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sexta-feira, 15 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19587: (D)o outro lado do combate (47): A Missão especial da ONU na Guiné - Abril 1972 (António Graça de Abreu / Luís Graça) - Parte II: capa + pp. 4-8





1. Continuação da publicação, para conhecimento e análise crítica dos nossos leitores, do relatório, de 11 (onze) páginas,  policopiado, que tem por título em português "A Missão Especial da ONU na Guiné - Abril de 1972" (*). É uma versão, mais resumida do original, "Report of the Mission of the United Nations Special Committee on Decolonization after visiting the liberated Areas of Guinea-Bissau (A/AC. 109/L. 804; 3 July 1972)".

A cópia, em papel, de que dispomos foi-nos fornecida, com vista a uma eventual publicação no blogue, pelo nosso camarada António Graça de Abreu, por volta de 2010, na sequência dos comentários ao poste P5680 (**)

O documento que agora estamos a publicar parece corresponder à seguinte referência  que encontramos  na base de dados bibliográfica do CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral:

BAC-051/2

CIDAC

BORJA, Horácio Sevilla ; LOFGREN, Folke ; BELKHIRIA, Kamel
A Missão especial da ONU na Guiné Bissau, Abril 72 / Horácio Sevilla Borja, Folke Lofgren, Kamel Belkhiria . - [S.l.] : PAIGC, 1972. - 11 p

Portanto, a edição é atribuída ao PAIGC. É uma edição tosca, para não dizer mesmo, "pirata", do relatório da Missão Especial. Mas as partes traduzidas em português correspondem ao original em inglês. Não sabemos de quem é a tradução. Há diversos erros quer de datilografia quer de português. A autoria é atribuída aos três membros da Missão Especial, os diplomatas Horácio Sevilla Borja (Equador), Folke Lögfren (Suécia) e Kamel Belkhiria (Tunísia).

Não sabemos a origem do documento: o António Graça de Abreu poderá explicar-nos. É possível que tenha circulado antes do 25 de Abril, clandestinamente. De qualquer modo, é ainda pouco conhecido, ao fim destes anos todos. No tempo da ditadura, com o país em guerra, era impensável a censura deixar passar, na imprensa, referências detalhadas a esta Missão Especial da ONU e, muito menos, ao seu relatório. 

Em abril de 1972 ninguém sabia (nem podia saber...) desta "missão". De resto, o medo dos portgueses era...  "a guerra do Vietname" e a iminente derrota militar dos Estados Unidos: vejam-se os títulos de caixa alta dos jornais da época... "Guiné ?... Isso é longe do Vietname", ironizavamos nós, em 1969, no bar de sargentos de Bambadinca...

Os três membros do Comité Especial de Descolonização da ONU, mais dois membros do "staff" da ONU,  visitaram as "áreas libertadas da Guiné-Bissau" (sic), de 2 a 8 de abril de 1972, antes da época das chuvas, a convite do PAIGC, e à revelia do Governo Português. Claro que a missão tinha que ser secreta, por razões de segurança. Nesse curto espaço de tempo (menos de um semana), terão percorrido  200 quilómetros, quase sempre a pé, visitando 9 localidades diferentes, numa parte restrita da Região de Tombali:  sectores de Bedanda, Catió e Quitafine.

Os diplomatas focaram a sua atenção nas estruturas militares, tabancas,  escolas e armazéns, e fizeram depois apreciações, que constam no relatório, sobre "a situação no campo do ensino, da saúde, da administração da justiça, da reconstrução da economia e da formação de uma assembleia nacional". Os membros da missão vestiam fardas militares, com insígnias das Nações Unidas, e tiveram escolta de um bigrupo reforçado do PAIGC (cerca de 60 homens armados) sob o comando do Constantino Teixeira. 

No regresso, já a 6 de abril, a escolta passou a ser de 200 homens, provavelmente com o receio de alguma ação militar portuguesa com vista a capturar os diplomatas.

A principal base do PAIGC referida no relatório, dentro do território da então província da Guiné, era na zona de Balana / Gandembel, ou seja, no corredor de Guileje.

Já agora ficam aqui os nomes e os cargos dos cinco elementos que compuseram a Missão:

(...) Mr. Horacio Sevilla-Borja, Deputy Permanent Representative of Ecuador to
the United Nations (Chairman)~

Mr. Folke Löfgren, First Secretary of the Permanent Mission of Sweden to the
United Nations

Mr. Kamel Belkhiria, First Secretary of the Permanent Mission of Tunisia to
the United Nations

The Special Mission was accompanied by the following Secretariat staff: 

Mr Cheikh Tidiane Gaye (Principal Secretary) and Mr. Yutaka Nagata (photographer). 

(Fonte: relatório original em inglês)

Publicam-se mais 5 páginas do documento supracitado (pp. 4-8).

Repare-se no cuidado que o PAIGC teve com a segurança dos elementos da Missão Especial:  foram escoltados, à partida, por uma força de 60 guerrilheiros, de 1 a 3 de abril; na noite de 3 de abril, na viagem, da base central em Balana (corredor de Guileje) até ao setor de Cubucaré (zona de Catió), tiveram uma escolta de mais de 400 homens armados; na tarde de 6 de abril, iniciam a viagem de volta (até à fronteira com regressso a Conacri,via Kandiafara e Boké), com uma escolta armada de 200 homens...

O PAIGC levava a sério as forças armadas portugueses... O que não o impediu de, muito possivelmente,  encenar algumas situações para "onusiano ver": a Missão especial passa pela aldeia de Botche [Boche] Djate [Jate] [, vd. carta de Bedanda], por entre ruínas  das palhotas recém-queimadas, celeiros destruídos, grande quantidade de arroz queimada... E neste cenário não podia faltar uma bomba da FAP,  daquelas que não explodiam... A Missão tomou nota das inscrições na bomba: "The bomb bore the following markings: MI-7, 61A; TNT; BPE-I-124; 8/69; 50-7KG-0.035-M3."...

Atenção: o original tem 10 anexos, onde não faltam os itinerários, as datas e as horas e locais das visitas e entrevistas, a lista (fornecido pelo PAIGC) do armamento usado pelas Forças Armadas Portugueses, o  mapa da Guiné-Bissau (fornecida pelo PAIG), a lista (parcial) de filmes, livros e artigos sobre as "áreas libertadas", as fotografias tiradas pela Missão, e até os formulários usados pela administração nas "áreas libertadas"... 

O relatório do secretário geral do PAIGC sobre "a agressão (portuguesa) contra a Missão Especial da ONU" é o anexo III, reproduzido a seguir, mas que não faz parte do corpo do relatório no original...


(Continuação) (**)






-7-

-8-


(Continua)

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sexta-feira, 8 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19562: Notas de leitura (1156): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
É certo e seguro que virá o dia em que se procederá a um estudo minucioso sobre a Casa Gouveia e a Sociedade Comercial Ultramarina, as duas grandes empresas funcionarão nas últimas décadas da Guiné colonial.
O BNU foi gradualmente interessado em fazer crescer o seu capital na Sociedade, atenda-se ao importante relatório elaborado em 1957 por Castro Fernandes, sem ambiguidades defendia que o BNU devia entrar numa concorrência mais agressiva com a Casa Gouveia, e preconizava negócios. O que a documentação permite registar são perdas sucessivas até anteriores ao início da luta armada, depois desta gerara-se uma situação artificial que eram as importações para os contingentes militares, mas não havia ilusão que os objetivos fundamentais à volta do descasque de arroz, do coconote, da mancarra, das experiências com o caju, o fabrico de óleo, tudo aparecia ameaçado. E a documentação também permite verificar que os últimos negócios em companhias de pesca e de cervejas não iriam ter um futuro lisonjeiro, tudo se esbarrondou e no caso da CICER com muitas culpas para a governação da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (76)

Beja Santos

É chegado o momento de apreciar no acervo da documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU o que nele consta da Sociedade Comercial Ultramarina.

Importa esclarecer que esta Sociedade se constituiu em 19 de fevereiro de 1923, o seu capital social foi engrossando ao longo do tempo e se inicialmente era de 2 mil contos em 8 de janeiro de 1968, por incorporação de créditos do BNU e da Sociedade Nacional de Sabões, em partes iguais, o capital social foi elevado para 46.500 contos. A participação do BNU correspondia, à data de 1968, a aproximadamente 44% do total.

A Sociedade dedicou-se ao comércio em geral e à exportação, teve uma existência atribulada, com prejuízos sucessivos que chegaram a totalizar, no termo do exercício de 1967, a uma verba aproximada de 40 mil contos, além de ter o ativo deteriorado, por ausência das devidas amortizações e provisões.

Chegou a ser prevista a liquidação da Sociedade, mas a partir de 1968 passou a apresentar alguns lucros e assim foi reduzindo o prejuízo acumulado para cerca de 32 mil contos em 1972. Houvera recuperação. Em janeiro de 1973, o Conselho do BNU autorizou novos financiamentos, sob a forma de novo crédito destinado a determinados investimentos ou para adiantamentos sobre vendas, desdobramento de crédito para compra de mancarra, etc.

Terá talvez interesse vermos o relatório de 1963, ano em que eclodiu a luta armada. Começa por se dizer que os acontecimentos político-militares que afetaram o Sul da Província tiveram graves repercussões na cultura do arroz, nas transações comerciais, nos transportes, nos encargos e no sossego das populações. O total dos prejuízos verificados em consequência das pilhagens e destruições feitas pelos agitadores atingiu os 3.777.369$60. A estes prejuízos diretos haveria que adicionar o decréscimo de receitas resultante da paralisação e redução de certas atividades. Haveria também a contar com o agravamento da tributação fiscal. A campanha de arroz processara-se normalmente. Relativamente ao coconote, as fracas cotações dos mercados internacionais tinham-se repercutido no preço de compra ao produtor. Houve decréscimo em relação às compras de anos anteriores e no que respeita ao arroz também a baixa foi substancial, o Governo fora forçado a proceder à importação para ocorrer às necessidades da população. Registava-se um aspeto positivo, e assim se escreveu: “Se por um lado se reduziu a actividade de descasque de arroz em virtude da baixa de produção verificada, podemos anunciar, após a conclusão das morosas e indispensáveis obras na central de vapor a reentrada em funcionamento da nossa fábrica de óleos, estando a aumentar consideravelmente a colocação no mercado interno do óleo de amendoim e do sabão produzidos nas nossas instalações”. Propunham-se medidas cautelares, no contexto da subversão: “As especiais circunstâncias em que actualmente vive a Província, criando à empresa dificuldades de várias ordens que se não pode prever quando terminarão, parecem justificar a utilização, embora discutível do ponto de vista técnico, dos saldos de todas as contas Amortizações e Provisões na redução do saldo dos prejuízos do exercício de 1960”.

Em 28 de abril de 1966 apresenta-se aos acionistas o balanço do ano anterior, assim se inicia o texto:
“Apesar do esforço militar desenvolvido na Província no ano de 1965, vários factores em que sobressaem o auxílio efectivo dado aos rebeldes pelos Estados vizinhos, o apoio internacional de carácter político e financeiro de que beneficiam e a vulnerabilidade das nossas fronteiras impediram uma melhoria da situação com reflexos sensíveis na vida económica da Província. Pelo contrário, os reflexos da agitação e da repressão nos anos anteriores fizeram-se sentir profundamente na cultura e comercialização dos produtos agrícolas que se situou em 50% do volume normal. Infelizmente, no seu conjunto, prevê-se um agravamento para o ano em curso do qual, nesta data, já estamos a sofrer as incidências de ordem financeira”.
Dava-se conta da compressão de despesas, do afastamento de alguns empregados, do atraso nas reparações nos barcos, na privação de transportes em meios terrestres. O afluxo crescente de tropas trouxeram aspeto de prosperidade comercial em Bissau, era facto que o comércio florescia graças à importação de bens de consumo destinados aos europeus. A Sociedade Comercial Ultramarina procurava reduzir o saldo negativo e informava-se que a cerveja Sagres ocupava o primeiro lugar nas importações. Decrescera a campanha da mancarra em 1965, felizmente que o preço internacional do coconote já era mais favorável, importava-se maciçamente arroz mas as dificuldades saltavam à vista, como se redigiu: 
“As nossas instalações fabris, dada a falta de matéria-prima, trabalharam durante uns curtos períodos ao longo de todo o ano, bem se podendo dizer que o fizeram com o duplo intuito de não dispensar pessoal e de não encerrar uma das duas instalações fabris com significado na vida da Província. A necessidade de mantermos as oficinas em funcionamento para prestação de serviços às nossas frotas de transportes e reparação urgente de edifícios, assim como a utilização de armazéns de produtos ultramarinos impediriam, em qualquer caso, o encerramento do Bloco Industrial e a completa supressão dos encargos com a sua administração, guarda e conservação”.

A situação da Sociedade degradara-se e muito, explicava-se porquê:
“Três anos de guerra na Província causaram até agora a esta empresa avultados prejuízos que atingem a dezena de milhares de contos, sendo 4 mil de prejuízos directos resultando de actos de terrorismo e das operações militares de repressão. Em consequência de se terem agravado ultimamente os reflexos da situação política e militar na vida económica da Província e na actividade da empresa, agravou-se a situação de tesouraria desta Sociedade, em condições que causam estrangulamento na sua actividade comercial.
Nestas condições, considerando que o BNU é o principal e mais directo interessado nos resultados desta empresa, pelo que eles significam como possibilidade de amortização de passivo e pagamento normal de juros, foram iniciadas diligências junto da respectiva Administração com vista a ser encontrada uma solução que alivie a empresa temporária ou definitivamente de alguns dos seus encargos financeiros.”

Bem elucidativa é a ata do Conselho de Administração da Sociedade com a data de 20 de março de 1970. O administrador fez uma larga e pormenorizada exposição da sua recente visita à Guiné, assistira à inauguração do descasque de Bafatá. Era crescente a importação de mercadorias, caso das importações de cerveja e combustíveis. Mas não era eludível a situação bastante crítica em que se encontrava a Sociedade, com o elevado dispêndio de gastos gerais, o equipamento estava decrépito, afora alguns bacos e o descasque de arroz, o resto era um amontoado velhíssimo de máquinas e motores, totalmente arruinados. O quadro geral era assumidamente lastimável: a fábrica de óleo não estava operacional e não era competitiva; a fábrica de sabão, além de primitiva, não tinha condições de subsistência; os descasques de mancarra, todos com mais de dez anos, estavam quase arruinados; a estrutura humana dos serviços que funcionava na Província era um dos males maiores da Sociedade, com uma única exceção para o gerente, experiente e probo, com invulgares qualidades de trabalho. Enfim, impunha-se repensar o funcionamento da empresa em novas linhas mestras e propunha-se que no futuro imediato as operações da empresa tivessem as seguintes direções: compra de mancarra, descasque e venda de ginguba; importação de cerveja; importação de combustíveis; fornecimento direto às Forças Armadas; comercialização de mercadorias cujo prazo de crédito exceda o da venda e liquidação; e fretes fluviais.

Em 1972, apresenta-se uma súmula da situação económica e financeira da Sociedade, começando por se dizer que havia uma baixa margem de lucro nas mercadorias, uma deterioração da margem de lucro nos produtos ultramarinos, não se dera a recuperação financeira que se esperava a partir de 1967, eram solicitados mais apoios ao BNU. A Sociedade Comercial Ultramarina entrara na Sociedade Vinícola da Guiné, auguravam-se grandes vantagens, registavam-se atrasos de pagamentos das Forças Armadas, pediam-se mais créditos em conta-corrente.

Estamos com a documentação avulsa praticamente esgotada. Iremos no derradeiro texto referir o que consta no acervo sobre a CICER – Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné, uma participação do BNU para a edificação de um monumento aos mártires do colonialismo, ainda existe um dossiê com data de outubro de 1974 acerca do novo edifício para a delegação de Bafatá, as negociações do Governo da Guiné-Bissau para a nacionalização da Sociedade Comercial Ultramarina e os impostos a pagar pelo BNU referentes ao ano de 1974. Seguir-se-ão as conversações entre o Governo da Guiné-Bissau e a Administração do BNU para a transferência do BNU de Bissau para o novo Estado da Guiné-Bissau.

(Continua)

Fotografia da década de 1920. 
Imagem retirada da Wikimedia Commons, com a devida vénia.


Imagem extraída do livro Guiné – Alvorada do Império, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.
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Nota do editor

Poste anterior de1 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19543: Notas de leitura (1154): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (75) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19548: Notas de leitura (1155): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 1 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19543: Notas de leitura (1154): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (75) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Caminhamos para o último punhado de documentação avulsa do Arquivo Histórico do BNU.
Hoje passa-se em revista as decisões tomadas quanto às propriedades do BNU na Circunscrição de Fulacunda, mais de 1% do território guineense, todas elas encravadas num Quínara em efervescente guerra, a Casa Gouveia doou o que tinha para uma cooperativa agropecuária, a governação do BNU, no final de 1973, quis fazer uma cessão a 15 anos. A guerra não parecia abrandar o ritmo dos negócios, o Governo criou o Hotel Nuno Tristão em Bissau, constituíra-se a CICER - Companhia Industrial de Cervejas e Refrigerantes da Guiné e a Companhia de Pesca e Conservas da Guiné em fevereiro de 1974 já estava completamente paralisada, apareceu e desapareceu.
Veremos seguidamente um pouco da história da Sociedade Comercial Ultramarina, constituída em 19 de fevereiro de 1923 e que paulatinamente se transformara numa das jóias da coroa do Banco.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (75)

Beja Santos

Desde muito cedo que o BNU na Guiné passou a ser detentor de dezenas de milhares de hectares, tornou-se um banqueiro com assinaláveis propriedades rústicas, centradas na região de S. João, Tite, Fulacunda e Buba, mais de 1% do território. Num documento de indiscutível importância histórica, os apontamentos de António Júlio de Castro Fernandes, administrador do BNU e um dos próceres do Estado Novo, elaborados depois da viagem que fez à Guiné de março a abril de 1957, é levantada a questão e preconizada uma gama de soluções para a rentabilização destas propriedades, refere Castro Fernandes nas suas notas a natureza dos solos, fala na organização de seis blocos de propriedades, invoca mesmo um estudo elaborado pelo engenheiro José Teles Ribeiro.
Este, a propósito da valorização das propriedades do BNU, escreveu o seguinte:
“Os terrenos do BNU integram-se na designação de ‘Propriedades Perfeitas’ o que, segundo os termos do regulamento de concessões, garante ao proprietário o domínio directo, o domínio útil e a faculdade de venda; em contraste com a concessão por aforamento em que o foreiro tem exclusivo direito ao domínio útil, pertencendo o directo ao Estado e revertendo o terreno a este desde que não esteja devidamente aproveitado no prazo de tempo para tal afixado. Daqui resulta o alto interesse e valor das propriedades do BNU e a necessidade de os valorizar ao longo dos anos, mediante uma ocupação agrícola gradual em vez de a deixar ir desvalorizando pelo abandono das mesmas à acção devastadora do indígena.
Essa desvalorização terá de assentar necessariamente na ocupação das melhores parcelas dos terrenos por culturas de carácter arbóreo, não só por serem as que permitem uma maior extensão ocupada com o mínimo de investimentos, mas também porque, ao contrário das culturas arvenses de cultura anual, se traduzem por uma ocupação quase definitiva.

Com base no conhecimento das condições ecológicas locais, consideramos preferenciais as seguintes culturas:
Caju – árvore bastante rústica, podendo ser semeada directamente no terreno definitivo, é a que se traduz numa ocupação mais económica, dada a inexistência de granjeios.
Coleira – Com elevados rendimentos por árvore, poderia ser usada na ocupação dos terrenos mais ao Sul.
Coqueiro e palmeira – Viável nos terrenos baixos e húmidos, onde seja possível a obtenção de água superficial ou subterrânea.
Cafeeiro – Embora ainda não definitivamente estudado, parece admitir-se como provável uma boa adaptação da variedade ‘robusta’.”

Anteriormente, o BNU encarregara um perito alemão, E. W. Boesser, a quem Castro Fernandes também alude, a fazer um estudo sobre as possibilidades económicas destes terrenos, mormente na região de Quínara. O seu relatório debruça-se sobre a natureza dos terrenos e o que eles podem produzir.
O que escreve tem bom recorte literário, ele procura enquadrar e pôr em consonância os dados naturais de solo, clima e planta:
“A ciência que se ocupa com estes factores, com as suas interdependências e influências mútuas é a fitogeografia, no seu ramo da ecologia vegetal; e quando se respeitam propositadamente as condições especiais que se constituem e põem, quando as actividades e finalidades económicas do Homem terão de ser relacionadas com aqueles factores básicos da vida vegetal, com os quais querem ser postas em harmonia e produtiva efectuação recíproca, é de falar em fitogeografia aplicada.”

É muito expressivo em tudo quanto escreve, está muito atento aos “rios” e à sua importância nas explorações, pensa logo na cultura do arroz e nas formas de mangal de alto fuste e equaciona as quatro entidades naturais da paisagem, falando das áreas marinas dos rios comenta os solos lodosos que podem ser transformados em terras de arroz.

É técnico, e tudo quanto redige tem essa matriz, mas a sua escrita é muito elegante, falando de rios, mangais, lalas, população vegetal, a organização da selva, solo dos matos secundários, linhosas secundárias, rematando: “Um facto muito remarcável é que em todas essas variantes de vegetação, desde a espessa floresta secundária, de aspecto quase virgem, até à mais clara savana arborizada, se encontram sempre ora numerosamente ora de modo mais disperso, em todo o caso porém em aparente prosperidade, palmeiras de óleo”.

E tece um enquadramento entre essa paisagem e o habitat:
“Embutidas naquela paisagem, variada em si, de floresta, bosque e parque, acham-se as pequenas roças dos indígenas de data recente que no decurso de poucos anos já serão reconquistadas pela savana e pelo mato. Somente nas proximidades das aldeias ou tabancas e especialmente nas penínsulas dos arredores de S. João de Bolama observam-se extensas áreas de cultura, continuadamente exploradas e por isso quase completamente desnudadas”. E em jeito de conclusão dirá que aqueles terrenos colinosos oferecem condições para a vida vegetal, não haverá qualquer impedimento essencial à concentração desejável das produções.

Atenda-se que nas reuniões do Conselho Geral do BNU ocorridas em 10 e 16 de maio de 1957, Castro Fernandes lembrou estes terrenos, que em conversações havidas com a Sociedade Nacional de Sabões, esta chegara à conclusão não estar interessada em tal compra, comentou detalhadamente o documento elaborado em 1954 pelo fitogeógrafo E. W. Boesserg, referiu que a Casa Gouveia estava a fazer em Bolama uma exploração agrícola e que o próprio Governador fazia constantemente apelos ao desenvolvimento. Fez comentários ao punhado de notas que enviara a todos os membros do Conselho, enfatizou a situação cambial da Província, manteve a sua enorme expetativa no florescimento da Sociedade Comercial Ultramarina e por fim versou assuntos sociais do BNU na Guiné como as moradias para os empregados, beneficiações no edifício da sede e a compra de dois bungalows destinados aos empregados do Banco na Praia de Varela.

A agricultura associada ao comércio passou a ser uma tónica dominante da presença do BNU na Guiné, em qualquer relatório ela virá a ser tratada com realço.
Veja-se o relatório da visita de inspeção à Filial de Bissau em 13 de dezembro de 1968, estamos no auge da luta armada:
“A agricultura, outrora a base da economia da Guiné, não pode hoje ser considerada como elemento efectivo do desenvolvimento desta Província. A situação criada à região levou o agricultor a concentrar-se nos grandes centros comerciais ou em tabancas onde efectivamente encontra a protecção das Forças Armadas mas, em contrapartida, depara com solos fracos, sem grandes possibilidades.
E ao natural afrouxamento das culturas tradicionais – milho, mandioca, sorgo e arroz – também não será completamente alheio o facto de, por razões de defesa, haverem sido chamadas largas centenas de homens para as milícias e que deixaram assim de prestar o seu contributo braçal à agricultura.
Não se torna por isso difícil explicar a necessidade em que se viu nos últimos anos a Província de, tradicionalmente exportadora de arroz, embora de quantidades reduzidas, passar a importar grandes quantidades deste cereal para sustento das populações.
As indústrias existentes, reflexamente, têm também na actual conjuntura uma muito menor influência na economia da região se atendermos a que a matéria-prima – a mancarra, o coconote e o próprio arroz – escasseou pelos mesmos motivos apontados.
Se dantes dizíamos que a economia assentava basicamente na agricultura, hoje podemos afirmar que a Guiné encontra relativo equilíbrio orçamental no comércio importador, que passou a desfrutar de grande prosperidade – melhor diríamos, a viver uma fase de autêntica euforia – na medida em que se lhe proporciona um maior poder de compra trazido pela presença dos grandes efectivos militares, de 1963 a esta parte. Esta situação, como não podia deixar de ser, provoca um desnível muito acentuado na sua balança comercial”.

O BNU, tal como a Casa Gouveia, vão gradualmente perdendo esperanças de pôr a agricultura dos seus terrenos a funcionar. E tomar-se-ão decisões drásticas, em 1973, ambos os empórios oferecem aqueles prédios rústicos para cooperativas.

No Arquivo Histórico do BNU encontra-se uma informação que tem a data de 9 de julho de 1973 em que toda a questão é repertoriada: a posse daqueles cerca de 44 mil hectares na Circunscrição de Fulacunda, propriedade do BNU desde 1927, por efeito de execução hipotecária; a tentativa de criar uma sociedade em Bissau, à qual seriam vendidas as propriedades, para devida exploração agropecuária, que, afinal, não chegou a constituir-se; a ocupação e controlo das propriedades por parte dos terroristas; em situação análoga se encontravam na Guiné cerca de 15 mil hectares de terrenos pertencentes ao grupo CUF que vieram a ser doados à Província em abril de 1973, para serem explorados pelas populações, em regime comunitário; o General Spínola conversara com a administração do BNU tendo ficado verbalmente assente que o Banco faria a doação dos terrenos; o General Spínola enviara agora uma minuta de escritura onde se sugeria uma doação ao Governo da Província com uma importância destinada à instalação da cooperativa agropecuária, que teria a designação de Cooperativa do Quínara; quem assinava a informação dava o parecer que apenas se deveria doar os terrenos e não conceder qualquer subsídio ou, quando muito, conceder um subsídio simbólico de 100 ou 200 contos e se a Cooperativa precisasse de auxílio do Banco, estabelecer-se-ia um crédito.

Em 8 de fevereiro de 1974 temos uma última referência a estas propriedades, numa documentação avulsa onde também se fala da CICER, da Companhia de Pesca e Conservas da Guiné e do Hotel Nuno Tristão em Bissau. Quanto às propriedades de Fulacunda, escrevia-se que o Conselho do Banco considerara, em 10 de outubro de 1973, ser preferível fazer uma cedência gratuita do direito de uso pelo prazo de 15 anos, atribuindo um subsídio de 10 mil contos. Quanto à CICER, aqui temos a primeira referência a esta sociedade fundada em 21 de dezembro de 1971, tendo como principais acionistas a Sociedade Central de Cerveja, a Companhia União Fabril Portuense, a Cuca de Angola e a Fábrica de Cervejas Reunidas de Moçambique, Lda. Para satisfazer diversos encargos com a construção da sua fábrica em Bandim, a CICER solicitou, em julho de 1973, créditos, o apoio do BNU no final desse ano de 1973 somava 54 mil contos. A Companhia de Pesca e Conservas da Guiné, dizia-se já em fevereiro de 1974, era um empreendimento que não ultrapassara a fase de arranque, a sociedade estava paralisada e sem meios para funcionar, o crédito concedido pelo BNU era de cerca de 8 mil contos. Quanto ao Hotel Nuno Tristão, era um empreendimento que o Governo da Província chamara a si, o previsto hotel constaria de um edifício de três andares, com 53 quartos e 7 suites, cujo custo estava orçado em 26 mil contos. Para cobertura da parte financeira, o Governo solicitara ao BNU um empréstimo de 20 mil contos a liquidar em 15 anuidades. O BNU concedia o empréstimo a liquidar em 24 semestralidades.

Caminhamos para o final da documentação avulsa, temos ainda pela frente o grande dossiê da Sociedade Comercial Ultramarina, dela se falará já a seguir.

(Continua)

Navegação à vela nos rios. Imagem extraída do livro Guiné – Alvorada do Império, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.

Tocadores de “Mutaro”. Imagem extraída do livro Guiné – Alvorada do Império, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.

Farol do canal de Pedro Álvares, Bijagós. Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.
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Notas do editor

Poste anterior de 22 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19526: Notas de leitura (1153): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19516: Notas de leitura (1152): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo à apresentação de apontamentos coligidos por Castro Fernandes, Administrador do BNU, após uma visita que ele fez à Província, entre 9 de março e 8 de abril de 1957.
Bem estribado sobre a situação política, alerta para o fenómeno separatista que começa a soprar na África Ocidental francesa; refere o contencioso entre o Governo e o Perfeito Apostólico; dá-nos um dos retratos mais crus alguma vez feitos sobre a sociedade guineense; inventaria os recursos económicos, levanta o véu sobre a competitividade que ele desejaria que fosse mais forte entre a Sociedade Comercial Ultramarina e a Casa Gouveia; aborda a questão cambial, as propriedades do Banco, ainda vê solução para o aproveitamento dessas dezenas de milhares de hectares, repertoria as riquezas de subsolo que se conheciam, fala das conversas que teve em privado com o Governador Silva Tavares.
Em suma, um apanhado de notas de grande valor que a historiografia não pode doravante ignorar.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (74)

Beja Santos

Continuamos com os apontamentos coligidos pelo punho de António Júlio Castro Fernandes, administrador do BNU, com o pelouro de Cabo-Verde, Guiné e S. Tomé. Permaneceu na Guiné de 9 de março a 8 de abril de 1957 e deixou-nos um documento com incontestável valor histórico. Bem documentado, com acesso à cúspide das instituições, deixa-nos um assombroso retrato do meio social, compendia os recursos económicos à luz dos interesses da época, deixa o aviso de que se vão operar mudanças na África Ocidental francesa e que a Guiné tem que deixar o estado de colónia-feitoria, pela primeira vez, em documento de administrador, fica bem claro que o BNU tem um desafio pela frente que é concorrer com a CUF por via da Sociedade Comercial Ultramarina, como ele diz, “obra do nosso Banco”.

Deixa para o fim dos seus apontamentos um capítulo sobre os problemas que diretamente interessam ao BNU e inclui nas notas soltas referências às condições mineralógicas, juntando mais elementos sobre a Sociedade Comercial Ultramarina e a exploração agrícola da Casa Gouveia.

Detalha a situação cambial, o que faz o Fundo Cambial da Província, concluindo que fica explicada no seu largo comentário a razão pela qual a conta da Sede algumas vezes dá a perceber uma posição favorável que não existe, e procura justificar o motivo da desnivelada posição de coberturas da Filial. Enuncia as propriedades do Banco, é um assunto a que se terá que voltar, pois no Arquivo Histórico do BNU há referências sobre as propriedades rústicas do Quínara e relatório sobre as possibilidades económicas desta imensa propriedade sita na circunscrição de Fulacunda. Por razões de coerência e de legibilidade quanto a este património, trata-se adiante tudo em conjunto.

Falando das condições mineralógicas, diz que há bauxite na região de Boé. Informa que do lado francês estava a proceder à extração uma empresa canadiana e que do lado da colónia portuguesa a dificuldade parecia ser o transporte até ao rio Buba, dificuldade que poderia ser suprida com uma pequena linha de caminho-de-ferro. E comenta que a casa holandesa N. V. Billiton Maatschappij estava a projetar na região.

Observa, a propósito da ilmenite, que os franceses estavam a explorar as areias da praia ao Norte do Cabo Roxo, junto da foz do Casamansa. Os trabalhos hidrográficos levavam à conclusão que a ilmenite abunda na Guiné Portuguesa. Diz igualmente que as análises dos calcários de Bissau revelaram a existência de nódulos de fosfatos de cálcio em percentagens que indicam a conveniência de se fazerem ulteriores trabalhos de pesquisa.

Como estamos já em notas soltas, escreve lapidarmente o seguinte:
“No plano político, disse-me o Governador, são poucos os elementos com que pode contar. O Governador é, disse-me, intransigente quanto aos princípios fundamentais: não nomeia, não distingue pessoas que não sejam de absoluta fidelidade a esses princípios. Não se importa que discordem do Governo da Província ou do Governo Central neste ou naquele ponto, ou mesmo em muitos pontos, mas têm de ser fiéis aos princípios. Reviralhistas e comunizantes abundam na Guiné (A. A. Silva, Mário Lima, etc.). O nosso consultor jurídico, Dr. Pina, foi nomeado Presidente da União Nacional.”

E cita afirmações do Governador na sessão do Conselho de Governo em que foi aprovado o orçamento:
“A Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné além do melhor aproveitamento do rio Geba como via de comunicação, tem como um dos seus principais objectivos estudar o aproveitamento nos terrenos marginais do referido rio e a forma de proceder às respectivas drenagens e irrigação. Para esse efeito, está prevista já para este ano a construção de uma estação agronómica. Essa estação será construída em cooperação com os Serviços de Agricultura, de forma que ambos os Serviços utilizem mutuamente os respectivos conhecimentos e experiências. Essa estação deverá ainda ser construída tendo em mente que ela deverá vir a reverter para os Serviços de Agricultura, passando a ser a Estação Agronómica da Guiné.
… Ainda no que concerne a fomento agrário, entrar-se-á, este ano, através do Plano de Fomento, pelo caminho da defesa, enxugo e recuperação de terrenos, indo, aliás, de encontro às solicitações dos indígenas.”

Refere, e tem seguramente significado, a exploração agrícola da Casa Gouveia, em Bolama:
“Nos viveiros do Nato Fula existem 18 mil coqueiros já muito desenvolvidos e 30 mil cocos em viveiro coberto, dos quais grande parte dará transplantação na próxima época das chuvas.
Fazem-se experiências de plantas de cobertura com objectivo de evitar a erosão e o domínio do capinzal inútil. Experimentaram-se também os pés de rícino, estudando-se a melhor época da sementeira.
Em Sã-Muriá existem plantações com 6 mil palmeiras de samatra e 23 mil coqueiros – início de uma grande exploração futura. A exploração conta com 250 trabalhadores voluntários, com salário, alimentação, alojamento e assistência médica. Esta exploração, escreve-se na imprensa local, constitui uma novidade prometedora, um caso única na vida agrícola da Província através dos tempos!”

Estamos agora chegados à questão do património do Banco em terrenos. A riqueza do BNU distribuía-se pelas áreas administrativas de S. João, Tite, Fulacunda e Buba, constituindo um conjunto de seis blocos, abrangendo uma área total próxima dos 44 mil hectares. Castro Fernandes tece os seguintes esclarecimentos para a governação do BNU:
“Tendo havido conversas aqui em Lisboa, acerca do eventual interesse da Sociedade Nacional de Sabões em adquirir para si ou para a Sociedade Comercial Ultramarina estas propriedades, procurei antes de mais nada averiguar se o negócio teria ou não viabilidade.
Coincidiu estar na Guiné o Engenheiro Agrónomo Teles Ribeiro, encarregado pela Sociedade Nacional de Sabões de estudar o assunto.
Uma primeira conversa com o Eng.º Teles Ribeiro levou-me logo a concluir que o assunto não interessaria à Sociedade Nacional de Sabões. Com efeito, esta empresa parece estar interessada nas possibilidades de exploração agrícola na Guiné – sobretudo de palmares, coqueiros, rícino e, eventualmente, de arroz. Para tanto, encarregou o Eng.º Teles Ribeiro para proceder ao estudo da possibilidade dessa exploração.
O critério que preside ao estudo a que o Eng.º Teles Ribeiro está procedendo consiste em não adaptar determinados terrenos às culturas que interessam à empresa, mas sim o de escolher terrenos próprios para essas culturas. Prefere, já se vê, propriedades perfeitas a concessões, em todo o caso como ainda é possível adquirir propriedades a $20 o hectare, só escolherá terrenos em condições óptimas.

As propriedades que as casas grandes possuem na Guiné – como a Casa Gouveia – não tiveram, aquando da aquisição, o objectivo de fazer exploração agrícola, mas objectivos exclusivamente comerciais. Pretendeu-se que o indígena, trabalhando – por sua conta – nessas propriedades, lhes vendessem, e não a outros, os respectivos produtos.
Os antigos donos das propriedades que hoje pertencem ao Banco deviam ter tido os mesmos objectivos.
É certo que a consciência que hoje na Guiné se vai tendo dos problemas, força as Casas grandes a darem o seu concurso à valorização económica da Província. O facto de haver, como há, propriedades pertencentes a comerciantes completamente ao abandono, é motivo de críticas que se publicam. Assim é que em artigo publicado no jornal ‘Bolamense’ se denunciam asperamente estas situações: ‘… não, senhores agricultores, na maior parte casas comerciais de grande vulto aqui e na Metrópole, assim não está certo. As vossas terras são enormes e estão praticamente abandonadas sem valor económico algum’.

A CUF apercebeu-se já da situação e lançou-se decididamente na valorização das suas propriedades. E o facto é tão saliente que em entrevista concedida à imprensa pelo Governador da Província, referindo-se ao facto, disse: ‘A exploração agrícola da empresa A. Silva Gouveia, Lda., é um empreendimento de grande vulto. Já estão plantados dezenas de milhares de coqueiros e existem em viveiros muitas outras dezenas de milhares de coqueiros e palmeiras. Está planeada a plantação, segundo me dizem, de centenas de milhares de coqueiros e palmeiras. É uma iniciativa de largo alcance para a Guiné… Quero crer que a iniciativa frutificará… O difícil é sempre principiar’.

Vai descrevendo os blocos das referidas propriedades, fala em solos vermelhos em S. João, dizendo tratar-se dos mais equilibrados da Província, ali se cultiva amendoim, os solos dão sinais nítidos de cansaço. Noutro bloco, o maior, encontra-se uma maior diversidade de tipos de solos, que vão dos vermelhos aos amarelos, caraterizando-se estes últimos pelo aparecimento de uma couraça laterítica. Há propriedades com palmeiras, ocupadas por floresta aberta, e depois de fazer esta exposição, Castro Fernandes deixa as seguintes notas:
“O problema das propriedades do Banco põe-se, a meu ver, em três hipóteses: venda; o seu abandono à acção devastadora do indígena; a sua valorização ao longo dos anos, mediante uma gradual ocupação agrícola.
Não sendo – como não é – viável a primeira, decido-me abertamente pela terceira.
Quanto a mim, esta valorização teria de assentar na ocupação das melhores parcelas dos terrenos, por cultura de carácter arbóreo. São as que permitem uma maior extensão ocupada com o mínimo dos investimentos. Sem as que – ao contrário das culturas arvenses de carácter anual – se traduzem por uma ocupação definitiva.
Estou convencido que a valorização dos terrenos – agora sem valor – se poderia fazer através do coqueiro e da palmeira (viável nos terrenos baixos e húmidos), do caju (árvore muito rústica, que pode ser semeada directamente no terreno definitivo e que permite uma ocupação extremamente económica, dada a inexistência de granjeiros), da coleira (com elevados rendimentos por árvore e que pode ser utilizada na ocupação dos terrenos mais a Sul) e, eventualmente, do cafezeiro, que, embora ainda não definitivamente estudado, tudo leva a crer ser viável uma boa adaptação da variedade robusta. No que se refere às lalas existentes e ainda não ocupadas pelo indígena, seria, a meu ver, caso para se pensar o seu aproveitamento para a exploração orizícola através de combinações a encarar”.

É este o essencial dos pontos abordados neste importante relatório. Está enxameado de notas políticas e revelação de conversas. Veja-se o caso da ilha de Canhambaque:
“Foi o Governador quem primeiro me falou no assunto, revelando a maior hesitação sobre o caminho a seguir. O intendente Santos Lima pensa que a solução consistiria em transferir para lá a colónia penal que está instalada nas lhas das Galinhas e, com esse pretexto, mandar uma companhia militar que meteria aquilo na ordem. O Administrador de Bissau entende que tal medida seria um disparate. Segundo diz, a ilha é um palmar densíssimo que permitiria uma luta de guerrilhas semelhante à Indochina”.

Vamos seguidamente passar em revista o essencial do muito que se escreveu sobre as propriedades do BNU, o que se disse sobre as possibilidades económicas, e como a luta armada tudo veio atrapalhar de modo que em 1973 o BNU encontrou uma forma airosa de se desfazer de um acervo de terrenos que se tinham tornado economicamente inúteis.

(Continua)

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A doutoranda Lúcia Bayan, estudiosa da etnia Felupe, mais uma vez revela a sua generosidade oferecendo-nos imagens relacionadas com a sua investigação, desta feita um marco que assinala a presença de fuzileiros do DFE 2 junto do Cabo Roxo, desconhecia completamente estas imagens, creio que nos prestou um ótimo serviço para enriquecimento do mais valioso acervo fotográfico que existe da Guiné Portuguesa.

Uma curiosidade para os militares portugueses que estiveram em Varela. Esta foto é do marco fronteiriço nº 184, junto ao Cabo Roxo, a ponta mais ocidental da Guiné-Bissau, que hoje é mais senegalesa que guineense. O marco foi refeito, em 1962, por militares portugueses (Fuzileiros DFE 2)

Foto do farol português, agora desactivado, no mesmo Cabo.

Imagem de um mapa do Ministério do Ultramar, de 1953, com o marco fronteiriço e o farol assinalados.
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Notas do editor

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Último poste da série de 18 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19505: Notas de leitura (1151): Guinea-Bissau, Micro-State to ‘Narco-State’, por Patrick Chabal e Toby Green; Hurst & Company, London, 2016 (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19511: Historiografia da presença portuguesa em África (151): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
O pretexto do médico Damasceno Isaac da Costa para elaborar o seu relatório era pôr por escrito o estado da higiene e saúde pública da recém criada Província Autónoma da Guiné. Mas não resistiu em deixar-nos estes apontamentos surpreendentes sobre a fortaleza e a vila de Bissau, descreveu o presídio de Geba ao pormenor, tais como os itinerários de Geba para Farim e de Farim para Bissau. Observa usos e costumes, fala de longevidade dos guineenses e da vida cultural dos Papéis.
Jamais encontrei documento tão precioso sobre a presença portuguesa neste ano de 1884.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (3)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888.

Trata-se de um documento irrecusável, nenhum trabalho historiográfico sobre este período em que a Guiné ganhou autonomia como Província tem cronista de igual estatura. Descreveu minuciosamente a fortaleza de S. José de Bissau, a vila, e não se conhece descrição tão pormenorizada sobre o Geba como a dele. Depois, observa o seguinte:
“Acima de Geba e a 10 léguas de distância está situada uma aldeia importante, já pelo seu comércio já pela sua população, denominada Bafatá. É habitada pelos Fulas e negociantes cristãos. O comércio interno de Geba consiste em cera, couro, marfim, amêndoa de palma, borracha, ouro e outros produtos, são comprados e transportados para as praças de Bissau e Bolama.
Geba, pelas suas riquíssimas produções que lhe proporciona o seu ubérrimo solo, concorre mais que nenhum outro ponto da Guiné para levar aos grandes centros comerciais da Europa as suas produções. A prosperidade da Guiné, dependendo pois em grande parte do presídio de Geba, convém por todos os meios elevá-lo à categoria a que tem jus pela sua importância industrial e comercial”.

Finda esta tão significativa leitura do ponto mais avançado da presença portuguesa, o médico vira-se noutra direção:
“Entre Geba e Farim existe fácil comunicação. Distanciado um presídio do outro em uma extensão de 20 léguas, o trânsito de 8 é feito por terra, de Geba até ao rio Tandegú e as restantes 12 em canoas, pelo rio de Farim até o mesmo rio Tandegú. Existe igualmente entre os dois presídios fácil comunicação por terra e percorre-se este trajecto em 48 horas, atravessando os territórios ocupados por Fulas e Beafadas. Para encurtar o trajecto fluvial de 60 léguas, que intermedeia entre Geba e Bissau, transita-se 20 por terra da praça de Geba até Fá em 3 horas e as restantes 40 pelo rio, de Fá a Bissau, em 24 horas.”

Regressa a Geba com um conjunto de apontamentos etnográficos e etnológicos, vale a pena reproduzi-lo, na plena vivacidade da sua escrita:
“Em torno da povoação e numa vasta extensão habita a raça Fula que pela sua constante aplicação ao trabalho contribui muito para o engrandecimento do comércio, da indústria e agricultura de Geba. As mulheres trazem dependuradas nas orelhas argolas de latão ou cobre, em seus cabelos cuidadosamente entrançados trazem suspensas como um grande adorno moedas brasileiras ou francesas de 80, 120, 240, 480 e 900 réis.
Os gentios da Guiné, conquanto selvagens, são susceptíveis de se converterem ao cristianismo e de receberem educação, pois que possuem em subido grau o orgulho de se transformarem em brancos, isto é, de se civilizarem”.

Elenca um punhado de notas sobre a longevidade das populações, dizendo o seguinte:
“A população de Bissau divide-se em europeus, mestiços e indígenas. Os europeus que residem na ilha quer como funcionários públicos quer como comerciantes têm pouca permanência nela e por isso nada se pode dizer sobre a sua longevidade. Todavia, observa-se que eles, decorrido um ano, ou antes, apresentam profundas alterações orgânicas e funcionais, que são a fiel expressão da acção perniciosa do elemento palustre. O europeu não se aclima na Guiné.
Os mestiços possuem temperamento misto e constituição regular, notando-se alguns com 20 e 30 anos de residência na ilha com barbas encanecidas, com 60 a 70 anos de idade e gozando de perfeita saúde. Os indígenas, incluindo os Grumetes, pertencem à raça Papel que habita a ilha. Possuem em geral um temperamento linfático e uma constituição fraca. Vivem pouco tempo.
As crianças até à idade de 2 anos morrem mais de metade e as que saíram incólumes da mortífera luta que travam com os elementos que as cercam contraem lesões viscerais importantes”.

E de seguida dá-nos um quadro de usos e costumes, com espantosas minudências:
“Os Papéis homens vestem uma pele de cabra que lhes cobre imperfeitamente as partes genitais; rapam a cabeça e untam-se com azeite de palma, como os Bijagós; picam o peito com uma faca ou cauterizam a pele com ácidos, para simular diferentes paisagens e figuras como efeitos de luxo; com o mesmo fim, limam os dentes, tornando-os pontiagudos.
Os guerreiros, como distintivo, trazem na cabeça chapéus enfeitados com pontas de porco-espinho cujo número é tanto maior quantos forem os animais desta espécie que tiverem morto.
Os Papéis usam a tiracolo um saco de couro de cabra ou de macaco destinado a trazer tabaco, aguardente ou dinheiro. Os Papéis amam em extremo a música e a dança e em todas as suas festividades usam três instrumentos da sua predileção: o bombolom, o tambor e o balafon. O bombolom, constituído de um tronco de madeira consistente, é oco e toma a forma de um cone truncado e aberturas estreitas, longitudinais e paralelas. É sobre os bordos destas aberturas que por meio de dois paus se fazem repercutir diferentes sons. Este instrumento serve como corneta para anunciar ou transmitir ordens à força no campo de guerra. Entre os Balantas é mais frequente o uso deste instrumento para anunciar a morte, para convidar os parceiros ao roubo.
O tambor é construído de madeira consistente e tem a forma de um cone truncado, mas muito mais estreito que o bombolom, é forrado de um lado com couro de boi ou de cabra, que é besuntado com azeite de palma.
Alguns paus colocados em diferentes posições constituem a estrutura do balafon. Na parte inferior do balafon pendem muitas cabaças, tendo cada uma destas uma pequena abertura virada para cima e uma outra lateral, forrada com teias de aranha. Na parte superior do instrumento existe um teclado que consiste em paus com um metro de comprimento, dois centímetros de espessura e cinco ditos de largura, o qual repousa sobre a abertura das cabaças. E há dois paus arredondados, tendo três decímetros de comprimento, terminados num dos extremos por bolas de borracha destinados para fazer tocar o instrumento.”

E finalmente o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa lança-se pormenorizadamente a falar de higiene e saúde pública, é surpreendente tudo o que nos vai contar.

(Continua)

Bombolom, imagem retirada de flickr, rede social, com a devida vénia. Traz a seguinte informação: Tambor tradicional guineense utilizado para anúncios importantes à comunidade, em dias de festa e cerimónias fúnebres. Tabanca de Bolol, Cacheu, Guiné-Bissau.

Tambor guineense, imagem retirada de https://demonstre.com/lenda-dos-tambores-africanos/, com a devida vénia.

Imagem de um balafon, retirada do site http://eportuguese.blogspot.com/2011/05/fale-com-o-balafon.html, com a devida vénia.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19494: Historiografia da presença portuguesa em África (149): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19496: Notas de leitura (1150): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (73) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
Duas razões para mim de muito peso seguem com este apontamento que submeto à vossa leitura. Não conheço nenhum texto de índole política, social e económica tão influente como estas notas elaboradas em 1957 pelo administrador Castro Fernandes, figura gradíssima do regime de Salazar. No fundo, é uma solene advertência de que tudo tem de mudar, estão a acontecer coisas na emancipação de África, mesmo ali à volta da Guiné, atenda-se à franqueza do diagnóstico e atue-se, antes que seja tarde.
A outra razão é de caráter muito pessoal, e pode abranger todos os camaradas da Guiné que porventura tenham conhecido Mato de Cão. Veja-se a imagem da estação no rio Geba, com ela convivi de agosto de 1968 a novembro de 1969, com uma frequência inusitada, uma regularidade quase diária. Montava-se a segurança num ponto alto, e em certas ocasiões subia a passagem, para que os barcos, civis ou militares, me identificassem, era ali que pedia boleia para Bambadinca, para mim e para os meus. Que impressão tão forte me provoca esta imagem!

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (73)

Beja Santos

Os apontamentos elaborados pelo Administrador António Júlio de Castro Fernandes, a propósito da sua visita à Guiné Portuguesa entre 9 de março e 8 de abril de 1957 são uma peça de indiscutível importância não só pelo leque dos assuntos versados, a crueza de opiniões e a formulação de conceitos coloniais, a análise económica e o punhado de sugestões que apresenta para revigoramento da Sociedade Comercial Ultramarina. Iniciou a apreciação dos recursos económicos dando prioridade, como era óbvio, à mancarra. Segue-se agora uma apreciação do coconote.

A palmeira de azeite produz óleo de palma, coconote e vinho de palma. E é minucioso ao dizer que “o óleo de palma é extraído da polpa que envolve a amêndoa, o coconote é a amêndoa, o vinho é extraído da ferida feita junto ao cacho”. Diz mais: “A palmeira abunda na zona do Litoral. Maciços mais extensos: Arquipélago dos Bijagós, Cacheu e S. Domingos. Cobre uma área aproximada de 90 mil hectares”. Fala sobre a tonelagem exportada de óleo de coconote e de óleo de palma. E fala concretamente do que viu: “Tive ocasião de em diversas tabancas e moranças assistir à preparação do óleo de palma. Entre Teixeira Pinto e Cacheu, vi uma das instalações administrativas para o descasque do coconote e esmagamento da polpa. O indígena utiliza o descascador mas recusa o esmagamento ou trituração da polpa”.

A única fábrica de óleo de palma que existe é a de Bubaque, diz adiante e lança números sobre a mesa, não descurando comentários próprios:
“O coconote ocupa o segundo lugar na exportação da Província. O descasque é feito, geralmente, pelo indígena – é mal feito e à custa de um esforço perfeitamente estúpido. Além da fábrica de Bubaque, existem algumas britadeiras (umas administrativas, por utilizar quase todas; outras particulares). O desinteresse por parte do indígena na utilização destas britadeiras tem sempre a mesma causa – paga-se por preço inferior ao razoável o coconote bruto adquirido ao indígena (os detentores das britadeiras querem lucros elevados para a rapidíssima amortização do capital investido nas maquinetas).”
A única produtora de óleo de coconote já estava fechada, mas entrara em negociações com o BNU. E tece um comentário final:  
“O comércio do coconote faz-se como o da mancarra. Os mesmos processos, a mesma técnica. O coconote compra-se através de todo o ano, o indígena tem as suas reservas para ocorrer às necessidades mais prementes. As pontas são de maio a Outubro. Neste negócio do coconote, a grande vantagem está ao lado dos que possuem descasques de arroz.”

Entrando na apreciação do alimento preferido pela população guineense, esclarece:  
“Reputa-se em 70% da superfície total os terrenos susceptíveis de serem aproveitados para o cultivo do arroz.
É impossível determinar com rigor a produção, sobretudo em virtude do contrabando para o Senegal, Guiné Francesa e Gâmbia. Calculando-a pelo rendimento por hectare, admite-se uma produção de 90 mil toneladas”.
E enumera a produção pelas diferentes regiões da Guiné. Havia fábricas de descasque, eram três: a Casa Gouveia, a Sociedade Comercial Ultramarina e Mário Lima. E informa que “Os donos do descasque são também comerciantes que, por intermédio das suas redes de lojas ou por contratos com os comerciantes – intermediários, adquirem a maioria da produção não exportável por contrabando. Todo o arroz descascado fica, assim, em seu poder, sendo vendido em Bissau, nas suas próprias lojas”. E dá conta de um outro pormenor, além do arroz descascado há o arroz de pilão, este não pode ser misturado com o arroz descascado mecanicamente.

Vê-se que Castro Fernandes está seriamente documentado e possui informação atualizada:
“Segundo o Governador, a cultura do arroz é uma cultura colectiva que não pode ser levada a efeito em pequenas propriedades individuais. O arranjo das terras, a construção dos diques, exige o trabalho de toda uma organização. É o trabalho das tribos que é exercido, principalmente pelos Balantas. Diversas causas têm desorganizado o trabalho tribal, tornando impossível, quando tal se dá, o cultivo do arroz. É o caso dos Papéis da Ilha de Bissau. Solicitado para toda a espécie de trabalhos, foi-se desorganizando, desarticulando a tribo e não são as mulheres e as crianças que podem proceder aos amanhos e cultivo dos terrenos. O problema consiste em recuperar terrenos, pondo-os em condições de se fazer a respectiva cultura e, ao mesmo tempo, em não desorganizar a tribo, só recrutando homens para o coconote e outros trabalhos, na fase da cultura que as mulheres podem fazer. É esta a orientação que o Governo da Província está a imprimir aos milhares e milhares de hectares que se estão recuperando. Ao Estado compete fomentar a cultura, criando os meios necessários para tal: recuperação de terrenos, organização e defesa do trabalho tribal, obras de rega e de defesa, auxílio ao indígena (tractores, plantas, etc.). O indígena – acrescentou o Governador – tem a compreensão exacta do problema. Os velhos queixam-se de que lhe vêm buscar os rapazes, desorganizando por completo a única forma de exploração possível do arroz.
O caso do Sr. Álvaro Boaventura Camacho funciona estupendamente porque, justamente ele é verdadeiramente o régulo, fazendo os indígenas nas suas propriedades um trabalho tribal.
As propriedades do Sr. Álvaro Camacho – em casa de quem estive hospedado – estão situadas na região de Tombali, circunscrição de Catió. É chão de Nalus, mas – graças à fixação operada através de 30 anos pelo Sr. Camacho – predominam os Balantas. A produção do arroz nesta circunscrição estima-se em 20 mil toneladas. Em Cufar (a 15 quilómetros de Catió) tem a residência e em Cantone os armazéns de arroz, fazendo-se daqui o respectivo embarque. Os indígenas cultivam o arroz nas propriedades do Sr. Camacho que lhes compra o produto, vendendo-lhes os que necessitam”.

O Administrador Castro Fernandes irá ainda debruçar-se sobre os produtos têxteis, a cana sacarina, o gergelim e purgueira, o rícino, o cajueiro, as plantas alimentares, a exploração florestal, a borracha, a pecuária, a cera e o mel, a pesca e as indústrias. Há observações relevantes: até agora, a cultura algodoeira tinha sido um fracasso, bem como a sumaúma; acreditava-se que a cana sacarina tinha viabilidade económica, o Governador não parecia particularmente entusiasmado, seria de atender ao gravíssimo problema do fabrico e consumo de aguardente (“O Balanta, que só trabalha 4 meses por ano, anda bêbado os outros 8 meses. As mulheres já dão aguardente às crianças”), o Governador dissera a Castro Fernandes estar a procurar por formas indiretas diminuir sucessivamente a produção de aguardente; o gergelim e a purgueira tinham largas possibilidades de expansão na Guiné; o cajueiro constituía pela proteção do solo um conectivo à desmedida agricultura de sesmeiro; a Guiné, reconhecia-se, tem condições francamente boas para uma eficiente exploração florestal, mas era indispensável um esforço de repovoamento ordenado com espécies úteis; as possibilidades da pesca eram ainda desconhecidas e dizia-se no relatório que a tentativa de J. da Silva Peralta era, por enquanto, extremamente tímida e limitada; quanto às indústrias, à parte das instalações da Sociedade Comercial Ultramarina e da Casa Gouveia e da instalação da Sofuil em Bubaque, pouco havia a assinalar. Em síntese, uma indústria extremamente rudimentar.

No capítulo dedicado às perspetivas, o conjunto de observações merece todo o destaque:
“Conseguirá a Guiné Portuguesa passar do estado de colónia-feitoria?
Existe uma certa evolução, ao menos nas ideias, no sentido de passar da simples exploração do existente para a criação de verdadeira riqueza.
Há hoje um interesse, todos os dias crescente, pela Guiné havendo sinais de que não só as grandes firmas (refiro-me à CUF) se preparam para investir capitais em explorações tecnicamente bem estudadas, como se anunciam certas tentativas interessantes. Receio, porém, que algumas delas fracassem (tenho sérias dúvidas, por exemplo, quanto à fábrica de borracha) e que tal fracasso desencoraje os outros.
Mas não nos fiquem dúvidas de que o que está, como está, se não poderá manter por muito mais tempo.

Os Serviços Agrícolas locais têm uma missão extraordinariamente importante, mesmo decisiva, a cumprir. Mas organizar-se como estão – servem menos do que para nada.
Além de não haver bom pessoal (tecnicamente), o quadro é mais do que exíguo e pessimamente dotado. Ainda por cima a terra é pouco desejada, os que vão para a Guiné têm um único objectivo – sair da Guiné, serem transferidos para outra Província (conquanto que não seja para Cabo Verde). De modo que não há, nem pode haver, continuidade. Um estudo, uma experiência iniciada hoje, é interrompido, fica pelo caminho, perdendo-se o que porventura se tinha obtido.
Os nossos vizinhos do Senegal conseguiram já, quer na mancarra, quer no arroz, resultados apreciáveis, tanto na selecção, como no aumento do rendimento, como na obtenção de variedades apropriadas às diferentes características de solos e climas.

Mas não basta organizar capazmente os Serviços Agrícolas – embora seja essencial e urgente fazê-lo – é necessária, para que se obtenham os resultados que importa obter, uma perfeita cooperação do produtor e do comerciante. Educação do indígena (que tem de começar por o não roubar), disciplina do comércio (que hoje facilita as fraudes e desleixe do indígena – comprando tudo quanto apresenta, por mais inferior que seja o produto). A justificada má fama da mancarra e do coconote guineenses no mercado mundial é apenas o resultado da nossa incapacidade em comerciar com decência – incapacidade que advém, ao fim e ao cabo, do regime de monopólio em que vivem as empresas compradoras da Metrópole. Como os lucros dão para tudo – para comprar pelo mesmo preço a mancarra e as impurezas que contém – os importadores da Metrópole não fazem questão. Como assim é, os pequenos comerciantes não discutem com o indígena, aceitam o que este lhe trouxer. Por outro lado, rouba-o quanto pode o que, por si, justifica as fraudes que o indígena – em legítima defesa – pratica. É uma cadeia, uma pouca-vergonha, é uma verdadeira praga, uma autêntica calamidade…

Que as coisas melhoram, sente-se. Que têm de melhorar é axiomático – a menos que queiramos estar, dentro em breve, a braços com as maiores dificuldades.
A Guiné já não é hoje inteiramente uma quinta da CUF. Para tanto, em muito contribuiu o crescimento da Sociedade Comercial Ultramarina, obra do nosso Banco a que é de inteira justiça ligar o nome do Sr. Visconde de Merceana. Oxalá o enfraquecimento, ou mesmo a queda, desta empresa não venha fazer-nos andar para trás. O BNU nada ganharia com isso – muito pelo contrário – e a Guiné também não.
A consciência dos problemas – que é por agora o resultado verdadeiramente positivo da evolução económica da Guiné – obrigará a CUF se quiser manter a sua posição, a investir dinheiro da Guiné e a pôr ao serviço do progresso da Província a sua técnica e os seus quadros. De contrário, terá – a curto prazo – desgosto e desgosto sério. O mesmo se põe para os outros grandes, cada um dentro da sua escala.

A Guiné, repete-se, continua ainda no estado de colónia-feitoria. Mas tudo indica que as coisas se vão modificar.
Não pode o Estado arcar sozinho com o peso de transformar a Guiné – mas para que se saia da pura ‘economia de resgate’ tem de, por processos indirectos, obrigar os que querem a carne a terem o seu contrapeso de osso.”

(Continua)

Imagem de uma Festa da Luta Felupe (Eran-ai), tirada em Sucujaque, em 8 e 9 de Abril de 2012, enquanto em Bissau decorria o golpe de Estado. 
Fotografia cedida por Lúcia Bayan, investigadora do povo Felupe, a quem agradecemos a gentileza.


Imagens tiradas de As comunicações e os aproveitamentos hidráulicos da Guiné, Angola e Moçambique, Agência-Geral do Ultramar, 1961.
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Nota do editor

Poste anterior de 8 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19481: Notas de leitura (1148): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (72) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19490: Notas de leitura (1149): O litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974), por António Duarte Silva; Revista Análise Social, n.º 130, 1995 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19494: Historiografia da presença portuguesa em África (150): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
A historiografia sobre a Guiné vai estar em dívida com este médico, Damasceno Isaac da Costa. Não conheço para este tempo, estamos a falar de 1884, de um documento tão detalhado sobre a presença portuguesa, o que era a vila de Bissau, o estado decadente da fortaleza, o quase abandono do Ilhéu do Rei, a situação do presídio de Geba.
Iremos ver mais adiante que ele não esconderá absolutamente nada sobre a salubridade e higiene pública. No final do seu relatório ele lista um conjunto de plantas medicinais, outra curiosidade a que não nos podemos furtar.
Mas que belo documento para sabermos de viva voz o que era a rusticidade, para não dizer o quase apagamento, da nossa presença no exato momento em que a Guiné se autonomizara de Cabo Verde.

Um abraço do
Mário


Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (2)

Beja Santos

Este relatório consta dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa e foi oferecido pelo seu filho Pedro Isaac da Costa ao antigo administrador de Bissau, António Pereira Cardoso, autor de um conjunto apreciável de documentos, muitos deles de leitura indispensável para conhecer a vida administrativa da Guiné, sobretudo entre as décadas de 1930 e 1950.

Este relatório, como se verifica pelo seu fecho, foi copiado pelo filho do autor. E diz-se que é de estranhar que tendo sido escrito em 1884 se refere a factos de 1888.

Trata-se de um documento irrecusável, nenhum trabalho historiográfico sobre este período em que a Guiné ganhou autonomia como Província tem cronista de igual estatura. É meticuloso e muito observador. Veja-se como descreve a vila e fortaleza de Bissau. Diz que a vila tem 460 metros de comprimento e 240 de largura. No passado, a vila constituía um reino administrado por um régulo que exercia a alta dignidade de balobeiro-mor, tinha superioridade sobre os restantes régulos e fruía das imunidades e sinecuras que pertenciam ao régulo de Bandim.

A vila está cercada de todos os lados por pântanos, cujas exalações deletérias influenciam ativamente a salubridade pública. Os miasmas vindos dos pântanos na sua propagação não encontram outros elementos que o muro de pedra e cal de quatro metros de altura que circunda a povoação.

Dentro da vila existem alguns poços e uma fonte denominada Pidjiquiti, mas as águas tanto desta como dos poços apresentam-se constantemente estagnadas, por culposo desleixo das autoridades locais. Existem as seguintes repartições do Estado: Administração do Concelho, Câmara Municipal, Alfândega, Delegação da Junta de Saúde e Hospital, Tribunal Judicial, Subdelegacia de Julgado, escolas de instrução primária. Todas estas repartições funcionam em casas particulares, tomadas de arrendamento por conta do Estado.

A fortaleza de Bissau fica a 150 metros da praça. É composta de um reduto quadrado construído de pedra e cal, tendo em cada ângulo um baluarte abrigado por um secular poilão. Os baluartes estão guarnecidos de peças na sua maioria oxidadas e encravadas por falta de reparações. A muralha tem 60 palmos de altura e 100 passos de comprimento em cada lado. Em torno da muralha existe um fosso que na quadra das chuvas recebe imundícies de toda a espécie; o fosso é um extenso foco de insalubridade.

Dentro da fortaleza existe uma caserna para os soldados, um quarto para oficiais, um dito para a arrecadação de géneros, três ditos para as cadeias, uma igreja e um paiol. A caserna e os dois quartos que ficam contíguos são baixos e não possuem capacidade nem ventilação nem luz necessária para a livre circulação destes dois fatores. Um dos quartos em que funciona a cadeia civil e militar está situado na entrada da fortaleza e tem as seguintes dimensões e condições higiénicas: 4 metros de comprimento sobre 2 de largura; o vigamento corrupto e húmido ameaça o seu desabamento; a ventilação e a luz são insuficientes. Os outros dois quartos que servem de cadeia militar estão em idênticas condições, um deles não possui sequer uma janela. A igreja tem sofrido ultrajes de toda a qualidade, experimentou ultimamente algumas reparações devido ao incansável zelo do atual pároco missionário, Luiz Baptista de Rosário e Souza. A casa em que funciona o paiol é bastante espaçosa mas não possui uma única janela, é excessivamente húmida e ameaça ruína. Esta casa é imprópria para o fim a que é destinada.

Extramuros, funciona um tribunal judicial presidido por um grumete analfabeto que tem o nome de Juiz do Povo.

A justiça perante este tribunal faz-se da seguinte forma: o réu é conduzido à rua grande (local do tribunal) e aí após um pequeno interrogatório e ouvidas as partes e o povo, é o mesmo condenado a uma multa nunca inferior a 50 mil réis, que ordinariamente é paga em bebidas alcoólicas ou mercadorias.

Concluída esta descrição, o médico dá-nos pormenores sobre o Ilhéu do Rei e o presídio de Geba. Começando pelo ilhéu, diz que defronte dos dois poilões seculares que existem no porto e que servem de fundeadouro aos navios de alto bordo que demandam o porto de Bissau, surge o Ilhéu do Rei ou dos Feiticeiros que tem uma milha de comprimento e meia de largura; e pela sua posição geográfica e condições higiénicas conviria muito que para ali fosse transferida a povoação de Bissau. O Ilhéu do Rei foi comprado aos Papéis por Honório Pereira Barreto, possuía outrora um pequeno fortim, um estaleiro para as embarcações de todas as lotações, uma povoação com 600 habitantes e várias casas comerciais. Agora, na decadência é uma povoação que está reduzida a 25 habitantes.

Bem curiosa é a descrição que faz do presídio de Geba. Começa por dizer que descoberto há mais de 400 anos pelos ousados navegadores portugueses, o presídio de Geba está situado a 60 léguas acima de Bissau. É ocupado por negociantes cristãos, Mandingas e Fulas-Forros e Pretos. Possui a povoação dois baluartes, um dos quais se acha em ruínas e cercado de espesso arvoredo e por isso e pela sua posição nenhum meio de defesa oferece; o outro, construído em 1875, não tem peça nenhuma. O governador Agostinho Coelho enviou em 1881 a Geba instrumentos e materiais e ordenou a construção dos sobreditos baluartes, mas até hoje não se deu começo à referida obra.

No ponto denominado Baixa-mar, jaz enterrada uma urna contendo uma ata assinada pelo Governador Agostinho Coelho e por vários funcionários e negociantes, lavrada por ocasião em que o vapor Guiné sulcando pela primeira vez as águas do tortuoso mas pitoresco rio Geba, aportaram a este último presídio.

Possui Geba a igreja de Nossa Senhora da Graça, construída em 1881 a expensas dos habitantes mas não possui paramentos nem alfaias religiosas.

É tradição oral que nas proximidades do presídio existem minas de ouro e que na época em que foi abolida a escravatura foram enterradas dentro da praça e no bairro denominado Santa Cruz, quarenta arrobas de ouro, que eram de um negociante português que andava perseguido pela justiça por se entregar ao tráfico da escravatura, internara-se nos sertões da Guiné para se pôr a coberto da espada da Justiça.

(Continua)

Alçado da ala lateral do Quartel Militar de Bolama
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.



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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19475: Historiografia da presença portuguesa em África (148): Relatório do Delegado de Saúde da vila de Bissau, o médico de 2.ª classe Damasceno Isaac da Costa, referente a 1884 (1) (Mário Beja Santos)