assinatura dos governos da República Democrática do Vietname (Vietname do Norte), da República do Vietname (Vietnam do Sul) e dos Estados Unidos da Amércia, além do Governo Revolucionário Provisório (PRG) que representava o vietcong, apoiado pelo Vietname do Norte. Estes acordos puseram fim à intervenção direta, no Vietname,  das Forças Armadas dos EUA   e estabeleceram uma trégua temporária nos combates entre o Norte e o Sul.

Foram negociações demoradas, complexas, com altos e baixos, iniciadas em 1968, após a Ofensiva do Tet. Os principais negociadores em Paris foram o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos Henry Kissinger e o membro do Politburo norte-vietnamita Le Duc Tho. (Ambos irão receber nesse ano o Prémio Nobel da Paz, em reconhecimento do seu trabalho pela paz, embora Ler Duc Tho, tenha recusado o prémio, alegando que o processo ainda não estava completo. E a verdade, é que a guerra só vai chegar ao fim... em 1975, depois de14 anos de lutas sangrentas.
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quarta-feira, 28 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18464: Bibliografia de uma guerra (87): Walt, por Fernando Assis Pacheco (1937-1995), jornalista, tradutor, escritor e poeta (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Convém recordar que os primeiros anos após o 25 de Abril foram marcados seja por uma literatura irreverente, de um quase folguedo e bota-abaixo, seja por não pouca documentação de vingança, ajustes de contas e até assassinatos de caráter, como tudo era permitido, não faltaram insultos e calúnias, acreditava-se na impunidade.
É nessa paisagem que Walt precisa de ser redimensionado, arrancou com grande sucesso e hoje não se vislumbra, lamentavelmente, qualquer referência a este vistoso testemunho. Fernando Assis Pacheco socorreu-se de uma camuflagem óbvia, salta à vista desarmada que nenhum leitor confia tratar-se do Vietnam, acresce que o próprio escritor desvela o postiço da encenação, o desencontro dos nomes, toda aquela algazarra nem guerra mete é o início da viagem, ainda em terra, ali se condena a guerra, e mais bizarra que a missão que lhes está reservada é a bizarria das histórias que por ali se contam.

Um abraço do
Mário


Walt, niilismo e camuflagem na literatura da guerra colonial

Beja Santos

Foi um verdadeiro sucesso quando surgiu no final da década de 1970, Walt, por Fernando Assis Pacheco (1937-1995), jornalista, tradutor, escritor e poeta. Percebia-se à vista desarmada que não era a guerra do Vietnam a razão de ser daquela mirabolante noveleta, como ele próprio confessa:
“Este livro é uma prosa acerca dos malefícios da guerra entendidos no tempo do Inefável Marcial Caneta, quando se falava no Vietnam por coisas da causa. Causa que ninguém desposava; coisas que ficaram, alarves, para a gente conhecer enfim como puderam ser, e porquê. Não tenho por isso nenhum remoroso de estilo. Eu queria apenas dizer ‘Gare Marítima de Alcântara’, ‘Lisboa’, num ano qualquer entre 1961 e 1974.
Meto na prosa soldados, civis, incivis, chulos e putas, eu próprio estou lá, disfarçado de narrador-alferes, choro à bruta, gozo como um cabinda, narro, minto, finto o leitor, apetecia-me mandar o país Portugal ao tota, mas em segunda leitura sou um tipo baixo de moral e paro a meio palmo do traço proibido – ternuras!
O coração em brasa pelos indefesos, xandras incluídas, vem do tempo em que eu aprendia jornalismo. Atenção à Brenda, esse pedaço de coxa! E ao Joe Louis, afilhado inevitável! Bebi em todas as barras de zinco de Lisboa até encostá-los ao peito.
Viva o Português de 400 calhoadas ao minuto, que é por onde respiro”.

O barco que os aguarda chama-se Apocalypse. “Vejo claramente visto que já não é nova, a besta, mas para irmos aonde vamos qualquer traineira servia, qualquer caca inventada à pressão pelos altos poderes sereníssimos, desde que flutuasse. Atrás de mim, e de que partem vozes, o pelotão alinhado.”

As senhoras do Movimento Nacional Feminino são tratadas por Women of America: “Uma é alta, magra, ventas caiadas a batom, espalmada porém de mamas, a outra gorda e baixa, de um gordo e baixo de toucinho rançoso”. Andam a distribuir maços de cigarros sacados de uma bolsa de plástico. Inevitável, uma colisão com os gajos da PM, trava-se uma conversa hilariante, ali ao lado há uma alta vozearia que mete acusação de roubo de vários haveres, um chuleco arrepende-se. Aparece um major, não irá para a guerra do Vietnam, mas recapitula histórias do passado. Muitos a fazer pergunta: os senhores vão para o Vietnam? A resposta era sempre a mesma: Saigão. Conviria, para efeitos melhor entender esta prosa niilista, que joga com absurdos, nomes de militares do narrador-alferes transmutados em norte-americanos, dá conta de que tudo se passa à beira do cais, é o exato momento em que se avultam recordações, por exemplo daquilo que no passado se chamavam as meninas e as senhoras de mau porte, logo Brenda, assim desenhada: “Brenda de cabelo ruivo, ruivo pouco natural, atentas as tintas. O indicador direito castanho dos cigarrómetros. Mamas caídas, que se adivinhavam e eu depois tive tempo de analisar com a paixão do entomologista. Quarentas bem medidos, ou como ela metaforizou no minuto do chuveiro:
“Desculpa lá, pareço uma cafeteira toda rota”.
“Pareces nada”.
“Pareço. Precisava de dez pingos de solda para não dar barraca. Olha, deixa andar”.

Também se fazem previsões astrológicas, o narrador dá a sua data de nascimento, 1 de Fevereiro, nascido às seis da tarde, signo do Aquário.
A vidente responde:  
“É um signo muito especial, masculino e aéreo. O planeta dominante é Urano. Os nativos deste signo têm uma natureza tranquila, paciente, fiel e perseverante, geralmente são filósofos, refinados e ambiciosos”.
E depois vem a sentença:  
“Os nativos do signo do Aquário eliminam do caminho a maioria dos incidentes conflituosos, de sorte que o meu fraco préstimo se limita a desejar ao meu alferes dois anos de comissão muito frutuosos no Vietnam, como cumpre. Agradecia que o meu alferes pagasse antes em notas de dólar para eu ter trocos para outras consultas mais breves.

Prossegue o contingente de apresentações, as histórias de estúrdia, há para ali engatadores, aldrabões, chico-espertos, muitos copos, muita conversa ligeira, e volta-se a falar da Brenda, no fundo é uma das heroínas que fica em terra mas que aliviou muita tensão antes de se subir no Apocalypse para aquela inesquecível viagem: 
“A Brenda tem quarenta-zi, crava as pessoas, dá duas de conversa sem grande estilo, cheira mal do sovaco, usa uma roupa interior de cores idiotas, besunta o travesseiro com batom, não leu mais nada nos últimos cinco anos depois de uma porcaria de John O’Hara que saiu em filme, tem os dentes todos estragados dos chocolates, é um bocado estrábica, acorda de noite a falar do tempo, pinou-me um lenço com as iniciais do meu padrinho bordadas, pinou-me uma fita da boina para recordação”.

Aproxima-se o momento da partida, até parece que aquela orgia palavrosa vai ser metida na ordem, pois escreve-se:
“Soava ao meio-dia na torre de uma igreja deste fuso horário e ordens foram transmitidas à gare marítima para os oficiais terem os pelotões prontos daí a cinco horas. Partida às 17 prefixas, havendo feito de feição”.
Mas é puro engano, os relatos delirantes ganham outra dimensão, há para ali gente que anda na tropa a um horror de tempo, gente que confessa que sabe bem o que é que vai fazer até ao Vietnam, aquele pelotão tem gente de todos os estados norte-americanos, brancos, pretos e índios e outros descendentes de outras colorações, contam-se nas histórias naquela gare marítima com um vasqueiro monumental que aqueles três mil homens da expedição fizeram à passagem de uma carrinha da PM. Voltam a aparecer senhoras do Women of America, novo diálogo hilariante, a roçar o truculento, e nisto soa a sirene do Apocalypse, cada um pega na bagagem e sobe o portaló, nosso alferes recomenda que se suba com a espinha direita. "A viagem para Saigão vai começar e ficamos a saber qual é o nome do nosso alferes, é Walt".

Não mais, neste vastíssimo baú da literatura da guerra colonial, se voltou a escrever com tanta profusão este carrocel anarca, tão vistosa camuflagem para encenar o que lhes ia na alma, na Gare Marítima de Alcântara.

Resta dizer que Fernando Assis Pacheco foi fazer a sua guerra em Angola.
E disse.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18441: Bibliografia de uma guerra (86): “África, Quatro Ases e uma Dama”, por Fernando Farinha, Daniel Gouveia, Conde Falcão, Pedro Cunha e Maria Morais; Programa Fim do Império, Âncora Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

Sétimo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Talvez lá, como cá!

Quando, numa manhã fria de Janeiro do ano de 1965, foram dadas ordens a um Esquadrão de Caças F-105 da Base Americana de Okinawa, no Japão, para que se transferisse para a Base Aérea de Da Nang, no Vietname do Sul, para dar cobertura ao Corpo de Marines, que tinham por missão cruzar o Paralelo 17, que era uma linha de demarcação militar provisória e desmilitarizada entre o Vietname do Norte e o Vietname do Sul, estabelecida na Conferência de Genebra de 1954, que pôs fim à Guerra da Indochina, embora não coincidindo com o verdadeiro paralelo, pois no terreno era uma região um pouco a sul ao longo do rio Ben Hai, na província de Quang Tri, até à vila de Bo Ho Su e dali para oeste até à fronteira entre o Vietname e o Laos, foi quase o mesmo quando anos antes o responsável pelo então governo de Portugal disse em frente às câmaras de televisão, referindo-se ao então ultramar que, “vamos para a guerra e em força”.

Quando no dia seguinte, 49 destes caças levantaram voo da base de Da Nang, para atacar alvos do Vietname do Norte, fazendo com que a partir desse dia a guerra não ficasse mais restrita ao território do Vietname do Sul e, o primeiro desembarque de 3500 soldados americanos em Março, naquele território, já se havia transformado em 200 mil, em Dezembro do mesmo ano e, quando em 1973, as tropas americanas se retiraram do conflito, havia cerca de 58 mil soldados americanos mortos, contudo o conflito prosseguiu com a luta armada entre o Norte e Sul do Vietname, que ficou dividido, terminando em absoluto em 1975, com a invasão e ocupação de Saigon, então a capital do Vietname do Sul e a rendição total do exército sul-vietnamita, foi quase o mesmo quando os militares de Portugal, um ano antes, se revoltaram e destituíram o então governo de Portugal, ficando para trás um número de mortos, nas então províncias ultramarinas, que nós pelo menos não sabemos exactamente, mas devia andar pelas dezenas de milhar, talvez milhões, nas populações que foram ou viriam a ser afectadas pelo conflito, que infelizmente foi armado.

Quando terminou o conflito, no caso do Vietname, os números não eram precisos, mas oscilam entre milhão e meio a dois milhões de vietnamitas mortos, entre civis e militares, onde parte considerável desta população era economicamente activa, que morreu durante o conflito e, como se compreende, este facto provocou uma grave crise económica nos anos seguintes ao seu final, além dos talvez milhões de pessoas, oriundas do Camboja e do Laos, que foram arrastados para a guerra com a propagação deste mesmo conflito.


Comparações com a guerra que vivemos em África? Os números são gigantes, nós chamávamos aos guerrilheiros “Turras”, os americanos chamavam "Vietcongs". Este termo, abreviado para "VC", deu origem ao termo utilizando a fonética militar de "Victor-Charlie" de onde surgiu o nome "Charlie", também como apelido aos guerrilheiros, tirando isto talvez houvesse mais coincidências: na data, no combate e contacto com o inimigo nas selvas húmidas e pântanos da Guiné, mas em cenário de guerra não há lá muita comparação, nós lutávamos com um infinito de dificuldades, tanto em material logístico, como em alimentação, alojamento, assistência médica, evacuação de feridos e mortos em combate, tal como outros motivos de sobrevivência. Valia-nos, entre outras coisas, um pouco de audácia, coragem e improviso, em que éramos e continuamos a ser, pelo menos os que nasceram nos anos quarenta ou cinquenta do século passado, alguns com a instrução escolar mínima, um pouco melhor que a média, talvez por sermos descendentes de diversos povos que em tempos habitaram a Península Ibérica, que eram sobretudo guerreiros por natureza.

Nós aprendemos depressa que aquela era uma guerra que só poderia ter um fim político e não de luta armada, onde uma faca, por vezes era a melhor arma de combate e, a pior, no nosso modesto entender, era um avião. Enquanto os soldados americanos se armaram de grande poder de fogo, em artilharia e aviação de combate para destruir as bases inimigas e impedir as suas ofensivas, pois no terreno praticavam acções defensivas, deixavam a acção ofensiva para os F-105 e helicópteros armados, embora eles fossem treinados e instruídos para guerras ofensivas, os seus comandantes eram psicológica e institucionalmente pouco qualificados para essas acções defensivas, no entanto nós éramos treinados para lutar e ir ao encontro do inimigo, fazer aquelas incursões no terreno, diárias, ir ao encontro, não importava se a zona era perigosa e base de inimigos, nós tínhamos que caminhar por lá, calcar minas e fornilhos mortais, onde o inimigo usava os segredos daquela selva e daqueles pântanos em seu favor, onde havia a necessidade de beber a para nós, “célebre água da bolanha”, motivo por que hoje começam a aparecer sinais de doença, como por exemplo, entre outras, o cancro, de que não se sabe a origem.

Quando o Jack, que nasceu no estado do Wyoming, depois de fazer dois “tours” de seis meses cada à guerra do Vietname, regressou ao continente americano, continuou no Corpo de Marines, seguindo a carreira militar, pois as suas possibilidades de sobrevivência nas planícies do Wyoming eram montar um cavalo durante todo o dia, guardando manadas de vacas ou cavalos, comendo carne de algum animal que tivesse que ser abatido, carne essa que podia ser consumida assada ou seca e curada, para ser comida crua durante sete dias por semana, tal como o nosso sargento da messe, lá no aquartelamento de Mansoa, que era oriundo das planícies do Alentejo.

Quando o Smith, soldado do Alabama, que foi ferido em combate e transferido para o hospital militar de Saigon, hoje se faz transportar numa cadeira de rodas, se orgulha de ser combatente dizendo alto e bom som que não se queixa do destino, pois criou a sua família e sempre foi ajudado pelo governo, que lhe proporcionou algum conforto no meio da sua vida de pessoa com alguma desvantagem. Ou mesmo o John, soldado ferido em combate, a quem posteriormente foi amputado um membro superior, não quer qualquer ajuda, mudando ele mesmo a roda do seu carro, tal como qualquer João, José ou Manuel, companheiros feridos nas savanas da Guiné.

Tudo isto companheiros, vem a propósito de que os soldados americanos regressados dessa guerra, e nós somos testemunhas privilegiadas devido à nossa posição, quando em actividade de oficial da United Steelworkers, que é hoje o maior sindicato de trabalhadores de metalúrgica nos Estados Unidos, porque convivemos durante anos com alguns destes militares, por vezes mediando conflitos, que embora tivessem pouca instrução escolar e estivessem um pouco traumatizados, foram sempre encorajados na procura de trabalho, na compra de casa e outros bens. Existe mesmo um Banco dos Veteranos que lhes facilita empréstimos para compra de habitação ou qualquer outro investimento. Foram sempre preferidos e respeitados, por vezes bastava-lhes dizer que eram veteranos, que quase todas as portas se abriam, claro, havia excepções como em tudo na vida, mas os ainda sobreviventes da guerra do Vietname têm assistência. Existem os Hospitais dos Veteranos, localizados nas principais cidades de quase todos os estados, têm ajudas relativas em algum caso de necessidade extrema e, acima de tudo, orgulham-se do seu passado de combatentes. Quando começamos qualquer conversa, as primeiras palavras deles são para dizer que não querem nem ouvir a palavra, “Vietnam Syndrome”, levantam a cabeça e dizem bem alto que são veteranos de guerra. 

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
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Notas do editor

1 - Realce do último parágrafo do texto da responsabilidade do editor

Último poste da série de 14 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15745: Atlanticando-me (Tony Borié) (6): Às armas, às armas, contra os canhões, lutar... lutar!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14667: Filhos do vento (34): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": vídeo com a intervenção da jornalista Catarina Gomes



Vídeo (12' 42'')   > You Tube > Luís Graça

 [Pode-se aumentar o volume de som, clicando na imagem, em baixo, à direita]


1. Lisboa, Cinema São Jorge, Festival Rotas & Rituais, 2015 > 22 de maio: conferência "Filhos da Guerra".

Intervenção de Catarina Gomes, organizadora e moderadora do painel, em que intervieram ainda Margaridade Calafate Ribeiro, Luís Graça e Rafael Vale e Reis. A Catarina é a primeira, à esquerda.

A jornalista do Público deu visibilidade mediática ao problema dos filhos da guerra ou filhos do vento. E, mais  do que isso,  apoiou, discretamente,  à criação, em Bissau, da associação Fidju di Tuga (que ainda não tem existência legal por falta de meios financeiros e logísticos). Voltará a Bissau no próximo dia 29.

Ver (ou rever) aqui, no Público, a reportagem,  Filhos do Vento, de Catarina Gomes (texto), Manuel Roberto (foto) e Ricardo Rezende (vídeo). [Trata-se de um trabalho financiado no âmbito do projecto Público Mais]

(...) No tempo da guerra colonial havia quem lhes chamasse "portugueses suaves", agora, há entre os ex-combatentes quem prefira "filhos do vento". A maioria dos filhos de militares portugueses com mulheres guineenses guarda pedaços de história incompletos, com a ambição de que um dia esses poucos dados os venham a reunir aos pais. Andaram boa parte das suas vidas  Em busca do pai tuga. (...). 



2. Na altura da publicação da reportagem da Catarina Gomes, por volta de julho de 2013, escrevemos,  entre outros e outras coisas,  o seguinte, no nosso blogue (**);

(...) "Pronto, a Catarina Gomes e o 'Público' abriram a 'caixinha de Pandora'!... E ainda bem... A comunicação social chega a outros públicos que nós não podemos atingir... Nós que,  no blogue,  há já muito que falamos destas e doutras coisas da Guiné, esquecidas, se não mesmo silenciadas... Sempre o dissemos e sempre temos defendido que no blogue não há (nem deve haver) tabus...

Por outro lado, a liberdade de pensamento e de expressão é um valor intocável, inalienável... De qualquer modo, não deixam de ser disparatados alguns comentários que alguns leitores estão a mandar para o sítio Público > Filhos do vento...

É bom que alguns de nós lá escrevam, e deem o seu testemunho.  Às tantas vamos todos ser crucificados como os maiores... bandidos da história!... Admito que alguns comentários sejam meras provocações, outros sejam pura ingenuidade, e outros ainda fruto da compulsiva necessidade de "marcar o terreno" (, como fazem alguns grafiteiros quando veem um muro limpinho)... 

Enfim, há de tudo, dos comentários de gente intelectualmente séria e honesta aos mais hipócritas e cínicos... Alguns fazem-me simplesmente sorrir... De qualquer modo, temos de prevenir e combater a santa ignorância que é a mãe do pérfido preconceito, a par do falso moralismo que é o pai de muitas tiranias... Felizmente que a vida e a história dos homens e das mulheres não são feitas nem escritas a 'preto e branco' " (...).

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Notas do editor

(*) Últimos postes da série:

24 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14657: Filhos do vento (31): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": vídeo com a intervenção de Rafael Vale e Reis, especialista em bioética e direito da família ("Filhos do Vento: direito ao conhecimento das origens genéticas ?")

25 de maio de  2015 > Guiné 63774 - P14659: Filhos do vento (32): Festival Rotas e Rituais, 2015: 22 de maio > Conferência "Filhos da Guerra": apontar o dedo ou dar a mão para ajudar ? (Hélder Sousa / João Sacôto)

26 de maio de 15 > Guiné 63/74 - P14663: Filhos do vento (33): "Quando a guerra terminar, e a tropa se for embora, ainda hei-de ver por aqui alguns brancos a trepar às palmeiras", dizia-me um chefe de tabanca no meu tempo (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)


Os primeiro postes desta série (ou sobre este tema) remontam a 2011:


23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8813: Filhos do Vento (1): Nem branquear os casos nem culpabilizar ninguém (José Saúde)

20 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8799: (In)citações (36): Filhos do vento, ontem, brancu mpelélé, hoje (Cherno Baldé)


Na realidade o tema é mais antigo ainda, no blogue,  se quisermos,  já vem dos "primórdios", provando que não temos tabus:

domingo, 3 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14558: 11º aniversário do nosso blogue (2): o nosso primeiro poste, de 23/4/2004... Homenagem antes de mais à Mulher-Mãe (Mário Gaspar)

Mário Gaspar em Gadamael, já no final
da comissão, em 1968 
1. Comentário, ao poste P14507 (*), assinado pelo Mário Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]:

(...) Trinta e cinco anos depois.
No 25 de Abril de 2004 presto a minha homenagem às mulheres portuguesas.
Que se vestiam de luto enquanto os maridos ou noivos andavam no ultramar.
Às que rastejavam no chão de Fátima, implorando à Virgem o regresso dos seus filhos, sãos e salvos.
Às que continuavam, silenciosas e inquietas, ao lado dos homens nos campos, nas fábricas e nos escritórios.
Às que ficavam em casa, rezando o terço à noite.
Às que aguardavam com angústia a hora matinal do correio.
Às que, poucas, subscreviam abaixo-assinados contra o regime e contra a guerra.
Às que, poucas, liam e divulgavam folhetos clandestinos ou sintonizavam altas horas da madrugada as vozes que vinham de longe e que falavam de resistência em tempo de solidão.
Às que, muitas, carinhosamente tiravam do fumeiro (e da barriga) as chouriças e os salpicões que iriam levar até junto dos seus filhos, no outro lado do mundo, um pouco do amor de mãe, das saudades da terra, dos sabores da comida e da alegria da festa.
E sobretudo às, muitas, e em geral adolescentes e jovens solteiras, que se correspondiam com os soldados mobilizados para a guerra colonial, na qualidade de madrinhas de guerra.

A maioria dos soldados correspondia-se, em média, com uma meia dúzia de madrinhas, para além dos seus familiares e amigos. Em treze anos de guerra, cerca de um milhão de soldados terá escrito mais de 500 milhões de cartas e aerogramas. E recebido outros tantos. Como este que aqui se reproduz. (...)

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Eu, Mário Vitorino Gaspar, estou inteiramente de acordo com o texto (**). 

No que diz respeito ao parágrafos que fala de Fátima, digo que discordo totalmente com a Igreja quando autoriza aquele rastejar. Enquanto em Fátima os pobres rastejam, não os critico, os ricos colocam nos mealheiros montes de dinheiro, possivelmente dinheiro sujo, e gozam os prazeres de uma estadia num Hotel de Fátima. Os pobres rastejam, brota sangue no alcatrão. Desde 1953 que assisti ao que acabo de dizer. A Igreja devia proibir que o povo se sacrifique daquela maneira. Costumo dizer "proibido proibir", neste caso proibia mesmo. É indigno, como outras questões em Fátima.

Decerto que estou de acordo com esse texto, mas acrescentaria talvez mais uns pós, isto em relação ao tema "Homenagem às Mulheres Portuguesas". Acrescentaria: ... Na Guerra Colonial, ficaria "Homenagem às Mulheres Portuguesas na Guerra Colonial"

Mulher-Mãe, minha primeira mulher; 
Mulher-Esposa; 
Mulher-Noiva; 
Mulher-Namorada; 
Mulher-Família... outras, 
e uma que considero ter muitos adeptos: 
Mulher-Prima. 
Muitos dos nossos camaradas namoravam primas e casaram-se.

A Guerra Colonial Portuguesa tem muito de comum com a Guerra do Vietname. Difere no que diz respeito às idades, os americanos eram mobilizados mais novos e não namoravam em comparação com os portugueses. 

Penso, penso eu... que no Vietname abundava a droga, e na Guiné vi a droga. As Praças "U" e os Caçadores Nativos, quando a encontravam.  ficavam doidos. Um dia vi-me atrapalhado para os segurar. Mas na zona onde estava, tenho a certeza absoluta: DROGA... NÃO!

Que droga maior que a Guerra? Anestesiados... anestesiados é o termo. O nosso interior é um enigma. Só na Guiné me apercebi das minhas capacidades e respostas para inúmeras questões. Podemos morrer, num cair e já está. Pode-se ser furado por montes de projecteis e não morrermos. Uma nativa em Ganturé, estava toda furada, intestinos nas mãos, pediu-me ajuda, e sem saber o que fazer, o Enfermeiro estava bem ocupado,  dei-lhe LM. Nunca cheguei a conclusões, mas o Furriel Enfermeiro, o meu Amigo Durães, disse-me que tinha feito bem.

Sucedeu-me, isto cá, aparecer um ex Comando junto de mim, pistola em punho, a dizer-me: "VOU MATAR-ME!"...  Respondi-lhe, logo sem pensar: "Então, mata-te". Não se matou, mas fiquei preocupado. Não o conhecia, tornei-me amigo do tipo.

QUERIA QUE OS NOSSOS CAMARADAS PARTICIPASSEM MAIS. SERIA VANTAJOSO QUE LESSEM, ACHO QUE GRANDE PARTE NADA LÊ.

Um abraço

 Mário Vitorino Gaspar

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(**) Vd.poste de 23 de abril de  2004 > Guiné 63/74 – P1: Saudosa(s) madrinha(s) de guerra (Luís Graça)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14510: (De)caras (20): Tenho dois filhos na casa dos 30 e tal anos e nenhum me perguntou se tive medo... Nem mesmo depois da oferta do livro da Catarina Gomes... Parei na página 12 a leitura do livro... Talvez mude de opinião, se um chegar a ler o livro... (João Silva, ex- furriel atirador mil inf, CCaç 12, Bambadinca e Xime, 1973)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Fevereiro de 1970 > Região do Xime > 1º Grupo de Combate, comandado pelo alf mil inf op esp Francisco Moreira, no decurso da Op Boga Destemida, uma operação sangrenta...

A CCAÇ 12 foi uma subunidade de intervenção, duramente usada e abusada pelo comando dos BCAÇ 2852 (1968/70) e BART 2917 (1970/72), os senhores da guerra do setor L1 (Zona leste)... Só os graduados e especialistas eram metropolitanos. Todo o restante pessoal era do recrutamento local, de etnia fula e futa fula. Havia 2 mandingas e mais tarde 1 mancanhe de Bissau. Alguns soldados não tinham mais do que 16 anos... A companhia foi extinta em agosto de 1974... Ao longo de cinco de anos de guerra, muitos dos seus elementos foram gravemente feridos em combate. Depois da guerra, alguns foram fuzilados pelos novos senhores da guerra, como o Abibo Jau, o nosso gigante... O pessoal metropolitano da primeira geração (cerca de meia centena, a CCAÇ 2590) não fez exatamente dois anos no TO da Guiné, Fez  "apenas" 22 meses (de finais de maio de 1969 a meados de 1971). Para alguns de nós, esses 22 meses ficaram marcados a ferro a fogo, no corpo e na alma... Também os meus filhos nunca me perguntaram: "Pais, tiveste medo ?"... Ou por amor ou por pudor... Se mo tivessem perguntado, ter-lhes-ia respondido: "Só os idiotas e os deuses não têm medo"... (LG).

Foto: © Arlindo T. Roda. Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Comentário do nosso leitor de longa data (e camarada, ainda não registado na Tabanca Grande, ) João Silva (ex- fur mil  at inf, CCaç 12, Bambadinca e Xime,  1973) (*) (e de quem não temos nenhuma foto):

A minha filha, e não sei porquê, ofereceu-me o livro em questão há cerca de uns 3 meses. Mas, ao iniciar a leitura, reconheço que o fiz sem grande entusiamo, parei logo, quase ao início, quando a autora na pág. 12 escreveu: "A maioria dos combatentes esteve apenas 2 anos na guerra mas penso que  terá havido poucos mais momentos transformadores nas suas vidas".

Aquele "apenas" retirou-me a vontade de o ler. Quem considera que 2 anos na guerra é pouco tempo na vida de um jovem na casa dos 20 anos,  não tem a mais pequena perceção da realidade.
São 2 anos em que quase conseguimos recordar cada dia, cada hora e, nalguns casos, passado quase meio século, e garanto que foram extremamente longos.

Tenho dois filhos na casa dos 30 e tal anos e nenhum me perguntou se tive medo. Nem mesmo depois da oferta do livro. Há muitos livros sobre a guerra colonial e nenhum até agora me cativou. O mesmo acontece com a produção cinematográfica/documental.

Talvez porque coloque a fasquia muito alta. Talvez porque a nossa guerra não teve o impacto nem a dimensão de outras. Talvez porque não temos experiência acumulada como os americanos. Talvez porque não temos massa critica. Não sei. Alguns povos têm conseguido, especialmente os americanos, utilizar a tela dos cinemas para exorcizar e muitas vezes de forma crítica a sua participação na guerra.

Destaco a guerra do Vietname, a que mais se aproxima, por excesso, da que conheci na Guiné. Nem todas foram boas obras, como exemplo, Os Boinas Vermelhas. Mas noutros casos foram excelentes como no caso do Caçador, para mim o melhor. 

Não sei se este sentimento é partilhado por outros companheiros de armas, porque cada um de nós teve a sua experiência e também a sua missão. Uns foram atiradores, um nome que hoje dito em inglês - sniper - causa logo alguma efervescência, outros, amanuenses, cozinheiros, telegrafistas, mecânicos, etc. Mas quem foi atirador e esteve numa companhia africana teve uma experiência diferente. Não foram muitos deste milhão a que a autora do livro diz terem passado pelo teatro de operações, que o viveram. 

É apenas um comentário pessoal e nada mais do que isso. Se chegar a ler o livro,  talvez mude a opinião com que fiquei das primeiras páginas.

João Silva,  ex- furriel atirador inf, CCaç 12 (Bambadinca e Xime,  1973) (**)

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Notas do editor:

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14307: (Ex)citações (263): Eu respondi à sondagem "4. Não, não mudei muito"... Mas acho que mudei, não sei se para melhor, se para pior (Hélder Sousa, ex-fur mil, trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72)

1. Comentário do nosso colaborador permanente Hélder Sousa, ao poste P14296 (*): 

 Caro Luís Graça e restantes camaradas

É claro que a passagem do tempo deixa as suas marcas. Todos nós mudámos fisionomicamente. Uns de forma mais acentuada, outros menos.

Para além dessa coisa irrefutável, acresce ainda que, de nós para os outros (e vice versa), se não houver contacto de proximidade que permita acompanhar a evolução haverá sempre mais dificuldade em reconhecimentos mútuos.

Isto, pelos aspectos físicos. Há também os aspectos psicológicos. Quanto a isso será mais prudente ser os outros a julgar. Costuma-se dizer que ninguém é bom juiz em causa própria. No entanto, também se disse e por aqui também dissemos, e eu concordo, que mudámos muito.

Chegava-se a África como meninos, mais ou menos crescidos, e rapidamente se transformavam em homens. Ora essa alegadas transformações, assim reconhecidas na generalidade, traduziram-se por reconhecidas mudanças 'de estado'. Psicológico? "De alma"? Comportamental?

Já não falo dos que foram directamente afectados pelos acontecimentos vividos, seja por ferimentos no corpo, seja pelo que se passou "ao lado", e temos muitos casos desses, alguns deles até já referidos aqui no blogue, que esses encontram-se muito mais enquadrados na tipificação dos casos enquadráveis no "stress pós-traumático", mesmo que não 'sejam praticantes'... Refiro-me à generalidade dos 'outros'.

Portanto, este aspecto, o da mudança psicológica, é de mais difícil resposta.


Guiné > Bissau > c. 1970/72 > O Hélder de Sousa, na avenida marginal,  junto ao cais. Foto do álbum de Hélder de Sousa, ex-fur mil de trms  TSF (Piche e Bissau, 1970/72), ribatejano, engenheiro técnico, residente em Setúbal, membro da Tabanca Grande desde abril de 2007 e nosso colaborador permanente.

Foto: © Hélder de Sousa (2007). Todos os direitos reservados

Cartaz do filme O Caçador (1978), do realizador
norte-americano Micael Cimino, com Robert
de Niro no principal papel.  Fonte: Wikipédia
 (com a devida vénia...) (***)
Eu acho que mudei. Mudei sim. Não sei se para melhor, se para pior. 

Quando regressei vinha ainda mais determinado a contribuir para a mudança da situação do poder vigente à data. Mas também havia uma grande contradição entre o que sentia e o ambiente geral, à grande bebedeira colectiva que me parecia haver.

Uma das formas mais notórias foi o silêncio quase total sobre o que se vivia, em meu entendimento, no pedaço de terra em guerra donde tinha vindo.

Alguns, mais empenhados, ainda procuravam saber para supostamente avaliar e 'teorizar' mas muitos
ficavam-se pela superficialidade, de meter nojo, de saber se 'tinha matado muitos pretos', 'se tinha feito muitos filhos'. Na realidade não queriam saber nada: tinham os seus preconceitos, metidos na cabeça pela propaganda governamental, um pouco à semelhança do que se passa agora com 'inevitabilidades', com aquela de 'os gregos (que gregos?) opuseram-se antes e agora também é bem feito que 'a gente' (cá está a colagem) lhes faça o mesmo', e no fundo só buscavam 'confirmações' para que a sua arquitectura mental não sofresse abalos...

Quantas e quantas vezes lhes respondi como o 'marine' do filme "O Caçador" na cena do bar na festa de despedida dos que iam para o Vietname....

Portanto, respondendo ao inquérito (já o fiz nos quadradinhos) (**),  acho que a resposta correcta e óbvia é, porque global,  "4.Não, não mudei muito", embora isso seja tudo relativo. (****)

Hélder Sousa
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Notas do editor:



(***) Um dos filmes de culto da guerra do Vietname. O filme ganhou 5 óscares em 1978: (i) Melhor Filme, (ii) Melhor Realizador, (iii) Melhor Actor Secundário (Christopher Walken), (iv) Melhor Montagem e (v) Melhor Som. Foi estreado em Potugal em outubro de 1979.

(...) "The Deer Hunter é um filme que nos fala de valores em desuso - a coragem, o companheirismo, o esforço, a amizade, a abnegação, a integridade - em tom de envolvente cumplicidade, sem sequer um fio de retórica, enquanto nos apresenta uma comunidade operária de origem eslava na vila de Clairton, Pensilvânia. É uma viagem à América profunda - à que produz riqueza e se integra num vasto esforço colectivo a partir de uma pequena comunidade. Não a América protestante de raiz anglo-saxónica, mas os verdadeiros Estados Unidos da América, nação enriquecida pela presença de imigrantes com o seu mosaico de crenças e culturas.

Poucos filmes como este, brindado com o rótulo de "reaccionário", nos mostraram de forma tão impressiva e convincente o quotidiano da classe trabalhadora. O Caçadorfoi também o filme que melhor soube mostrar - apenas três anos após a partida dos marines da Indochina - o absurdo da guerra do Vietname, bem ilustrado na metáfora da roleta russa, como corpo estranho e adverso ao incomparável sonho americano. Mike, Nick e Steven, os três amigos de infância que para lá partiram aureolados de heróis, regressam de modo muito diferente: a guerra marcou cada um deles de forma irremediável." (...)


Excerto reproduzido, com a devida vénia, do blogue Delito de Opinião >  Os filmes da minha vida (16)
por Pedro Correia, em 22.09.10.

domingo, 20 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13420: (In)citações (68): Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno (Francisco Baptista)

1. Texto do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), enviado em mensagem com data de 15 de Julho de 2014:

Na década de 60 éramos uma juventude antiquada como os pais, como os mestres e os governantes que tínhamos. A revolução das ideias, dos costumes, sexual, musical, desfraldava bandeiras empunhadas por uma juventude insatisfeita e eufórica da Europa desenvolvida, mas embatia nos Pirinéus que dificultava a sua entrada na Península Ibérica de Franco e Salazar.

Somente algumas camadas de jovens urbanos e universitários conseguiam decifrar algum do significado dos novos tempos que se anunciavam. Maio de 68, tumultos, greves, a revolução nas escolas e na rua, a adesão dos sindicatos quase o caos na França, com De Gaulle, esse herói e patriota da 2.ª Grande Guerra, amedrontado a convocar as Forças Armadas para suster essa revolta que os velhos do regime não entendiam pois toda essa juventude, filha da sociedade de consumo tinha atingido o melhor nível de bem-estar da terra de todos os tempos.

Juventude que reclama outra ordem de prioridades e valores que as suas necessidades espirituais exigem. Ter tudo, falando de bens materiais cria no homem uma insatisfação maior do que não ter nada, ter tudo é o fim dos desejos. Os ideais não se compram nem se vendem, são um estado de espírito que não é transacionável, estão para lá da sociedade de consumo A sociedade capitalista nada oferece a não ser bens consumíveis e descartáveis, a juventude quer ideais que a galvanizem e por vezes à falta de melhor foi copiá-los ao leste ou ao oriente.

Nesse tempo a juventude portuguesa no geral pobre e pouco instruída, habituada a ler e estudar pelos livros que o regime aprovava era conduzida para três guerras longe de casa, que não compreendia muito bem, mas que estava de acordo com os manuais de história que tinha lido. Em levas sucessivas embarcavam no cais de Alcântara como guerreiros, em defesa do Império Português, o último baluarte da cristandade e dos valores da civilização ocidental. No cais uma multidão de familiares e amigos, chorosos mas conformados que acenavam lenços num último adeus e que a televisão única transmitia como sinal de dor e de patriotismo das nossas gentes.
No Uíge, no Príncipe Perfeito ou outros, seguiam viagem a sulcar o Atlântico somente ou também o Índico, em navios superlotados e com muitos soldados no porão em condições miseráveis para quem ia defender uma causa tão nobre. Foi a segunda cruzada dos pobres, agora liderada não por Pedro o Eremita, mas por Salazar que não a comandou, pois nunca conheceu África. Mal alimentados, mal treinados, mal armados mas com a cruz ao peito e com a fé inabalável éramos os novos cruzados prontos a dar a vida pela reconquista de Jerusalém. Alguém que sempre nos quis humildes, miseráveis e tementes a Deus, exigiu-nos também no final da sua vida o sacrifício supremo da nossa.

Os ingleses na Índia, os franceses na Argélia, os russos no Afeganistão, os americanos no Vietname, grandes potências mundiais, nada comparáveis connosco em poder económico e militar, perderam essas lutas militares e políticas. Nós para infelicidade de muitos compatriotas nossos: militares que por lá ficaram mortos ou mutilados e civis que por acreditarem na propaganda do regime alimentaram esperanças de que a nossa bandeira nunca seria desfraldada nessas áfricas e depois sofreram o choque dessa descolonização abrupta, com as perdas emocionais e materiais que todos conhecemos.

Infelizmente a guerra criou desconfianças e atritos que uma descolonização mais antecipada teria evitado.

Vietnamitas feridos recebem ajuda na rua, após a explosão de uma bomba em frente à embaixada americana em Saigão, Vietname, 30 de março de 1965. (AP Photo / Horst Faas)

Foto e legenda: Com a devida vénia a Escomm Brasil

Aos que dizem que hoje os povos da Guiné, Angola e Moçambique estão com piores condições de vida, tanto alimentar, como de saúde, para falar só das essenciais, eu respondo que têm razão. Também é verdade que há falta de democracia (isso já antes era assim) e a corrupção é muito maior do que em Portugal. Porém a História tem-nos ensinado que as nações se constituem e fortalecem quando os povos que as integram, com o decorrer dos anos e a experiência acumulada aprendem a libertar-se dos corruptos e tiranos internos, depois de se terem libertado dos colonizadores externos.
Esse esforço demora anos, por vezes séculos.

Era importante que os povos soubessem guardar a memória dos males e sofrimentos passados, o que por vezes se torna difícil, ou porque não são instruídos para ter acesso à sua leitura ou porque a História foi escrita a pedido de réis e ditadores.

Depois de voltar da Guiné tive um sonho que se repetiu muitos anos: Sonhava que tinha voltado lá como combatente e eu perguntava sempre aos meus comandantes, porquê eu, se já lá tinha estado. Nunca obtive resposta e nunca consegui decifrar bem este sonho.

O meu gosto pela história e pelo estudo do passado leva-me a sonhar, que sou um velho crente da Idade Média, ou que sou um monge templário do tempo das cruzadas e do tempo das grandes catedrais góticas, Catedrais que parecem autênticas moradas de Deus, onde reina o silêncio ou onde o som do órgão e dos cânticos se difunde com tanta suavidade. Tão imponentes que subjugam pela imensidão, pela altura e pelos contornos e beleza das esculturas dos arcos, colunas e volutas.

Sonho que sou esse velho crente ou que sou esse monge regressado das cruzadas que pede a um sábio, a um filósofo, a um deus que dê resposta às minhas perguntas sobre, a vida, a morte, a paz e a guerra.

Já não há mosteiros com monges em meditação, já não há santos vivos, as catedrais hoje são monumentos vazios à espera da visita dos turistas.
A sociedade civil hoje é cada vez mais laica, a sociedade religiosa é cada vez mais farisaica.

Os filósofos modernos morreram depois de matarem os deuses. Lançados no mundo sem motivo nem explicação, estamos sós no cumprimento desta missão difícil de levarmos a nossa vida a um final digno.

Grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13407: (In)citações (67): A Exposição Colonial Portuguesa de 1934 versus A literatura sobre os "impérios europeus" (Mário Beja Santos / Carlos Nery / José Brás)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12086: (In)citações (54): Os EUA e a grandeza do reconhecimento aos seus combatentes (José da Câmara)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, BráBachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviada ao nosso Blogue no dia 23 de Setembro de 2013:

Meus caros amigos e camaradas,
Nas páginas do nosso Blogue tenho trazido à vossa consideração outras vivenças culturais e sociais, outras formas de exercer a cidadania. Também não é segredo o respeito e admiração que sinto pelo povo americano e pelas suas instituições, sem jamais esquecer as minhas raízes e o meu ser Português.

Hoje trago ao vosso conhecimento um exemplo de como os americanos tratam os seus militares.
José da Câmara


A grandeza do reconhecimento

Não é minha intenção fazer comparações entre os dois países que eu amo, Portugal e os EUA, mas tão-somente sensibilizar aqueles que poderiam fazer a diferença na forma oficial como Portugal trata os seus filhos: as chefias militares e os governantes do nosso País.
Na cerimónia militar que tereis a oportunidade de observar são concedidas medalhas por feitos heroicos na Guerra do Vietname, 42 anos depois de terem acontecido as acções.

Um dos combatentes daquela guerra é condecorado com a Silver Star e o outro com a Bronze Star, terceira e quarta mais altas condecorações individuais dos Estados Unidos da América. Mas o que importa mesmo realçar é o pedido formal de desculpas pela injustiça da demora, apresentado pelas mais altas esferas militares.

O nosso conceituado e dedicado amigo José Martins viu indeferido o requerimento que fez para que lhe fosse concedida a Medalha de Comportamento Exemplar, direito que lhe assiste por ter cumprido mais de três anos de serviço sem punições. O Exército Português apresentou como razão para o indeferimento o facto do requerente, o José Martins, não se encontrar no activo.

Não está, mas esteve e a falha foi do Exército que a não concedeu em devido tempo. Como era seu dever. Aliás na família do José Martins, também o avô, ferido em combate na I Grande Guerra, e o seu irmão mais novo, combatente na Guiné em 73/74, também nunca receberam as medalhas a que tinham direito.

E quantos de nós estaremos nas mesmas circunstâncias?

Do meu conterrâneo, o açorianíssimo Prof. Carlos Cordeiro, sobre este exemplo americano que agora se publica no nosso Blogue, recebi a seguinte mensagem que, com a devida autorização, aqui publico:
“Portugal sempre lidou mal com antigos combatentes e não só com os da guerra do Ultramar. É uma coisa que se não entende, mas que é verdadeira. Aliás, Carlos Matos Gomes, na «Nova História Militar de Portugal» (vol. 5, p. 172), diz-nos o seguinte a este propósito: 
«O Estado Português e a sociedade portuguesa no seu todo demonstraram sempre pouca consideração pelos seus militares que participaram em conflitos. A forma como os combatentes da Guerra Colonial foram tratados no seu regresso apenas confirma o acolhimento que já fora dado aos militares que regressaram da Grande Guerra de 1914-1918, aos da Índia, que sofreram ainda o opróbrio das autoridades que os acusaram de cobardia. Talvez já assim tivessem sido acolhidos os marinheiros que regressaram das descobertas e os contingentes que combateram na Guerra Peninsular»”.

Para vossa consideração:


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Nota do editor:

Último poste da série de 11 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11825: (In)citações (53): Bem haja quem fundou o blogue, bem haja quem apreciou as crónicas do meu pai, e tu, pai, continua a escrever, peço-te. Da filha que te adora (Paula Ferreira)

domingo, 21 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7313: As Nossas Tropas - Quem foi quem (6): Hélio Esteves Felgas, Maj Gen (1920-2008)




Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008) > Foto gentilmente cedida pela filha, Dra. Helena Felgas, advogada, amiga do nosso camarada Jorge Cabral, e que conheci pessoalmente no dia do funeral do pai. Reproduz-se igualmente a assinatura do então brigadeiro Hélio Felgas, em documento, de 1995, de que o Paulo Raposo me facultou fotocópia.

1. Hélio Felgas (Major General reformado):

(i) Fez duas comissões na Guiné (Bula, 1963/64; Mansoa, Tite, Bafatá, 1968/69). 

(ii) Na última, começou por “chefiar o Estado-Maior do Sector de Mansoa”, depois passou ao “Comando do Batalhão de Artilharia de Tite, no sul” (BART 1914) e, por fim, ficou à frente do “Sector Leste, que abrangia cerca de metade do território e incluía batalhões das três armas combatentes, os quais, naquele tipo de guerra, actuavam concertadamente” (Agrupamento nº 2957). 

(iii) Um dos batalhões que integrava o Agrupamento nº 2957 (sediado em Bafatá) era o  BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). 

(iv) Com o posto de coronel, comandou a célebre Op Lança Afiada, uma das maiores que se fez no TO da Guiné (8 a 19 de Março de 1969);

(v) Foi um dos militares portugueses da sua geração mais brilhantes e mais condecorados; 

(vi) Autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... 

(vii) Comparou a Guiné ao Vietname; 

(viii) Considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política; 

(ix) Foi um crítico de Spínola,  que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos famosos reordenamentos (aldeias estratégicas);

(x) Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos;

(x) Condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito (1970), passou compulsivamente à Reserva, a seguir ao 25 de Abril, data em que estava em comissão de serviço em Angola.

 Esta nota biográfica é respigada de Os últimos guerreiros do império (Amadora: Erasmo, 1995), livro donde constam entrevistas com o Comandante Rebordão de Brito, o Coronel Caçorino Dias, e o Alferes Marcelino da Mata, entre outros. Nele, o então Brig Hélio Felgas faz um depoimento sobre a guerra da Guiné. 

Já aqui publicámos a última parte do depoimento ("algumas considerações acerca da Guiné Portuguesa"), onde ele é intencionalmente polémico, comparando a Guiné com o Vietname... Nessa parte do livro (pp. 135 e ss.) , ele revelava - 27 anos depois ! - algumas ideias do relatório que terá enviado, no final do ano de 1968, ao General Spínola, "onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas" (p. 135).


Outra peça de antologia é o seu relatório da Op Lança Afiada, onde não se coibe de fazer críticas à falta de apoio aéreo e de outros meios (não-participação das forças pára-quedistas e dos fuzileiros).

2. Alguns comentários de camaradas nossos, face à notícia do seu desaparecimento (em 24/6/2008):

Paz à sua alma a guerra,  não resolve nada, veja-se os casos de todos os Países ou negociaram livremente ou aconteceu-lhe o mesmo que a Portugal, ter que negociar sem condições para o fazer. 

Colaço
24/6/2008


Luís Graça, chocado com a notícia [da sua morte], reafirmo a admiração que sempre tive por esse Homem, um verdadeiro militar à moda antiga e, mais do que isso, uma pessoa com um sentido de justiça e um humanismo que só em muito poucos consegui encontrar na minha vida militar. Um abraço.

Rui Felício
Ex-Alf Mil 2405 
(Mansoa, Galomaro,Dulombi, 1968/70)

25/6/2008


Recebi, há momentos, a triste notícia. É, com Profundo Pesar que lhe apresento as minhas sentidas Condolências. Torno-as extensíveis á Senhora sua Avó e Família. Fui oficial subalterno de seu Avô, quando do Seu Comando no Sector Leste – Bafatá. Mereceu-me, sempre, o mais profundo respeito como Homem e Militar. Manterei, na minha memória, viva a sua recordação. Cumprimenta, Torcato Mendonça. Apartado 43, 6230-909 Fundão.torcatomendonca@gmail.com [Mensagem enviada ao neto do Maj Gen Hélio Felgas, Miguel Fezas Resende]

25/6/2008


Foi meu comandante,fiz parte da Operação Lança Afiada que contou com 12 Companhias, entre elas a minha, e o resultado ao fim de 11 dias foi um absoluto fracasso, mas não sabia que [ele] defendia que a Força Aérea arrasasse populações inteiras desde que controladas pelo IN. Só que tenho a certaza de que a FA nunca aceitaria essa missão. Paz à sua alma.

Hilário Peixeiro

Cap de Infantaria na altura

19/11/2010

  

3. Reprodução da 4ª (e última) parte do depoimento do então brigadeiro Hélio Felgas (*). Selecção minha [ além da revisão e fixação de texto] e do Humberto Reis. Fonte: Os últimos guerreiros do império (Amadora: Erasmo, 1995. 135-139) (com a devida vénia...)


Trata-se do Capº III de um relatório que o então coronel, comandante do agrupamento de Bafatá , enviou ao General Spínola, "então meu Comandante-Chefe, onde defendia que a concessão da independência à Guiné Portuguesa não iria agravar, antes pelo contrário, a situação em qualquer das outras Províncias Ultramarinas".

Nesse documento Hélio Felgas defendia igualmente o seu ponto de vista segundo o qual "só no campo político podia ser encontrada uma solução honrosa e vantajosa, já que as nossas possibilidades militares se encontravam muitos reduzidas", face a um inimigo que se fortalecera em demasia.

No capítulo III do relatório, o autor debruça-se sobre "as nossas possibilidades militares". Algumas das suas frases, merecem destaque:

(i) "Não é com os actuais meios, mesmo reforçados, que podemos vencer o Inimigo de hoje".

(ii) "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela. Assim é que não chegaremos a qualquer solução favorável".

(iii) "Há que abandonar radicalmente largos pedaços de território e concentrar os meios em áreas reduzidas que deverão ficar totalmente passadas a ferro".

(iv) "Há que empregar largamente os desfolhantes e outros agentes químicos que destruam as culturas".

(v) "Ou se destrói tudo ou de nada serve a operação".

(vi) "Deve ou não deve a Aviação atacar e destruir estas tabancas e a sua população ? Valerá a pena um tal massacre ou não valerá? Isto é que é preciso saber (...)".

(vii) "Calculando, por baixo, os efectivos In na Guiné, diremos que ele [o IN]  tem 10 000 homens em armas (só combatentes). Nós temos 20 000, mas uma boa parte é consumida nas guarnições dos aquartelamentos. Precisaríamos ter 60 000, pelo menos. E, mesmo assim, a proporção seria de 1 para 6, o que, neste tipo de guerra, é ainda pouco".

(viii) "(...) o problema não é essencialmente militar. É acima de tudo, político".


(...) As nossas possibilidades militares

Neste final de 1968 a situação militar na Guiné chegou a um ponto tal que só muito dificilmente e com muito optimismo se poderá antever uma melhoria significativa.
Nos gabinetes e em frente da carta talvez não seja difícil encontrar-se uma solução vitoriosa. Os cercos, as batidas, os golpes de mão, o reordenamento das populações e sua autodefesa, tudo isso é aí fácil de fazer. No mato, porém, é muito difícil, e quem escreve isto tem 3 anos de mato.

Mesmo que venham mais helicópteros, mais páras, mais Artilharia e mais Aviação e ainda que os efectivos das forças terrestres sejam aumentados e estas sejam adequadamente dotadas com as granadas, munições e armas colectivas que agora lhes faltam, mesmo que isso suceda em breve prazo, nem assim o nosso êxito militar será garantido. O inimigo está demasiado bem armado, bem apoiado pela população, bem organizado e bem enraizado num terreno que lhe é favorável, para poder ser batido e expulso, pelo menos com a facilidade que se julga.

Realize-se uma operação em larga escala e veja-se o resultado: uns mortos e uns feridos (nossos e deles), umas armas apreendidas, uns acampamentos destruídos e que mais ? Mais nada. Se ao Inimigo não convier o contacto, basta esconder-se no mato e esperar que as nossas tropas se retirem. Ele lá ficará e reaparecerá quando quiser, talvez até emboscando as NT quando elas, julgando-se vitoriosas, regressarem aos aquartelamentos.

Aliás, o que se entende por uma operação em larga escala ? 4 on 5 companhias de forças terrestres, uma ou duas de páras e comandos e a Aviação. Que faremos com estes efectivos? Uma operação, mais nada. Alguns dias depois tudo estará na mesma.
Há dias, aproveitando um PCV de uma Operação, andei «à cata» de acampamentos inimigos. Descobriram-se 5 ou 6. Assim que eram descobertos chamava-se a Aviação que os bombardeava. Mas o que era a Aviação ? Era uma parelha de Fiats que lançava as suas bombas, aliás com grande precisão,  no objectivo indicado pelo PCV. Ou então eram os T-6 (só um), igualmente com excelente pontaria.
E eu pensei: com estes pilotos, se em vez de dois Fiats tivessem aparecido 15 ou 20, outros tantos T-6 e uma meia dúzia de helis armados,  então sim, ter-se-ia feito uma acção lucrativa, em especial se fosse coordenada com o lançamento de uma companhia em helis.

Não é com os actuais meios, mesmo reforçados, que podemos vencer o Inimigo de hoje. Em minha opinião, toda a actividade militar na Guiné tem de ser mudada. Há que abandonar radicalmente largos pedaços de território e concentrar os meios em áreas reduzidas que deverão ficar totalmente «passadas a ferro». A actual dispersão não pode dar qualquer resultado.

Ou se faz a guerra ou se acaba com ela. Assim é que não chegaremos a qualquer solução favorável. 

Há que empregar largamente os desfolhantes e outros agentes químicos que destruam as culturas. De que serve atacar um acampamento IN se a um quilómetro de distância ficaram tabancas e lavras que voltarão a ser utilizadas pelo IN, apoiando-o e permitindo-lhe que lá se mantenha? Ou se destrói tudo ou de nada serve a operação.

O que é preciso definir bem é este problema da população civil sob controlo do IN. Dezenas de milhares de nativos vivem nas regiões sob domínio do IN, em tabancas perfeitamente visíveis do ar. Deve ou não deve a Aviação atacar e destruir estas tabancas e a sua população ? Valerá a pena um tal massacre ou não valerá? Isto é que é preciso saber, pois enquanto estas populações existirem,  o IN aguentar-se-á, estruturar-se-á e estará em condições de nos incomodar.
Por outro lado, convém, talvez, olharmos para o que se passa no Vietname - que tem bastantes semelhanças com a Guiné. Mais de meio milhão de norte-americanos extraordinariamente bem armados e auxiliados por 850 000 soldados sul-vietnamitas, não conseguem liquidar um adversário que conta apenas 140 000 homens, dos quais só 80 000 são tropas regulares do Vietname do Norte. A proporção é de 1 para 10, em forças terrestres. Além disso, o Vietcong e o seu aliado norte-vietnamês não utilizam nem Aviação nem Marinha e só apresentaram uma amostra de blindados.

Apesar desta desproporção, o Vietcong não foi vencido e esta prestes a vencer. Na Guiné, o IN não é tão bom combatente como o Vietcong e o apoio externo que tem recebido, agora importante, não se compara com o que a Rússia e a China concedem ao Vietcong. Essas são as duas principais diferenças que notamos. Aliás, em parte compensada pela deficiência dos nossos efectivos, do nosso armamento, da nossa instrução militar, do nosso apoio aéreo e naval.

Para podermos dominar a guerrilha na Guiné precisaríamos triplicar, pelo menos, os efectivos agora existentes nos três ramos das forças armadas. E mesmo assim ficaríamos longe da proporção vietnamita (que não foi suficiente, note-se, para se obter a vitória militar). Calculando, por baixo, os efectivos In na Guiné, diremos que ele tem 10 000 homens em armas (só combatentes). Nós temos 20 000, mas uma boa parte é consumida nas guarnições dos aquartelamentos. Precisaríamos ter 60 000, pelo menos. E, mesmo assim, a proporção seria de 1 para 6,  o que, neste tipo de guerra, é ainda pouco.

Eu bem sei que quem não conhece o mato da Guiné, nem as dificuldades deste tipo de guerra, sente-se inclinado a considerar exageradas as minhas palavras. Infelizmente, tenho a certeza do que afirmo. Deixou-se o IN inchar demais para se poder agora desalojá-lo com os meios que temos.

Esta afirmação pode parecer chocante, em especial para as pessoas que não conhecem o assunto com a profundidade que eu conheço. E com certeza que não me acarretará simpatias ou louvores, em especial por parte das pessoas que só gostam de ouvir aquilo que lhes agrade. É evidente que eu ficaria muito mais bem visto se traçasse o quadro da situação militar na Guiné, muito mais optimista, ainda que menos verdadeiro. Talvez até fosse louvado se afirmasse que a guerra na Guiné, tendo chegado ao ponto a que chegou, se pode vencer no campo militar e sem grande dificuldade.

Mas isso não o faço eu, até porque a euforia duraria pouco e seria, em breve, desmentido pelos factos. Eu desejo salientar que só pode mostrar-se optimista a quem conhecer a guerra da Guiné apenas do seu gabinete ou da sala de operações. Eu desejo afirmar que não estou imbuído de qualquer sentimento derrotista. Continuo a demonstrá-lo no mato, mantendo uma actividade ofensiva a que não poupo os meus subordinados nem me poupo a mim. Mas o que acho é que chegou a altura de se dizer a verdade. E a verdade é que, na Guiné, estamos apenas aguentando a situação. Estamos à espera que o IN adquira suficiente estrutura e capacidade militar para correr connosco. Limitamo-nos a espicaçá-lo e ao de leve. Mostramo-nos incapazes de o desalojar definitivamente seja de que área for.

E tudo isto porque não temos meios nem efectivos militares adequados e suficientes. Mas ainda que os tivéssemos e que conseguíssemos empurrar o IN em todas as frentes, até às fronteiras, que faríamos depois? Como conseguiríamos evitar novas infiltrações enquanto o Senegal e a República da Guiné derem a ajuda que dão ao PAIGC ?. A guerra no Vietname ensina-nos que o bombardeamento do Senegal ou do República da Guiné não resolveria o problema, pelo contrário, complicá-lo-ia. E isto porque o problema não é essencialmente militar. É acima de tudo, político, a guerra na Guiné só pode acabar se Portugal conseguir convencer o Senegal e a República da Guiné a deixarem de auxiliar o PAIGC ou qualquer outro movimento cujo objectivo seja independência da Guiné-Bissau.

Não nos parece, porém, que em face da mentalidade internacional agora vigente, alguém bem informado considere possível Senegal ou a República da Guiné apoiarem a nossa política ultramarina. Porque só apoiando essa política os governos de Dakar e Conacri poderiam suspender o auxílio ao PAIGC (...). (**)
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Notas de L.G.: