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domingo, 4 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

1. Mensagem de Mário Vitorino Gaspar [ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68]


Data: 4 de outubro de 2015 04:47

Caros Camaradas

Vai mais uma e talvez interessante, muito embora já tenha abordado esta situação. Agora com novos elementos. Por exemplo no meu Processo Individual vê-se nitidamente ter terminada a minha vida militar ali. O traço de cima para baixo isso indica.

Um abraço,
Mário Vitorino Gaspar


2. História de Vida > Só me Casei Depois de Vir da Guiné

por Mário Gaspar

Cheguei da Guiné a 6 de novembro de 1968 e passei à disponibilidade a 28.

Comecei por responder a anúncios de trabalho, fui a entrevistas de algumas empresas. Sabia o que queria e rejeitei aquelas que não me interessavam.

Fui contactado por uns serviços do Exér­cito que funcionavam na zona do largo da Estefânia, em Lisboa, devido a possíveis doenças tropicais. Queixava‑­me de problemas intestinais, mas não encontraram sinais de qualquer doença depois de ter feito exames, não só aos intestinos como às fezes.

Duas empresas me motivaram, a primeira
a Regisconta – “Aquela Máquina…” – como vendedor. Fui aprovado na primeira fase e as condições eram óptimas. Quando os dois possíveis indivíduos a contratar estavam eliminados, tinha pela frente 10 perguntas de Cultura Geral. Não sabia quem era o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não fui admitido. [Na altura, era o gen António Vitorino da França Borges, nomeado pelo Governo].

Em segundo lugar estava a DIALAP – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA. Após Testes Psicotécnicos sou aprovado e tenho pela frente a entrevista que convenço, entro ao serviço a 27 de janeiro de 1969 como possível Lapidador de Diamantes.

Havia que fazer um estágio de 9 meses, mas assinei o con­trato em maio, quando o estágio terminava em setembro, portanto muito antes da data prevista, visto ter obedecido às pretensões desta grande empresa.

Resolvido a questão do emprego decidi casar-me com uma das madrinhas de guerra. Tive o cuidado de resolver, antes as responsabilidades com aquelas que assumira compromissos.

O acto realizou-se na Igreja de São João de Brito no dia 29 de junho de 1969, em Lisboa. No dia do casamento, no altar, no final do dis­curso do padre, ouvi o seguinte: 
– Acabo de casar o morto vivo!

Estranhei, mas logo esqueci aquela frase. Quando fui buscar o Registo de Casamento à Igreja, o Sacristão entrega-me a Caderneta Militar, resolvo abri-la e assusto-me. Dado como morto.

Leio na Caderneta Militar, numa das páginas: – 1967, “Desembarcou em Bissau em 17 de janeiro (1967), desde quando conta 100% de aumento de tempo. Morto em 12 de outubro (…)” e noutra folha: "Baixa de serviço em 12/10/1967 por Falecimento". 

Senti um arrepio percorrer‑­me o corpo. 



Fotocópias da minha morte na Caderneta Militar: Baixa de Serviço 
“Por falecimento” e “Morto”

A caderneta militar desliga‑­se da minha mão trémula. Volto a folheá‑­la. Resolvi ir à minha Unidade Mobilizadora. Na Secretaria fui atendido por um major, que depois de ler o que lhe estendia para as mãos, me respondeu:
– Não faz diferença nenhuma!
– Não faz a si mas faz‑­me a mim! – Respondi‑­lhe.

Venho a saber que o furriel Miliciano Vítor José Correia Pestana falecera



Como se vê a morte do Vitor José Correia Pestana coincide com minha: "12 deoutubro, em Gadamael", por "acidente com arma de fogo".

Terá existido um engano. Não existe informação desde 28SET67 o que indica que estou MORTO

A partir do meu casamento sou conhecedor da minha morte a 12 de outubro de 1967.

Só me casei depois de vir da Guiné. Terminada uma comissão em que estive em contacto com a morte, regresso e a morte continua no meu trajecto.

Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano Atirador e de MA



Na minha Caderneta Militar, não existe informação desde 28 de setembro de 1967 o que indica que estou... MORTO!

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15190: História de vida (40): Casei-me, em 31/7/1966, nove meses depois do regresso da guerra; quinze dias depois, embarquei no paquete Império, a caminho de Angola onde trabalhei como professor primário e quadro bancário (José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil, CART 566, 1963/65)





Cerimónia de casamento , em 31 de julho de 1965, do José Augusto e da Adriana...

Fotos: © José Augusto Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Texto enviado hoje, às 0h14 pelo José Augusto Miranda Ribeiro (ex-fur mil da CART 566, Ilha do Sal - Cabo Verde, Outubro de 1963 a Julho de 1964, e Olossato - Guiné, Julho de 1964 a Outubro de 1965; professor do ensino básico, reformado, que vive em Condeixa):

Camarada amigo, Luís Graça:

Regressei da Guiné no dia 1 de novembro de 1965 e fui colocado como professor na Escola do Magistério de Coimbra. 

Casei-me nove meses depois, do regresso da Guiné, no dia 31 de Julho de 1966 (*). 

Partimos para Angola 15 dias depois do casamento, no Paquete Império e fui trabalhar como professor em Sá da Bandeira, onde nasceu o meu filho João, que tem agora 48 anos, casado há já 20 anos, mas não tem descendentes.

Em 1968, saí de Sá da Bandeira e fui para Luanda, a 1100 Km,  trabalhar no Banco de Angola, para dar oportunidade à minha mulher de tirar o curso do Magistério. Teve a nota de 17 valores, que nunca ninguém ultrapassou. 

Regressei de Angola em 1975 e voltei a trabalhar como professor em Condeixa, até à aposentação em 1999. 

Em Luanda nasceu a filha Helga que tem agora 43 anos e 3 filhas. A Carolina tem 17 anos e está no 12º ano e pretende ser arquiteta, a Matilde tem 13 anos e frequenta o 8º ano e, por fim a Filipa faz dois anos no próximo domingo. Sou um "avô babado"  e, com muito gosto, sou também o taxista delas todas, e da avó Adriana,  que nunca teve nenhum acidente, mas deixou de conduzir desde que lhe foi aplicada, há 4 anos, uma prótese, na anca direita. 

Desculpa, Luís Graça,  ter roubado o teu tempo a ler parte da "história da minha vida". (**)

Um abraço. José Augusto Miranda Ribeiro

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Notas de leitura:

(*) Vd. poste de 2 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15188: Inquérito "on line" (1): "Camarada, casaste antes, durante ou depois da guerra ?"... Respostas aceitam-se, até ao dia 7, 4ª feira, às 12h30

(...) Também podem contar histórias do vosso casamento e mandar fotos... Referimo-nos, naturalmente ao primeiro, que é o que tem graça, o casamento antes, durante ou depois da Guiné... 

A pouco e pouco vamos conhecendo melhor o perfil sociodemográfico do "camarada da Guiné"... que hoje tende a ser, tipicamente, um avô e até bisavô babado. (...)


(**) Último poste da série > 24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15152: História de vida (39): Voltar finalmente, não mais rico mas diferente (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P15188: Inquérito "on line" (1): "Camarada, casaste antes, durante ou depois da guerra ?"... Respostas aceitam-se, até ao dia 7, 4ª feira, às 12h30



Lourinhã > Centro Cultural Dr. Afonso Rodrigues Pereira > 14 de dezembro de 2014 > ADL - Associação para o Desenvolvimento da Lourinhã > Exposição de fotografias antigas > Escola primária da década de 1960 > Mapa de Portugal Insular e Ultramarino > Detalhe: Guiné

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados-


A. Mensagem enviada ontem ao pessoal da Tabanca Grande,  especialmente dirigida aos "camaradas da Guiné":

Está em marcha mais uma "sondagem", ou melhor, "inquérito on line" (ou em linha, ou seja, com resposta direta no blogue, no canto superior esquerdo). Tecnicamente, só é possível fazer uma pergunta de cada vez...

A votação termina 4ª feira, dia 7, por volta do meio dia...

O que os editores desta vez querem saber é quando é que a rapaziada se casou: se foi antes, durante ou depois da Guiné...

Temos ideia que soldados e cabos se casavam mais cedo do que os sargentos e oficiais milicianos... Alguns já iam casados para a Guiné, e até com filhos, ou esperando filhos... Um ou outro de nós casou-se durante as férias... Ou até por procuração... Alguns,  felizardos,  tiveram a esposa na Guiné, uma parte do tempo ou até durante toda ou quase toda a comissão... Mas a maior parte casou-se depois do regresso a casa, logo nesse ano ou no ano a seguir, até cinco anos depois... Um ou outro foi mais retardatário, casando-se já próximo dos 30 ou até mesmo trintão... 

 De facto, quase todos nós entrámos no mercado de trabalho, depois do regresso da guerra, muitos já trabalhavam, alguns de tenra idade... Uma parte de nós continuou os seus estudos, ou emigrou, tendo casado mais tarde... E alguns provavelmente terão ficado solteiros...

A resposta que se quer é simples, factual e... anónima. Ninguém fica a saber quem se casou aos 18, aos 20, aos 25, aos 30... E até quem não se casou...

 Vamos a isso ? Também podem contar histórias do vosso casamento e mandar fotos...  Referimo-nos, naturalmente ao primeiro, que é o que tem graça, o casamento antes, durante ou depois da Guiné... 

A pouco e pouco vamos conhecendo melhor o perfil sociodemográfico do "camarada da Guiné"... que  hoje tende a ser, tipicamente, um avô e até bisavô babado...

 Segundo a Pordata, da Fundação Manuel dos Santos, há diferenças de mais de cinco anos na idade média ao primeiro casamento, quando se compara o já longínquo ano de 1960 (26,9 anos de idade, em média, para o sexo masculino) com os nossos dias (32,1 anos de idade, em média, para os rapazes)...

Grosso modo, a malta hoje casa-se muito mais tarde, quando se casa... tanto rapazes como raparigas (estas, aos 24,8 anos de idade, em média, em 1960; e aos 30,6 anos de idade, em média, em 2014)... A vida e as condições de vida mudaram muito: veja-se, por exemplo, a esperança média de vida, ao nascer: era de 60,7 anos para os rapazes, e 66,4 para as raparigas em 1960; aumentou significativamente, sendo em 2013 de 77,2 e 83,0, respetivamente.

Obrigado a todos, em meu nome e dos demais editores. Esforcem-se por serem felizes, que bem o merecem.

Luís Graça


B. Resultados preliminares (com um total de votos de 62 à 1h00 de hoje):


1. Já era casado, quando fui para a tropa > 8 (12%)


2. Casei-me durante a tropa, antes de ir para a Guiné > 3 (4%)


3. Casei-me na Guiné, por procuração > 0 (0%)

4. Casei-me durante a comissão, quando fui de férias à metrópole > 1 (1%)

5. Casei-me logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou ano a seguir > 32 (51%)

6. Casei-me só mais tarde, dois a cinco anos depois de vir da Guiné > 15 (25%)

7. Casei-me muito mais tarde (mais de cinco depois) > 1 (1%)

8. Nunca me cheguei a casar > 1 (1%




Votos apurados: 62 [até às 1h de 2/10/2015]
Dias que restam para votar: 5 [até dia 7, 4ª feira, às 12h30]

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Guiné 63/73 - P15178: O nosso querido mês de férias (11): vim duas vezes... e na segunda casei-me (Hélder Sousa); vim duas vezes... e na segunda já não regressei (António Murta)

Mais dois depoimentos sobre o tema "férias na metrópole" (*)

(i) Hélder Valério [ex-fur mil trms TSF, PicheBissau, 1970/72]

Caros camaradas

Em relação ao inquérito sobre as férias na metrópole (*), tenho a dizer que fiz a minha votação, e que vim duas vezes, a casa, a primeira em julho/agosto de 71 e a outra em março/abril de 72 durante a qual ocorreu o meu casamento.

Eram voos TAP directos Bissau-Lisboa e via Sal na volta. Não me recordo do valor correto mas tenho comigo, em mau estado, documentos da Agência de Viagens Costa em que é referido um valor de 2.190$20 relativo ao "fornecimento de passagens" entre BXO/LIS/BXO para os quais estou a entregar 1.000$00, ficando um saldo de 1.190$20.

No entanto, num outro documento é referido que "entreguei para crédito da conta “ o valor de 4.000$00”. Deste modo, como não tenho mais informação e não me lembro, não chego a nenhuma conclusão sobre o real valor das passagens. [Talvez 6190$20, acrescenta o editor]. (**)

Abraço.
Hélder Sousa


(ii) António Murta [ex-alf mil inf Minas e Armadilhas, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)]

Amigos e camaradas.

Fui dos que puderam vir duas vezes de férias. A primeira em novembro de 1973 após 9 meses de comissão e, a segunda, em agosto de 1974 (sem regresso),  numa altura em que estava nos limites da minha resistência.

Arrependi-me das duas vezes: na 1ª, embora me tivesse sabido bem rever os meus, não tinha contado com o engulho de um regresso sabendo ao que ia. Porque na ida inicial havia expetativa e curiosidade por África que, para mim, era uma paixão (e foi) mas nesse regresso sabia que ia para o inferno.

Ao aproximarmo-nos de Cabo Verde e ao sentir o começo dum suorzinho no corpo, que eu sabia ser para uma eternidade, apoderou-se de mim uma agonia como se o destino fosse o calvário ou o tal inferno. Quando se abriu a porta do avião (da TAP) em Bissau e eu ali mesmo em frente, senti um bafo quente e húmido tão violento no corpo e na alma como se tivesse sido atingido por uma luva de boxe. Não chorei por vergonha.

Da 2ª vez vim por já não aguentar o impasse no nosso destino e no da Guiné. Como já tinha a viagem paga há muito, pensei que vinha desopilar e depois voltava para juntar os tarecos e fazer as malas. Não voltei mais. Também ignoro, ainda hoje, se o meu Batalhão já regressou.

Já agora deixo um alerta ao camarada J. Cabral [que diz que veio duas vezes mas que lhe falta pagar metade da segunda viagem]. Por favor,  não pagues o resto da viagem porque eu já ta paguei e só agora é que me lembrei! É que, como não regressei e a TAP se recusou a restituir-me a metade da viagem, eu disse-lhes que não fazia mal porque ficava para saldar a conta do meu amigo J. Cabral.

E se a dívida era a uma agência de viagens? Não interessa porque eu, furioso, rasguei o bilhete e atirei-o para cima do balcão na sede da TAP... (**)

Um grande abraço a todos.
A. Murta

(**) Último poste da série > 29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15173: O nosso querido mês de férias (10): Eu fui um dos que nunca teve férias...Razão: por ser o "eterno comandante interino"... No máximo, passei oito dias em Bissau a tratar de assuntos oficiais... e a descansar não ficar de todo "apanhado do clima"! (Manuel Vaz, ex-alf mil, CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67)

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11805: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (8): Um casamento fula no Xitole... Ou a tradição que já não é o que era no nosso tempo...


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula > O felizardo pai da noiva, o nosso amigo Mamadu Aliu


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula: Mulheres festejando ao som do batuque (1)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula: Mulheres festejando ao som do batuque (2)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula: Almoço. O Francisco Silva, à direita.


O Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula: o pai da noiva com sua mulher e um irmão com sua esposa.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula: Uma foto para mais tarde recordar


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Casamento fula: Agradecimentos e despedida dos convidados tugas, de partida para Bissau.


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem
complementar: LG]



1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte VIII

por José Teixeira


O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete; no dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira; na 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo; no dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)... 

É desse evento que trata a 8ª crónica:  os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que,  em jovem,  era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole.  A crónica anterior  foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ]  com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar oPel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Cusselinta em tempo de seca (1)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 5 de maio de 2013 > Cusselinta em tempo de seca (2)



Vídeo (43''):. Alojado no You Tube > José Teixeira    Não há casamento  sem alegria, sem música, sen festa...


Crónicas de uma viagem à Guiné (8) > Um Casamento na etnia Fula no século XXI.

Mudam-se os tempos, muda a forma de estar em sociedade, para melhor, como é o caso na perspetiva de um europeu. A sociedade guineense está a mudar. Creio que todos quantos passaram pelo teatro de guerra da Guiné, tomaram conhecimento da forma como se “arranjavam” os casamentos, com pequenas variações conforme a etnia.

Foi-me dada a oportunidade de participar num casamento em 1968 numa família de etnia Fula. Sei que o pai da noiva recebeu duas vacas e três carneiros como prémio por ter autorizado a sua filha a casar. Confesso que não cheguei a ver o noivo. Chegou ao fim da tarde embrulhado num pano branco às costas de um homem, talvez o pai ou o irmão mais velho. Parece que ainda estou a vê-lo, passados quarenta e cinco anos, depois de um dia cheio de festas e batucadas que acompanhei com curiosidade. Não faltou arroz para toda a gente salteado com carneiro, se bem me lembro, com molho de chabéu. Com a chegada do noivo,  a prometida, que estivera durante todo o dia rodeada das suas amigas, desapareceu como por encanto e nunca mais lhe pus o olho em cima, até hoje.

Em 2008, no Saltinho, conversava com um casal amigo dos tempos de Mampatá, quando ouço uma algazarra de jovens mulheres com um pano branco, com resíduos de sangue, pendurado num pau. Estranhei tal festa e tentei saber das razões. Pude,  assim, confirmar quarenta anos depois,  o que se dizia na altura, ou seja em 1968, sobre a forma de se detetar se a noiva estava ou não virgem na noite de núpcias. Dizia-se então que na manhã seguinte algumas mulheres grandes iam confirmar através dos eventuais sinais de sangue no lençol, o qual era posto em local que pudesse ser visionado para se confirmar a virgindade da noiva.

Na verdade, cada terra tem seu uso, o qual deve ser respeitado por todos, os autóctones e quem é de fora da terra. Eu, sendo estranho na terra, ouvi e respeitei, embora a curiosidade me tivesse tentado a que na manhã seguinte fosse rondar a porta da morança da noiva na expetativa de poder confirmar tal facto.

Mas os tempos vão mudando. Se é verdade que tenho conhecimento que há pouco tempo um guineense na diáspora, já sexagenário, voltou à sua terra e “comprou” uma bajuda para sua terceira mulher, também é verdade porque pude comprovar na Tabanca do Xitole que há casamentos por amor em que os interesses familiares (do pai da noiva) são dispensados e os eventuais valores a pagar pelo pai do noivo é revertido a favor do jovem casal.

Assim aconteceu de facto com a filha do nosso amigo Mamadu Aliu.

Mas comecemos pelo princípio. Há dias quando passámos pelo Xitole [em 1 de maio], tivemos como cicerone o Mamadu. Excelente cicerone que ajudou,  e de que maneira,  o Francisco Silva a aterrar de novo naquela linda tabanca.

Na despedida, depois de umas horas de animada cavaqueira enquanto visitávamos religiosamente todos os lugares que de algum modo estavam retidos na memória do Francisco, o Mamadu lembrou-se de nos convidar para o casamento da sua filha que estava marcado para o dia quatro, ou seja,  a data prevista para o nosso regresso a Bissau.

Há que aproveitar tão honroso convite. Programámos o nosso tempo para chegar pelo meio-dia, mas esta coisa de tempo e horários não se coaduna com gente que está ávida de (re)viver a Guiné. Os convites são tentadores, as picadas são más e o tempo voa. Chegamos pelas duas da tarde depois de uma paragem no Saltinho para dar um último abraço a gente amiga e uma visita “rapidinha” aos rápidos de Cussilinta, pois quem vai à Guiné, e não vai ao Saltinho e a Cusselinta, perde a uma grande oportunidade de apreciar o paraíso.

A nossa chegada coincidiu com o climax da festa, ou seja a hora do almoço. Simples almoço de bianda com uns restos de peixe muito bem temperado que “soube demais”. Três amplos alguidares bem cheios e uma mão cheia de comilões, os homens, pois as mulheres resguardadas dentro da morança saboreavam possivelmente um petisco mais saboroso.

Foi tempo para eu e o Francisco Silva regressarmos rapidamente aos tempos de juventude e fazer bolinhas de arroz na palma da mão e meter à boca, depois de ter o cuidado de lavar bem as manápulas. Que prazer o nosso, ali aninhados lado a lado com aquela gente que educadamente nos cedeu espaço para partilharmos tão gostoso momento, numa algazarra própria de um dia feliz, não fora estarmos no terreiro do pai da noiva. As nossas companheiras de vida e de viagem contentaram-se em arranjar uma colher e aproveitar a ocasião única, para se sentirem “fulas” de verdade.

Seguiu-se uma tarde de arromba. O som do batuque bem alimentado por três incansáveis batucadores estendeu-se por toda a tabanca, fazendo convergir ao local as mulheres mais lindas e vistosas, com os seus trajes de festa, vontade de dançar e pilhas bem carregadas. Espetáculo digno de se ver, a dança a um ritmo diabólico acompanhado com palmas e a algazarra que faziam entrando e saindo da arena. Com a chegada da família do noivo cresceu ainda mais este frenesim esfuziante, que só com o cair da noite se apagou.

O pai da noiva era um homem feliz. Quando se apercebeu que a “miúda” estava a ser cotejada pelo mancebo, teve o cuidado de lhe perguntar se efetivamente gostava do rapaz e obteve um risonho SIM. Então foi ter com o candidato à mão de sua filha e fez-lhe idêntica pergunta, obtendo um vigoroso SIM. Esperou pacientemente que crescessem um pouco e foi acertar contas com os pais do felizardo e fez negócio. Para ele, desprezando os direitos de tradição étnica, não queria nada, mas para o jovem casal, sim. O mais possível, para montarem o seu lar lá na cidade, onde a jovem ia continuar os estudos em informática. Com o genro a trabalhar e uma filha casada por amor, quem não se sentiria feliz naquele dia?!

A noiva estava a conviver ali perto em casa da mãe, a outra mulher do Mamadu, com as bajudas companheiras da sua infância e juventude. O noivo algures noutra tabanca,  possivelmente engalanada, esperava pacientemente que a noiva chegasse ao cair da noite embrulhada num pano branco para se cumprir a tradição. Foi-nos dada a permissão para irmos visitar e felicitar a jovem noiva que em traje casamenteiro se divertia numa animada festa ao som de uma música apropriada que um leitor de CD debitava em alto som.

Belo! As fotos da praxe para mais tarde recordar, uns beijinhos com votos de felicidade e há que deixar a juventude viver a sua juventude. Regressámos a casa do pai da noiva e, porque o tempo não perdoa, e pensando nos quilómetros que ainda tínhamos pela frente para chegarmos a Bissau, iniciámos as despedidas.

Abraços e beijos, sorrisos e mais sorrisos. “Quando bó na volta?” Pergunta repetida muitas vezes para a qual tiveram como resposta um sorriso que refletia apenas uma vontade de voltar, mas não sei quando.

Chegamos a Bissau a tempo de jantar.
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Nota do editor:

Últuimo poste da série > 28 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11772: Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira) (7): O Xitole e o "alfero" Francisco Silva (CART 3492, 1971/73), a emoção de um regresso

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11499: Os nossos seres, saberes e lazeres (52): João e Vilma Crisóstomo, "just married", são notícia no New York Times e no LusoAmericano






Notícia do casamento do nosso querido amigo e camarada João Crisóstomo com a Vilma Kracum. LusoAnmericano, 24 de abril de 2013 (Reproduzida com a devida vénia...)


1. Mensagem de João Crisóstomo

Date: 2013/4/29

Subject: > Thank you,... one thousand times!

My very dear friends,

I am unable to contact you all immediately individually, as I would like and intend to do as soon I can ( mostly by phone, for, as you know, I am not good with facebook and other digital network communications.) But I want you all to know that , try as I might, I cannot find words to express and convey to you all how grateful I feel to all of you.. It was your participation , either by your personal presence or simply in spirit , as evident by your so welcome and appreciated messages of heartfelt good wishes that made this day, already so special to me, an even better day,of almost indescribable joy and happiness for me and Vilma.

I am also happy that or wedding, given the unusual circumstances that led to our meeting again after a long separation, attracted the attention and special interest of some media outlets, In fact both the Luso Americano and The New York Times made extensive coverage of the event which can be seen by "clicking" ( is that the word??? I hope so!!..) the links  http://nyti.ms/182jEN2  ( for the New York Times) and for the Luso Americano please see pdf attached.

Once again, THANK YOU INDEED!

Will talk to you soon,

João and Vilma ( Crisóstomo too now,... both of us!)

Tradução [de L.G.]


Data: 29/4/2013

Assunto: Os nossos mil e um agradecimentos 


Meus muito queridos amigos:

Na impossibilidade de vos poder contactar  imediatamente a todos, um a um,  como eu gostaria e pretendo fazer assim que puder (principalmente por telefone, pois, como sabem, eu não sou bom com o facebook e outras redes digitais de comunicação),  queremos levar ao conhecimento de todos vocês que, por mais que tentemos, não conseguimos  encontrar palavras para expressar e transmitir-vos a nossa gratidão. 

A vossa participação, presencial  ou simplesmente em espírito, como é evidente pelas mensagens de parabéns que recebemos, contribuir para fazer deste dia um dia ainda melhor, de indescritível felicidade e alegria para nós os dois, eu e a Vilma.

Também estou feliz pelo facto deste casamento, dadas as circunstâncias excepcionais que levaram ao nosso reencontro depois de uma longa separação, ter atraído  a atenção e o interesse especial de alguns meios de comunicação. Na verdade tanto o Luso Americano como  The New York Times fizeram uma extensa cobertura do evento que pode ser visto por "clique" (que é a palavra?? Espero que sim! ..) em http://nyti.ms/182jEN2 (para o New York Times) e através do anexo em pdf (para o Luso Americano).
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Mais uma vez, muito obrigados, e até um próximo telefonema,
João e Vilma (Crisóstomo também agora, ... nós dois!)
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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11448: Os nossos seres, saberes e lazeres (51): WE HAVE IT!!!.... Um linda história de amor, um reencontro ao fim de 40 anos, um casamento em Nova Iorque... E agora, que sejam felizes para sempre, meus queridos João (Crisóstomo) e Vilma (Kracum)! (Tabanca Grande)

terça-feira, 23 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11448: Os nossos seres, saberes e lazeres (51): WE HAVE IT!!!.... Um linda história de amor, um reencontro ao fim de 40 anos, um casamento em Nova Iorque... E agora, que sejam felizes para sempre, meus queridos João (Crisóstomo) e Vilma (Kracum)! (Tabanca Grande)



Portugal > Lourinhã > Ribamar > Praia do Porto Dinheiro > Restaurante O Viveiro > 28 de junho de 2012 > A Vilma e o João Crisóstomo, já oficiosamente noivos (com festa de arromba prometida, para 20 de abril de 2013, em Nova Iorque). A Vilma, que é eslovena, vivia em Paris... Ambos conheceran-se em Londres em 1970...Depois o João  foi para o Brasil e durante 40 perderam o rasto um do outro. Mas como o João é um "corredor de fundo", voltou a apanhá-la, à Vilma, e pediu-a em... casamento. Perdi o final deste conto de fadas, infelizmente não tenho o dom da ubiquidade! (LG).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados





Convite, em inglês, para o casamento da Vilma Kracum com o João Francisco Crisóstomo, nosso camarada, e um dos mais famosos portugueses de Nova Iorque.


1. Mensagem do João Crisóstomo e da Vima, com data de 13/372013, anunciando o seu casamento: 

Subject - WE HAVE IT!!!

I like to share my special moments of my life with my friends. and I am living one of those to the fullest!!!!!!... so.... this is just to let you know that we got our wedding licence yesterday.... and now we can get married anytime within two months...

Remember : April 20 .... 12.00 AM...
Until then a Big hug from
John ( Joao Crisóstomo) and Vilma ( Vilma Kracun)

PS: I believe I have sent the invitation to our wedding to all I am writing to now. But I am attaching the invite again just in case I missed somebody... (and in this case please accept my apologies... and ... just show up.... I hope it is not too late1

João C

1. Comentário de L.G.:

Por razões que já expliquei ao João (e à Vilma), não me foi possível estar presente na sua festa de casamento, em Nova Iorque, no sábado passado, dia 20 de abril. Com muita pena, minha e da Alice. Em mensagem, que lhe mandei em resposta ao seu convite (formal), escrevi isso mesmo: (...) "A Alice está desolada, porque queria muito ir. E eu gostava de te dar essa grande alegria, da nossa presença, no dia da tua festa... Não sei se me vais perdoar. Mas eu quero muito que seja um grande dia, para ti e para a Vilma. Não tenho dúvida que fazem um belo par e que tu e a Vilma serão muito felizes (...)...Um xicoração apertado. Luís"... 

Não lhe escrevi os versinhos que lhe tinha prometido para esse dia, mas, pemitenciando-me, partilho com toda a Tabanca Grande e os demais leitores do nosso blogue,  a alegria deste evento. Não sei se alguém da Tabanca Grande esteve presente, nomeadamente O Horácio Fernandes ou o Mário Beja Santos (que, além de grande amigo do João e de terem andado pelas mesmas bandas na Guiné, veio a descobrir que ainda tem uma relação de parentesco com a  Vilma, ou que a Vilma é prima de um cunhado dele...,  vejam lá as voltas que o mundo dá!).

O João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/66), vive em Nova Iorque desde 1975 mas está também aqui atabancado, no nosso blogue, desde 26 de julho de 2010. Dele eu escrevi disse o seguinte:

(...) "O João Crisóstomo é um português das Arábias....Um dos muitos camaradas nossos que, depois do regresso da guerra, fez-se à vida, e quis conhecer o mundo largo e farto...Que na casa materna, a nossa Pátria, não cabiam todos...ou só cabiam alguns. A história, invulgar, deste nosso camarada, vim a descobri-la na Net... Confirma-se que é um militante de causas nobres (Gravuras Rupestres de Foz Coa, Memória de Aristides Sousa Mendes, autodeterminação de Timor Leste e do Sahara Ocidental)" (...).

Em dia de aniversário da nossa Tabanca Grande, o João (e a Vilma) merecia este miminho. Os leitores vão-nos  perdoar: este blogue, não sendo uma revista cor de rosa, é um blogue de partilha de memórias e de emoções. Até à próxima visita ao nosso querido Portugal!... E à próxima caldeirada... não em Porto Gole mas em Porto Dinheiro! (LG).



Um linda história de amor! Dois garndes seres humanos, o João e a Vilma!

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10930: Os nossos seres, saberes e lazeres (50): A caminho de Auroville, a "cidade do amanhecer", no sul da Índia... Mas se pudesse escolher, era já para Iemberém que eu queria voar (Anabela Pires)ã

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11398: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (8): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes XV/ XVI): Setembro de 1969... (i) Tragédia (para a 15ª CCmds)... (ii) Condição feminina ('Fermero, ká na tem patacão pra paga, fica ku minha mudjer')



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > 1969 > Viatura destruída por mina anticarro. Resultado: dois mortos.



1.  Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70), Partes XV e XVI (*) [Originalmente publicado na I Série, em 2006]



Buba, 1 de Setembro de 1969

Empada continua a ser a preferida do IN para brincar às guerrinhas. Ontem, pelas 4.30 h da madrugada, sofreu novo ataque. Foi chamada a aviação que não chegou a intervir.

Empada, 9 de Setembro de 1969

Desde ontem que estou por estas bandas, após dois meses em Buba sem novidade de maior. O ataque do dia 31 não foi tão perigoso como constou em Buba. Atacaram de Morteiro 60, LGFog e bazuka  sem causarem prejuízo. Não caiu nenhuma dentro do quartel.

Na estrada de Fulacunda, mais 8 Comandos e 3 soldados ficaram sem vida. Houve ainda sete feridos graves, entre os quais o meu amigo Zé João, enfermeiro comando. Uma mina anticarro de grande potência atirou com a viatura cheia de militares, que estiveram comigo em Buba (15ª Companhia de Comandos) contra um tronco de árvore que se debruçava sobre a estrada, matando uma série deles instantaneamente. No buraco feito pela bomba pode-se esconder uma viatura, tal era a sua potência...

A Companhia de Comandos tinha vinda a fazer uma série de operações no Setor e dirigia-se para o Cais no Rio Grande, perto de S.João, para se retirar para Bissau.

Tem tido muito azar esta Companhia de Comandos. O Zé João sempre que sai com a Companhia faz ronco, mas no regresso tem tido sempre problemas graves. Ainda há pouco tempo, quando estavam em Buba comigo, saíram para uma operação em Saredivane, fizeram um ronco de 15 mortos, apanharam 21 armas, apenas com dois feridos ligeiros, mas no regresso cairam num campo de minas e uma bailarina matou um Furriel e um soldado ficou sem uma perna...

Nesse dia o Zé João foi buscar o morto e ferido ao campo de minas tendo recebido o prémio Governador, que não chegou a gozar devido a este brutal acidente que o afastou da guerra definitivamente.





Guiné-Bissau > Refgião de Bafatá > Saltinho > 2005 > O Zé Teixeira com um antigo milícia, o Braima de Mampatá, e uma bajuda, num antigo aquartelamento das NT, agora transformado em unidade  hoteleira.


Empada, 11 de Setembro de 1969

Conheci a Mariama no primeiro dia que aqui cheguei. A sua alegria contagiante, as suas brincadeiras e a maneira como sabia fazer-se respeitada, tudo isso fez com que simpatizasse logo com ela. De manhã vinha acordar-me:
- Tissera, corpo stá bom ?

Ao fim da tarde de hoje, passou pela enfermaria, como sempre, mas vinha diferente; olhos inchados, cabelo muito arranjado, a alegria habitual tinha desaparecido.
- Mariama, corpo di bó ?
- Ká stá bom, hodje manga di chátisse.
- Porquê? Qui passa ?
- Meu pai diz a minha Mãe: 'Põe Mariama bonito. Hodje ela vai cása cum alfaiate'. Mim ká na sibi qui vai cása. Mim ká miste alfaiate.
E acrescentou:
- Eu fui trabalhar na bolanha , manhã cedo, muito trabalho. Vem, lava roupa de Catarino [, o Jorge Catarin, meu companheiro nas artes de seringa e grande amigo,] e passo tua roupa a ferro. Chega a minha mãe e conta a verdade. Eu não sabia que ia casar...

As lágrimas escorriam-lhe para o regaço. Não gosta do Sanhá e parece que nem sabia que o pai a tinha vendido como se faz com os animais. Sabia o que a esperava mais dia menos dia, mas nunca com um velho.

Nos Beafadas a cerimónia de casamento é diferente dos Fulas. Ao fim da tarde a bajuda segue para a morança do futuro marido, acompanhada por outras bajudas em festa: aí espera-a um jantar.





Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > 2005 > O Zé deixou amigos que ele reencontrou trinta e cinco anos depois... Como, por exemplo, a mulher do filho do Régulo Shambel, de Contabane.


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: L.G.]


Em tempos apreciei um casamento fula em Mampatá. O casamento foi programado com antecedência. A festa durou dois dias com muita animação e até batuque. Este foi controlado pelo Sargento da Milícia, que a determinada altura mandou parar a batucada e vingou o silêncio. A noiva seguiu para casa do noivo às costas de um ancião coberto com um lençol de modo a ficar escondida dos olhares dos curiosos e, segundo me disseram, no dia seguinte tinha de pôr à porta o lençol com manchas de sangue para demonstrar que estava virgem.

A conversa com Mariama prolongou-se. Apresentou-me a Fanta, minha nova lavandera e deixou-me a dar largas aos meus pensamentos… Vieram-me à memória os jovens de Nápoles, e os da Ribeira . . . A Fármara de Mampatá que gostava do Amadu e era feliz; da Jubae, e da Yeró.

Esta última casada à força, presa fácil da tropa, que o marido me ofereceu como pagamento por lhe ter salvo o pai de uma doença (#), da Fatinha (siriana), cujo marido não se cansava de lhe bater. . . e era tão bonita !... Da Suade … das suas lágrimas, quando à sua volta toda agente dançava ao som do batuque.

Pergunto a mim mesmo, como é possível em pleno século XX, ainda haver este tipo de escravidão. Como é possível um pai vender sua filha por uma vaca e três carneiros !

(Continua)

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Nota de JT:

(#) Quando cheguei a Mampatá, veio ter comigo pedir quinino para o pai que estava com muitas dores. O Furriel enfermeiro que fui substituir disse-me:
- Este gajo tem o pai a morrer, eu estou a dar-lhe um comprimido por dia de X medicamento. Não lhe dês mais que um por dia, pois só tens esta caixa e em Aldeia Formosa não há.

Assim fiz e no dia seguinte, já sozinho, fui ver o doente. Velho de cabelos brancos, amarelo como cera, há mais de um mês de cama, sem forças etc,etc.

Reuni com o Alferes comandante do Destacamento e decidimos pedir a evacuação, à revelia das ordens que havia, o que gerou ameaças solenes para o Alferes do Comandante de Quebo, o qual teve como resposta:
- Sr. Major, eu não sou médico nem enfermeiro, o meu enfermeiro diz-me que não se responsabiliza pela saúde do homem. O Sr. Major responsabiliza-se ?

Assim o velho, foi evacuado. Esteve cerca de dois meses internado, fez uma operação ao intestino e regressou, para alegria dos familiares, muito melhor. Quando deixei Mampatá estava vivinho da costa.

Como prémio ou pagamento do meu trabalho, o filho, disse-me:
- Fermero, ká na tem patacão pra paga. Fica ku minha mudjer.

Este gesto gerou outra conversa que, como esta história,  não coube no meu diário
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11363: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (7): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes XIII / XIV): Julho / agosto de 1969: a angústia do cristão ante a dúvida "De que lado estará Deus ?"

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11155: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (8): Casamento tradicional, família, religião, homens, mulheres, gestão de conflitos... e pesca desportiva!

1. Comentário da nossa Anabela Pires, com data de 20 de corrente, ao poste P11098:

Luís, acabei de receber o teu e-mail e estou em estado de choque. Nunca percebi de que mal padecia a Cadi mas depois de ir para o Senegal e para o hospital de Cumura nunca pensei que o desfecho fosse este. Não imaginas como lamento esta notícia. E cuidado com a menina que pouco depois da mãe adoecer também ela andava doentita. Nunca me esqueço delas até porque no dia em que a Alicinha fez 2 anos (dia da minha chegada a Cantanhez) também eu ganhei uma "afilhada" em Catesse que tem o meu nome. As nossas "afilhadas" têm exactamente 2 anos de diferença. E não esqueço a visita que recebi da Cádi, da sua mãe (lindíssima mulher também), da Alicinha e do Ansumané (irmão mais novo da Cadi). Para sempre ficarão também no meu coração. Um grande abraço para ti e para a Alice. Anabela Pires

[Foto acima, à esquerda: Anabela Pires, em Catesse, Cantanhez, Região de Tombali, Guiné-Bissau, 20012. Créditos fotográficos: AD - Acção para o Desenvolvimento]

2. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires  (Parte VIII) (*)

16 de Fevereiro de 2012

Há seis dias que nada escrevo. Não tenho tido tempo!

Voltando mais atrás …. Aqui há dias um homem jovem deu uma surra no antigo namorado, também jovem, da mulher. A mulher fora-lhe prometida pela família, de acordo com os costumes muçulmanos. No entanto, a rapariga foi durante muito tempo namorada do filho do ex-régulo, falecido há pouco tempo. Deste namorado teve uma menina e claramente é dele que ela gosta mas chegada a hora de casar, e apesar de já ter uma filha do namorado, teve de casar com o rapaz a quem os pais a haviam prometido, levando para o casamento a sua filhinha.

Alguém a ouviu telefonar à família do antigo namorado, a dizer que ele andava doente e que cuidassem de lhe comprar os remédios, e foram contar ao marido. Este não esteve com mais – foi ter com o outro e deu-lhe uma surra que o deixou desmaiado e a sangrar dos ouvidos, boca e nariz. O rapaz foi socorrido, levado para o hospital mais próximo, onde estava o chefe da polícia que tomou parte da ocorrência.

Aqui no complexo existe um espaço aberto mas coberto que supostamente é o local de convívio dos turistas, chamada a Casa Redonda.  No entanto, este espaço é utilizado para diversos fins, e muito bem. Nele se reuniram todos os chefes de família de Iemberém, com a presença do chefe de polícia, e lá estiveram toda a tarde para discutir o incidente entre os dois jovens homens.

O objetivo destas reuniões é tentar uma reconciliação entre as partes mas sempre tem de ser determinado o culpado. Nestas reuniões não participam as mulheres, que toda a tarde mostraram uma grande preocupação com o que seria o final da estória. Foi uma longa tarde, mas no final o marido foi determinado culpado e teve de pedir desculpa ao agredido. Este aceitou as desculpas e deu-lhe o seu perdão. Tudo acabou em bem para grande alívio da população.

 O Abubacar explicou-me que a determinação do culpado é fundamental para que o agredido possa perdoar do fundo do coração pois caso contrário vai perdoar de boca mas não vai esquecer. Pergunto-me a mim própria se ele de facto perdoou do coração. A verdade é que a estória, pelo menos para já, ficou resolvida. Apesar das minhas dúvidas, não deixei de admirar este sistema de justiça em que o principal objetivo é a reconciliação entre as partes, sem processos judiciais, daqueles que nunca mais chegam ao fim, sem cadeia, sem mais delongas.

Aqui na tabanca não há cadeia mas há um armazém onde, caso alguém faça um mal muito grande, se pode prender uma pessoa até ser transferida para a cadeia mais próxima. Nas tabancas a prisão parece que só acontece em casos muito extremos mas,  se houver queixas aos régulos,  eles podem determinar castigos corporais, chibatadas. E assim se processa a justiça por aqui. É evidente que a Guiné tem sistema judicial, tribunais, cadeias, advogados, etc.. mas nas tabancas é em reunião de chefes de família que tentam resolver os conflitos.

Esta questão do casamento obrigatório é cada vez mais controversa e origina conflitos frequentes. Quando vinha de Bissau para aqui o jipe parou numa tabanca e também por lá havia um grande banzé! Uma rapariga prometida andava a fugir para ir ter com o namorado da sua escolha à tabanca vizinha. A família dela foi à outra tabanca atirar pedras ao rapaz, depois veio a família dele ao lado de cá e a discussão era acesa!

As raparigas cada vez estão menos dispostas a casar com quem os pais escolhem mas muitos pais insistem ainda neste costume. E é curioso ver a posição de pessoas diversas relativamente a este assunto.

[Já tinha falado em tempos com um casal meu amigo, os dois guineenses, obre esta questão. Ele],que apesar de muçulmano é um homem instruído e que já andou pelo mundo, é absolutamente contra este costume [, dos casamentos tradicionais arranjados pelos pais]. [Ela], bastante religiosa, achava que estava bem assim porque a religião diz que é assim, mas encontrava-lhe com frequência contradições no discurso. Ela era já a 2ª mulher dele, e para sorte dela a 1ª morreu. Apesar de ser a 2ª, também foram os pais que a ofereceram ao [atual marido], ela nunca o tinha visto quando casou com ele. Passou um mau bocado com a 1ª mulher que até uma dentada lhe deu numa orelha. Hoje tenho a sensação de que ela o ama (será? Ou não quer simplesmente confusões na sua casa?) e não quer, de modo algum, que ele tenha outras mulheres, pelo menos na mesma casa. Porque fora de casa ele [terá tido] filhos, [segundo julgo saber] (...).

Mas outras mulheres não se importam nada que os maridos tenham outras mulheres (combossas) em casa e acham até que isso é uma necessidade. É o caso da X... de Farosadjuma [...]. O marido dela tem 4 mulheres e creio que 20 filhos vivos. Vivem todos na mesma morança mais uma das mulheres do seu filho e respectivas crianças. Que grande confusão!

Mas a X... diz que não há problema nenhum e que há sempre alegria. Diz que tem de ser assim pois têm “manga” de trabalho (aqui muito é “manga”, em Moçambique é “maningue”). O marido é agricultor [...] e com tanta gente em casa há que fazer dinheiro para a todos alimentar e há muito trabalho doméstico para fazer. A X... é a 1ª mulher e a oficial, porque oficialmente só podem ter uma mulher. Parece-me que ela é quem manda nas outras todas.

Perguntei-lhe com quem é que o marido dormia e pelos vistos dorme duas noites, em rotação, com cada uma. E não chegam os sete dias da semana para uma rotação completa! E o pobre, pelos vistos, nem tem direito a descanso! Perguntei-lhe se não ficava incomodada, aborrecida, quando o marido vai dormir com as outras. Disse-me que não, que têm “manga” de trabalho. Não percebi se o que me quis dizer é que trabalhava muito e estando cansada até gostava de não ter de dormir todos os dias com o marido ou se aceita este sistema com agrado porque acha impossível terem tão grande labuta sem que o marido tenha outras mulheres.

Bom, um destes dias terei de ir a Farosadjuma dar formação à Fatu e nessa altura espero conhecer as tais mulheres de que me falaram. A Fatu tem 3 bungalows e também recebe turistas mas parece-me que por lá há grandes limpezas a fazer e muito a ensinar. Mas tem muita pose,  esta Fatu. É já mulher com 50 anos mas uma bela e forte mulher. Veio estes dias para aqui para ir vendo como se processam as grandes limpezas e aprender alguma coisa na cozinha.

No dia em que chegou estivemos aqui em casa, com a Satu também, a fazer sopa de alface e ovos verdes. Bem, o que eu me ri com as duas a provarem a sopa de alface! Até lhes tirei umas fotos! Nunca tinham comido sopa! Já outro dia tinha feito com a Satu sopa juliana, com repolho e cenoura ralada e ela adorou. Também adoraram os ovos verdes que só conseguimos fazer porque veio salsa de Bissau.

Ando a ver se as convenço a fazerem uma pequena horta com os legumes que aqui se derem para não estarem sempre na dependência do que pode vir de Bissau. Afinal ambas são mulheres de agricultores e o Abubacar é engenheiro agrónomo. A questão é que aqui não estão habituados a comer sopas e saladas e como tal valorizam muito pouco os legumes – usam cebola, pimentos e tomate, para fazer o tal molho e quando não têm tomate fresco substituem por massa de tomate em lata. Os legumes são todos pequeninos! Quase miniaturas! E eu que adoro trabalhar com cebolas grandes!

Hoje, para terminar, vou só relatar a minha 1ª ida à pesca no Domingo passado. Fui com o Sambajuma, que é aqui jardineiro e guarda durante o dia, que tem uns 65 anos e com quem falo francês pois só sabe esta língua e crioulo,  e o Gassimo, de quem já falei, e que é um menino adorável pela sua bondade. Fomos a pé até Camucote, tabanca pequena a que chamam porto, à beira de um largo braço de ria, todo ladeada de mangal (aqui chamado tarrafe) e com o solo de lodo e pedras e que fica a uns 2 ou 3 km daqui. Fomos todo o dia. Eu pensava que íamos pescar de terra mas afinal fomos de piroga. Enfim, 3 pessoas dentro de uma piroga, com a tralha toda da pesca e eu com uma cana de 5 metros de comprimento! 

O Sambajuma é pescador mas gosta mesmo é de pescar com rede. Só apanhei um pequeno peixe a que eles chamam barbo mas que penso ser da família da nossa faneca. O Sambajuma apanhou um esquiló, que se parece com um ruivo mas é cinzento. Apesar do fracasso desta 1ª pescaria devo dizer que adorei andar por lá todo o dia. Na 1ª piroga ainda tinha uma tábua para me sentar mas na 2ª piroga o meu banco e o do Gassimo eram pedras!

Valeu-me ter trazido as botas com que costumo andar na ria de Faro ao lingueirão pois na maré vazia o lodo é terrível. Mas a ria ou rio, como dizem aqui, é muito bonita sobretudo com a maré cheia. Tirei umas fotos e até ajudei o Sambajuma a remar. Assim que tivermos tempo vamos voltar e ele disse-me que me vai levar mais longe, até ao grande mar, que é o local onde começa o braço da ria junto ao mar. Penso que já percebeu que estou habituada a estas actividades e que não tenho medo. Para a próxima já levarei a cana adequada. 

No regresso viemos de jipe – estava cá um da AD e o Abubacar mandou-nos lá buscar. Soube bem vir de carro no regresso pois estava cansada e cheia de lodo por todo o lado! Depois foi o costume – lavar tudo e tirar o lodo de botas, mochila, etc… Mas foi um lindo dia, o dia 12 de Fevereiro. Antes de ir enviei sms de parabéns à Benilde e à Élia. Esta recebeu-a pois respondeu-me mas a Benilde não sei. O importante é que eu não me esqueci delas no dia dos seus aniversários.

Bom, tenho mesmo de me despachar para ir trabalhar.

[Fotos: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados]
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11121: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (7): Fogo!!!.... O forno do meu vizinho padeiro, o Mumini, completamente em chamas!

domingo, 22 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10178: (In)citações (41): Serpentes, feitiços e casamentos inter-étnicos... (Cherno Baldé)


1. Comentário, de 19 do corrente, do nosso amigo Cherno Baldé [, aqui na foto, quando jovem estudante em Kiev, Ucrânia, no final dos anos de 1980], ao poste P10166:


Caro Luis Graça e amigos,

Esta serpente verde ], a mamba verde,] é bem conhecida e motivo de muita desgraça entre as populações do sul da Guiné, mais precisamente entre os jovens que se ocupam do trabalho do corte de chabéu e da limpeza das plantaçoes de bananeiras.


E, muitas vezes, pelo facto das habitações estarem rodeadas de árvores de cola e pés de bananas, ela chega a invadir as casas e semear o terror.

O mais interessante, no fim, é que a explicação ou justificação da sua existencia e das desgraças que provoca é, como se pode perceber, sempre de natureza social e/ou existencial. Não é a serpente que mata mas sim o vizinho ao lado ou a madrasta má que se transformam e, furtivamente, atacam as vitimas.

As vezes, as explicações, de tao reais, chegam a ser convincentes, pois nao raras vezes, ou as serpentes perseguem as suas vitimas ou estão escondidas em cima da palmeira a sua espera. As mordeduras são sempre mortais.


Por diversas vezes, tive ocasião de visitar esta região, ouvir falar e assistir a alguns casos porque a familia materna da minha esposa [, foto à esquerda,] é da etnia Nalu e natural de Calaque, aldeia situada entre Cassaca e Campeane, no sector de Cacine.

A titulo de curiosidade, digo que somos, assim, um casal misto que representa o cruzamento de um Nordestino, região colaboracionista e aversa ao PAIGC,  e duma mulher originária do Sudeste (Cacine), filha de antigos combatentes do PAIGC e nascida em Boé (Fevereiro de 1973), que foram os maireos bastiões deste movimento durante a luta.

Um abraço amigo, Cherno Baldé

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9999: (In)citações (40): Deixem-me aliviar a angústia das notícias vindas da minha terra (Braima Djaura, ex-sold cond auto, CCaç 19, Gudiaje, 1972/74)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10031: Cartas do meu avô (8): Lisboa, o primeiro emprego, o primeiro carro em segunda mão, a vida de trabalhador-estudante, o casamento... (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. [, Foto à esquerda, em Catió].

As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, onde vivem os netos, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*) 


B. SEXTA CARTA > O Primeiro Emprego e Casamento


O tempo ia decorrendo. Não tinha passado um mês sequer, quando se deu o desligar absoluto da vida militar. Fui receber o último soldo ao posto da GNR da vila.

A partir daí passei a viver do pecúlio que tinha conseguido. Não era muito, pois que tive de custear as mensalidades do internato do meu irmão, num colégio do Porto,  e um tanto para o sustento da tia que tomava conta da casa e do meu irmão, seu afilhado.

Além disso ela tomou a decisão de comprar uma tira de terreno, contíguo ao da casa, para ampliar um pouco mais o quintal e afastar a proximidade do vizinho.

Daí que a necessidade de procurar emprego se pusesse prementemente.

I – O Primeiro Emprego

Teria de descer de novo até Lisboa, onde as oportunidades seriam maiores. E, onde havia de ficar? Lembrei-me de que o irmão dum furriel do 1º pelotão era padre e geria um lar de rapazes estudantes, em Lisboa, ali ao pé da Feira Popular.

Pus-me em contacto com ele. Por seu intermédio, foi-me logo franqueada a entrada para esse lar. Com cama e mesa. Um pouco puxado.

Depois, foi uma luta feroz contra o tempo. Havia que conseguir emprego a todo o custo. Bati à porta de todas as companhias de seguros. Bancos. Emissora Nacional… Sei lá mais quê.

Foi então que encontrei o meu camarada de companhia,  o Arlindo. Estava já empregado numa empresa de motorizadas. Ele sabia que a Caixa Geral de Depósitos estava a admitir pessoal e seria fácil conseguir. O vencimento não seria muito. Mas, fosse o que fosse, daria para subsistir. Até melhores dias.

E assim foi. Entrei menos de dois meses depois.  Respirei fundo.
- Vai ganhar 2.028 escudos por mês. Temos um bom apoio social e quem merece durante o ano, tem uma partilha de lucros ao fim do ano. Pode chegar a três vencimentos. Muito razoável. – adiantou o chefe de secretaria do pessoal, o Sr. Santos, quando me fui apresentar.
- Para começar, não está mal…- respondi, com ar satisfeito.
- Então, Sr. Gomes, tome esta guia e vá apresentar-se ao director dos serviços de Estatística e Actuariais, fica ali na rua do Alecrim. E muitas felicidades.
- Muito obrigado, Sr. Santos. – nunca mais esqueci o seu nome nem o seu ar de bonomia acolhedora, espelhados num rosto redondo e vermelhusco.

Essa de Serviço de Estatística e… outra coisa que nem percebi bem, é que não me caiu muito bem. Nunca tive tendências para números ou contabilidades. Estava a entrar num banco. Tudo era provável. Paciência. Não há volta a dar-lhe…- ia eu a pensar enquanto procurava a tal rua no Calhariz.
- É aquela ali… a última porta larga do lado esquerdo - explicou-me o porteiro à saída.

Mal sabia eu que estava a entrar para, talvez, a única Direcção de Serviços onde seria possível frequentar um curso superior. Tinha um chefe, licenciado, o que era raro na Caixa desse tempo, e que, talvez, por também ter tirado o curso a trabalhar, não levantava dificuldades, desde que se merecesse…

O mundo da informática estava a nascer naqueles anos sessenta. A Caixa Geral de Depósitos era das poucas instituições que possuía o último grito de computadores- um IBM 1401. [, Imagem à esquerda, cortesia de Washington University > A history of IT at UW]-

Um aparelho enorme [, um main frame,] que ocupava um espaço enorme numa sala especialmente condicionada para ele. Onde só os especialistas podiam entrar. Era um espaço hermético, quase sagrado, naqueles serviços.

Pressentia-se, quase a medo, que o futuro de tudo passaria pelo informático. Ainda não se ministravam esses conhecimentos nas escolas públicas. Era a própria instituição que desenvolvia internamente esses estudos e os fomentava em acções de formação.

O pessoal que ali trabalhava saíra dos quadros gerais do pessoal interno da Caixa. Por selecção em testes psicotécnicos muito rigorosos e exigentes. Auferiam um escalão de vencimentos superiores aos trabalhadores comuns. Por isso, aquela direcção era muito cobiçada.

Eu entrei,  não para esse quadro especial, mas sim para o corpo de trabalhadores que se dedicava ao residual de tarefas actuariais que ali restaram depois da sua assunção da informática, na mecanização de todos os serviços internos.

Por uma questão de melhoria do vencimento, ainda tentei o ingresso nesse quadro, sabendo bem que aquela matéria me era adversa. Felizmente não consegui. Assim, pude ir avançando no curso de direito a que me abalançara, decididamente.  O tal director de serviço abriu-me todas as possibilidades de o frequentar, sem compensação de horas.

Entretanto, porém, estava já em plena fase de namoro com a ex-madrinha de guerra. A enamoração em que nos envolvemos levou-me a dissipar essas facilidades excepcionais.

Também não me sentia bem integrado no ambiente académico, formado por aquela população de rapaziada novata, saída dos liceus. Eu queria chegar depressa ao fim. Por isso, preferi adoptar o regime de estudante ex-militar. Podia preparar os exames por mim próprio e apresentar-me a exame. Quando entendesse.

A A.T. estava já a acabar o seu curso e iria trabalhar. Caímos ambos num regime de vida em que não tinha a necessária concentração para um bom rendimento. Víamo-nos a toda a hora.

No segundo ano do curso, veio o primeiro chumbo numa cadeira fundamental - Teoria Geral do Direito. Quase esgotei as possibilidades de continuar. Só mudando para Coimbra. A partir daí começaram a chover chumbos em catadupa. Fui subindo a passo de caracol. Com um esforço gigantesco.

II – O Casamento

Entretanto, por outro lado, o decorrer do namoro começou a trazer ao de cima as primeiras dificuldades. Éramos dois indivíduos com uma textura pessoal muito diferente.

O ambiente social em que crescêramos era muito diferente. Eu, fui nascido e criado no norte, - onde impera uma mentalidade muito distante da mentalidade alfacinha – era filho de família pobre e, muito cedo, fiquei sem os progenitores vivos, estudei, dos 12 aos 20 anos, nos seminários. Ela era uma quase filha única dum casal burguês, crescida em Lisboa, em berço de veludo, nunca sentira dificuldades, só as do curso de biologia, em que fora das melhores alunas.

As brigas verbais surgiram e tornaram-se cada vez mais constantes. A ponto de a Mãe dela ter apelidado o café onde costumava encontrar-nos, ali no Jardim da Parada, como o “café das brigas”. Encontrava-nos sempre a discutir.

Muito dificilmente estávamos de acordo. O desenlace esteve decidido, por várias vezes, com muita convulsão pelo meio. Repetiu-se muito daquela mesma fase do Cachil… lá atrás. 
O convívio insistente, porém, que não deixava respirar, não ajudava nada a que fosse tomada uma decisão serena e objectiva.  Era propício a que se avançasse com a cabeça debaixo da areia. Da parte dela, havia uma grande pressa de avançarmos para o casamento.

Quando alcançou o seu primeiro emprego, com a ajuda do padrinho - uma alta figura do governo,  logo a seguir ao terminar do curso – com o bom vencimento que iria auferir, estavam criadas as condições financeiras para que fosse possível o casamento.

A facilidade com que se conseguia uma casa por aluguer, facilitava muito as coisas. A soma dos nossos dois vencimentos chegava, à vontade, para começar.

De novo, sem dar conta, dei por mim, já com a data de casamento, marcada. Seria em Janeiro de 1968, se o processo do registo civil, entretanto iniciado, não revelasse impedimentos.

E, dessa vez, foi de vez. Tivemos um casamento de alto nível. Com fraque e cerimónia. Uma boda de alto nível, servida no “Espelho d’Água”,  frente aos Jerónimos.

Recordo um episódio estranho que aconteceu, no dia do casamento. Horas antes, vinha eu de cortar o cabelo no meu barbeiro habitual, um corte muito bem cuidado para o efeito que era, quando ia a passar diante da igreja onde se iria realizar o casamento, fui abordado, por mera casualidade, penso, por um indivíduo desconhecido. Ainda ia para casa vestir-me de cerimónia.

Não sei sob que pretexto. Não era um andrajoso. Tinha um certo porte. Mais velho do que eu. Tive a intuição nítida de que me iria falar do casamento. Ele parecia adivinhar o novelo de dúvidas que me toldavam a cabeça. Não percebi nem nunca perceberei, como é que ele tomou conhecimento de que eu iria casar-me nessa manhã.

Num tom algo secreto e profético, advertiu-me, quase ao ouvido,… que eu visse muito bem o que iria fazer, onde me ia meter... Fingi desprezo pelo que ouvi, mas no fundo, fiquei embasbacado. Procurei não ligar.

Volta e meia, no futuro, as suas palavras, com muita verosimilhança, me acudiram à memória. Ainda hoje estou para entender o que se passou.

Também no dia anterior, me acontecera algo de estranho. Eu tinha acabado de comprar um carro em 2ª mão. Um Ami 6 [, imagem à direita, cortesia de Fórum Citröen]. Com ele eu fiz a mudança das minhas coisas do quarto alugado, onde vivia, para o apartamento que alugámos na alta de Algés.

Deslocava-me na minha última carga para o apartamento, subindo um troço de rua bastante íngreme e entrecruzado de ruas. Não conhecia ainda muito bem o carro. Era ao fim da tarde.

Eis que do meu lado direito vem uma motorizada com um fulano das obras. Gerou-se ali uma hesitação, de parte a parte. Eu não parei para ele passar, devido à inclinação do piso e porque sentira que o travão de mão não estava nas melhores condições.

Avancei e ele embateu-me no guarda-lamas da frente, do lado direito. Travei o carro com a primeira velocidade engatada para compensar o travão de mão. Sai do carro. Ele avançou para mim furioso. Em jeito de me vir espancar.

Deu tempo para me lembrar de que iria casar no dia seguinte. Por isso, procurei acalmá-lo como pude. Não queria mesmo nada aparecer todo esmurrado à cerimónia.

Fui-o entretendo. Sabia que o meu primo Carlos estava para chegar. Vinha instalar-me, creio que o esquentador.
- Ai, se o Carlos viesse agora!... pensei.

E, por milagre, ele apareceu mesmo, pouco depois, na sua carrinha Renault 4, toda branca. Respirei de alívio. O Carlos era também um peso pesado. Habituado ao duro. Ainda por cima, vinha com um ajudante, ainda mais pesado.

Já éramos três. O Carlos parou a carrinha. Deve ter-se apercebido logo de que havia problema, as coisas estavam complicadas. Apressados, vêm ter comigo e perguntam-me se estou a precisar de ajuda.
- Por acaso, até preciso. – respondi.

O sujeito olhou-nos a todos. Fez os seus cálculos e arrefeceu. Pouco depois, mas ainda a vociferar, pegou na bicicleta e desapareceu.
- Que alívio!...

Respirei fundo. Desta vez, deu mesmo certo.

No dia seguinte, depois do casamento e da boda, quando deixamos toda a gente ainda no festim, para seguirmos para a lua de mel, como costumam fazer os noivos, a A.T. perguntou pelo carro:
- Então e o carro?

Contei-lhe tudo o que se tinha passado. Desatamos a rir à gargalhada.
- Agora, apetece rir, mas ontem, as coisas estiveram muito feias. Ia ser bonito. Se ele me começasse a chegar, eu não me ficava. Estaria aqui com a cara toda esmurrada.
- Não faz mal. Vamos de comboio - adiantou.
- Até calha bem. A minha experiência de condução é pouca e o carro também não oferece muita confiança... e daqui até Viana do Castelo [,foto acima, Pousada de Viana do Castelo, Monte de Santa Luzia, cortesia de Spendia]...
- Óptimo. As coisas não acontecem por acaso - acrescentou -. A prenda dos meus padrinhos dá para tudo. Os bilhetes não custam assim tanto. E uma viagem de comboio até é romântico...
- Tens razão.

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Nota do editor;

(*) Último poste da série > 8 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10012: Cartas do meu avô (7): Quinta carta: O primeiro encontro com... ela, e o meu regresso a casa, em Pedra Maria (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)