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sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23656: Notas de leitura (1501): "Ussu de Bissau", por Amadú Dafé; Manufactura, 2019 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos,
Como é evidente, a literatura universal possui relatos de altíssima qualidade sobre crianças que terão passado longos calvários até atingirem a libertação, tudo culminando com o futuro radioso pela frente, basta lembrar Oliver Twist e David Copperfield, de Charles Dickens. Amadu Dafé é cuidadoso, terno, socorre-se de um intenso lirismo e captura o leitor do princípio ao fim pela via mais eficaz da indignação: solta-se a voz da criança espancada e aviltada, em tanto confiante, mal sabendo que caiu numa teia de vis traficantes, e quando se despede do leitor avisa-nos que nada será como dantes, há o saber de experiência feito, Ussu de Bissau fora sujeito a riscos barbários, é hoje um homem livre, está escrito no seu coração. Amadú Dafé é uma grande promessa para a literatura luso-guineense, fica comprovado com este documento literário terno, vibrante, tantas vezes a magoar-nos nas vergastadas e no espezinhamento de uma criança que sonha voltar para casa. Que venha mais boa literatura da tua portentosa imaginação, Amadú Dafé.

Um abraço do
Mário



Um vulto literário emergente na Guiné-Bissau: Amadú Dafé (2)

Mário Beja Santos

Ussu de Bissau, por Amadú Dafé [foto à direita], Manufactura, 2019, é uma inesperada surpresa: encontrar uma criança tão emotivamente registada por um escritor que denuncia, em toda a sua crueza, o tráfico de crianças sujeitas às mais degradantes humilhações e atentados à dignidade humana.

Ussu é recambiado para o Senegal, a mãe conta fazer dele um ser humano que faça pela vida, que ganhe bases culturais, a criança sai da miséria para bater à porta do Inferno, um canalha que parece dirigir uma escola corânica tem dezenas de crianças por sua conta que pedincham pelas feiras, que vivem como animais e são pasto de um negócio de pedófilia.

É neste cosmos de maus tratos que Ussu encontra um oásis, a bondade do tio Lamine e a estima do seu filho Adulai. É nesse contexto que alguém se lhe apresenta como treinador de futebol e ele é despertado para um sonho, prometem-lhe uma madrinha disposta a levá-lo para a Europa para jogar futebol ou estudar. Está sonhador, mas mostra-se hesitante: “Valeu a pena ter vindo para Senegal, pedinchar nas ruas e nos becos, para, no fim, ser compensado com uma madrinha que se propunha levar-me para a Europa! Ou valeria igual se tivesse ficado ao lado da minha mãe, lutando contra os feiticeiros e contra os invejosos? Não sei. Só sei que enquanto a morte não me chega, a minha vida tem de permanecer esperançosa e certa”. Vai dar a boa-nova ao tio Lamine, ele sugere que Ussu estabeleça o contato com a dita senhora. Pelo caminho, prosseguem as vergastadas na escola corânica, os tratamentos torpes, a mendigação.

Se até agora Amadú Dafé usa de uma grande segurança na descrição de todos estes emaranhados de miséria, de sadismo religioso, de exploração infantil, triunfa pela forma delicada com que vai tratar a pedofilia, são parágrafos em que ele discorre a infâmia em cima de uma lâmina afiada, Ussu insurge-se, grita e dá às vilas Diogo, almas caridosas aconchegam-no, Adulai comunica ao tio Lamine o que se está a passar, procura-se então o treinador. Entretanto aguarda-se pela senhora que iria levar Ussu para a Europa, aparece Raja, entra num barco, registam-se estranhas anomalias, vai aparecer a polícia, afinal a dita senhora fazia parte de um gangue de raptores. A narrativa acelera-se, os diálogos são velocíssimos, aquela inocente criança não consegue entender os enredos daquele crime, é na esquadra da polícia que ele é informado de que servira de isco para apanhar a teia de criminosos.

Tem aqui lugar, num momento que o autor intitula Posto, um dos mais belos monólogos desta prodigiosa narrativa:
“A pressão social prefere farsa a sinceridade. Prefere ilusão a realidade. Prefere mentiras e aparências. A minha mãe sujeitou-me a tudo o que passei, não por vontade própria, mas porque se sentia pressionada a fazê-lo para não ser isolada e para não ser vista como incapaz de criar um filho.
Que ganhou ela com isso?
Ou melhor, o que ganharam as pessoas que a pressionavam com tudo o que passei? E se a Raja me tivesse conseguido levar para a Europa? E se tivesse continuado a ir para a horta e a seguir os meus colegas para dar o cu por uma côdea? E se tivesse continuado na escola e apanhado o hábito de mendigar para sobreviver?
A partir do momento em que terminei a conversa com a Fámata, acordei, saí da ilusão, afastei a obscuridade e a falta de determinismo que era a minha vida. Mais ninguém decidirá por mim o que quer que seja, mais ninguém irá ter em suas mãos a minha felicidade e os meus sonhos, nem a minha própria mente, muito menos pressão social alguma.

Ela será apenas um órgão dentro do meu corpo, como os demais, e a sociedade será sempre a comunidade a que pertenço livremente, não o contrário. Tomei totalmente o controlo de tudo e da minha vida particularmente (…) Toda a minha vida foi um drama dramático. Tinha vindo para o Senegal aprender Alcorão. Sim, era esse o propósito e era essa a inequívoca vontade da minha mãe. A minha tia e outros familiares fizeram-na pensar que só longe dela poderia eu ser gente. E no que me tornei depois de tantos anos, era inimaginável.
Formei-me nas ruas, como um rato, e cresci sobrevivendo como um gato. A minha maturidade emancipou-se e a minha formação foi de um gato caçador (…) Tinha ganhado uma vida cheia de experiência e vivência. Tinha-me emancipado e formado em vida. Que mais poderia levar de volta para os meus? Poderia encontrar a morança cheia, mas infelizmente a minha mãe não estava.

‘A tua mãe não se aguentou, Ussu. Ela não se aguentou’, disse-me a minha tia, à porta, choramingada.
Os que encontrei apareceram à porta com abraços, de muitos braços abertos, talvez cheios de saudade. Abraçaram-me, com força que lhes parecia de arrependidos, mas era do coração. Deveria isso bastar para aceitar a ausência da minha mãe? Até porque sinto que ela se tornara numa estrela, a mais brilhante.
Será para sempre o meu sol. Será a minha lua, para me seguir em todas as direções e condições? Irá saber como iluminar o meu caminho.
Pelo menos houve alguém em casa à minha chegada que me serviu água e arroz. Que me consolou e transmitiu as suas últimas palavras”
.

Jamais saberemos como Ussu se fará homem, somos levados a crer que agregou positivamente toda aquela via-sacra de criança traficada, pronta a ser raptada, sujeita à degradação suprema, mas que aprendeu os escaninhos por onde passam os raios da liberdade. Ele escrevera que tinha ganhado uma vida cheia de experiência e vivência, abria-se agora a estrada para que Ussu de Bissau, que embarcara em tantas ilusões, pusesse os seus sonhos em prática, como homem de bem.

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Notas do editor

Poste anterior de 26 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23645: Notas de leitura (1498): "Ussu de Bissau", por Amadú Dafé; Manufactura, 2019 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23653: Notas de leitura (1500): Algumas (breves) notas sobre missionação (III) - Reflexão do Prof. Justino Mendes de Almeida, profundo estudioso da “missionação”, reitor que foi da Universidade Autónoma de Lisboa (Paulo Cordeiro Salgado, ex-Alf Mil Op Especiais)

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23645: Notas de leitura (1498): "Ussu de Bissau", por Amadú Dafé; Manufactura, 2019 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos,
Amadú Dafé, estou seguro, vai ser um grande escritor, este Ussu de Bissau é eloquente comprovativo. Oxalá que ele não perca esta veia esplendorosa de escrita luso-guineense, por onde perpassam feiticeiros e balobas, mufunessas, poilões e bambarans. É uma denúncia vigorosa que ele nos dá nesta narrativa que se lê e relê com gosto, uma denúncia do tráfico de crianças que são exploradas, obrigadas a pedinchar, submetidas a negócios de pedofilia, tudo a pretexto de que frequentam escolas corânicas. Não sei como é que o islamismo reage a tais situações criminosas, a religião e os governos, como é óbvio, o que aqui se conta tem a ver explicitamente com a Guiné-Bissau e o Senegal. A escrita é admirável, é uma brisa de revelação, um escritor de formação universitária que não enjeita os problemas do seu povo humilde, a sofrer toda a casta de infortúnios, Ussu é um porta-bandeira de um crime que precisa de ser mais denunciado e castigado.

Um abraço do
Mário



Um vulto literário emergente na Guiné-Bissau: Amadú Dafé (1)

Mário Beja Santos

Estou absolutamente convicto que Ussu de Bissau, por Amadú Dafé [foto à direita], Manufactura, 2019, vai ficar no pódio das melhores narrativas da novel literatura deste país irmão. Melhor surpresa no arranque deste ano de 2020 não me podia ter sido dada. No dizer do autor temos aqui uma história aficionada de um aluno de escolas corânicas, faz parte daquele pesadelo de milhares de crianças da costa ocidental africana que são sujeitas aos terríveis maus-tratos onde não faltam a mendicidade, o viver nas condições mais abjetas, a escravatura pedófila.

Não é um romance, nem novela nem noveleta, é um relato em que uma criança é entregue a um escritor, ainda muito mal conhecido em Portugal, que esgrime o pensamento dessa criança com intensa vibração, levando-nos, na plenitude, aos recantos da miséria, tudo isto feito numa linguagem em que se desossa o português vernacular posto ao serviço de um idioma específico a que chamamos luso-guineense. Ussu tem uma mãe exigente, que sonha alto, quer este filho lançado na vida, no presente tudo é mais negro para a criança do que a cor da sua pele. É um mundo animista entrelaçado dessa esperança que uma escola corânica possa pôr o menino num patamar mais elevado. São episódios sucessivos dessa história que tem títulos condizentes: despatriado, escolhido, descartado, mendigo, faminto, punido, desperto, prevaricado, evadido, compaixão, suborno, norteado, pasmo, confuso, livre, elucidado, espectro, posto.

Não é só o tráfico de crianças que é denunciado em toda a sua extensão, é um mundo de curandeiros, de uma vertente do islamismo que precisa de ser execrada e perseguida no continente inteiro, por permitir que escroques aufiram dinheiro fingindo que educam crianças, no fundo escravizadas, não muito longe da escravidão antiga, tudo isso aparece posto em causa numa criança que conta a sua saga pelo punho de Amadú Dafé, numa das mais belas escritas que conheço.

Dura é a vida de Ussu, com aquele pai ausente, como se conta:
“Ademais, porque a minha mãe não me devolveu ao meu pai ainda estou por entender. O meu pai parecia ter-me abandonado, não ignorava esse facto, mas não me parecia capaz de me rejeitar caso ela decidisse que eu fosse viver com ele. Tenho memórias dos telefonemas dele e das suas palavras mélicas a perguntarem-me se a minha mãe me tinha sovado. Eu sempre respondi, prontamente, que sim, e nunca o vi fazer nada a esse respeito.
Às tantas achava-o mentiroso e fantoche, e desculpei-o sempre como uma pessoa muito ocupada. Que nem tem tempo de me telefonar sempre tinha, quanto mais de me ir visitar de quando em quando.
Cresci esperando por um convite seu para ir passar uns dias com ele, por uma prenda simples para o eternizar como um pai querido, por um acontecimento memorável por forma a nunca o perder nos meus sonhos. Nunca pude contar com ele e talvez por isso mesmo é que a minha mãe decidiu sempre sozinha tudo sobre a minha vida”
.

Se maus-tratos recebia, se havia sovas e açoites, lá no seu chão de origem, o que o espera do dito mestre corânico, aproxima-se do inferno, o ambiente doméstico é desolador, as crianças que vê cirandar dão-lhe a antevisão do mundo tétrico que o espera:
“As crianças que passavam por mim ali sentado, que entravam e saíam com latas penduradas no pescoço e roupas sujas e retalhadas, não me parecia pertencer à casa. Continuei, porém, sentado no meu cantinho, já não chorava, continuava a não sentir a minha alma, mas o estado de ausência total de mim mesmo não me permitia mais sentir a minha tristeza.
Não sabia se tinha fome, se tinha sono, se estava cansado de tanto andar, se estava desesperado ou se apenas queria a minha mãe de volta. O meu mundo resumia-se à minha vaguidade, ao meu estado leve de alma e à minha perdição. Tudo o que tinha, tudo o que sabia, de tudo o que me lembrava estava ali resumido e refletia-se nos olhos daquelas crianças que entravam e saiam com latas vermelhas e roupas esfarrapadas. Era esse o meu destino, o meu mundo era a minha fome, o meu sono e o meu cansaço. O meu mundo era também o desprezo e a indiferença daquelas pessoas em relação à minha pessoa”
.

Leva pontapés e passa fome, tem que andar na mendicância, leva açoites e vergastadas, e vamos saber como é que se aprende o Alcorão naquele ambiente sórdido:
“O senhor levou-me para a casa, a suposta escola, e mandou-me ficar sentado na rua à espera até o sol levantar-se. Quando os outros alunos começaram a aparecer, mandou-me segui-los para o quintal, onde se encontrava, afinal, a sua escola de Alcorão. Os alunos tomaram lugar em círculo à volta de um empilhado de lenhas e cinzas no centro. Dava para perceber que as lenhas estiveram a arder no dia anterior. Tentei olhar, por forma a fixar a cara de cada um deles, mas não fui capaz de reter nada. Todos tinham quase o mesmo aspeto. Esbranquiçados de pele, roupas esfarrapadas, cabelos encaracolados e empoeirados, corpos magros e olhos fundos de tristeza. Liam em voz alta, cada um levava uma tábua escrita a tinta preta à mão e todos com lições diferentes. Era um caos, uma dessintonia total, como jogo de sortilégio”.

Ussu é chicoteado, vergastado por aqueles jovens à ordem do senhor. E mandado a caminho da feira, vai pedinchar, ai dele se voltar para casa sem dinheiro ou arroz. E Amadú Dafé, no mais belo recorte lírico, dá-nos o estado de alma de Ussu no seu pedinchar:
“Aqui, a minha cama é o meu chão, o meu manto é a areia, a minha casa é a terra. A lua continuava a guiar-me, a correr atrás de mim e a andar ao meu lado em todas as direções e condições, iluminando-me.
Comia o vento enquanto tinha a companhia da lua. Não podia ser mais grato à natureza e a Deus. Às tantas, não queria largar a vida de talibé (aluno), realizava-me de alguma forma. Era uma vida engraçada que aprendi a ter. Ganhei-a à custa das minhas costelas, das minhas lágrimas, sobretudo da minha alma, dura e persistente”
.

E era aquele terror de voltar sem dinheiro ou arroz, o prémio das chibatadas. Tem a felicidade de conhecer Lamine, mas até lá chegar teve que descer ao fundo da existência:
“Meti-me no lixo da feira e procurei, até que encontrei, uma lata vermelha igual à que os meus companheiros portavam no pescoço. Cheirava a caca, mas não me importei, nesta vida, caca é preferível a chibatadas, caca alterna nas refeições”. É neste vórtice da degradação que ele encontrou o tio Lamine, faz-se amigo do seu filho, Adulai, enquanto mendigava o tio Lamine dava-lhe de comer. “Com a barriga cheia era mais fácil pedir esmolas e as forças nas pernas eram maiores para visitar várias lojas e casas da cidade e da feira onde sabíamos que, com sorte, conseguíamos sempre um pouco de arroz ou uma moedinha. No entanto, sempre nos mantínhamos preparados para fugir às ameaças de porrada que nos prometiam, à água quente que nos atiravam, ou às humilhações que nos submetiam”.

Temos aqui a promessa de um grande escritor.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23640: Notas de leitura (1497): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23629: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XVI: Conto - O menino e patu-feron



Ilustrações do mestre Augusto Trigo (2016), pai da pintura guineense e grande ilustrador, a sua obra é uma referência. (pp. 81 e 83). Nasceu em Bolama, em 1938. Casapiano.



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



1. Transcrição das pp. 81/83 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


J. Carlos M. Fortunato > Lendas e contos da Guiné-Bissau




Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



CONTO - O MENINO E O PATU-FERON 
(pp. 81/83)


Um dia, uma mulher ao ir buscar lenha ao mato, em vez de carregar com o seu filho nas costas como era costume, deitou-o no chão, para poder trabalhar mais rapidamente.

Um patu-feron (37),  vendo a mulher distraída com o trabalho, roubou-lhe o filho, e levou-o para o seu ninho numa árvore.

A mulher aflita gritou:
Ajuda, ajuda. Patu-feron levou o menino. Ajuda, ajuda.

Vieram pessoas a correr, que foram logo procurar o menino, nas árvores onde os patus-feron costumavam fazer os ninhos, mas, apesar de muito procurarem, nada encontraram.

Anos mais tarde, um caçador que andava a caçar naquele local, viu uma criança em cima de uma árvore.

O caçador tinha visto uma mulher ali perto a cozinhar, e foi falar com ela.

 Eu vi uma criança em cima de uma árvore, cozinha arroz para dares à criança, que eu vou buscá-la  disse o caçador.

O caçador, mal chegou ao local, começou a subir a árvore para ir buscar a criança, mas o patu-feron atacou-o e não o deixou subir. Então o caçador pegou no machado e começou a cortar a árvore.

Quando o patu-feron viu o caçador a cortar a árvore, começou a cantar.

 
− Ráque, ráque! Ráque, ráque!  fazia o patu-feron e a árvore voltava a crescer.

Então o caçador pegou no arco e nas flechas para matar o patu-feron, mas ao ver isto o patu-feron começou a gritar por ajuda, e começaram a vir muitos patus-feron, que atacaram o caçador.

O valente caçador enfrentou os patus-feron, e com o seu arco disparou as setas que tinha, matando muitos patus-feron, mas as setas acabaram-se e eles continuavam a vir. Então o caçador pegou no machado e na catana e continuou a lutar, até todos os patus-feron estarem mortos.

Finalmente o caçador conseguiu subir à árvore e trazer a criança.

A mulher deu o arroz à criança, mas esta não quis comer, porque só estava acostumada a comer peixe cru que o patu-feron lhe dava.

O caçador levou-o para sua casa e criou-o como se fosse seu filho, insistindo, pouco a pouco, para que ele comesse arroz.

E foi assim, que o caçador conseguiu salvar o menino, e acostumá-lo a comer arroz, ao pequeno-almoço, ao almoço, e ao jantar.

___________

Nota do autor:

(37) Patu-feron - é a designação dada em crioulo ao pato ferrão (Plectropterus gambensis), o qual é comum na África subsariana. É a maior ave aquática do continente africano, chegando a pesar sete quilos e a envergadura das asas ser de dois metros; é uma ave perigosa, pois usa o esporão que tem na dobra de cada asa (de onde deriva o nome pato-ferrão) para atacar quando se sente ameaçada.


Pato-ferrão, Patu-feron (crioulo), Thifathe (balanta), Cubuquetaco (fula).  Macho adulto. 

Fonte: Guia das aves comuns da Guiné Bissau / Miguel Lecoq... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Monte - Desenvolvimento Alentejo Central, ACE ; Guiné-Bissau : Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas da Guiné-Bissau, 2017, p. 15. Ilustração de PF - Pedro Fernandes) (Com a devida vénia...)  



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quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23619: Lembrete (42): Convite para o lançamento de "O Gémeo de Ompada", de Carlos Vaz Ferraz, que se realiza no dia 20 de Setembro, às 18h30, na Sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglês de Lisboa

C O N V I T E


1. Mensagem do nosso camarada Carlos Matos Gomes, Coronel Cavalaria Reformado (ex-2.º CMDT Batalhão de Comandos da Guiné, 1972/74), escritor e historiógrafo da guerra colonial, com data de 15 de Setembro de 2022:

Meu caro Carlos Vinhal,
Junto envio o convite para a apresentação do meu novo romance O gémeo de Ompanda.
Teria o maior prazer na companhia dos camaradas da tertúlia e das aventuras da Guiné, do Luís Graça e Camaradas.

Aqui fica o convite com o antecipado prazer de ver e rever as gentes de África

Contracapa do livro

Um abraço amigo
Carlos Matos Gomes
Dia 20, às 18.30 no El Corte Inglês, piso 6.

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Notas do editor:

Vd. poste de 25 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23554: Agenda cultural (820): "O Gémeo de Ompanda - e as suas duas almas", por Carlos Vaz Ferraz. No dia 27 de agosto, às 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa e, no dia 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, sessão de lançamento da obra com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves

Último poste da série de 20 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23372: Lembrete (41): 37º Encontro Nacional do Pessoal do BENG 447, Brá, Bissau, sábado, 25 de junho, Restaurante O Paraíso do Coto, Caldas da Rainha: há autocarros a partir do Porto e de Lisboa

domingo, 11 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23607: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XV: Conto - O lobo que queria comer os filhos da lebre



Ilustração (pág. 79) do mestre Augusto Trigo (2016), pai da pintura guineense e grande ilustrador, a sua obra é uma referência.
 


O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga



1. Transcrição das pp. 79/80 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato > Lendas e contos da Guiné-Bissau



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5


Conto - O lobo que queria comer 
os filhos da lebre (pp. 79/80)



Um dia, o lobo (hiena) foi à casa da lebre para lhe comer os filhos, mas a lebre conseguiu fugir e foi esconder os filhos ao pé de um poilão (36).

O lobo não desistiu e continuou a procurar os filhos da lebre. Tanto o lobo procurou, que acabou por descobrir o local onde estavam os filhos da lebre.

A lebre não estava em casa, porque tinha ido ao mercado comprar peixe, mas os filhos da lebre ao sentirem o lobo perto, fugiram para o alto do poilão. O lobo pelo cheiro sentia que os filhos da lebre estavam perto, mas não os conseguia encontrar. Então imitou a voz da lebre a chamar os filhos.

   Meninos, onde estão?     chamava o lobo imitando a lebre.

Mamã, mamã, estamos aqui em cima −  responderam os filhos da lebre do alto do poilão, e pensando que era a mãe que tinha chegado, atiraram uma corda para ela poder subir. Ao ver a corda, o lobo começou a subir por ela acima para ir comer os filhos da lebre, mas nesse momento chegou a lebre.

 A lebre nem precisou de corda para subir rapidamente até ao alto do poilão, e, lá de cima, chamou o lobo:

−  Vem, vem para aqui, para junto de mim!

E o lobo assim fez, pois assim comia primeiro a lebre e depois os filhos. Quando o lobo chegou perto, a lebre indicou-lhe um tronco para ele se sentar e disse-lhe:

−  Senta-te aqui, enquanto eu arranjo este peixe. Depois, já me podes comer.

Como a lebre não podia fugir, o lobo pensou logo que ia ficar de barriga cheia, pois ia comer a lebre, os seus filhos e ainda o peixe que ela estava a arranjar.

A lebre que era muito esperta, tinha escolhido um tronco podre para o lobo se sentar. Assim, quando ele se sentou, o tronco partiu-se e o lobo caiu do poilão e ficou no chão sem se mexer.

A lebre, como sabia que o lobo podia estar a fingir de morto, disse para os filhos:

 
−  Não  vamos descer já. Vamos esperar até vermos as moscas poisarem em cima do lobo.

Quando a lebre e os filhos viram as moscas poisadas em cima do lobo, ficaram tão contentes que até dançaram. O lobo tinha morrido.

E foi assim, que a lebre conseguiu salvar os seus filhos de serem comidos pelo lobo.

_________

Nota do autor:

(36) Poilão - árvore de grande envergadura, muito vulgar na Guiné-Bissau.


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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 11 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23254: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XIV: Conto - O lobo e a lebre vão à pesca (pp. 75/78)

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23554: Agenda cultural (820): "O Gémeo de Ompanda - e as suas duas almas", por Carlos Vaz Ferraz. No dia 27 de agosto, às 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa e, no dia 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, sessão de lançamento da obra com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves


A busca da identidade num mundo de diferenças

Em O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas, Carlos Vale Ferraz convida-nos a fazer uma viagem épica com partida numa pequena localidade do sul de Angola

Com mestria, Carlos Vale Ferraz dá uma vez mais vida a personagens memoráveis em O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas. Um romance indispensável sobre a busca da identidade num mundo de diferenças, que decorre entre Portugal e Angola. O tempo dos missionários laicos portugueses em Angola e a Guerra Civil neste país africano servem de pano de fundo a uma história feita de escolhas. Nela, os protagonistas lutam não só contra os estigmas de duas sociedades, como também contra si próprios.

O livro já se encontra em pré-venda e estará disponível nas livrarias a 25 de agosto.

Conheça a obra nas palavras do próprio autor:



No dia 27 de agosto, a partir das 17:00, o autor vai estar em sessão de autógrafos no Espaço Porto Editora | Bertrand Editora da 92.ª Feira do Livro de Lisboa.

A 20 de setembro, pelas 18:30, na sala de Âmbito Cultural (piso 6) do El Corte Inglés de Lisboa, decorre a sessão de lançamento da obra, com apresentação de Augusto Carmona da Motta e Fernando Alves (TSF).



SOBRE O LIVRO:

O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas

Castor e Pólux, duas das estrelas mais brilhantes do firmamento, gémeos mitológicos que, não conseguindo viver um sem o outro, optaram por repartir a eternidade entre o Céu e o Inferno. Mas nem toda a salvação vem dos céus… Para Atsu, gémeo negro sobrevivo a uma maldição, padecendo do sentimento de culpa por ser o que escapou, surge na figura de um amaldiçoado como ele, seu reflexo branco. Nos céus de Ompanda, terra das avestruzes e pátria dos cuanhamas, entre o sul de Angola e o norte da Namíbia, há momentos em que as estrelas mais brilhantes de Gémeos são visíveis. Nos de São Pedro de Moel, terra de navegantes e pátria dos portugueses, também. Entre Angola e Portugal, as vidas de Aliene (a cuanhama branca), Francisco Boavida (o branco criado por negros) e Atsu (o negro europeizado) – três lados de um triângulo de amor, ainda que não amoroso – vão-nos sendo desvendadas à luz da sua busca pela identidade. Uma demanda pela essência do ser, entre dissemelhanças pessoais e soci! ais, dinheiro e política, que culmina com o regresso a casa, a África.


Título: O Gémeo de Ompanda – e as suas duas almas
Autor: Carlos Vale Ferraz
Páginas: 192
PVP: 16,60€

Ver primeiras páginas


SOBRE O AUTOR:
Carlos Vale Ferraz

Pseudónimo literário de Carlos de Matos Gomes, nasceu a 24 de julho de 1946, em Vila Nova da Barquinha. Foi oficial do Exército, tendo cumprido comissões em Angola, Moçambique e Guiné. Investigador de História Contemporânea de Portugal, publicou como Carlos de Matos Gomes e em coautoria com Aniceto Afonso Guerra Colonial, entre outros. No catálogo da Porto Editora figuram ainda os seus romances A Última Viúva de África, Prémio Literário Fernando Namora 2018, Nó Cego, Que fazer contigo, pá? e Angoche.

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23507: Agenda cultural (819): No passado dia 2 de Julho de 2022, foi apresentado, na Casa Pia de Lisboa, o livro "Alfredo Ribeiro – História, Memória, Saudade - O Universo Casapiano", da autoria de Luís Vaz. Alfredo Ribeiro foi Furriel Miliciano na CCAÇ 4150/73 (Albano Costa)

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23490: Agenda cultural (818): apresentação, às 17 horas, em Ferrel (dia 8) e no Baleal (dia 15), de dois novos livros de Joaquim Jorge (ex-alf mil at inf, CCAÇ 616, Empada, 1964/66): (i) Versos ao Acaso; (ii) Baleal: Beleza, Encanto, Fascínio!


Joaquim Jorge, Ferrel, Peniche.
Foto: Luís Graça (2015)
1. Mensagem nosso amigo e camarada Joaquim Jorge, de Ferrel, Peniche, que comandou, na maior parte do tempo, a CCAÇ 616/BCAÇ 619 (Empada e Ualada, 1964/66), Catió, na qualidade de alf mil at inf; 
tem 22 referências no nosso blogue; 
é bancário reformado, foi autarca e tem-se dedicado à escrita nos últimos anos; 
autor de "Ferrel através dos tempos" 
(edição de autor, 2019, 388 pp.):

Data - Quinta, 14/07/2022, 19:46
Assunto - Apresentação de dois livros

Boa tarde, Luís.

Vou fazer a apresentação de dois livros, "Versos  ao Acaso" e "Baleal - Beleza... Encanto... Fascínio!..."
que se realizará:

(i)  em Ferrel no dia 8 de Agosto, 2.ª  feira,  às 17 horas, no salão de festas do Jardim Infantil de Ferrel. 

(ii) e no dia 15 de Agosto, 2.ª feira, às 17 horas, na Associação dos Amigos do Baleal - Arre Burro, no Baleal.

Agradeço a tua presença e demais amigos e camaradas. 
Agradeço também que partilhes o convite no nosso blogue.

Um grande abraço.
Joaquim da Silva Jorge
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Nota do editor:

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23254: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XIV: Conto - O lobo e a lebre vão à pesca (pp. 75/78)





Ilustração (pp. 75 e 77) do mestre Augusto Trigo, pai da pintura guineense e grande ilustrador,
a sua obra é uma referência.



O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga


1. Transcrição das pp. 75-78 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato > Lendas e contos da Guiné-Bissau



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



Conto - O lobo e a lebre vão à pesca 

(pp. 75/78)


Ouvindo dizer que a lebre tinha um barco para pescar e que pescava muito peixe, um dia o lobo (hiena) pediu à lebre para ir à pesca com ele.

A lebre não queria ir com o lobo, pois sabia que ele era mau, mas teve medo de dizer que não, pois o lobo era até capaz de a comer, e assim disse que iriam os dois à pesca no dia seguinte.

O lobo e a lebre desceram o rio de canoa e a dada altura a lebre disse ao lobo:

−  Fica a pescar neste lugar, que tem muito peixe, que eu vou pescar mais à frente.

−  Está bem −  disse o lobo.

O lobo não pescava nada, mas a lebre não parava de gritar de contente:

−  Já apanhei um! Já apanhei dois! Já apanhei três! Quatro! Cinco! −  a lebre não parava de apanhar peixe, e o lobo nada.

O lobo furioso por não apanhar peixe, foi ter com a lebre e gritou-lhe zangado:

 Enganaste-me! No meu lugar não há peixe, mas eu vou ficar com o teu peixe e vou vender-te no mercado.

−  Tu é que não sabes pescar ou não tens sorte −  respondeu a lebre.

O lobo amarrou a lebre, meteu-a dentro da canoa e remou para a outra margem do rio, onde havia um mercado.

A lebre ficou aflita, mas arranjou logo um plano para enganar o lobo, ecomeçou cantar.

O patrão está a cantar,
o criado a remar,
que boa viagem vão dar.

O patrão está a cantar,
o criado a remar,
que boa viagem vão dar.


O lobo ao ouvir esta cantiga, disse logo:

−  Eu não sou teu criado, eu é que sou o patrão.

−  Tu é que estás a remar, eu estou a descansar, se não queres ser o criado, então podemos trocar.

−  Está bem −  disse o lobo.

A lebre trocou com o lobo, mas amarrou-o bem, e continuou a remar para ir ao mercado

O lobo, satisfeito, foi todo o caminho a cantar:

O patrão está a cantar,
o criado a remar,
que boa viagem vão dar.

O patrão está a cantar,
o criado a remar,
que boa viagem vão dar.


Quando estavam a chegar à margem, o leão, o hipopótamo, a girafa e todos os outros animais que estavam no mercado vieram ver o que se passava, e comentaram:

−  A lebre traz uma coisa para vender.

O lobo ao ver que estavam a chegar à margem, disse à lebre:

−  Desamarra-me! Rápido!

− Eu não te vou desamarrar, eu vou vender-te no mercado  
−  respondeu a lebre.

−  O quê? Eu sou mais forte do que tu! Desamarra-me ou eu mato-te - disse o lobo ao mesmo tempo que se mexia, tentando libertar-se das cordas.

A canoa começou a abanar, devido aos movimentos do lobo para se libertar, e a lebre disse-lhe:

Vais virar a canoa, e como estás amarrado vais morrer afogado, e eu vou nadar para terra, é melhor não te mexeres.

O lobo com medo ficou quieto, e a lebre vendeu-o ao leão.

E foi assim, que a lebre se conseguiu livrar do lobo.


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segunda-feira, 9 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23248: Notas de leitura (1444): "Histórias da História da Guiné-Bissau", por Manuel Grilo, obra financiada pela Fundação do BCP para o Comissariado-Geral da Guiné-Bissau da Expo 98, 1998 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,
Mais uma agradável surpresa, a consultar os escritores da Guiné-Bissau na Biblioteca Nacional, suscitou-me a curiosidade este título, aqui se procura compendiar o que de essencial versa uma obra que terá sido distribuída na Expo 98, no pavilhão da Guiné-Bissau, com o apoio da então Fundação do BCP. Desconheço inteiramente se este autor é o mesmo que escreveu vários livros policiais de uma coleção que fez história na Editorial Caminho, não há dados biográficos na obra. O importante é que é uma obra muito bem organizada, útil e apelativa a quem tem curiosidade pela aventura guineense. Das pesquisas feitas, constatei que o livro não está à venda em nenhum alfarrabista. Mais uma vez somos levados a questionar porque é que obras tão úteis não são reeditadas e atualizadas. Coisas da vida.

Um abraço do
Mário



Histórias da História da Guiné-Bissau, por Manuel Grilo

Beja Santos

Esta obra de Manuel Grilo foi financiada pela Fundação do Banco Comercial Português para o Comissariado-Geral da Guiné-Bissau da Expo 98, 1998. Obra sumamente didática, recorre a uma trama engenhosa em que um português, João, que vem dos tempos da conquista de Ceuta, se encontra e faz profunda amizade com Mamadu, que vê chegar as caravelas portuguesas à Senegâmbia, em meados do século XV.

Tudo começa com a descrição de uma caravana que avança para Bilad-Ghâná, na costa do Senegal, nos confins da Blede-es-Sudan (parte do continente africano que se estende depois do Sara). A caravana tinha trazido sal, panos de algodão, sabão, cavalgaduras, recebera um estupendo carregamento de malagueta, marfim, cera e ouro. E também escravos. Estamos num ponto indefinido do que fora o império do Mali, já em gradual desagregação, dividido em reinos, o Mandimansa é já uma figura quase lendária.

E temos o maravilhamento dos navegadores que depois de avistarem uma costa árida dão com um extenso arvoredo, enseadas, chegara-se à Terra dos Negros que para muitos é interpretado como o termo Guiné. Os relatos de viagem irão referir estes novos povos, até então desconhecidos, os Azenegues, os Jalofos, lá nos confins da Guinahua, é assim que João começara a sua história na aventura de Ceuta e agora era navegador, faz o ponto da situação, como se estivesse a escrever literatura de viagens. Mamadu entra em cena, vê chegar esta gente desconhecida. Irão conversar os dois, João explicará que já não vive em Ceuta, que veio de Lagos, que passara o Cabo Branco, depois Arguim, o Cabo Verde e o rio Gâmbia. Fala-se do imperador do Mali, a presença portuguesa situa-se na foz do rio, talvez o rio de S. Domingos, começam as trocas, ao sabor dos interesses recíprocos: os portugueses entregam sal, panos de algodão, sabões, cavalos e burros, recebem escravos, malagueta, marfim, seda, couros e algum ouro.

João transforma-se em lançado ou tangomau. Fica-se a saber que D. Afonso V deu o monopólio da exploração e comércio de todo o território da Guiné aos habitantes de Cabo Verde, ilhas que pertencem ao infante D. Fernando, sobrinho e herdeiro do infante D. Henrique. A história prossegue, o Império do Cabo fez surgir os Farins, na região a presença portuguesa é alvo de intensa concorrência com ingleses, franceses e holandeses, os espanhóis estarão mais presentes no período filipino. É criada a Companhia de Cacheu, Rios e Comércio da Guiné, a quem foi entregue o monopólio do comércio e resgate de escravos.

Tenta-se a aproximação da Coroa e os reinos locais. Incinha Té, filho de Bacompolo Có, que era o rei de Bissau, considerava-se cristão e familiar de Pedro II de Portugal, no entanto, irá revoltar-se contra os abusos praticados pelo capitão-mor de Bissau, José Pinheiro. O comércio de Bissau passa a ser intenso. Em 1707, é demolido o forte de Nossa Senhora da Conceição de Bissau, muito tempo depois aparecerá, a custo de muito suor e sangue, o que é hoje a fortaleza da Amura.

Estas histórias sobre a presença portuguesa dão-nos agora conta da criação de Bolama, por onde passaram franceses e se instalou uma colónia britânica chefiada por Philip Beaver, acabou num verdadeiro cemitério. Nos longínquos primórdios do século XVII, conta este livrinho didático, Geba era uma das mais importantes povoações da Guiné, com quase 3 milhares de cristãos e assimilados.

Estamos agora já no século XIX, a batalha de Kansala marca a chegada do predomínio fula sobre os Mandingas. Tudo começara quando os Fulas-Pretos do Gabu apelaram a Almany Soriya, rei do Futa-Djalon, para os libertar do jugo mandinga, o rei reuniu mais de trinta mil guerreiros, o rei Mandinga suicidou-se.

As relações entre os portugueses e os régulos guineenses eram extremamente difíceis. As negociações de paz, os protocolos e os acordos, eram rápida e unilateralmente rasgados. Devido à importância de Bissau tentam-se as negociações entre os portugueses e os régulos de Intim, Bandim e Antula, incluindo os aliados Balantas e Beafadas, processo que começou em dezembro de 1844, e que se prolongou com muitos altos e baixos até às operações de pacificação de Teixeira Pinto.

Mamadu e João recordam Honório Pereira Barreto, figura primordial que deu coesão territorial à colónia, ele negociou habilmente com diferentes régulos, comprou territórios que ofereceu à Coroa.

Com a queda do Império do Cabo (ou Kaabu), os Fulas aspiraram a tomar posse do Forreá. Só que a aliança dos Fula-Forros e os seus antigos escravos, os Fula-Pretos, rapidamente se desmoronou, tudo irá descambar numa sanguinária guerra civil. Ora o Forreá era o centro comercial e agrícola de toda a Guiné, nestes finais do século XIX.

Em Geba, reinava Mussá Molo, um déspota que granjeou inúmeros inimigos. Nos finais de 1886, mais de quatro mil Fulas e Mandingas, cerca de duzentos Beafadas, soldados portugueses e uma centena de Grumetes atacaram a tabanca de Fancá, Mussá Molo foi derrotado e refugiou-se no Casamansa – assim se desintegrou o reino de Fuladu.

A conversa entre os amigos retorna ao Forreá. A região é fertilíssima, como se disse. E o comércio de amendoim, algum ouro, marfim, couros, ceras e panos é de tal maneira intenso que se pensou mesmo em que Buba deveria ser a capital da Guiné. Instalaram-se numerosas pontas que se dedicavam sobretudo ao cultivo da mancarra. Com a sanguinolenta guerra entre os Fulas, o comércio paralisou. Então Portugal resolve apoiar a revolta dos Fulas-Pretos. Com o auxílio dos Mandingas, as forças conjuntas conseguem derrotar Mamadu Paté.

Os amigos falam também do contencioso felupe: os de Jufunco atacam Bolor, destroem a povoação e o régulo proclama-se rei Bolor. As forças portuguesas intervêm, aproximam-se com um elevado contingente de tropa cabo-verdiana. Dá-se o chamado Massacre de Bolor que irá levar à desafetação da Guiné de Cabo Verde. A situação em geral deteriorou-se na colónia e o governo de Lisboa respondeu com a criação de um Distrito Militar Autónomo para a Guiné.

Estamos já no século XX, as revoltas, insurreições, insubordinações e escaramuças não param. Foi necessário constituir uma grande força para reprimir a revolta de Infali Soncó, régulo do Cuor que ameaçava paralisar a navegação do Geba. Mais tarde, em plena I Guerra Mundial, ocorrerão campanhas decisivas de pacificação lideradas por João Teixeira Pinto. Vem depois o tempo em que a Guiné passa a ser uma potência exportadora de arroz.

E este primoroso livro didático termina com a ascensão nacionalista, cujo prenúncio foi a criação do MING, em 1954. Com discrição, aqui acabam estas engenhosas Histórias da História da Guiné-Bissau, cuja capa recorda a belíssima panaria manjaca. É de lamentar que este livro seja praticamente desconhecido.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23236: Notas de leitura (1443): Comandante Hussi, por Jorge Araújo e ilustrações de Pedro Sousa Pereira, a história do menino-soldado que não perdeu a capacidade de sonhar, é edição do Clube do Autor, 2011 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23236: Notas de leitura (1443): Comandante Hussi, por Jorge Araújo e ilustrações de Pedro Sousa Pereira, a história do menino-soldado que não perdeu a capacidade de sonhar, é edição do Clube do Autor, 2011 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Julho de 2019:

Queridos amigos,
Há livros que merecem uma regular revisitação, não só por terem consagração pública, por constituírem peças literárias do melhor cristal, mas porque nos transportam a vivências que guardamos para toda a vida, nós, que conhecemos os malefícios da guerra a par de uma camaradagem partilhada como em nenhum outro cenário da vida. Jorge Araújo maquinou com base num acontecimento real, o menino Hussi, um menino-estafeta que correu todos os riscos naquele demencial conflito político-militar que abanou pelos alicerces a Guiné entre 1998 e 1999, uma história de encantar em que um objeto, uma bicicleta, ocupa um lugar central, pois é uma bicicleta que fala, pintada de lama e com os raios das rodas a contorcerem-se de dor. Mensagem de ternura num mundo em que coisas tão simples fascinam uma criança incansável por reencontrar aquela bicicleta com que irá pedalar até à eternidade. Pois se convida o leitor a tonificar-se com este perdurável "Comandante Hussi".

Um abraço do
Mário


Revisitar uma obra-prima da literatura luso-guineense: Comandante Hussi[1]

Beja Santos

O jornalista José Vegar, no posfácio desta obra prodigiosa, questiona se o leitor se deslumbrou com uma história para crianças que é uma crónica de guerra para leitura dos adultos de hoje, ou uma crónica adulta de guerra esmagada por uma luminosidade só para crianças. A máquina literária de Jorge Araújo, reforçada pelas belas ilustrações de Pedro Sousa Pereira, é de um tratamento alegórico em torno de uma bicicleta que conversa com o seu dono, bicicleta temida por um feiticeiro que influi numa terrível decisão de um tirano que é o Comandante Trovão que manda destruir todas as bicicletas do país tal como Herodes mandou matar as crianças.

É tudo alegoria naquela Guiné-Bissau que vai viver um conflito sangrento que se prolongou de 1998 a 1999, deixando o país mais comatoso. Hussi é um membro da família Sissé, a residir em Porto dos Batuquinhos, na margem de um rio que a seca engoliu. É tudo pobre, mais do que elementar, mas muito rico em convivência. Pobre porque a casa tem paredes de cartão, uma alcatifa de terra batida, as camas são esteiras, a cozinha não passava de meia dúzia de pedras calcinadas e a casa de banho um buraco aberto no quintal. A única mobília era o calendário de Nossa Senhora de Fátima. Tudo paupérrimo, mas tudo nobre na vida de relação, ali vive Hussi com Abdelei Sissé, o pai herói, Dona Geca, os três irmãos de nome Totonito, Tuasab e Doskas. “Viviam felizes, porque a felicidade também se faz de pequenos nadas. Um sorriso, uma palavra de conforto, uma mão de arroz para embalar o estômago, um pedaço de pano para embrulhar o corpo”. Convém que o leitor não se esqueça que está a ler um livro único, aquela petizada adora jogar à bola, o senhor do apito era o brigadeiro Raio de Sol, um velho militar na reserva.

Naquele dia não apareceu, todos estranharam. Como tudo decorre sob o manto diáfano da fantasia, temos que adivinhar quem era o brigadeiro Raio de Sol, diz o autor que era mais alto do que uma girafa, mais magro do que um antílope. “Porte altivo, olhar intenso, sorriso discreto, carnes secas e barba cor de marfim”. Homem recatado, como Catão, entregue à semeadura e às leituras. Viu tanto despotismo, tanta criança com a barriga em forma de balão, tanto desemprego, tanta falência quanto aos ideais por que tinha lutado, que um dia se lançou na Guerra do Balão. Instalou-se o caos, caia ferro e fogo sobre a cidade do asfalto, o pai de Hussi mandou a família para a terra dos antepassados, ele foi combater com a gente do brigadeiro Raio de Sol, a Hussi foi recusado levar a bicicleta, ele teve que a esconder, enterrou-a, mas antes encetou com ela uma certa conversa:
- Mal a guerra acabar, venho buscar-te.
- Prometes?
- Prometo – respondeu Hussi, enquanto deitava mais uma pazada de terra e cruzava os dedos atrás das costas, para dar sorte.
A bicicleta podia finalmente hibernar descansada. Sabia que Hussi era um menino de palavra. Que não ficaria enterrada até ao final dos tempos.
- Vai com Deus – disse com a voz empoeirada de emoção.


Está na altura de dizer ao leitor que Hussi é de carne e osso, será a mascote dos rebeldes capitaneados pelo brigadeiro Ansumane Mané, foi descoberto pelos jornalistas, exatamente com aquela faixa tricolor com as cores da França, que ele apanhou no rescaldo da derrota do Comandante Trovão, quando todos os mercenários, os aguentas e os adeptos do tirano deram às de vila Diogo. Hussi foge da aldeia dos antepassados, põe-se ao serviço da rebelião. Como não há história para crianças sem passos de mágica e clarões de fantasia, o Comandante Trovão não é somente um déspota sanguinário que mata a torto e a direito os seus próprios sequazes, é supersticioso, acredita piamente nos vaticínios e predições do professor Bambara, “uma criatura minúscula, roliça, óculos de lentes espessas que nem fundo de garrafa, colar de conchas à volta do pescoço”. É ele quem faz saber que os revoltosos possuem uma arma secreta, uma bicicleta mágica, furioso, o tirano exige ver essa bicicleta viva ou morta, à cautela arranjou-se uma bicicleta qualquer e levou-se o selim ao Comandante Trovão, sobre uma bandeja de prata. Em boa hora, a feitiçaria entrou neste conto de fadas cheio de gente de carne e osso. Hussi teve notícia da morte de uma bicicleta, pediu ajuda a uma força expedicionária, encontrou a casa destruída e nem rasto da bicicleta, chorou amargamente. É nisto que vai ocorrer o dia do assalto final. O Comandante Trovão pediu ao professor Bambara que o transformasse em mosca-tsé-tsé. O professor preparou umas mezinhas à base de asas de morcego e olhos de cobra, o Comandante Trovão nunca mais foi visto em carne e osso. Dá-se o assalto final, Hussi anda feliz entre os vencedores. Hussi só sonha em voltar a ver a sua bicicleta.

E toda esta história ternurenta com tantos adultos em conflito, levam a que este menino, que gosta do Luís Figo, volte às ruínas da sua casa. É um momento de encanto, para adultos e crianças:
“Foi então que teve uma visão. O talismã – que colocara sobre as cinzas, para proteger a bicicleta na altura da fuga, e que desaparecera quando regressou a Porto dos Batuquinhos com Capacete de Ferro, a fim de confirmar o infortúnio – repousava por ali. Lágrimas de esperança iluminaram-lhe o rosto. Desatou a cavar, as mãos entranhadas na terra avermelhada, desatou a cavar, as mãos à procura do seu tesouro valioso, desatou a cavar, o buraco cada vez mais profundo, desatou a cavar, e nada, nada de bicicleta, nem mesmo um parafuso de consolação.
- Está frio. – Uma voz ecoou das profundezas da terra.
Hussi não prestou muita atenção, estava demasiado concentrado na sua tarefa.
- Agora está morno. – O mesmo ruído de fundo, só que mais audível.
Hussi continuou a busca. A cavar com as mãos cada vez mais avermelhadas, as entranhas da terra cada vez mais esburacadas.
- Está quente, a arder.
Os dedos tropeçaram num objeto metálico, de contornos indefinidos. Bastou, porém, um pequeno movimento do polegar para compreender que o seu tesouro mais valioso estava são e salvo. Todo pintado de lama, os pedais amputados, o selim desengonçado, os raios das rodas a contorcerem-se de alegria. A sua bicicleta estava suja e abandonada. Mas era a sua bicicleta.”


É conto de fadas, é máquina literária ternurenta, de água cristalina, só podia acabar assim:
“Hussi e a sua bicicleta ainda tinham muito que falar. Era toda uma guerra para partilhar. Algumas coisas boas, muito más. À luz do dia, olhos nos olhos, sem transmissão de pensamento. Hussi limpou o retrovisor com o seu velho lenço amarelado, sacudiu o pó que asfixiava o cachecol do Barcelona, colocou a fitinha tricolor do outro lado do guiador, ajustou os pedais com a sola das sandálias. Quando se sentou no selim, sentiu-se outra vez dono do mundo. E os dois pedalaram para a eternidade”.

Comandante Hussi, por Jorge Araújo e ilustrações de Pedro Sousa Pereira, a história do menino-soldado que não perdeu a capacidade de sonhar, é edição do Clube do Autor, 2011. De leitura obrigatória.


Fotografia de João Francisco Vilhena no semanário “O Independente”, maio de 1999.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 24 DE SETEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10428: Notas de leitura (409): "Comandante Hussi", de Jorge Araújo (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23220: Notas de leitura (1442): "Pedaços de Vidas", por Angelino Santos Silva; Mosaico de Palavras, 2010 (Mário Beja Santos)