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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15695: Estórias avulsas (84): A minha primeira missão (Abel Santos, ex-Soldado Atirador da CART 1742)

 

1. Em mensagem do dia 21 de Janeiro de 2016, o nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) conta-nos a sua primeira acção na Guiné, a partir de Bissau.




A minha primeira missão 

A minha primeira missão no Comando Territorial Independente da Guiné Portuguesa aconteceu após a chegada da minha CART 1742 a Bissau, onde desembarcámos a 31 de Julho de 1967.

Após o desembarque, fomos colocados em Santa Luzia, no chamado 600, substituindo a CART 1646, onde ficamos integrados no dispositivo do BART 1904, com vista à segurança e proteção das instalações e das populações da área.

Mas falava eu na primeira missão, que foi atribuída ao meu grupo de combate, mais propriamente à minha secção, quando fomos escalados para fazer segurança a um barco civil de transporte de géneros, para distribuição aos nossos camaradas espalhados pelas várias guarnições da Guiné.

Zarpamos manhã cedo do Porto de Bissau para aproveitar a maré cheia, e navegámos ao encontro dos nossos camaradas que estavam precisando de reabastecimentos, já que por terra era bastante complicado.

Embarcações utilizadas nos reabastecimentos às guarnições.
© Com a devida vénia ao ex-Fur Mil Rodrigues Lopes do BCAÇ 2852

A primeira guarnição visitada foi Catió, onde aportámos seriam umas quatro horas da tarde, isto ao fim de quase dois dias a navegar, e de ficarmos imobilizados no leito do rio, devido à maré ter baixado, não permitindo a navegação.

Chegados a Catió, fomos recebidos pelo comandante da malta lá instalada que nos obsequiou com um bom jantar (esparguete com atum) o que para nós, que estávamos a ração de combate, caiu que nem mel na sopa.
Encontrei lá um camarada dos meus tempos de escola, e aproveitamos para pôr a conversa em dia, com as notícias da terra. Fui também esclarecido sobre o que era a guerra de guerrilha no território guineense.
Depois de bem alimentados e conversados, o comandante da guarnição escalou uma secção do seu grupo de combate que nos transportou ao cais onde se encontrava o barco atracado com os restantes camaradas, que foram surpreendidos com uma alimentação quentinha, esparguete com atum, oferecida pelo comandante militar de Catió, o que muito nos sensibilizou, e que mais uma vez demonstrou o altruísmo da malta castrense. A noite passada no barco foi agitada, já que os obuses sediados em Cufar não paravam de bombardear a zona, colocando os “periquitos” em alerta permanente.

Pela 6 horas da manhã, aproveitando a maré cheia, levantámos âncora e lá fomos a caminho de Gadamael, onde chegámos por volta das 4 horas da tarde. Desta vez não houve jantar, pois a malta da guarnição local estava a ser alimentada a ração de combate porque a despensa apresentava-se vazia e a ultima refeição quente tinha ocorrido ao almoço, arroz com um pouco de carne, do que ainda restava, daí a necessidade daquela malta ser reabastecida. Notei o incómodo daquele comandante, daquele homem que queria dar de comer aos seus soldados, e não tinha com quê, pedindo desculpa com a lágrima no canto do olho porque nada podia fazer. Fiquei sensibilizado com o comportamento daquele militar, que demonstrou possuir um grande altruísmo e carinho pelos seus semelhantes, grande lição de carácter me foi proporcionado, o que me serviu de guia pela vida fora. Obrigado camarada.

No regresso a Bissau, onde cheguei passados 10 dias, já não encontrei a minha Companhia no 600, pois tinha sido deslocada em 14Set67 para Nova Lamego, onde rendeu a CCAV 1963.

Foi assim o começo da minha prestação militar na Guiné Portuguesa.

Sem mais, recebam um forte alfa bravo, e até à próxima.
Abel Santos
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de setembro de 2015 Guiné 63/74 - P15126: Estórias avulsas (83): Um velório no início da Comissão (José Vargues, ex-1.º Cabo escriturário)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15126: Estórias avulsas (83): Um velório no início da Comissão (José Vargues, ex-1.º Cabo escriturário)

1. Mensagem do nosso camarada José Vargues (ex-1.º Cabo Escriturário da CCS do BART 733, Bissau e Farim, 1964/66), com data de 8 de Setembro de 2015:

Camarada Carlos Vinhal
Quero agradecer-te a publicação da minha carta(1).
O vosso blog é na verdade bom, em termos redactoriais e apresentação, pois gostei da maneira como fui apresentado e mesmo da fotografia, que ampliaram, pois eu não sei trabalhar bem a fotografia como vocês gostariam.

Os camaradas que têm apresentado do meu Batalhão, especialmente da CCS, não têm sido muitos. Já contactei o ex-soldado da CCS Camolas e li a sua história, foi na verdade o único dos que eu me lembro, mas com ele não privei na Guiné, embora o visse muitas vezes.

A minha vida lá, não foi de muitas aventuras, mas sim de casos, que de qualquer maneira mexe connosco. Recordo aqui, que quando chegámos a Brá eu e mais 5 camaradas fomos destacados para velar um combatente, na Igreja de Brá. Era mais uma formalidade do que outra coisa.
Não me lembro do nome. Estava fardado de camuflado e capacete.
Um dos camaradas descobriu que ele tinha o capacete furado por uma bala, bala essa que lhe ditou o fim.
Deu para pensar um bocado, como a vida, que nós tanto presamos, especialmente os pais, acaba daquela maneira.

Não tínhamos nenhum superior e achámos que o que importava é que chegasse a manhã.
Houve um que descobriu uma garrafa de vinho do Porto. Já não me lembro se ele o provou. O que me lembro, é que cada um escolheu um banco para se deitar e foi assim que fizemos a vigília. Que me desculpe a sua família, mas foi o que fizemos. Tínhamos 21 anos e nenhum de nós tinha qualquer experiência dos procedimentos que deveríamos ter tido.

Convivi com a população das tabancas um pouco. Gostei daquela gente, que com pouco se contentavam.
Aqui vos mando mais uma fotografia, que também não está como gostariam.

 José Vargues em Brá

Um abraço
José Vargues
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Nota do editor

(1) Vd poste de 7 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15082: Tabanca Grande (473): José Vargues, ex-1.º Cabo Escriturário da CCS/BART 733 (Bissau e Farim, 1964/66), tertuliano 702

Último poste da série de 18 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14632: Estórias avulsas (82): Viatura todo terreno em Camamudo (Fernando Chapouto)

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Guiné 63/74 - P14632: Estórias avulsas (82): Viatura todo terreno em Camamudo (Fernando Chapouto)



1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos, a seguinte mensagem.


Camaradas,

Junto envio um veículo que foi nova modalidade na Guiné, se for interessante publiquem.

Como em alguns postes anteriores, andaram a mostrar as habilidades com bicicletas pedaleiras, motorizadas e automóveis, aí vai a nova modalidade de todo terreno… um burro. 

Como apareceu em Camamudo algures em princípio de 1966, um indígena com um burro e, tal como podem deduzir, era um achado encontrar um burro por aqueles lados na Guiné e não vi mais nenhum em toda a comissão, pedi ao ilustre dono para dar uma volta para matar saudades.

Ele era tão “grande” que os meus pés quase chegavam ao chão. 

Todos tiveram oportunidade de dar uma volta grátis e tirar umas fotos para guardar e um dia recordar, como eu faço de vez em quando. 

Agradeci ao senhor em nome de todos com um aperto de mão e ele também ficou contente. 

Foi um divertimento diferente do habitual. 


Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 




quinta-feira, 30 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14546: Estórias avulsas (81): Em cuecas debaixo de fogo (Carlos Alberto Cruz)

1. No seguimento de uma troca de mensagens, recebemos, no dia 24 de Abril de 2015, esta pequena estória do nosso camarada Carlos Alberto Cruz (ex-Fur Mil da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66):

Meu caríssimo Carlos Vinhal, 
Uma vez que me foi concedida licença para narrar a estória que intitulei de "EM CUECAS DEBAIXO DE FOGO" então aí vai ela:

Talvez tenha sido na primeira vez que saí para o mato comandando os homens da minha secção (já não me recordo bem)... mas se não foi na primeira foi numa das primeiras.

Saímos do aquartelamento de Catió na direcção de Cufar, pela estrada de terra batida que ligava as duas localidades.
Depois de passarmos a tabanca dos fulas (onde pontificava o nosso João Bacar Djaló), seguimos estrada fora quando fomos emboscados pelos homens do PAIGC que, instalados no cimo das palmeiras nos metralhavam de cima para baixo.

Como facilmente se adivinha tratámos de nos atirar para o chão e eu, concretamente para um pequeno morro de baga-baga que apanhei à minha direita.
Tratei de orientar os meus soldados para se protegerem o melhor possível e julguei vislumbrar um vulto no cimo de uma palmeira. Depois de me certificar que o meu pessoal estava bem protegido fiz o que mais gostava de fazer naquela situação: encostei a G3 ao tronco de uma palmeira e fiz pontaria ao vulto que me parecia disparar sobre nós com a temível PPSH (a "costureirinha" como lhe chamávamos - 75 tiros de uma assentada).

Entretanto comecei por ir sentindo uma comichão danada na zona do pescoço e quando passava os dedos no mesmo para me coçar só trazia cabeças de formigas agarradas aos dedos. Só então me dei conta de estar literalmente inundado de formigas que me ferravam forte e feio.(*)
Não tive outra alternativa que não fosse despir-me, começando pelo casaco camuflado e acabando por ficar em cuecas, perante a risota incontida dos homens da minha secção que viam o seu comandante pela primeira vez em trajes menores.

Um bagabaga nas imediações de Bambadinca. No topo vê-se o Humberto Reis (ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 12
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 26 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7342: Doenças e outros problemas de saúde que nos afectavam (3): Formiga baga-baga (Rui Silva)

Último poste da série de 5 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13695: Estórias avulsas (80): Hojé, há pássaros! (João Rebola)

domingo, 5 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13695: Estórias avulsas (80): Hojé, há pássaros! (João Rebola)

1. Mensagem do nosso camarada João Rebola (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, , Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2014:

Olá, Carlos, boa noite
Envio-te este artigo para publicação, se assim o entenderes.
Conforme digo no início, a estória é verdadeira. No entanto, juntei-lhe uma pitada de fotos, confirmando o que se afirma para a tornar mais agradável de se ler e para aqueles que estiveram em Bissorã, possam também recordar alguma coisinha.

Aceita um abraço do
João Rebola


Hoje, há pássaros!

Esta é uma estória passada na vila de Bissorã, no já longínquo ano de 1969. Não se torna difícil para mim recordar alguns pormenores que aconteceram há mais de quatro décadas, isto porque, aí permaneci a maior parte da comissão, aí passei os melhores momentos, embora também houvesse outros menos bons, aí fiz amizades que ainda hoje perduram.

Em 2011 voltei lá e encontrei o simpático casal de comerciantes libaneses, Soad e Alfredo Kallil, onde, no seu estabelecimento, adquiri vários artigos, entre os quais, se bem me lembro, um rádio com gira-discos para ouvir as músicas e os discos em voga,”in illo tempore”. Depois de lhes mostrar fotos antigas, reconheceram-me, rejubilando de alegria.

Bissorã - 1969 - Aqui está a minha suite. À esquerda, o rádio gira-discos.

Bissorã – 2011 - Manuel Sá e João Rebola com Alfredo Kallil e Soad

Bissorã – 1970 - Soad com um dos filhos de Zé Manjaco, ao colo

Bissorã – 1969 - Com Alfredo Kallil, em dia de “ronco“

Bom, voltemos à estória. Junto ao bar dos sargentos da CCAÇ 2444, havia (e há) uma grande mangueira, onde em determinada época do ano, ao cair da tarde, afluía enorme quantidade de pássaros para passarem a noite.

Bissorã - 2011 - O bar e a mangueira ainda lá estão!

Então, pus-me a pensar como é que havia de fazer para, de vez em quando, termos uma boa ceia. Quando vim de férias, em junho de 69, levei desmontada a minha Diane 850, espingarda de pressão de ar, mas verifiquei que, de pouco ou nada servia: matava um, fugiam dezenas. Não podia ser, tinha de haver outra maneira. E ela surgiu. Havia em Bissorã um pelotão de polícia administrativa que não dependia do exército, mas sim do Administrador, Sr. Gramaxo. Como responsável pela polícia, encontrava-se o cabo Pedro.

Bissorã - 1969 - Visita do Administrador ao refeitório dos soldados

Alguém me disse que ele (Pedro) tinha uma espingarda calibre 12. Como sabia onde era a sua tabanca, lá o encontrei, pedindo-lhe que ma emprestasse, ao que ele acedeu, depois de lhe dizer o porquê do meu pedido. Com cartuchos no bolso e arma na mão, entrei no bar e aguardei que a passarada chegasse. Não demorou muito tempo a sua vinda. Dois pretinhos, tidos como “funcionários” encarregavam-se da limpeza do bar, dos quartos, faziam as camas, etc, e que nos dias em que a arma funcionava, com a colaboração de outros e de nós próprios, ajudavam a apanhar os pássaros caídos, a depenar e a assá-los. Assim, por volta da meia-noite, começava a ceia. E que ceias! Numa dessas noites, encontrava-me de serviço no abrigo/posto de Missirá, um pouco distante do quartel e vim ao bar, no meu transporte, para petiscar com quem lá se encontrava.

Bissorã – 1969 - Esta era a minha Honda 50, comprada em Bissau

O alf. António Marcão manisfestou-se negativavamente à minha chegada, deu-me cabo do juízo, mas depois de alguma discussão, acabei por ficar e acompanhá-los nesse saboroso petisco, ou não fosse eu que tivesse matado a passarada. A foto que se segue reporta essa situação, mostrando a sua indiferença.

Bissorã - 1969 - Na célebre ceia, fur. João Rebola, os alf. Vinagre (já falecido), Marcão e Carreiro (meio escondido); de costas os fur. Firmino, Cardoso e Orlando Silva.

Bissorã – 1969 - Ao fundo o alf. Beirão, fur. Firmino, alf. Carreiro e fur.Rebola, brindando

Como se sói dizer “não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe”, daí, que estas ceias não terem ultrapassado mais de dois meses. E por quê? Porque até setembro de 1969, a responsabilidade do sector de Bissorã era da CCAÇ 2444, única companhia aí sediada, mas a partir daquele mês, a sede do Batalhão 2861, procedente de Bula, transferiu-se para esta localidade. E como se tal não chegasse, dias depois, surgiu o TCor Polidoro Monteiro, oficial extremamente exigente, de poucas falas e de grande respeitabilidade. Perante este quadro, não arrisquei mais tiros. Havia também outra razão, pois o comando ficava relativamente perto do bar e qualquer detonação seria facilmente ouvida.

Assim, só me restou ir entregar a arma ao cabo Pedro, deixar a passarada em paz e utilizar a pressão de ar nas rolas, quando, distraidamente, se entretinham a comer mancarra, junto à estrada de Bissorã/Mansoa.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13624: Estórias avulsas (79): A melhor coisa que me poderia acontecer, uma viagem sem pressa que até parecia que estava no país das maravilhas (José Maria Claro)

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13624: Estórias avulsas (79): A melhor coisa que me poderia acontecer, uma viagem sem pressa que até parecia que estava no país das maravilhas (José Maria Claro)

1. Mensagem do nosso camarada José Maria Claro, DFA, (ex-Soldado Radiotelegrafista de Engenharia da CCAÇ 2464/BCAÇ 2861, Biambe, 1969), com data de 15 de Setembro de 2014:

Caro camarada
Segue em anexo mais uma pequena memória bem como mais algumas fotos.

Cumprimentos
José Claro


Depois de ter sido capa de jornal do Diário Popular do dia 6 de Maio (Segunda-feira) na entrada da porta de armas do Campo de Tiro da Serra da Carregueira, foi constituído o pelotão dos tipógrafos e fotógrafos que tinham por destino o RT1 no Porto (foto que apresento nas aulas de morse).
Daí, feito o curso, ida para BC10 (Chaves), que foi uma das melhores e mais bonitas viagens que fiz em toda a minha vida (até aí).

 Nas aulas de Morse

Estive recentemente na Régua e andei a bisbilhotar se via a linha estreita que ia para Chaves(*) (não a encontrei, para me recordar), pois foi a melhor coisa que me poderia acontecer, uma viagem sem pressa que até parecia que estava no país das maravilhas.

Rio Corgo - 1978 (Rui Morais)

Uma paisagem de sonhos numa linha que fazia que tudo abanasse, com o andamento lento das carruagens, uma linha cheia de curvas, altos e baixos curvas e contracurvas, vales profundos e serras enormes. As pessoas que já a conheciam saltavam das carruagens em andamento e daí a um bocado o comboio passava junto à via no outro lado e apanhavam outra vez o comboio, foi uma viagem de sonhos, com maravilhosas e lindas paisagens.

Sem outro assunto aqui envio mais umas fotos, como me pediste, mas vê se têm interesse, se vires que não têm não vale a pena repetir.

Mais não digo.
Do amigo Claro

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Nota do editor:
(*) A Linha de comboio a que o camarada Claro se refere é a Linha do Corgo que ligava a Régua a Vila Real.
Aceder a Movimento Cívico pelo Linha do Corgo - MCLC
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12967: Estórias avulsas (78): O meu amigo cigano Zé Beiroto (Francisco Baptista)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12967: Estórias avulsas (78): O meu amigo cigano Zé Beiroto (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 7 de Abril de 2014:

Estava em Buba há pouco tempo quando recebi um aerograma do Zé Beiroto, o filho mais velho da Raquel cigana, onde me comunicava que tal como eu se encontrava em comissão na Guiné e pedia se eu lhe poderia arranjar um bom lugar para passar melhor o tempo por lá. Respondi-lhe que como amigo dele, desejava-lhe uma boa estadia mas que nada poderia fazer para a melhorar pois eu pouco mandava e não tinha amigos influentes.

O Zé, mais velho 3 anos do que eu, teria ido como refratário para a tropa, situação muito comum aos da sua etnia.
Não sabia ler nem escrever, portanto o aerograma terá sido escrito por um camarada a seu pedido. Não sei como terá conseguido o meu SPM. Na altura isso não me preocupou muito. Hoje penso que terá sido através da mãe dele, a Raquel cigana.

A Raquel era uma mulher robusta e larga, que pedinchava pelas portas mais do que todas as ciganas. Tanto entre adultos como entre jovens ela despertava pouca simpatia.
A Raquel parecia daquelas pessoas que não se conformando com a sua má sorte têm inveja e quase ódio às pessoas melhor instaladas na vida. Fosse porque deixasse transparecer isso ou por tanto a verem a pedir de porta em porta,  a garotada mandava-lhe ditos pouco agradáveis a uma distância conveniente para não serem agredidos. Este era o mais conhecido: "Quem me dera uma canhona morta para lhe tirar a pele comia-lhe a chicha toda e dava-lhe os ossos à Raquel".

Ia muitas vezes pedir à minha casa uma esmolinha, por amor de Deus. Recordo-me de pedir muitas vezes azeite para temperar o fiolho. A minha mãe, contra a vontade de alguns de casa, dava-lhe sempre alguma coisa. Tal uma como a outra tinham muitos filhos e isso devia mexer com a sua bondade e o seu instinto maternal.

Vista parcial de Brunhoso
Com a devida vénia a http://www.bragancanet.pt/brunhoso/

Nesse tempo Brunhoso era uma aldeia densamente povoada com muitos habitantes por casas de habitação. A acrescer a isso havia ainda muitos ciganos que não tendo residência fixa, passavam a maior parte do ano na aldeia em instalações improvisadas. Essas instalações eram alguns palheiros ou curraladas no inverno, que os lavradores lhes cediam. Já no verão preferiam instalar-se ao ar livre, no Pereiro, um terreno baldio perto do povo, com muitos olmos debaixo dos quais se abrigavam à noite e de dia nas horas de mais calor.
O olmo grande, onde a cegonha tinha o ninho, talvez o maior olmo da terra, dava abrigo a várias famílias. 

Nesse tempo os ciganos pelo seu modo de vida preguiçoso, a sua pedinchice e alguns roubos sobretudo nas hortas, eram expulsos, por vezes mesmo escorraçados da maior parte das aldeias. Em Brunhoso eles eram aceites e por isso muitos consideravam-na como sua. Havia outras aldeias, raras, onde eles se instalavam provisoriamente pois como povo errante não gostavam de estar sempre no mesmo sitio.
Há uma tendência entre muitos homens de abusarem do seu sentido critico para julgar os seus semelhantes. Entre os meus conterrâneos esse sentido critico devia estar muito esbatido ou então era o seu sentido de humanidade que era muito grande para aceitarem não só os seus iguais mas também os "outros", os que tinham hábitos e tradições tão diferentes que por vezes chocavam com as suas.

O povo de Brunhoso embora ordeiro e trabalhador devia sentir uma certa atração pela liberdade e despreocupação com que aquele povo de maltrapilhos vagabundeava pelo mundo vivendo ao ritmo da natureza mais selvagem, segundo o aconchego que as estações do ano podiam dar, de preferência mais perto dela e das estrelas, colhendo as plantas e frutos selvagens que a natureza dava tais como o fiolho, comendo os animais. vacas, ovelhas, porcos etc. que morriam de doença aos aldeões (não ciganos), procurando também a ajuda da população mais caridosa.

Esse tempo de muito trabalho, muita fome, muita gente, muitas festas, feiras e ciganadas em trânsito, era também o tempo da jovem mulher mais esbelta e donairosa, muitas léguas em redor, essa cigana, a mais bela da caravana, que só a evocação do seu nome alimentava sonhos eróticos nos lavradores do nordeste transmontano e sonhos de pesadelo nas suas mulheres. Dela dizia-se que já teria provocado a falência de várias casas de lavradores. Conheci, fui muito amigo dum camarada nosso, soldado noutro TO que depois de ter regressado dessa África longínqua se gabava de ter gozado dos seus favores.
Acho que depois 28 meses de sacrifício, de canseiras e de sustos merecia essa recompensa.

Ciganos
Coma devida vénia ao Blogue A Defesa de Faro

Os marinheiros de Vasco da Gama também tiveram como doce recompensa dessa longa e tormentosa viagem à Índia as ninfas da Ilha dos Amores, tal como nos conta Luís de Camões nos Lusíadas:

Que famintos beijos na floresta, 
E que mimoso choro que soava! 
Que afagos tão suaves, que ira honesta, 
Que em risinhos alegres se tornava 
O que mais passam na manhã e na sesta, 
Que Vénus com prazeres inflamava, 
Melhor é experimentá-lo que julgá-lo; 
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo 

"Os Lusíadas" 
Canto nono 

Meu grande amigo, a vida é tão curta. como sabemos, cheia de sacrifícios e tristezas é bom que também proporcione por vezes algum prazer.
Seria mais velha que eu quatro ou seis anos. Vi-a algumas vezes e admirei-a pelo seu porte altivo, elegância e beleza . Eu e o Zé sempre fomos amigos talvez tenhamos herdado essa amizade das nossas mães.

Contrariamente aos da sua etnia, mostrava ser bastante ambicioso, trabalhando um pouco mais do que os outros e sendo também mais activo noutras actividades noturnas ou clandestinas. Casou com uma aldeã, contra a tradição do seu povo e penso que ao fazer o registo do casamento foi "apanhado" para cumprir o serviço militar.
Os casamentos entre ciganos eram muito festejados mas não tinham cerimonia civil nem religiosa. Nesse tempo, segundo constava, entre os aldeões, eram realizados pelo método do chapéu ao ar. Se o chapéu caísse com a copa para cima, os noivos ficavam casados, se caísse com copa para baixo ficavam também. Na realidade não havia chapéu, nem cerimónia, havia somente festa maior ou menor, conforme a comida disponível.

Já perto do final da minha comissão e estando já eu na CART 2732 em Mansabá, apareceu-me lá o Zé da Raquel que estava de passagem, para me cumprimentar. Ainda hoje não sei muito bem como conseguiu oportunidade para estar comigo e como sabia sempre onde eu me encontrava. Enfim instinto de andarilho e cigano.

De 1969 a 1973 estivemos na Guiné seis naturais de Brunhoso em comissão. Que eu saiba e recorde não houve outros, nem antes nem depois.  O José Beiroto, ou Zé da Raquel, soldado; o Joaquim Fermento, furriel da CCAÇ 3327, em Bachile e Teixeira Pinto; o Francisco Magalhães, meu primo, alferes da mesma companhia; eu, Francisco Magalhães Baptista para usar também o apelido Magalhães que muito prezo e pelo qual sou primo do outro Francisco já que tínhamos o mesmo avô, também Francisco e logicamente Magalhães; o António Francisco Beiroto, soldado e o José dos Santos Carvalho, soldado.

Com o meu primo e com o Joaquim Fermento cruzei-me uma vez em Bissau, talvez quando eles chegaram à Guiné e eu ia para a CART 2732 em Mansabá, depois da CCAÇ 2616 ter regressado em fim de comissão. O António e o José eram primos do José Beiroto, filhos do António Francisco Gordo, mais conhecido pelo Mudo Cigano, que aos baldões pela terra, morreu recentemente com 98 anos. A mãe chamava-se Isaura dos Anjos Beiroto. O pai embora cigano era muito trabalhador. O casal tinha muitas bocas para alimentar, criaram 13 filhos, e ele sendo mudo não podia dedicar-se ao negócio dos ciganos de compra e venda de burros, cavalos e mulas. Nesse negócio eles eram peritos, conseguindo enganar frequentemente os compradores, vendendo burro velho por burro novo.

A mãe deles era uma mulher humilde e resignada que eu recordo de andar a pedir esmolas pelas portas, quase sempre grávida. O Zé Beiroto morreu de doença há cerca de 30 anos. Paz à sua alma!

Com o desenvolvimento da Espanha no pós-franquismo, os ciganos emigraram a maior parte para lá. Os olmos do Pereiro, e de toda a aldeia, morreram através duma doença que os ventos trouxeram da Europa alguns anos após a sua debandada. Quando morrem os ciganos, muitos familiares trazem os corpos para Portugal para serem sepultados no cemitério de Brunhoso. É a melhor homenagem que podem prestar a essa terra de mulheres e homens ilustres, pobres e ricos que deixaram essa grande herança de solidariedade e tolerância aos seus filhos.

P.S.
Se algum camarada conheceu o José Beiroto ou os primos na Guiné, gostaria que me desse informações sobre as suas vidas por lá.

Um grande abraço
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12945: Estórias avulsas (77): A história do dia seguinte! (João Alberto Coelho)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12945: Estórias avulsas (77): A história do dia seguinte! (João Alberto Coelho)

1. O nosso Camarada João Coelho (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 – S. Domingos -, 1972/74) enviou-nos a seguinte mensagem e algumas fotos do seu álbum de memórias. 

Camaradas, 

Tal como prometi quando me apresentei no blogue, aqui vai:

A história do dia seguinte

Como disse, fomos flagelados com granadas de canhão sem recuo (cerca de sessenta). Enquanto ocorria a flagelação, o alferes Rocha (artilheiro), foi batendo a zona com o obus do meio com tiros para cima da fronteira a norte e nordeste, e com o do lado direito, para uma bolanha imensa que ficava a nordeste do aquartelamento e de onde parecia que as granadas estavam a ser lançadas. Então ao fim de pouco tempo deixaram de cair e nós pensámos que tudo tinha terminado. 

Só que 10 a 15 minutos depois somos novamente flagelados, desta vez com 6 misseis terra-terra (foguetões de 122 mm). Apenas 1 caiu na extremidade sul do aquartelamento, fazendo estragos nalgumas viaturas. 

No dia seguinte, bem cedo, lá fui eu com dois pelotões, bem armados e dispostos a tudo, a caminho de um marco da fronteira, lugar onde pensámos terem sido lançados os foguetões. Sem qualquer dificuldade encontrámos o local onde estiveram as rampas de lançamento. Ainda estivemos para entrar numa aldeia Senegalesa perto daquele local, mas tivemos o bom senso de não o fazer. 

Agora, faltava descobrir o local de onde tinham sido disparados os canhões. Começámos a bater a bolanha e mais ou menos a 2/3 para sul, demos com uma cratera provocada por rebentamento de granada de obus, a cerca de três metro e no meio do lugar onde estiveram os 2 canhões. Em volta, o capim era amarelo e vermelho e através de um informador soubemos que o IN teve várias baixas entre mortos e feridos. 

Se "por sorte", a granada não tivesse caído ali, possivelmente a flagelação continuaria e talvez as baixas fossem do nosso lado. 

A título de comentário, eu acho que o ataque foi muito bem planeado e executado, pois as granadas caíram quase todas à frente dos obuses, e se o IN tivesse um elemento a corrigir o tiro, tínhamos passado um mau bocado. 

Eu com outro camarada a assistir a um "RONCO"
O primeiro grupo de guerrilheiros do PAIGC a visitar S. Domingos (Com um comissário político do PAIGC e o 1º Sargento Cardante)
Em cima do célebre obus.
No varandim da messe (ao meu lado estão bocados de foguetão e bocados de granada de canhão)
 Estávamos perto de tudo... 

Obrigado pela vossa atenção a este meu relato. 

Abraços para todos os amigos, 
João Coelho
Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª CART do BART 6522 –

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010).Direitos reservados. 
Fotos: © João Coelho (2010). Direitos reservados. 
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Notas de M.R.:

Vd. o último poste desta série em: 

terça-feira, 4 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12792: Estórias avulsas (76): Cabritos (António Tavares)

1. Mensagem de António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2013:


Cabritos…

Ao ver esta fotografia do Gil Ramos, tirada em Galomaro na 4ª Missão Dulombi – Março 2013, recordei que certa noite anterior a uma coluna auto a Bambadinca, o Cherifo Baldé pediu-me para transportar um primo com duas cabras.
De imediato disse que sim e combinei o local onde deveria estar.
Cherifo Baldé era um guia da CCS/BCAÇ 2912, em 1970/72. Eram todos primos e irmãozinhos quando pediam algum favor!

Na manhã do dia seguinte e já dentro da povoação de Galomaro aparece o Cherifo Baldé e o familiar (?) com um rebanho de cabras, 30 a 40 cabeças.
Depois de alguma discussão, porque não era o combinado, acedi à nova situação e começaram a carregar o gado para as viaturas. Os animais assustados tresmalharam-se e fizeram tanto barulho (balidos) que no quartel ouviram.

Entre a poeira que o rebanho levantava veio um dos Comandantes saber o que se passava porquanto a coluna já devia estar em andamento. Desculpas para o sucedido não faltaram e após o carregamento total das cabras, que não foi fácil, a coluna seguiu o rumo.

Em Bambadinca, descarregadas as cabras, cada interveniente seguiu o seu destino; o nosso, o reabastecimento no Pelotão de Intendência.
Em Galomaro fui chamado aos Comandos e perguntas não faltaram mas consegui desenrascar-me de um provável castigo e daquela tramóia inicial de duas cabras para um indisciplinado rebanho caprino.

Nunca percebi qual o motivo de tanto interrogatório embora estivéssemos numa época de perguntas e mais perguntas… Simplesmente pratiquei um bom acto, transporte de pessoas e animais, conforme instruções/escritos da REP.POP. COMCHEFE GUINÉ para colaboração com a POP…
Bem pregava Frei Tomás!

Passados uns dias o dono do rebanho deu-me um cabrito preto como recompensa, digo eu, dos trabalhos/arrelias que tive com a ocorrência. Aceitei-o de bom grado mas para que queria eu um cabrito? Vendi-o por 50 Pesos aos cozinheiros que o criaram e fizeram uma festa aquando da sua matança e eu fui um dos convidados pelo que fui duplamente beneficiado com uma mentira inteligente de um indígena.

Faço notar que o cabrito, herbívoro e ruminante, tinha menos valor do que uma cabra. Esta dava leite, crias, tinha a pele mais macia e a carne mais suculenta! Os Guinéus sabiam e conheciam o valor dos animais e o que dar ou trocar neste caso. Passou a haver um cabrito e uma cabra no quartel.

O Magusto, 1º Cabo da ferrugem, teve a paciência de domesticar a sua cabra que passeava livremente dentro do quartel. Cães, gatos, macacos, periquitos, esquilos e um frango domesticado não faltavam dentro do arame farpado de Galomaro… Um mini zoo. Eu justifiquei o adágio: “quem cabritos cria e cabras não têm de algum lado lhe vêm".

Actualmente esta história real passada nas matas do leste do CTIGuiné tem o valor que tem. Valor tem um grupo de jovens que fazem parte da MISSÃO DULOMBI, uma organização sem fins lucrativos, nascida em 2010.

Gil Ramos na 1ª Viagem Humanitária que fez à Guiné quis conhecer a aldeia, Dulombi, onde seu pai combateu na CCaç.2700 do BCaç.2912.
Amanhã, sábado 22 de Fevereiro iniciar-se-á a 6ª viagem da Missão Dulombi, de ajuda humanitária à Guiné-Bissau, focada nas aldeias de Dulombi e Galomaro.

Um abraço,
António Tavares
Foz do Douro, 21 de Fevereiro de 2014





Fotos: Missão Dulombi, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 26 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12774: Estórias avulsas (75): Quando, em 18/12/1976, na fronteira de Valença, ia eu comprar à vizinha Espanha o bacalhau p'ro Natal e os caramelos da ordem, e me exigem a famigerada Licença Militar... Dois anos depois de eu passar à disponibilidade... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12774: Estórias avulsas (75): Quando, em 18/12/1976, na fronteira de Valença, ia eu comprar à vizinha Espanha o bacalhau p'ro Natal e os caramelos da ordem, e me exigem a famigerada Licença Militar... Dois anos depois de eu passar à disponibilidade... (Henrique Cerqueira, ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74)



Licença militar, passada pelo comandante militar de Viana do Castelo, em 18 de dezembro de 1976, autorizando o fur mil Henrique Jorge Cerqueira da Silva, do RI 16, na situação de disponibilidade, a passar a fronteira, em Valença, "por espaço de tempo não superior a 10 dias"...


Imagem digitalizada: © Henrique Cerqueira (2014). Todos os direitos reservados.~~



Um "santo antoninho", uma nota de 20 escudos... Foi quanto custo o "passaporte militar", para o Henrique poder ir a Espanhar comprar bacalhau e caramelos para o seu Natal de 76...Na fronteira, em Valença, as autoridades do lado de cá não foram em cantigas: imaginem se ele fosse um perigoso desertor da guerra colonial..."Vais à Viana, trazes um papel da tropa, pagas lá um santantoninho e a gente deixa-te passar para ires comprar caramelos... Tens 10 dias para vadiar"... Era assim, não há muito tempo, em finais de 1976, já a guerra da Guiné tinha acabado há dois anos... Os "regimes" passam, a "burocracia" fica... (LG)

Fonte: Notas da República Portuguesa (com a devida vénia...).


 1. Menasagem do Henrique Cerqueira [ex-fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74]:

Data: 25 de Fevereiro de 2014 às 19:45

Assunto: Licença Militar


Olá,  Camarada e amigo Luís Graça.

Andava eu numas arrumações de gavetas e porque não tinha nada mais que fazer (isto já começa a ser hábito),  encontrei este documento que achei muita graça para os tempos que correm.

Pois é,  estava eu em 1976,  já quase dois anos passados após a minha desmobilização e em plena disponibilidade . Ora, pensava eu que nessa altura, e para mais já em período pós-revolução,  que estava livre da tropa. Ou seja, eu já nem sequer pensava na tropa, quando próximo do Natal de 1976 e, como qualquer Português da altura, toca a pensar em ir comprar o Bacalhau a Espanha e claro fazer um passeio até á estranja.

Para minha surpresa,  quando ia todo lampeiro para atravessar a Fronteira em Valença, foi-me negada a passagem por falta de Licença Militar. Atenção,  que estou a falar do ano de 1976. É claro que eu é que fui um "nabo",  porque quando na fronteira me perguntaram se era ou fui militar eu poderia ter aldrabado. Mas não,  quando questionado,  eu todo orgulhoso disse que tinha servido a Pátria na Guiné e já tinha sido desmobilizado em 1974.

Vai daí as autoridades (Portuguesas) me disseram :
- Não senhor, não pode passar a fronteira sem a "Licença Militar" e nós sabemos lá se não é um desertor ou coisa parecida.

Ora,  eu aí comecei a ver a vidinha a andar para trás, é que tínhamos o farnel no carrito (era um Morris Mini, que saudades do meu primeiro carro!), com ideias de o comer em Espanha e depois então ir comprar o bacalhau e talvez uns caramelos para a família. 

Então um oficial aduaneiro,  ao ver o meu desgosto,  é que me disse:
- O senhor pode ir a Viana do Castelo, que é aqui bem perto, e arranja lá a Licença.

Bom, lá virámos as "roditas" do Mini e viemos a Viana,  ao comando militar da localidade, e lá me passaram a famosa Licença ,mas tive que pagar 20$00 (, era uma nota Santo António, parecendo que não,  ainda dava para comprar uns saquitos de caramelos e claro também para pagar a Licença).

E,  prontos,  munidos do precioso documento lá rumámos até á fronteira novamente, e para grande desgosto meu,  nem sequer quiseram ver o documento que atestava que eu nem era militar nem desertor. Mas pelo menos lá comprei o bacalhau e até os caramelos, mais uma garrafita de brandy que também era de bom tom comprar em Espanha.

Olha, camarada Luís, hoje achei piada a este documento que encontrei e como tal resolvi partilhar com a tertúlia. Se achares alguma piada,  publica, senão já sabes,  "arquiva".

Um abraço

Henrique Cerqueira

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12746: Estórias avulsas (74): Balas de raiva: uma emboscada que deixou marcas (José Saúde)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12746: Estórias avulsas (74): Balas de raiva: uma emboscada que deixou marcas (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem sobre o Francisco Fonseca, ex-furriel miliciano, CART 2732, que cumpriu missão em Mansabá, 1970/72

História de um emboscada entre Mansoa e Mansabá

Camaradas

Com a devida vénia ao nosso blogue, permitam-me parafrasear este pequeno mote que surge interligado a um enorme sentimento de nostalgia que permanentemente assola o velho combatente que prestou serviço militar na Guiné: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca… é Grande.

Viajando nas alindas amarras do tempo com sabores e odores que muito bem conhecemos naquela terra vermelha, detemo-nos perante momentos circunstanciais que nos fazem reviver um mundo, quiçá assombrado, onde o quotidiano foi pautado com irreversíveis momentos de desespero e onde descortinámos segundos, minutos, horas e dias de profunda revolta.

Foi a morte de um camarada, de um outro estropiado, doutros feridos com menos ou mais gravidade, ou, de instantes em que a nossa força interior se superiorizou ao conteúdo de uma guerra que jamais nos outorgou tréguas. Rebentamentos infinitos, o zumbir das balas, os ataques noturnos aos quartéis, as emboscadas e as minas na picada, ou a incerteza do momento seguinte, formavam uma pirâmide de canseiras próprias de uma guerrilha que não dava sossego.

Hoje, sentado na poltrona do bonança, revejo comissões militares de velhos amigos que pisaram o solo guineense, antes da minha pessoa, e recordo algumas das suas histórias hilariantes, algumas fatídicas, onde a guerra traçava o destino de jovens militares colocados nas vanguardas do conflito em defesa de interesses alheios.

Por força de uma estima que já vai longa, sou amicíssimo de um camarada nosso de guerra na Guiné, onde os laços de amizade que nos unem se reportam aos princípios do anos 60, século passado, tendo as nossas vidas feito de nós uns caminheiros inseparáveis na rocambolesca vida terrena. A nossa eterna amizade é enorme e manter-se-á até ao derradeiro dia em que partiremos decididamente para a tal famigerada viagem sem regresso.

Apresento-vos, e proponho em simultâneo ao nosso chefe-mor Luís Graça o honroso lugar de tabanqueiro deste velho camarada e amigo, o ex-furriel miliciano Fonseca, sendo a sua graça completa Francisco Gomes Fonseca, nascido em 29 de maio de 1948, em Baleizão e residente em Beja desde os tempos de criança, que fez a sua comissão em Mansabá na CART 2732, entre o período que mediou o mês de abril de 1970 e o de fevereiro de 1972. Esta Companhia era constituída maioritariamente por pessoal originário da Ilha da Madeira, local onde formaram o contingente com destino à Guiné.

O Fonseca fala esporadicamente da guerra na Guiné. As sensações vividas no terreno são comedidas. Nunca vislumbrei no seu diálogo tons jocosos sobre a sua estadia em Mansabá. Fala sim do ambiente constatado entre os camaradas que perfilhavam ideais comuns. O Carlos Vinhal, ex-furriel miliciano da sua Companhia e nosso co-editor e administrador do blogue, foi seu camarada e ele sabe bem como ambiente era vivido no aquartelamento. 

Com a voz trémula, ainda que melancólica quando revê a temática abordada, isto é, quando o mote assenta sobre uma emboscada sofrida entre Mansoa e Mansabá, precisamente no dia 6 de dezembro de 1971, 11h15, o ex-furriel miliciano conta que “a coluna, onde seguia com o seu pelotão, reforçado com duas secções de milícias africanas, uma delas seguia na frente e outra na retaguarda, foi emboscada no regresso a Mansabá, num local denominado Mamboncó, sendo que do confronto com o IN tivemos um morto, um outro camarada que acabaria por morrer e muitos feridos graves e outros menos graves. Além disso tivemos também viaturas destruídas”.

Na memória surgem-lhe, ainda, imagens desse famigerado dia e que nunca esquecem: “Lembro-me que o IN, muito bem armado, saltou para a estrada, foi um enorme tiroteio entre as NT e o IN , minutos que pareciam horas, rebentamentos sucessivos, tivemos depois o apoio da Força Aérea, bem como da artilharia de Mansabá, e por fim foi feito o rescaldo da emboscada. Nem sei como saí daquele inferno. Foi uma manhã louca”.

Segundo o ex-furriel miliciano Fonseca, o pelotão era comandado por ele e pelo ex-furriel miliciano Sousa, um amigo que nunca mais esquecerá e com quem troca habituais contactos. São estas amizades criadas em tempo de tropa, e particularmente na guerra, que tendem em não consumir lembranças de outrora que literalmente permanecem bem ativas na nossa insofismável mente.

São também estes cenários de guerra na Guiné, onde as balas de raiva detonaram vidas e destroçaram sonhos, que, a espaços embora distantes, procuro trazer à liça, reconhecendo porém que todos nós somos portadores de histórias que marcaram as nossas vidas como antigos combatentes naquela porção de terra de onde se extraem pedaços de uma juventude perdida e, à época, algo moribunda com a sorte que o destino lhe pregou.
1 - Foto atual
2 - No abrigo
3 - Com um camarada
4 - Unimog destruído na emboscada
5 - Numa equipa de futebol
6 - Preparado para uma saída para o mato
7 - Com o furriel miliciano Carlos Vinhal, o cabo Santos e o furriel miliciano Sousa 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

4 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12388: Estórias avulsas (73): O Dia das Sortes na aldeia de Brunhoso (Francisco Baptista)