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sexta-feira, 8 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23151: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte V: Histórias pícaras: (viii) O brutibol e os treinadores de bancada

Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCAÇ 2790 > A equipa de futebol... De pé, do lado direito, de camuflado, o cap inf  Gertrudes da Silva, que sucedeu ao cap José Pedro Sucena , no comando da CCAÇ 2790, entre fevereiro e setembro de 1972. Foto gentilmente cedida pelo José Câmara (que vive nos EUA) ao António Matos, ex-alf mil, MA, CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72). 

Foto (e legenda): © José Câmara (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra >  2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) > Equipa de futebol dos graduados...

Foto (e legenda): © Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > HM241 (1968/70) > A equipa de futebol do Hospital Militar

Fotos: © Manuel Freitas (2011).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A equipa de futebol de onze, aqui vestida a rigor, com o equipamento a condizer: simbolicamente, camisola preta e calção branco... Esta era a equipa principal...em que tinha lugar o fur mil Arlindo Teixeira Roda (, o primeiro da primeira fila, a contar da direita, o autor da foto). Mas, curiosamente, numa companhia em que as praças eram do recrutamento local (c. 100) e os restantes elementos (graduados e especialistas) de origem metropolitana (c. 50), não havia nenhum guineense...

Foto (e legenda) : © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nâo temos nenhuma foto da equipa de futebol de Os Progressistas, mas sabemos que o futebol era acarinhado pelo cap cav Salgado Maio, comandante da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). 

E no "jornal de caserna" o futebol ocupava um importante lugar nas edições (não sabemos quantas...) que se fizeram, como se pode avaliar por dois recortes, com prosa bem humorada, que republicamos hoje. A seleção é do José Afonso.

Como em todos os lados havia alguns craques e "treinadores de bancada" que, não sabendo jogar, escreviam sobre o "brutibol" no "jornal de caserna"... O Salgueiro Maia devia ser um bocado  "sarrafeiro", à falta de jeito para a bola... É o que deduzo destas crónicas...

É verdade que, para além da bola  (e das jogatanas de cartas) não havia muito mais formas de ocupar o tempo, nas horas de lazer, no TO da Guiné... Alguns liam ou ouviam rádio, nalguns aquartelamentos havia um armário com algumas dezenas de livros, em geral oferta do Movimento Nacional Feminino.  Um ou outro militar recebia jornais e revistas da metrópole ("A Bola", mas também a "Vida Mundial", a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão", etc.). 

Em 1971/73, o país vivia ainda, desde 1926,  sob a "mordaça da censura", e praticamemte todas as notícias sobre a "guerra colonial" eram filtradas... Aliás, eram escassas, praticamente não saíam notícias sobre a guerra na Guiné, por exemplo, a não ser os "comunicados" das Forças Armadas, noticiando mais uma ou mais mortes de militares, no período de tal a tal...

A maior parte escrevia, obsessivamente, cartas e aerogramas para a metrópole... às carradas. Para os pais, as mulheres, as noivas, as namoradas, as madrinhas de guerra, os amigos... Mas escondia-se a dura realidade da guerra, por medo, por autocensura,  etc. Em contrapartida, os militares  adoravam receber os "bate-estradas", que chegavam ao SPM. No caso da CCAV 3420, era o SPM 1898.  

Outra forma de "matar o tempo" era passear pelas tabancas em redor dos aquartelamentos. Pescar  podia-se nalguns sítios. Mas, em geral, o peixe era intragável, sabia a lodo.  Quanto à caça,  era um luxo só permitido, em geral, aos oficiais (ou aos  milícias autorizados a  caçar para abastecer a tropa e/ou a população civil).

Sessões de cinema ou espetáculos de música podiam acontecer uma vez por festa, num sítio ou noutro... Raras eram as povoações (em  geral, sedes de circunscrição ou concelho) que tinham cinema: Bissau, Bafatá, Teixeira Pinto, Nova Lamego...

 As saídas às povoações mais importantes (Bafatá, Nova Lamego, Bissau, Teixeira Pinto...) era condicionadas por motivos de segurança, tal como os torneios de futebol "interregionais"... A feitura do "jornal de caserna" podia dar trabalho a uma pequena equipa...Mas a verdade é que, para além do futebol (e do "jornal de caserna") não sabemos como os Progressistas de "divertiam"... em Bula e outros aquartelamentos e destacamentos por onde passaram como Capunga,  Pete, etc. Talvez o José Afonso nos possa dizer algo mais sobre isto.




Capa do "jornal de caserna" da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). Diretor: Cap cav Salgueiro Maia. 


Histórias pícaras > (viii) O brutibol e os treinadores de bancada


por José Afonso (*)



(i) COMENTÁRIO: O BRUTIBOL 

 Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting Clube de Portugal num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço,  ainda por cima daquela maneira? 

Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos Progressistas nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável. 

 Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP,  já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se. 

 E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e pasodobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz, guarda-redes magnífico, que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu, cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo! 

 Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho, el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”. 

 Bem ainda não falamos do Seringa que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado! 

 Depois temos o alferes Mendonça,  “el Olívia Palito”,  que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde. 

 Pois é assim. Cá os Progressitas  não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”. 

 Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “Erva” em Pete. 

BIGODES, jornal Os Progressistas, 9 de novembro de 1972


  (ii) O TEMA É CRITICA 

 Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos Progressiats  que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia 

 A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar. 

 Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bártolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar. 

Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim,  parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação. 

Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar. 

Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos. 

Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário. 

 Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque,  para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado. 

 Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes. 

 Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “Guiné Melhor” 

 Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores. 

Soldado João Ribeiro, jornal "Os Progressistas", setembro de 1972


[ Revisão / fixação de textos e títulos / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23145: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte IV: Histórias pícaras: (vii) Os Mais dos... Progressistas (divisa da companhia e também título do jornal de caserna)

segunda-feira, 28 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23119: Bibliografia (50): Movimento Nacional Feminino: Área de apoio material: secção de aerogramas (Sílvia Espírito-Santo, excerto de artigo em preparação, cortesia da autora)


Um exemplar do aerograma amarelo, gratuito para os militares. O aerograma azul era vendido a familiares e madrinhas de guerra, ao preço unitário de 20 centavos (até 1971), e depois 30 centavos (a partir de 1971) (a preços de hoje, e na moeda em vigor, seriam 9 e 8 cêntimos, respetivamente).

"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332. Guardo-o religiosamente comigo..." (Carlos Carvalho).

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso capitão Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego. Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho. (*)


1. Mensagem, com data de sexta, 25/03/2022, 21h51, de Sílvia Espírito-Santo, investigadora, que tem estudado o Movimento Nacional Feminino, autora de “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino” (Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.):

Caro Luís Graça,

Espero que esteja tudo bem consigo. Peço desculpa pelo meu longo silêncio.
 
Não me esqueci que tinha ficado de enviar um texto sobre os aerogramas. Aqui vai agora. Não sei se terá interesse para o vosso blog,  o Luís dirá! São apenas algumas linhas de um artigo mais vasto sobre o MNF que, espero, talvez venha a ser publicado lá para o fim do ano!

Agradeço a informação sobre a cançonetista Isabel Amora (que não conhecia) nos espectáculos para militares. Até agora, nas minhas pesquisas sobre o MNF ainda não vi qualquer referência a este nome, mas vou estar atenta.

Um cordial abraço
Sílvia
 
2. Movimento Nacional Feminino (MNF): Área de apoio material: secção de aerogramas

por Sílvia Espírito-Santos (excerto de artigo em preparação, cortesia da autora) (**)

A secção dos aerogramas foi a primeira iniciativa do MNF e foi das que alcançou maior notoriedade dado que os «bate-estradas», assim designados na gíria militar, constituíram sempre o principal elo de ligação entre militares e famílias (1). 

 Uma secção cuja dimensão e complexidade, levaram, a partir dos últimos anos da década de 60, à colaboração do Major Pinto Enes, um militar cuja trabalho e «dedicação» seriam reconhecidos pelo MNF como de grande importância para «um controlo perfeito deste serviço e uma administração equilibrada»(2).

Com pouco mais de um mês de existência, o MNF já tinha percebido a importância que um serviço postal gratuito podia ter para os militares, pelo que solicita ao governo a isenção de franquia postal para a correspondência entre estes e seus familiares; a resposta seria dada pela Portaria nº18 545 de 23 de Junho de 1961 – e revista pela de 513/71 – que atribuía à comissão central do MNF a exclusividade na edição de impressos próprios para esse fim.

Surgem por esta via dois tipos de aerogramas: 

(i) os amarelos, gratuitos para militares;

(ii)  e os azuis vendidos a familiares e madrinhas de guerra pelo preço unitário de $20 (vinte centavos).

Determinava ainda a Portaria que a entrega destes devia ser feita em mão nos CTT a fim de garantir a sua utilização apenas pelos autorizados.

Até 1971, o MNF editou 200 milhões de aerogramas (até 1974 o número ascenderia aos 376 milhões), sendo distribuídos, nesse ano, 26 058 010 amarelos e vendidos apenas 15 900 145 azuis – apesar da Portaria 513/71 ter feito cessar as restrições estabelecidas à aquisição apenas por familiares e madrinhas de guerra –, num total de 41 958 155; números que decrescem em relação ao ano anterior, registando-se uma quebra de 1 700 000 na venda dos azuis, embora a distribuição dos amarelos tivesse aumentado para 5 800 00 (3),

A circunstância é justificada com o uso dos amarelos «na correspondência da Metrópole para o Ultramar […] enviados pelos militares às suas famílias […] ou usados pelos próprios militares quando regressam […] chegando mesmo a vendê-los» visto terem sido aumentadas as «dotações de todas as Províncias para os quantitativos usados para Angola (12 aerogramas/homem/mês)  (4); mas também, como atestam as reclamações chegadas ao MNF e os protestos publicados na imprensa nacional e regional, pelo descontentamento da população com a obrigatoriedade da sua entrega em mão nos postos dos CTT e não em marcos ou caixas de correio como era pretendido (5).


Aerograma azul recebido pelo João Crisóstomo, SPM 2918


Embora a despesa de emissão dos aerogramas gratuitos fosse coberta pelo aumento do preço dos azuis para $30, para tentar sanar os protestos que chegavam à organização e aos jornais, a presidente do MNF solicita ao ministro da Defesa Nacional, general Horácio Sá Viana Rebelo (1910-1995), e ao ministro das Comunicações, Engenheiro Rui Sanches (1919-2009) a alteração desta disposição (6).  Solicitação que foi recusada já que, segundo o ministro Horácio Sá Viana Rebelo, continuava a prevalecer a necessidade de «fiscalização sobre essas correspondências, quer quanto à qualidade dos seus destinatários, quer quanto à inclusão nos aerogramas (única forma de correspondência adoptada) de papéis ou objectos, o que, na prática, não raras vezes se verifica[va]» (7). 


Um aerograma azul... remetido pelo Beja Santos, SPM 3778


 Por outras palavras, se por um lado a  disposição ministerial tentava evitar que os aerogramas fossem utilizados por quem não tinha direito a eles ou transportassem, o que não era raro, notas, medalhas e fios de ouro ou prata, por outro, e mais plausível  dado o clima de crescente contestação  à guerra, o seu aproveitamento como meio de transporte de «propaganda subversiva» para o Ultramar.

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Notas da autora:

[1] Sobre aerogramas: Eduardo Barreiros e Luís Barreiros, História do serviço postal (Lisboa: Edição dos autores, 2004).

[2] MNF, Memorial 1971, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, caixa 2726.2.

[3] Relatório da Comissão Executiva do MNF período de 30-1 a 31-12 de 1971, Arquivo Cecília Supico Pinto… 

[4] MNF, Memorial 1971, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de S. Julião da Barra, caixa 2495.2.

[5] MNF, Parecer 1973, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, caixa 2459.3.

[6] MNF, Memorial 1971, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, caixa 2495.2.

[7] MNF, Memorial 1973, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, ofício 1275, processo 2.15.1, 2, caixa 2495.2.

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Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

sábado, 25 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22845: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XV: Dezembro de 1966: a Op Harpa em que é ferido com gravidade o Quebá Soncó, que depois irá para o hospital de reabilitação de Hamburgo, na Alemanha


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadicna) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Missirá > O alf mil João Crisóstomo e o régulo do Cuor, Malan Soncó, alferes de 2ª linha.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977, 
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)



1. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)

Parte XV: Memórias do Quebá Soncó



Dias 2, 3 e 4 de Dezembro de 1966

Realizou-se a Op FIFA no Chão Balanta que consistiu em emboscadas e batidas na região de Colicunda, Durante as emboscadas não houve contacto com o IN.

Foram capturados três elementos , sendo dois de menor idade e entregues ao posto Administrativo e o terceiro entregue ao BCAç 1888.


Dia 7 de Dezembro de 1966

Eu fiz parte desta operação, mas não me recordo de pormernores, excepto do momento em que Quebá Soncó foi ferido. Por isso transcrevo o que consta do relatório até esse momento, e falarei/lembrarei depois Quebá Soncó.

(...) A CCaç 1439 realizou a Op Harpa na região a N de Cherel, a fim de explorar uma informação dum prisioneiro que disse conhecer a casa de mato de Cubadjal.

O prisioneiro que serviu de guia não colaborou devidamente com a tropa, tendo conduzido por um itinerário muito vigiadoo pelo IN. Desta forma as NT foram detectadas a cerca de 1.000 metros do acampamento por uma a sentinela dupla que se encontrava colocada sobre uma árvore absolutamente camuflada. À aproximaçnao das NT a sentinela disparou várias rajadas de P. M. alertando desta forma todo o acampamento. Quando as NT, numa tentativa de aproximação rápida do referido acampamento o mesmo encontrava-se abandonado. Feita uma batida, foi encontrada uma tabanca a qual tinha sido da mesma forma abandonada." (...) 

"Resultados obtidos: Destruiram-se 13 casas de mato no acampamento IN e 10 casas na tabanca satélite.

Foi destruida grande quantidade de arroz e capturados 4 pentes de munições cal 7.9.

Baixas estimadas em número não estimado."


E o relatório diz então que, "quando a sentinela disparava sober as NT ( portanto no início da aproximação) foi atingido numa perna o caçador auxiliar contratado Quebá Soncó, evacuado para o HMP". 

E o relatório prossegue:

(...) "Mais uma vez foi distinguido o 1º cabo nº 5939264, Dionísio Lopes Ferreira, tendo demostrado a sua competência e sangue frio,  não abandonado o ferido mesmo debaixo de fogo IN,  prestando uma assistência permanente e cuidadosa." (...)

Lembro bem esses momentos e a dedicação e sangue frio do cabo enfermeiro, como vem descrito.

O que discordo é do momento e situação em que isso aconteceu. Se isto tivesse sucedido durante a aproximação, não teria havido mais esse assalto ao campo inimigo, deixando o enfermeiro a cuidar de Quebá Soncó.

Estas “rajadas de metralhadora” e o ferimento de Quebá Soncó foram depois do assalto quando já regressávamos e de repente começou um forte tiroteio, que era a uma distância razoável e que durou algum tempo. 

 Lembro-me que estava a disparar a minha G3 como um louco para onde me parecia vir o fogo IN, quando o o Quebá Soncó, que estava mesmo ao meu lado esquerdo,   foi ferido. E lembro que o fogo, embora de longe, ainda continuou por algum tempo, e de ver o enfermeiro Dionísio, ainda o tiroteio não tinha acabado, a ajudar o Quebá Soncó e logo a pedir que chamassem um helicópetro para o evacuar para Bissau.

Não sei se Quebá Soncó era considerado “caçador auxiliar contratado”. Ele era o filho do régulo de Missirá, Malan Soncó, a quem na devida altura iria suceder como régulo de Missirá. O que sei é que ele estava sempre connosco,  sempre com um grande sorriso contagiante e sempre voluntário inspirando com o seu exemplo o resto do pessoal da tabanca. 

Depois do meu regresso a Portugal,    escrevemo-nos por algum tempo. A sua volta à Guiné, em outubro de 1967.   simultânea com a minha ida para a Inglaterra,  ocasionou a perda de contactos. Mas lembro-o sempre assim, amigo e brincalhão também. E assim continuou, mesmo depois de ter sofrido a amputação duma das pernas. 

Uma das cartas que seguem, foi escrita já depois de ter regressado à Guiné  (, datada de Bambadinca, 18 de outubro de 1967). A outra carta que junto também, escrita quando ele estava na Alemanha Ocidental (, Hamburgo, 6 de agosto de4 1967), é uma boa amostra da sua jovialidade. Nunca mais o esquecerei. Já falei de Quebá Soncó numa outra ocasião (Vd. poste P21797)  (**)

Acabada a Guiné, quando voltei, logo que fui a Lisboa  fui visitá-lo ao Hospital Militar Principal.  Ficou contente de me ver e mostrou vontade de conhecer Lisboa antes de partir para a Alemanha onde ia para lhe porem uma perna artificial. E, mesmo na condição em que ele estava, de muletas  – ele insistia que não era problema e se podia movimentar – eu peguei nele e de taxi andei com ele  dum lado para outro  e mostrei-lhe Lisboa tanto quanto pude fazer.  Ele não o esqueceu e  depois de voltar à Guiné escreveu-me uma carta lembrando isso, carta essa que faz parte  do mencionado Poste de 23 /01/21 (**).


Dia 17 de Dezembro de 1966

No dia 17 de Dezembro de 1966 realizou-se a Op Hera, no Chão Balanta. Noto que esta operação é quase uma repeticão de uma que teve lugar em 10 de Junho, operação GOLO 1. A região era realmente muito perigosa, como tristemente e à custa de muitas mortes nas NT,  se viria a  confirmar depois da CCaç  1439 ter voltado, acabado o seu tempo de comissão na Guiné. E por isso a  frequente presença da CCaç 1439 nesta região, durante a nossa “comissão”.

Para que conste  transcrevo o relatório:

(...) "No dia 17 de Dezembro de 1966 realizou-se a Op Hera, no Chão Balanta, que  consistiu em montagem de emboscadas a N de Chubi e Sée seguida de batida às tabancas de Bissá, Funcor, Blassé, Sée e Chubi.

Durante esta operação não foram detectados quaisquer elementos supeitos. Verificou-se que a população  manifesta desejos de melhor colaborar com a tropa, dando a impressão de fadiga de descontentamento perante as atitudes do IN que visita aa tabancas, exigiundo tudo inclusive bufalos. As NT através de palestras e pequenos serviços de enfermagem continuous a exercer influência psicológica no seio da população.

 Dia 23 de Dezembro de 1966 : Ataque a Missirá (vd. próximo poste, Parte XIX)

 



Carta do (António Eduardo) Quebá Soncó, filho do régulo de Missirá, enviada ao João Crisóstomo,  Datada de Hamburgo, 6 de agosto de 1967. Reprodução de alguns excertos:

(...) "Sr. Crisóstomo, recebi a sua carta, há já algusn dias, mas foi-me impossível respodner-lhe mais cedo, do que peço muita desculpa. (...) Fui operado à bexiga, pois apareceram-me uns micróbios nela: não é nada de grave, pois há me levanto e não dói quase nada..

"Logo que cheguei à Alemanha, dali por poucos dias, deram logo a perna [prótese] e agora ando a treinar a andar. Ainda conto ficar na Alemanha durante pelo menos mais um mês. Ainda me custa um bocadinho mas, depois de estar mais habituado,já não me vai custar tanto. No princípio custava-me muito mais porque a perna [prótese] estava um pouco grande, mas depois tiraram-lhe 2 centímetros e agora isto vai bem".

E depois acrescenta: "Ainda conto ficar na Alemanha durante pelo menos mais um mês."

Sabemos que partiu para a Alemanha a 23/6/1967, pela carta que escreveu nessa data ao João Crisóstomo, a despedir-se dele e a agradecer-lhe a sua amizade (**).   Deve ter regressado a Lisboa em setembro de 1967. Esteve no Depósito Geral de Adidos à espera de transporte para Bissau aonde chegou a 3 de outubro de 1967, conforme aerograma datado de Bambadinca, 18 desse mês e ano.

Sobre o hospital disse ainda o seguinte:

(...) "Isto aqui é muito bonito e muito bom. Eu logo que possa sair para a rua, ponho-me logo a mexer pois as meninas aqui são muito boas e andam quase todas de mini-saia (...)

"A assistência médica aqui é tão boa como em Portugal ou ainda melhor, estamos todos muito satiosfeitos (...).

"Sr. Crisóstomo, como o Sr vai para Inglaterra e não pode ir ver-me ao hospital em Lisboa, eu fico muito triste, palavra de honra. Aproveito para lhe desejar boa viagem e muitas felicidades na Inglaterra" (...)

 



Aerograma do Quebá Soncó, para o João Crisóromo, datada de 18 de outubro de 1967, quando o destinatário já estava em Inglaterra. Num português quase impecável, o remetente dá conta do seu regresso a Bissau, depois de ter estado internado no Hospital de Reabilitação de Hamburgo, Alemanha  (então Ocidental) e pede desculpa de não ter podido responder mais cedo ao João Crisóstomo:

 " (...) estive muito tempo no Depósito Geral de Adidos  [em Lisboa] e só cheguei a Bissau em 3 do corrente ".

E acrescenta: 

"Já estive com a minha família que ficou não só muito satisfeita por me ver como também ficou muito agradecida ao amigo João Francisco  [Crisóstomo ] pelas atenções que teve comigo quando da minha estadia na Metrópole. Eu também nunca esquecerei a sua amizade e toda a vida hei de recordar os belos passeios que me proporcionou"


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021) Todos os direitos reservados. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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domingo, 12 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22803: A nossa guerra em números (10): o Movimento Nacional Feminino tinha um orçamento ordinário de 10 mil contos (cerca de 2 milhões de euros, a preços de hoje) e uma gestão pouco profissionalizada, retirando-lhe credibilidade e apoios da sociedade civil


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp. 


1. A propósito do MNF - Movimento Nacional Feminino, criado em abril de 1961, alguns leitores perguntarão como era possível fazer uma edição de 300 mil discos (LP, em vinil) no Natal de 1973 (*) e distribuí-los pelos 149 mil efectivos militares (metropolitanos e do recrutamento local) que existiam nos três teatros de operações, Angola, Guiné e Moçambique ? (**)

Segundo o livro do ten cor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021), o MNF contava com a colaboração, voluntária, de "cerca de 80 mil mulheres" (pág. 319), distribuídas pelas suas estruturas na Metrópole e no Ultramar. E tinha um pequeno "staff" de apoio.

O número de "madrinhas de guerra", por seu turno,  era estimado em mais de 162 mil, mas em 1965 (, já com três frentes de guerra) esse número ainda era diminuto (cerca de 24 mil). Parece que não foi fácil "recrutar" madrinhas de guerra...

Estes números não podem hoje ser confirmadados dado que o arquivo do MNF, entregue em 1974 à guarda da Liga dos Combatentes, "desapareceu", pura e simplesmente (!)... 

By the way, a quem pode interessar a eventual destruição de documentação de interesse historiográfica ? Alguém com "culpas no cartório" ?...Alguém que queira "reescrever a história" ?... O jornalista Martinho Simões, colaborador próximo de Cecília Supico Pinto, acusou a 5ª Divisão e o coronel Varela Gomes de destruição do espólio do MNF...  Varela Gomes, por sua vez, em entrevista telefónica dada, em 2006, à Sílvia-Espírito-Santo diz que encontrou o espaço já todo vandalizado. (Vd. Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, pág. 196).

Recorde-se, por outro lado,  que os aerogramas eram de distribuição gratuita para os militares mas os civis (famílias, amigos, etc.) tinham de comprar o impresso (que custava 20 centavos em 1961, o equivalente a 9 cêntimos a preços de hoje). Ao longo da guerra, a despesa média anual em aerogramas, da parte das famílias, seria da ordem dos 2 mil contos (tomando como referência o ano de 1965, equivaleria, a preços de hoje, a um montante da ordem dos 786 mil euros).

Durante a guerra, foram impressos mais de 300 milhões de aerogramas, 14% até 1967, e os restantes 86% entre 1968 e 1974 (pág. 319). Seria interessante perceber a razão de ser deste aumento exponencial a partir de 1968.

Para além da TAP (que fazia o transporte gratuito dos aerogramas), houve uma série de entidades da sociedade civil, nomeadamente emprresas,  que contribuiram, inicialmente,com apoios financeiros para o MNF suportar os custos da emissão dos aerogramas:

  • Banco de Angola
  • Estaleiros Navais de Viana do Castelo
  • José Manuel Bordalo
  • Lusitânia
  • Companhia Portuguesa de Pesca
  • Manuel Rodrigues Lago
  • SACOR
  • Cidla
  • Companhia Colonial de Navegação
  • Sociedade Central de Cervejas
  • Banco Borges & Irmão
  • Sociedade Concecionária da Doca de Pesca
Mas o MNF também fazia peditórios de rua, espectáculos, etc. Com base em dados divulgados na RTP  pelo MNF, em 1971, por ocasião do seu 10º aniversário, a organização da Cecília Supico Pinto teria, em 10 anos:

  • dado a apoio a  mais de 169,2 milhares de famílias carenciadas (doação de vestuário...);
  • colaborado na colocação no mercado de trabalho de cerca de 70 mil ex-militares;
  • realizado 170 mil visitas a hospitais miliatres;
  • enviado mais de 8 milhões de lembranças (jogos, baralhos de cartas, tabaco...);
  • encaminhado mais de 178 mil encomendas das famílias para os seus militares (pagava-se 5 escudos por cada encomenda até 5 kg) (em 1971 era equivalente hoje a 1,33 euros).(pp. 319/320)
 
A investigadora Sílvia Espírito-Santo, no seu livro "Cecília Supico Pinto: o rosto do Movimento Nacional Feminino" (Lisboa, A Esfera do Livro, 2008, pág. 87), publica uma cópia do resuno do "orçamento ordinário" para o ano de 1974:

Receita
  • Disponível: 9.948.257$00
  • Realizável a longo prazo: 51.743$00
  • Total: 10.000.000$00

Despesa
  • Encargos fixos: 5.298.000$00
  • Encargos previstos: 4702.000$00
  • Total: 10 000.000$00

Julgamos que estes dez mil contos, de receita ordinária, eram provenientes de subsídios do Ministério da Defesa Nacional e do Ministério do Interior, as duas principais fontes de financiamento.  Em 1973 representavam, a preços de hoje, 2.112.049,60 €. Um ano depois, e com a brutal depreciação dos preços, valeriam menos cerca de 440 mil euros, ou sejam,  1.673.722,97 €.

Mas no fim do resumo do "orçamento ordinário"  vem uma "nota muito importante":

"A fim de manter as dotações normais de aerogramas oferecidos aos militares (32.000.000),considerando o agravamento de custos eos níveis a manter, torna-se absolutamento necessário reforçar a verba destinada aos aerogramas num montante de 1.200.000$00 anuais, o que não está incluído no presente orçamento" (pág. 87).

2. A gestão do MNF era pouco profissional, como documenta, no seu livro, a  Sílvia Espírito-Santo, crítica a que se somavam outras, retirando à organização credibilidade e apoios da sociedade civil:

 (...) O  desactualizado registo clerical e beato, a evidente influªencia das cúpulas do MNF nos meios políticos e militares e o uso indevido dessa influência, como base de favorecimentos e clientelismos - uma prática enraizada socialmemte que trabsportaram para dentro da organização -, a defesa pública da guerra e a 'colagem' à política  do governo, foram-na  desacreditando e dando azo a um reputação de pouca seriedade" (...).

Em todo o caso, é bom recordar que a atividade do MNF incluia ainda a publicação de várias revistas periódicas, a edição do disco de Natal (1971 e 1973) (com uma tiragem total de 600 mil cópias), incuindo um estúdio privativo de gravação e transmissão, responsável pelo programa de rádio "Espaço" (pág. 138). 

E, facto menos conhecido dos nossos leitores, "em maio de 1973, a sala de gravações do estúdio e uma parte da sede do MNF [, na Rua das Janelas Verdes, ] foram danificadas por uma explosão ocorrida durante a madrugada".

Para a Cilinha, ter-se-á tratado, sem sombra para dúvidas, de um "atentado" (, versão que a censura não deixou publicar nos jornais)... Para as autoridades da época, não passou de um simples acidente com um botija de gás propano mal fechada... (pp-140/141).
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terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22787: O meu sapatinho de Natal (6): o aerograma muito pouco "católico", e muito menos "patriótico", enviado pelo A. Marques Lopes (ex-alf mil, CART 1690, Geba, e CCAÇ 3, Barro, 1968) com sarcasmo e raiva, em dezembro de 1968, à sua mana e cunhado


Guiné > Região de  Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Aerograma, edição de Natal, distribuído pelo Movimento Nacional Feminino >  "...Uma ginginha!... Para dar de beber à dor é o melhor"... O alf mil at inf, comandante do Gr Comb "Os Jagudis", pegou no aerograma de Natal do Movimento Feminino, cujo "boneco" já vinha da 1º ( e unica) edição, dezemro de 1961 (!), e "canibalizou-o":  põs um chapéu alto, azul, na cabeça do São José, tipo "porteiro de hotel" (, para não dizer "palhaço de circo"); tingiu de vermelho (sangue) o caqui amarelo do "maçarico" que foi para Angola (em abril de 1961, "rapidamente e em força"); "incendiou" as tabancas... Enfim, mandou um postal de "boas festas", muito pouco "católico" e muito menos "patriótico",  à sua mana e ao seu cunhado... 


Foto (e legenda): © A. Marques Lopes  (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



A. Marques Lopes é um dos "históricos" da Tabanca Grande: é
 o nosso quarto grã-tabanqueiro mais antigo, depois do fundador, Luís Graça, do Sousa de Castro e do Humberto Reis; entrou para a nossa tertúlia em 14/5/2005coronel inf, DFA, na situção de reforma, foi alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/1968) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968), era membro, em 2005, da direção da delegação do norte da Associação 25 de Abril (A25A),  é autor de "Cabra-Cega: do seminário para a guerra colonial" (Lisboa, Chiado Editora, 2015), autobiografia escrita sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira, que conta a história de António Aiveca. E que já chegou ao Brasil...
 

1. Nesta quadra festiva, lembremo-nos do nosso camarada A. Marques Lopes, de 77 anos de idade, que vive em Matosinhos, e que está hospitalizado. Ele pede que lhe escrevam para o email: a.marques.lopes@hotmail.com 

Fomos "desencantar" um dos seus inúmeros postes (ele tem mais de 250 referências no nosso blogue), e mais concretamente o poste P369, de 18 de dezembro de 2005 (*), recordando o seu já longínquo Natal de 1968, passado em Barro, na CCAÇ 3, onde completou a sua comissão, depois de ter sido gravemente ferido (e evacuado para a metrópole) ao serviço da CART 1690 (Geba, 1967). 

Escreveu ele nesse poste, que vinha acompanhado do aerograma que reproduzimos acima, reeditado entretanto por nós para chamar a atenção do leitor para as modificações por ele introduzidas, com sarcasmo e raiva:

"Este é mais outro aerograma que descobri. 

Mandei-o, pelo Natal, em 1968. 

O que eu quis transmitir é que eram natais de morte
 e que o que procurava era esquecer, 
dando de beber à dor".

Aerograma:

"Querida irmã e cunhado, um Natal feliz 
e que o Ano Novo seja sempre melhor que o anterior. 
António Manuel... 
Uma ginjinha!.. Pois dar de beber à dor é o melhor"...




O nosso camarada Alberto Nascimento,  outro veterano da Guiné e do blogue  (, foi soldado condutor auto,. CCAÇ 84, Bambadinca, 1961/63), teve a ideia (original) de nos mandar,  em 2010,  as boas festas, utilizando este aerograma com impressão de Natal, que era distribuido pelo Movimento Nacional Feminino. (Vd. poste P7445, de 17 de dezembro de 2010).


Foto: © Alberto Nascimento (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







Guiné > Região do Oio  > Farim  > CART 1802 > Dezembro de 1967 > Um poema de Natal   pelo 2º srgt art Silvério Dias, da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974) (**).

O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 e muitos  anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto (e legenda): © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados.   [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.




MNF - Movimento Nacional Feminino > Dezembro de 1961. Aerograma com impressão de Natal, encomendado   à Tipografia ORBIS.. Repare-se que a figura do militar, de caqui amarelo, capacete de aço e mauser com baioneta, manteve-se  ao longo dos  13 (!) Natais que durou a guerra, a que o 25 de Abril pôs cobro...Desconhece-se o nome do autor da ilustração. 
2. Estamos de acordo que o SPM - Serviço Postal Militar (***)  foi um dos melhores serviços que a tropa criou em tempo de guerra. E quem dizia SPM, dizia aerograma, uma criação, tanmbém meritória, do Movimento Nacional Feminino: era isento de franquia postal (porte e sobretaxa aérea), e o seu transporte (entre Lisboa e Bissau, no caso da Guiné) era assegurado, em geral, pela TAP, de borla...

Sabemos, por outro lado, que o aerograma era "seguro e rápido"...  Alguns de nós (e as nossas namoradas, esposas, amigos, familiares, etc.), achavam o aerograma mais "impessoal", preferindo a carta, devidamente estampilhada, expedida "por avião" (, de resto, como o aerograma)... Mas como a carta era paga (porte mais sobretaxa aérea), achávamos que tinha tratamento especial, diferente do aerograma... Seria o equivalente hoje ao "correio azul"...

Além disso, achávamos, alguns de nós,  que a carta era mais "íntima", prestando-se melhor ás confidências (vivenciais, amorosas, políticas, filosóficas, etc.), podendo inclusive enviar no envelope uma fotografia (ou mais folhas de papel de carta), o que era taxativamente proibido no aerograma...

Todavia, a maioria dos militares , e sobretudo as praças, destacados nos diferentes teatros de operações e demais "províncias ultramarinas", não se podiam dar ao luxo de pôr no correio (SPM) muitas cartas, por causa da "guita", daí a opção pelo aerograma, de distribuição gratuita pelo Movimento Nacional Feminino e com expedição sem encargos... 

Para o ano de 1974, o MNE fez uma encomenda de 32 milhões de aerogramas, nunca pensando que esse ano seria também o  seu último ano de vida, e que milhões de aerogramas iriam para o lixo. (Ao longo da guerra, ter-se-ão distribuído 3 centenas de milhões de aerogramas.)

Curiosamente, o "boneco" do aerograma com impressão de Natal datava de dezembro de 1961... e não teve alterações ao longo dos anos... E provavelmente não teria conhecido alterações de monta,  mesmo se a guerra durasse... cem anos, (!), o que vem confirmar a gestão "amadorística", e muito centrada na líder do MNF, a Cecília Supico Pinto. 

Daí talvez, de entre outras, a razão do "mau humor" do A. Marques Lopes que literalmente canibalizou o aerograma que expediu, de Barro, para a mana e o cunhado. (Será que os destinatários acharam "piada" ao seu humor negro ?)

Sabemos que o aerograma chegou, pelo menos,  ao seu destino, o que também vem confirmar a ideia que o correio, expedido pelo SPM, não era, em princípio, violado pelas autoridades militares ou pela PIDE/DGS... Pela simples razão de que não era praticável o seu controlo sistemático nem sequer aleatório: durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio (!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas (incluindo aerogramas, cartas, encomendas postais, valores declarados...).(***)

Para os três camaradas que contribuem com os seus "recuerdos" para este poste, vai uma especial saudação natalícia. Do Alberto Nascimento e do Silvério Dias não tenho tido notícias. Do A. Marques Lopes, tenho, mas não são tão boas quanto gostaríamos. Desejo-lhe rápidas melhoras de modo a poder passar o Natal de 2021 em casa, no "quentinho", e "sem ginjinha para dar de beber à dor"... Ou melhor, um Natal com ginjinha mas sem dor, António! 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de dezembro de 2005 > Guíné 63/74 - P369: O meu Natal de 1968 em Barro (A. Marques Lopes)(2005)

(**) Vd. poste de 5 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

(***) Vd. poste de 27 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17518: Antologia (76): "O Correio durante a guerra colonial", por José Aparício (cor inf ref, ex-cmdt da CART 1790, Madina do Boé, 1967/69)... Homenagem ao SPM - Serviço Postal Militar, criado em 1961 e extinto em 1981.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22740: Notas de leitura (1394): "Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes; Edições Desassossego, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,

É uma terna surpresa, esta investigação de Marta Martins da Silva, uma viagem circundante pelas guerras do Império, as madrinhas de guerra vinham procurar aplacar a solidão daqueles jovens que procuravam amarras na comunicação com o mundo de onde provinham, alguém fora dos contatos estabelecidos pelos vínculos familiares ou um quadro afetivo de onde se sabia de antemão que vinham abraços de coragem, família e amigos situavam uma atmosfera de identidade, as madrinhas de guerra era outra coisa, propiciavam oportunidade de abrir portas a um mundo desconhecido, quem escrevia ignorava a vida do outro e numa espiral podia crescer a intimidade, a madrinha enviava dados da sua vida e prometia companhia a quem combatia lá longe. 

Marta Martins da Silva vai ao passado da I Guerra Mundial, exatamente como faz agora com livro recém-publicado e intitulado Cartas de Amor e de Dor, recordações íntimas e poderosas do Ultramar, Edições Saída de Emergência, 2021, de que mais tarde falaremos. Posso estar equivocado, mas não há relato tão belo sobre o desempenho destas mulheres anónimas como este livro que se revela um verdadeiro prodígio de História Oral.

Um abraço do
Mário



A madrinha de guerra sabe que é importante distrair o seu afilhado

Mário Beja Santos

"Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes, Edições Desassossego, 2020, é um livro surpreendente, pela inovação da pesquisa, pela abrangência do tratamento da temática, pelas questões sociológicas que ousa levantar. E Carlos de Matos Gomes abre as hostilidades com um magnífico prefácio:

“É uma obra sobre as estratégias pessoais dos jovens portugueses feitos soldados para preservarem a corrente que os liga à origem, para resistirem às várias mortes, a física e a emocional. As madrinhas de guerra constituíram uma das amarras que permitiram ao mobilizado continuar a fazer parte da sua comunidade, enquanto ser social (…)

A correspondência trocada entre os militares portugueses e as suas madrinhas de guerra revela que aquela não era uma guerra que pudesse ser ganha por aqueles soldados. As primeiras cartas falam do cumprimento de um dever, de um tributo a pagar, mas, logo de seguida, do regresso, do vazio da missão que cumprem. Não se vislumbra nenhum sentimento de orgulho por estarem os militares mobilizados a contribuir para uma vitória ou para uma grande causa. As cartas manifestam, isso sim, preocupações com a sobrevivência, com o desejo que o tempo passe sem deixar grandes marcas (…) 

Da leitura das cartas subentendemos que a guerra também foi o pretexto para procurar uma companhia, um destino, um futuro. Umas vezes o resultado foi feliz, noutras nem tanto. Em muitos casos, os correspondentes e as madrinhas perderam o rasto um dos outros. Quando as promessas trocadas nos aerogramas não se concretizavam na chegada dos militares à metrópole, muitas madrinhas e muitos dos mobilizados acabaram por queimá-los e a outras recordações da guerra, como um adeus ao passado. Marta Martins Silva reconstrói com emoção parte dele”.

A primeira surpresa que a autora nos proporciona é falar-nos de um livro de um pioneiro da arqueologia, Coronel Afonso do Paço que escreveu o livro "Cartas às madrinhas de guerra", com data de 1929, e nos fala da guerra das trincheiras. E temos a história de um grupo de mulheres que incentivou esta forma de comunicação, os extratos que a autora nos oferece dão conta da evolução do estado de espírito do combatente Afonso do Paço, basta o extrato de uma carta de fevereiro de 1918:

“Se a madrinha soubesse o quanto nós sofremos nesta vida de trincheira!? Se pudesse imaginá-lo!? Diria que era uma vida inteira votada à dor e ao sofrimento, porque só de dor e sofrimento é feita a nossa vida na trincheira. Sofre-se de metralha que nos corta as carnes em paroxismo de dor. Sofre-se de gases que nos queimam o corpo, que secam as goelas, fazem espirrar como cabritos ou chorar como Madalenas. Sofre-se de frio, os pés na lama, a roupa pegada ao corpo, as articulações emperradas de reumatismo. Sofre-se de piolhos que nos roem a pele. Sofre-se na terra de ninguém rastejando sobre a lama ou cadáveres em putrefação”.

E daqui partimos para os aerogramas, em Jumbembém Manuel de Sousa vai contando o seu fadário, e vem logo a propósito conhecer a popularidade do chamado bate-estradas, grátis para um militar, a preço insignificante para as famílias, envolveu o Movimento Nacional Feminino (MNF), o Serviço Postal Militar, a TAP, os transportes marítimos. 

A dirigente do MNF, Cecília Supico Pinto, define a competência da madrinha: escreve ao afilhado pelo menos todas as semanas, procura ser sempre agradável, versando os assuntos que mais possam interessá-lo, escreve para o distrair. Porque, como nos recordou Carlos Matos Gomes, quem partiu para aqueles teatros de guerra a tudo quer resistir quando sentiu que quebrava uma ligação ao que lhe era matricial à sua terra, à sua família, à sua comunidade, aos seus projetos de vida. E a autora desenvolve habilmente a origem e o sucesso deste meio de comunicação, dá-nos o essencial do que foi o papel do MNF, como se chegava à madrinha de guerra, muitas vezes era graças às revistas mais populares da época, caso da Crónica Feminina, talvez o maior sucesso de todos os tempos em Portugal de uma revista de entretenimento. Um meio que permitiu enredos, aproximações que levaram à descoberta do amor ou que respeitaram à mera formalidade da ajuda que era pedida para distrair um militar.

E temos uma correspondência que permite conhecer o perfil de quem escreve, como vive, do que gosta, como ocupa o tempo, como trabalha. O militar responde, começa então respeitoso e vai-se desprendendo, pergunta se há namorado na costa, pede fotografia, umas vezes é comedido a descrever os horrores da guerra, outras vezes não tanto, trabalha na padaria, na manutenção de viaturas ou na secretaria, e não quer dar parte de fraco. 

Essa riqueza epistolar é-nos dada pela autora através de uma transcrição muito bem escolhida que intitula “Amor em tempo de guerra”, no fundo o triunfo dos aerogramas, tudo vai acabar bem, no altar ou na conservatória, com o copo-de-água possível. O primeiro contacto é sempre tocante, caso de Mário Silva para a menina Rosa Maria:

“Menina, você dizia-me que gostava de saber de onde eu era, pois eu sou de aí de perto, tão perto que pertenço à mesma freguesia. Sou natural de Vilarinho, mas já vivo fora da terra natal há 10 anos, estando os últimos anos como padeiro em Lisboa. Menina, quando me escrever, não se importava de me mandar dizer se é natural de Cacia e ao mesmo tempo agradecia que me trates por tu. Se por acaso a menina não se importasse podíamos escrever como madrinha e afilhado? Agradeço uma vez mais a atenção dispensada".

Nem todos os casamentos irão ocorrer pouco depois da chegada do jovem, a autora deixa-nos para o fim um amor de longa espera entre Maria do Céu Cadima e Fernando Paredes. A Maria do Céu nunca deu ao Fernando qualquer sinal de que queria ser mais do que a sua madrinha de guerra, nunca se ultrapassava a linha da amizade, o Fernando queria mais. A vida trocou-lhes as voltas, Fernando casou com Maria Olinda, sem nunca deixar de pensar na sua Céu. A mulher de Fernando adoeceu e morrer em 2010, pouco depois Fernando também adoeceu com linfoma nos ossos, chegou a ir viver para um lar, onde contava a sua antiga história de amor, os moradores, comovidos, encorajaram-no a encontrar-se com a amada. E como no romance de Gabriel García Márquez, "O Amor nos Tempos de Cólera", cinquenta anos depois, Fernando plantou-se à porta da Céu, ela disse que não mas aceitou reatar a amizade. O resto merece ser transcrito:

“Casaram a 13 de maio de 2015 pelo civil e a 1 de agosto passaram a morar os dois em Alfarelos, a terra do noivo. O casamento pela igreja fez-se a 7 de novembro, na Igreja de S. Martinho, em Montemor-O-Velho, a terra da noiva. A cerimónia teve guarda de honra dos Bombeiros Voluntários. Mas a felicidade que tardou a chegar para o casal não ficou durante muito tempo e por isso Céu não pôde ajudar Fernando a contar esta história, a história de um amor que venceu passado 50 anos com uma guerra pelo meio e muitas adversidades. ‘Só estivemos juntos um ano e meio, a Céu teve uma pneumonia e como tinha as defesas em baixo não resistiu a uma bactéria hospitalar. Foi um golpe duro depois de tanto lutarmos por este amor’, conta Fernando comovido. Céu, a fininha de voz doce que lhe disse naquele primeiro baile que não sabia dançar, morreu no dia 8 de janeiro de 2016. ‘Céu, eu nunca te vou esquecer’."

E com este ponto culminante finda um itinerário que é mar ignoto para as novas gerações, tudo parece inacreditável ter havido mulheres que escreviam a um desconhecido, por sugestão do Movimento Nacional Feminino, dando alento e por vezes lugar a declarações apaixonadas, algumas que chegaram ao altar.

É uma dádiva maravilhosa, a de Marta Martins Silva, pôr estas mulheres esquecidas em cena pela voz das próprias, acabaram por ser protagonistas de uma guerra que seguramente nada lhes dizia, cumpriram o seu dever e até por vezes encontraram amor para toda a vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22721: Notas de leitura (1393): "História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias", por Marianne Cornevin, I Volume; Edições Sociais, 1979 (2) (Mário Beja Santos)