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quinta-feira, 9 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1262: Guidaje: a verdade sobre o Cemitério de Cufeu (A. Mendes, 38ª CCmds)

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Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > Cufeu > Maio de 1973 > A caminho de Guidaje, os comandos da 38ª CCmds deparam-se com um espectáculo macabro... Cadávares de combatentes das NT e do IN abandonados, na sequência da batalha de Guidaje... Nesta imagem, brutal embora de má qualiddade, vê-se o cadáver de um elemento das NT, africano NT (provavelmente da CCAÇ 19), com a cabeça apoiada num tronco de árvore...O braço, assinalado com um círculo a amarelo, é o do 1º Cabo Cmd Mendes, à procura de documentos para identificar o cadáver.


Foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Há tempos o nosso camarada A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74), abordou aqui o tema (delicado e doloroso) dos nossos mortos em combate, naturais da metrópole ou da Guiné, que terão ficado abandonados na zona do Cufeu, perto de Guidaje (1). Já o convidei a aprofundar este assunto, que mexe com todos nós: "Um dia que queiras escrever sobre isso, estás à vontade... Por muito doloroso que isso seja, temos o dever de contar a verdade"...

No post anterior, da autoria de outro camarada que conheceu o inferno de Guidaje, o 1º cabo paraquedista Vitor Tavares, também há uma referência explícita ao sinistro cemitério de Cufeu (2).

2. No passado dia 3 do corrente, o Amílcar mandou-me a seguinte nota:


Com respeito a tua pergunta sobre os restos mortais das NT que ficaram no Cufeu, deixa primeiro que eu mande mais algumas coisas de choque para despertar consciências e preparar os espíritos e depois vamos lá, ok?

Como reparastes a verdade sobre Guidaje (3) teve o condão de derrubar algumas barreiras mas só algumas. Ainda há verdades que eu acho que são demasiado, digamos, reais.

Corri toda a Guiné, conheci cada mata, cada bolanha, cada etnia, aprendi a falar crioulo, ouvi muitas queixas das pops [populações] naquele tempo sobre militares portugueses, coisas que tu nem imaginas e que constatávamos serem verdades muitas delas (e que se eu hoje aqui as contasse seria sacrificado).

Os excessos também fizeram parte da nossa passagem por lá e e, sem ter sido santo, garanto-te que só no contexto do factor guerra é que os cometi.

Vamos deixar que os camaradas continuem a falar das suas experiências, que eu noto agora serem os relatos já menos poéticos e mais reais. E aí eu irei falar-te da parte encoberta do chamado Cemitério de Cufeu.

Não sei se reparaste que na foto do camarada morto no Cufeu (4), que tu publicaste, vê-se uma mão a mexer no cadáver: é a minha mão à procura de documentos para identificar o corpo. Naquele caso não tinha, por isso passou a número, pecebeste?

Acho a que a derteminada altura em Guidaje os mortos eram números que era não preciso humanizar para não dar rosto à tragédia e os números eram fáceis de apagare. Mas as ordens vinham sempre de cima e essas eram: façam o que puderem!

Perante esse cenário e com dificuldades de evacuações de feridos, como é que se evacuavam mortos?



Guiné > Região de Bafatá > Saltinho > Fevereiro de 2005 > O abutre ou jagudi (corruptela do crioulo jugude). Foto do João Santiago, filho do Paulo Santiago... Na batalha de Guidaje (Maio/Junho de 1973), quantos combatentes, de um lado e de outro, ficaram no terreno para pasto dos jagudis ? Nunca o saberemos ao certo...
Foto: © João/Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.



O destino final de muitos foi o chão da bolanha, pois foi preferível isso do que ver os corpos a servirem de repasto aos abutres. Dito assim, parece demasiedo cruel, mas mais cruel era ficar onde estavam. E repara que esses corpos não foram deixados ali por nós, nós apenas ali os encontrámos.

Hoje ficamos por aqui, ok? Voltaremos ao assunto mais tarde e em mais pormenor.Se quiseres, podes publicar.

Um abraço e fica bem.
A. Mendes

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

(2) Vd. post de hoje > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

(...) "Entretanto a CCP 121, seguida pelos Fuzileiros, elementos do exército e um grupo de Companhia de Comandos Africanos, que foram regressando da Operação Ametista Real, cruzaram-se connosco no Cufeu. Seguimos rumo a Binta, não sem que víssemos inúmeros cadáveres em decomposição, alguns já só em esqueleto, dando a indicação de não serem todos referentes aos mesmos combates.

"Esta zona, sim, era um autêntico cemitério ao ar livre. Para provar isso, quem esteve em Guidaje, nesse período, deve-se ter apercebido que, quando fazia aragem desse lado, o cheiro era bastante acentuado" (...).

Vd. também post de 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto



(3) Vd. posts de

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Cubiana-Churo

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje


24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

(4) Vd. post de 23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

sábado, 27 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7345: (Ex)citações (113): Para mim, os Páras são os Páras. Vou gostar de ler as histórias d' A Última Missão, de Moura Calheiros (Manuel Amaro)


1. Comentário,  com data de 24 do corrente,  do nosso camarada Manuel Amaro   ao poste P7323


Não vou estar na apresentação [do livro do Cor Pára Moura Calheiros], porque estarei a mais de 300 kms. do local. Tenho o maior respeito e admiração pela Família Pára-quedista.


(i) Em 1970, em Aldeia Formosa, fui chamado a dar uma ajuda às nossas Camaradas Enfermeiras, pois tinham um avião cheio de feridos resultantes de uma operação mal sucedida, no Corredor de Guileje.


(ii) Depois do 16 de Março de 1974 ia sendo informado por um Cap Pára, hoje Major General, sobre o andamento do Movimento e da sua missão quando chegasse o dia certo.


(iii) No dia 11 de Março de 1975, estava ali mesmo, no edificio do Aeroporto que fica mais perto do RALIS.

(iv) No 25 de Novembro de 1975, acompanhei [os acontecimentos] pela Imprensa, Rádio e TV.


Mas, conhecendo as instituições, como conheço, para mim, os PÁRAS são os PÁRAS. E vou gostar de ler as histórias d´A Última Missão.


Manuel Amaro
(ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892,
 Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala,
1969/1971) (*)

Foto: Manuel Amaro, de pé, ao centro,  em Monte Real, no V Encontro Nacional do Nosso Blogue, 26 de Junho de 2010,  ladeado conversando como o Paulo Santiago (à esquerda) e o Victor Tavares (à direita) (**)

________________

Notas de L.G.:

(*) Último poste desta série > 22 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7319: (Ex)citações (112): O Simples e o Erudito (na Tabanca Grande) (José Brás)


(**) (2) Vd. postes do Victor Tavares onde se evocam os dias trágicos, para a CCP 121, de Guidaje (Op Mamute Doido, 23-29 de Maio de 1973):



 25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

segunda-feira, 19 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

Guiné > Bissau > Av do Império > CCP 121 > Desfile no 10 de 1972


Guiné > Bissau > Bissalanca > 1972 > O ex-1º cabo paraquedista Victor Tavares, do BCP 12 / CCP 121 (1972/74).


Fotos e texto: © Victor Tavares (2007). Direitos reservados.


Gadamel Porto: outro infrno a sul


Depois de regressada do inferno de Guidaje (1), a CCP 121 encontrava-se estacionada em Bissalanca, gozando um curto período de descanso, após a desgastante acção que tivera no norte da província.

Daí o Comando Chefe entender que os 4 a 5 dias de descanso concedidos já eram demais e ser necessário o reforço das nossas tropas aquarteladas em Gadamael por se encontrarem em grandes dificuldades. Acaba, por isso, por dar ordens para rumarmos a Gadamael, para onde partimos a 12 de Junho de 1973.

Partindo de Bissau em LDG [Lancha de Desembarque Grande] com destino a Cacine, lá chegámos a meio da tarde deste mesmo dia. Como a lancha que nos transportava, não conseguia atracar ao cais por falta de fundo, fomos fazendo o transbordo por várias vezes em LDM [Lanchas de Desembarque Médias] para aquela localidade.

Foi então, logo na primeira abordagem da lancha, que me apercebi que na mesma estava um indivíduo que pela cara me pareceu familiar. No entanto, como o mesmo se encontrava vestido à civil - calções, camisa aos quadradinhos toda colorida e sandálias de plástico transparente - pensei ser porventura algum civil que andaria por ali no meio da tropa, o que seria natural e podia eu estar errado.

Depois de toda a tropa estar desembarcada, indicaram-nos o local onde iríamos ficar, num terreno frente ao quartel de Cacine. Instalámo-nos e de seguida fomos dar uma volta pelas redondezas, até que no regresso deparo com a mesma criatura sentada no cais com ar triste e pensativo, típico da pessoa a quem a vida não corre bem. Eu vinha acompanhado do paraquedista Vela, meu conterrâneo – e hoje meu compadre. Perguntei-lhe:
- Ouve lá, aquele tipo ali não é nosso conterrâneo? - Responde ele:
- Sei lá, pá, isto é só homens.

Gadamael ? Vocês vão lá morrer todos!


Por ali estivemos na conversa mais algum tempo, até que tomei a iniciativa de me dirigir ao fulano uma vez que ele continuava no mesmo sítio. Acercando-me dele perguntei-lhe:
-Diz-me lá, camarada, por acaso tu não és de Águeda ?
Responde-me ele:
- Sou. - e pergunta-me de seguida:
- E você não é de Recardães?

Digo-lhe que sim, cumprimentamo-nos e vai daí perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer, porque de militar não tinha nada. Respondeu-me que não sabia o que estava ali a fazer, de uma forma triste e ao mesmo tempo em tom desesperado e desanimado.

Entretanto com o desenrolar da conversa, ele perguntou o que estávamos ali a fazer, eu respondi que na madrugada seguinte íamos para Gadamael Porto…. Qual não é o meu espanto quando ele põe as mãos à cabeça, desesperado e desorientado, e me diz:
- Não vão, porque vocês morrem lá todos!

Tentei acalmá-lo, dizendo-lhe para estar descansado que nada de grave ia acontecer, pedi-lhe para me contar o que se passava, vai daí, começa ele a relatar o que tinha passado de Guileje e Gadamael até chegar a Cacine. Na verdade depois de o ouvir, não me restaram dúvidas que ele tinha mais do que sobejas razões para estar no estado psicológico aterrador em que se encontrava .


Os militares que abandonarm Guileje, foram tratado como desertores e traidores à Pátria

Entretanto, informa-me da sua situação militar daquele momento tal como a de outros camaradas que abandonaram Guileje. Neste grupo estava também outro meu conterrâneo, que o primeiro foi chamar, vindo este a confirmar tudo.

O que mais me chocou foi a forma desumana como estes militares foram tratados depois da sua chegada a Cacine, sendo considerados como desertores e cobardes, quando em meu entender, se alguém tinha que assumir a responsabilidade dessa situação, seriam os seus superiores e nunca por nunca os soldados.

Estes homens foram humilhados por muitos dos nossos superiores - que eram uns grandes heróis de secretária! -, foram proibidos de entrar no aquartelamento, não lhes davam alimentação, o que comiam era nas Tabancas junto com a população. As primeiras refeições quentes que já há longos dias não tomavam, foram feitas por estes dois homens juntamente com os paraquedistas, porque o solicitei junto do meu Comandante de Companhia, Capitão Paraquedista Almeida Martins – hoje tenente general na reserva - ao qual apresentei os dois camaradas do exército que lhe contaram tudo por que passaram.

Os dois desgraçados de Guileje eram meu conterrâneos: o Carlos e o Victor Correia

Solicitei ao meu comandante para eles fazerem as refeições junto com o nosso pessoal, prontificando-me eu a pagar as suas diárias se fosse necessário. Ele autorizou os mesmos a fazerem as refeições connosco enquanto não tivessem a sua situação resolvida e a nossa cozinha que dava apoio ao Bigrupo que estava de reserva, ali se mantivesse.

O meu comandante expôs o problema destes homens ao comandante do aquartelamento do exército, solicitando que o mesmo fosse resolvido com o máximo de brevidade uma vez que a situação não era nada dignificante para a instituição militar.

É de salientar que estes dois homens já não escreviam aos seus familiares há mais de um mês, porque não tinham nada com que o fazer. Fui eu que lhes dei aerogramas para o fazerem e os obriguei a escrever, porque o seu moral estava de rastos e a vida daqueles militares já não fazia sentido. Dormiam debaixo dos avançados das Tabancas enrolados em mantas de cor verde, não tendo mais nada para vestir a não ser o camuflado.

Estes meus dois conterrâneos que atrás refiro eram o Carlos (que infelizmente já faleceu, natural do lugar de Perrães, Oliveira do Bairro) e o Victor Correia (de Aguada de Baixo, Águeda, e que hoje sofre imenso de stress pós-traumático de guerra) )(2).

Depois Guileje sitiada e abandonada, O PAIGC virou-se para Gadamael

No dia seguinte mais uma missão estava destinada à Companhia de Caçadores Paraquedistas 121 [CCP 121]. Já se encontravam há vários dias as CCP 122 e 123, para fazer face à gravidade da situação criada pelas forças do PAIGC que, neste período do ano , entre Maio e Julho, tinha intensificado os ataques, tanto a aquartelamentos como a colunas.

Em Gadamael Porto a situação era cada vez mais complicada , uma vez que os militares do PAIGC já tinham tomado o destacamento de Guileje, após ataques contínuos de artilharia e flagelações de armas ligeiras, chegando mesmo a cercar o destacamento e mantendo a sua guarnição sitiada até à tomada de decisão de abandonar o destacamento por parte do seu Comandante, Coutinho de Lima (3), uma vez que não lhe restava outra alternativa. Não o fazendo correria o risco de as NT serem dizimados pelas forças atacantes que estavam decididas a tomar fde assalto o aquartelamento.

Os ataques geralmente partiam da Guiné Conacri. Após o abandono de Guileje por parte das nossas forças, os homens do PAIGC começaram a bombardear Gadamael Porto, concentrando toda a sua artilharia apontada a este destacamento com a intenção de o tomar de seguida.

No entanto este já se encontrava guarnecido pelas Companhias de Paraquedistas 122 e 123 e, a partir da data acima indicada. pela 121, as quais impediram tal intenção. Mesmo assim foram dias de grande azafama em termos operacionais aonde a segurança era nula. Várias vezes ao dia o destacamento era atacado e não falhavam um único tiro, tornou-se numa situação insuportável. As nossas tropas tinham mais segurança quando andavam fora do destacamento, em patrulhmentos. A nossa missão foi manter a segurança do destacamento, patrulhando e fazendo incursões até junto da fronteira onde o PAIGC tinha instaladas armas antiaéreas e canhões sem recuo. Era dali que atingiam Gadamael Porto e antes Guileje . Durante estes patrulhamentos tivemos um primeiro contacto com as forças do PAIGC sem qualquer problemas para as nossas tropas.

13 de Junho de 1973: aliviando a pressão sobre Gadamael

No dia 13 de Junho, de manhã cedo, preparámo-nos para rumar a Gadamael, sendo transportados em Zebros do Destacamento de Fuzileiros Especiais Africanos nº 21, dois grupos de combate sendo colocados nas margens do rio nas proximidades de Gadamael para onde seguimos em patrulhamento depois de serem desembarcados os outros dois grupos de combate da 121 que foram deslocados em LDM. No regresso, as embarcações seguiram para Cacine com os paraquedistas da CCP122, aonde iriam recuperar durante um curto período.

Chegados ao destacamento [ de Gadamael], verificámos que o estado do mesmo era na verdade aterrador, fruto dos constantes ataques, sendo bem visíveis os buracos dos rebentamentos das granadas do IN. Era evidente que quem lá tinha estado anteriormente, tinha passado por uns maus bocados.

As nossas duas companhias de paraquedistas que se encontravam aqui estacionadas estavam em permanentes patrulhamentos no exterior do aquartelamento, indo a este simplesmente para remuniciamento e reabastecimento. Desta forma fomos alargando o raio de acção indo até junto à fronteira, para conseguir referenciar os locais de onde o PAIGC fazia os ataques, para dar indicações à nossa Artilharia e Força Aérea. A impossibilidade de referenciar, por ar, estes alvos, levou-nos a ocupar as zonas em que o IN poderia instalar as suas bases do fogo e deste modo a fazê-lo afastar-se. Foi o que, realmente, veio a acontecer.

A partir desta altura fomos ao encontro dos locais de onde se ouviam os disparos das bocas de fogo e ocupámos essas áreas mesmo junto à fronteira, algumas vezes chegámos mesmo a ultrapassar a linha de fronteira com alguma profundidade - nunca por períodos longos, mas apenas porque havia aí bases de fogo IN. Nunca conseguimos apanhá-los desprevenidos, pois havia sempre forças de infantaria do PAIGC que os alertava com tiros acabando por retardar a nossa progressão.

No entanto os ataque a Gadamael deixaram de ser tão frequentes, passando as flagelações a a realizarem-se com menos intensidade e sem a precisão até aí evidenciada, além de feitas a partir daí sempre de locais diferentes. Quando as nossas forças aí chegavam, já eles tinham partido para outro local.

Mesmo já quando as forças do PAIGC não flagelavam o destacamento com tanta frequência, fomos mantendo a actividade de patrulha ao mesmo ritmo, por forma a manter as áreas próximas do braço do rio que dava acesso a Gadamael e que era a nossa única via de ligação para o exterior.

Consequentemente a eficácia de tiro até aí verificada por parte do IN deixou de existir e a intenção e pressão inicial caiu por terra, as forças do nosso exército voltaram ao destacamento e com os pára-quedistas fizeram vários patrulhamentos transmitindo-lhes os nossos conhecimentos e mais confiança nos deslocamentos em plena mata até aí de arrepiar.


Guiné > Mapa Geral da Província (pormenor) > 1961 > Posição relativa de Guileje e de Gadamel, no sul da Guiné, na actual Região de Tombali, na fronteira com a Guiné-Conacri.

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados



23 de Junho de 1973: atolados num campo minado!

A 23 de Junho de 1973, recebemos ordens para novo patrulhamento. Manhã cedo arrancámos desta vez saindo pela que era considerada porta de armas virada para o rio, o qual atravessámos. Avançámos para o local indicado pelos nossos superiores, em progressão lenta e com cuidados redobrados.

Esta zona não era para brincadeiras. Nesse dia éramos acompanhados por 2 militares do exército que eram sapadores e montavam minas no terreno tentando proteger o destacamento da acção do inimigo. Passado algum tempo, recebemos ordens para parar na frente, estávamos num local minado pelos nossos novos companheiros e a sua missão era indicar-nos a localização das minas para podermos contornar o local sem qualquer incidente.

Qual não foi o nosso espanto quando nos foi dito que já tinhamos avançado demais e que nos encontrávamos sobre o campo minado. A nossa sorte foi que tinha chovido torrencialmente nos dias anteriores e, como o terreno era um pouco inclinado, arrastou terras para o local minado, o que fez com que não tivéssemos accionado qualquer aparelho. Esta situação aconteceu porque os sapadores já não conseguiam identificar o local minado com exactidão. Passados esses momentos de grande ansiedade e saídos desta zona perigosa, continuámos a progressão.

O nosso objectivo era fazer um reconhecimento a determinado local referenciado pelo Comandante das operações naquela zona e que o mesmo suspeitava de ali existir algo de estranho, assim o primeiro bigrupo da CCP121 continua a sua deslocação.

Caía aquela chuva miudinha tipo cacimbo, que se foi acumulando nas folhas das árvores e por consequência caíam no chão fazendo o ruído característico que se conhece. Depois de algum tempo andado, começámos a ouvir pessoas a falar, avançámos com ainda mais cuidado , a mata era bastante aberta , com pouca vegetação rasteira e com árvores de grande porte.

As condições do terreno proporcionava a formação de uma frente em linha de um grupo com 5 a 7 paraquedistas para esse efeito foram chamados mais 2 homens apontadores de armas pesadas , MG e HK21, que seguiam mais atrás. Formada a equipa de assalto, fomos avançando lentamente e cada vez mais se ouviam os homens do PAIGC, para surpresa nossa, quando detectámos em cima de uma grande árvore um militar inimigo como sentinela avançada, e que também ele foi surpreendido porque tínhamos homens da nossa coluna que já tinham passado por ele. Também o barulho da chuva agora mais intensa o atraiçoou .

20 minutos de fogo numa grande base do IN

Já a uns 100 metros das posições de onde vinham as vozes, encontravam-se os paraquedistas da frente e mais atrás a nossa preocupação era não sermos detectados pelo tal sentinela avançado que apenas se preocupava em vigiar o lado contrário ao qual nós nos encontrávamos. Talvez eles pensassem que se aparecesse alguém seria por aquele lado , visto que passava por lá uma picada , mas nós vinhamos em sentido contrário e a corta-mato, o que para nós era habitual.

O guarda tinha sido atraiçoado, para nosso bem, no entanto na frente, quando tudo fazia prever que íamos colher o inimigo de surpresa , houve um elemento deles que detectou as nossas tropas abrindo fogo primeiro, ao qual os araquedistas responderam com intenso poder de fogo causando bastantes baixas ao inimigo como se verificou pelos vários e abundantes rastos de sangue, visto que eles se encontravam em valas e abrigos colectivos de onde se puseram em fuga. Houve um grupo que, entrincheirado, resistiu até à retirada dos seus feridos e mortos ser feita, o que levou a que este combate se prolongasse durante mais de 20 minutos.

Um grande ronco: capturado algum material de Guileje

Mesmo assim os guerrilheiros acabaram por deixar uma quantidade apreciável de armas , munições e granadas, algumas delas era material das nossas tropas que o inimigo tinha vindo a capturar às forças do nosso Exército caídos em emboscadas e do destacamento de Guilejee o qual já tinha sido tomado pelas forças do PAIGC. Neste contacto, logo nos primeiros tiros mais atrás, com uma rajada abatemos também o vigia acima referido . Foi a única baixa do PAIGC que pudemos confirmar na retaguarda.

Entretanto abandonámos o local depois de fazer a recolha de todo o material, porque era usual o inimigo fazer batidas de zona com morteiros ou canhão sem recuo, o que era sempre perigoso. Este grupo que foi apanhado de surpresa, era constituído por cerca de 30 combatentes.

Afinal o nosso comandante de operações Major Paraquedista Calheiros tinha razão em solicitar a nossa intervenção neste local porque era realmente um enorme quartel posso até dizer o maior, talvez mesmo o maior de todos os que detectamos durante toda a minha comissão.

Próximo desta base e paralelo à linha de fronteira, referenciámos uma picada que era bastante utilizada por viaturas vindas da Guiné Coancri, com passagem recente. Aí emboscámos durante algum tempo sem que o IN se revelasse. Levantámos a emboscada e regressámos ao destacamento sem mais qualquer incidente e bastante carregados com o ronco conseguido.

2 Julho de 1973: ataque em força a Gadamael

O PAIGC ataca o destacamento de Gadamael Porto utilizando Canhões s/r , Morteiros 82 , RPG 2, RPG 7 e Foguetões. Foi talvez o ataque mais forte desde o início das flagelações que eram constantes ao destacamento, mas que apenas conseguiu destruir mais algumas das poucas infra-estruturas existentes que ainda se mantinham mais ou menos direitas e causar algum efeito psicológico negativo nas nossas tropas. Do ladoNT ali aquarteladas, houve apenas 2 feridos, sem gravidade.

De salientar que os ataques inimigos eram de tal forma precisos que era raro cair uma granada fora do perímetro do destacamento. Até chegámos a pensar que havia alguém, no interior ou bem perto, a dar orientação e correcção dos fogos o que se viria mesmo a confirmar que assim era.

A CCP 121 emboscada a 500 metros do destacamento

Nos dias seguintes a CCP 121 fazia patrulhamentos, como era habitual todos os dias em Bigrupo (muito raro) ou a nível de Companhia (quase sempre) - isto devido aos poucos efectivos que a CCP 121 tinha em virtude das baixas havidas anteriormente e as rendições serem escassas ou mesmo nulas para a situação operacional existente.

Num desses patrulhamentos, logo a pouco mais de 500 metros do destacamento, a CCP 121 foi emboscada por um forte grupo de combate do PAIGC ao qual deu a resposta adequada durante mais de 25 minutos. De salientar que o inimigo tinha no local uma boa quantidade de atiradores equipados com RPG 2 e RPG 7, o que nos levou a pensar que estavam a preparar um assalto ou forte ataque ao destacamento logo que a nossa Companhia estivesse fora da zona, uma vez que o destacamento ficaria muito mais desprotegido em termos de efectivos e com poder de fogo mais reduzido.

Neste contacto apenas houve a registar 1 morto - o nosso guia africano - e 1 ferido ligeiro nas nossas tropas. Capturámos 2 armas ao inimigo e confirmámos 1 morto no local . Tivemos que regressar ao destacamento, pois já estávamos com poucas munições. Aabámos por sair para o patrulhamento planeado, pouco depois, ao longo do rio e que decorreu com toda a normalidade .

7 de Julho de 1973: emboscada nas matas de Lamol com 4 mortos (confirmados) do PAIGC

A CCP 121, patrulhando mais uma vez a zona nas matas de Lamol, foi emboscada por um forte grupo de combate do PAIGC que pensámos ser de cerca de 30 elementos fortemente armados e municiados com todo o tipo de armas que os guerrilheiros normalmente utilizavam: RPG 2 , RPG 7, Morteiros , Canhão s/r, PPSH - ou costureinha, asssim chamada devido ao seu cantar inconfundível - , Kalashnikov , Degtyarev e outras armas ligeiras de repetição tais como a Simonov.

Alguns destes guerrilheiros eram de tez branca. O contacto durou vários minutos. Em consequência deste contacto, o inimigo sofreu 4 mortos confirmados e bastantes feridos , deixando vário material de guerra no local.

Muitos outros episódios poderia contar desta passagem por Gadamael Porto. Poderia falar sobre bre a alimentação, já que só passadas algumas semanas é que se começou a cozinhar... E o quê? Arroz com dobrada ao meio dia e o mesmo à noite, sendo o mesmo nos dias seguintes... E alguma dela já fora de validade!... As carências eram grandes e as dificuldades enormes em todos os aspectos, mas fomos sobrevivendo conforme se podia.

Não posso deixar de referir que, terminado mais este duro período em Gadamael. os paraquedistas do BCP 12 deram um contributo valioso e valoroso e de forma decisiva que conseguiu desta forma travar o ímpeto das grandes ofensivas que o PAIGC lançou tanto a norte (Guidaje) como a sul (Guileje e Gadamael.

E assim honrámos assim a nossa arma e também as nossas forças armadas.

Regressamos em LDG a Bissau no dia 17 de Julho de 1973

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts relacionados com a CCP 1231 e com o nosso camarada e amigo Victor Tavares:

18 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1610: Ao meu pai, Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista, CCP 121 (Osvaldo Tavares)

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1605: A reportagem da TSF e o regresso do Vitor Tavares a Guidaje (Albano Costa)

8 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1573: O Victor Tavares, da CCP 121, a caminho de Guidaje, com uma equipa da TVI (Luís Graça)

21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os paraquedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gamparà (Victor Tavares, CCP 121)

8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1350: Ataque ao navio patrulha no Rio Cacheu (Victor Tavares)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

21 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)

(2) Estes camaradas devem ter pertencido à CCAV 8350, a última unidade a deixar Guileje, e a que pertenceu o membro da nossa tertúlia, o ex-furriel mil op espec José Casimiro Carvalho:

Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73) (Magalhães Ribeiro)

Recorde-se que, de 18 a 22 de Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje foi cercado pelas forças do PAIGC (Op Amilcar Cabral), obrigando as NT (CCAV 8350, 1972/73), a abandoná-lo, juntamente com cerca de 600 civis.

A Companhia Independente de Cavalaria 8350/72 foi a unidade de quadrícula de Guileje entre Outubro de 1972 e Maio de 1973. Viu morrer em combate nove dos seus homens, entre algumas dezenas de feridos.

Foi seu Comandante o Capitão Abel dos Santos Quelhas Quintas, que escreveu numa carta dirigida ao Senhor Chefe do Estado Maior do Exército, sobre o Furriel Miliciano de Operações Especiais José Casimiro Pereira Carvalho, com o seguinte teor (desconheço a data):

Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:

"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais Casimiro Carvalho.

(...)"Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.

""Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael" (...)

(3) O major de artilharia Alexandre da Costa Coutinho e Lima era o comandante do COP 5, na altura da batalha de Guileje e Gadamael:

Vd. posts de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1540: Os pára-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará, em 4 de Março de 1972 (Victor Tavares, CCP 121)


Guiné > Bissau > Base Aérea nº 12 > O repouso dos guerreiros: pára-quedistas da CCP 121. "Daniel Piedade, com camisola branca descosida no ombro, Victor Batista, no meio, António Marques, o Chamusca, já falecido, a seu lado António Martins e, o que está sentado na mesa, sou eu" (VT).




Guiné > Bissau > Base Aérea nº 12 > O ex-1º Cabo pára-quedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Guiné 1972/74).


Fotos e texto: © Victor Tavares (2006). Todos os direitos reservados.



CCP 121 - Março de 1972 > Actividade operacional em Gampará

por Victor Tavares (1)


No dia primeiro do mês de Março de 1972, a CCP 121, comandada pelo Capitão Pára-quedista Moura Martins, seguiu em LDG com partida de Bissau, com destino à península de Gamparà [, ma margem esquerda do Rio Corubal, mais ou menos frente à Ponta do Inglês, vd. carta de Fulacunda] onde permaneceu durante cerca de dois meses, daí partindo para acções de patrulhamento, emboscadas e outras operações de grande envergadura.


Tendo chegado aqui ao meio da tarde, saiu de seguida para um patrulhamento de onde regressou ao início da noite. Aí pernoitou para, na madrugada do dia 2 de Março, partir para o segundo patrulhamento, feito pelo 2º pelotão da CCP 121, o meu grupo de combate.


Preparando a visita do Homem Grande de Bissau


Saíndo pela retaguarda do destacamento, patrulhámos uma vasta área com vários Tabancais e Tabancas isoladas. Fizemo-lo sempre a corta mato por forma a não sermos detectados, emboscámos em vários locais sem que tivessemos referenciado algo de suspeito. A população movimentava-se para algumas lavras onde efectuavam a sementeira de milho e outros cereais.


Notava-se naquela península uma grande dinâmica, comparada com outras zonas do território até pela quantidade de gado bovino que se apascentava nas bolanhas e na orla da mata.


Regressámos ao destacamento já era noite, aonde pernoitámos em pequenas valas individuais que apenas davam para colocar o colchão pneumático, para na madrugada dia seguinte, 3 de Março, iniciarmos novo patrulhamento. Desta vez para o lado oposto àquele do dia anterior. Decorreu sem incidentes, mas com algumas movimentações suspeitas por parte de alguns elementos da população local que, ao contrário do dia anterior, se mostravam menos dinâmicos e mais expectantes, algo estariam a preparar. Regressámos ao destacamento [de Gampará] no final da tarde deste mesmo dia, sem termos problemas.


Quero também dizer que aqui, em Gamparà, os patrulhamentos eram feitos a nível de pelotão. Sempre que saíamos era para zonas diferentes e de uma forma geral regressavamos todos ao destacamento, onde se pernoitava.


Durante estes primeiros dias nenhum grupo de combate da CCP121 teve qualquer contacto com as forças do PAIGC, o que era de estranhar, uma vez que anteriormente as forças do nosso Exército sempre que saíam eram atacadas. Por essa razão é que fomos colocados na península.


Outra das razões era a visita, a este local, do Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas na Guiné, General António Spínola. Como toda a gente sabe, a envolvência e a quantidade de militares nestas visitas de propaganda psicológica às populações apenas tinham eco na comunicação social próxima do regime.


No dia 4 de Março de 1972, o comandante chefe António Spínola visitou Gampará, em mais uma acção de psico a esta zona. A visita não correu ao agrado da população, uma vez que as promessas feitas anteriormente pelo Homem Grande ainda não tinham sido compridas, causando algum descontentamento e alarido no meio dos residentes. Isso foi notório durante o discurso, e ao mesmo tempo também preocupante.


Operação Pato Azul (A operação que o primeiro bigrupo da CCP 121 acabou por não executar)


Entretanto e depois do general do pingalim e monóculo abandonar a península, é dada ordem para o 1º Bigrupo de Combate da CCP 121, composto pelo primeiro e segundo pelotões, se preparar para uma operação de três dias, na qual irão participar também a Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123, além de outras forças. Foi dada ordem de saída cerca das 23 horas. Saímos do destacamento de Gampará rumo à Pedra de Agulha e desta até a margem do rio Corubal onde aguardaríamos uma LDG [Lancha de Desembarque Grande] que transportava a CCP 123 e outras forças vindas de Bissau para desenvolver a operação Pato Azul na zona de Tite.


Noite dentro, umas vezes utilizando a picada existente e outras, como era habitual, abrindo caminho paralelamente a estas, lá fomos progredindo na marcha possível com ligação por contacto. Embora fosse uma noite com alguma claridade, esta só se notava quando passávamos nas clareiras. Nesta altura andávamos há cerca de 45 minutos até que algo inesperado aconteceu: seguia na frente a 1ª Secção do 2º Pelotão da qual eu fazia parte e na altura seguíamos do lado direito da picada existente quando surgiu a palavra da retaguarda dada pelo nosso Comandante de Companhia, Capitão Moura Martins, informando para cortarmos à esquerda.


Seguia um pouco à minha frente o Comandante do 2º Pelotão, Alferes Afonso Abreu, que, ou não percebendo a ordem ou para confirmar a mesma, deu meia volta sobre a sua perna esquerda e colocou o seu pé direito do outro lado da picada, num trilho pedonal. Ao fazê-lo e nesse exacto momento deu-se uma explosão, seguida de gemidos de sofrimento do nosso Alferes.


Colocámo-nos em guarda a manter segurança enquanto os nossos enfermeiros - por casualidade os dois com o mesmo apelido, Sousa - se encarregavam de socorrer o ferido, fazendo todos os possíveis para que com garrotes, soro e injecções o não deixassem esvaír-se em sangue, uma vez que tinha ficado sem uma parte da perna, mais precisamente, logo a seguir ao cano da bota. Foi o resultado da explosão da mina anti-pessoal que o nosso Alferes tinha accionado. Impressionante foi que a partir desse incidente grave, o mesmo que era bastante gago, enquanto estava a ser socorrido pelos enfermeiros do 1º e 2º Pelotão, chamava a atenção para termos cuidado com a segurança montada, sem sequer gaguejar um pouco.


Entretanto improvisou-se uma maca e foi pedido pessoal para o transporte da mesma, tudo isto por volta das 24 horas do dia 4 para o dia 5 de Março, estava tudo preparado e organizado iniciando-se a deslocação da maca com o ferido.


Andados os primeiros dois ou três metros, um dos militares pára-quedistas que pegava na maca accionou um fornilho com uma potência tão grande que viria a matar seis militares pára-quedistas, incluindo o ferido, Alferes Abreu. Foram momentos de grande ansiedade e de terror, gemidos, gritos de sofrimento, de todos os lados , uns cegos - caso do Inês - , outros feridos de morte - caso do Furriel Cardiga Pinto que com as suas mãos no abdómen segurava aquilo que restava dos seus órgãos...


O Sousa, Enfermeiro, que até aí tinha sido um herói no socorro ao Alferes Abreu e que seguia ao lado da maca segurando o frasco do soro, viria a morrer ficando sem um dos braços. A cabeça e rosto ficaram bastante mal tratados, ficando completamente irreconhecível, o mesmo se passando com o Alferes Abreu. Identifiquei os dois no Hospital Militar de Bissau para onde fui evacuado de helicóptero junto com alguns dos
corpos,  incluindo estes dois últimos.


No local, os que escaparam à explosão, sem descurar a segurança, foram socorrendo os feridos mais graves dentro das possibilidades da ocasião, tendo sido pedido transporte para socorro ao destacamento de onde tínhamos partido (Gampará), que viriam com uma viatura para transportar os mortos e feridos mais graves. Mesmo assim um dos nossos camaradas que tinha sido projectado pela explosão para uma distância considerável, viria a ficar até à madrugada no local onde morreu por não ter sido encontrado aquando do reconhecimento. Ficou espetado numa palmeira a 2 a 3 metros de altura, de onde foi recolhido pelos camaradas ao clarear do dia. Tinha sido feita a contagem várias vezes e faltava sempre um, quando se verificou que esse militar que faltava era o 1º Cabo Pára-quedista Almeida.


Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia , resultaram:

(i) seis mortes, Alf Mil Paraquedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa;

(ii) 2 feridos graves e nove com menos gravidade , Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira , Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE.


Carregámos os mortos e feridos debaixo de uma nuvem enorme de pó e fumo, para a viatura chegada do destacamento, com um cheiro terrível a pólvora a sangue e a morte. Foram momentos horríveis que os Pára-quedistas da CCP121 tiveram que passar naquela noite triste e inesquecível de Março de 1972, que nunca aqueles que lá estiveram irão esquecer.


Os pára-quedistas também choram


Regressados ao destacamento, os feridos mais graves foram conduzidos para tendas aonde lhes foram prestados os primeiros socorros possíveis, era um amontoado de corpos a serem tratados pelos enfermeiros e socorristas, pára-quedistas e do Exército, que não tinham mãos a medir para aqueles que mais sofriam: uns choravam de sofrimento - porque OS PÁRA-QUEDISTAS TAMBÉM CHORAM! - a perda de camaradas, amigos e companheiros principalmente nestes momentos de tragédia, outros gritavam de dores e alguns, já quase moribundos, em agonia de morte, poucos minutos ou horas lhes restavam de vida, sofriam em silêncio porque já não tinham forças para dar qualquer sinal.


Infelizmente acompanhei muito de perto toda esta tragédia, porque depois de ter ajudado a socorrer os meus camaradas no local e termos feito o regresso, e os ajudar a colocar nos locais aonde foram socorridos, comecei a sentir frio e a tremer. Como me encontrava todo sujo de poeira e sangue, fui lavar-me a um bidão, ao tirar o dólmen - casaco camuflado - sentia algum ardor nas costas e braços e no ombro esquerdo. Ao passar a mão notei logo o que era, estava todo carimbado de estilhaços e estava a perder sangue, daí a razão de estar com tremuras e frio. Antes não liguei porque, como carreguei alguns feridos e mortos, pensei sempre que este sangue seria dos meus camaradas.


Quero referir que, aquando do rebentamento do fornilho accionado, eu e alguns camaradas fomos projectados para o meio da mata pelo sopro da potente explosão. Estou a recordar-me por exemplo do Capitão pára-quedista Moura Martins, meu comandante de companhia, e dos pára-quedistas Liam e Ferreira e do PCB  enfermeiro Pára-quedista Sousa. Este morreu de imediato. Foram para uma distância de mais de 10 a 15 metros, caindo um deles em cima de mim, fracturando-me duas costelas, o que me levou a ser evacuado no dia seguinte para o HMB 241 em Bissau onde permaneci durante dois dias, sendo posteriormente transferido para a enfermaria da BA 12 - Base Aérea 12 - onde eram tratados e recuperados os pára-quedistas feridos.


No mesmo dia 5, no Hospital, fui solicitado para ir fazer a identificação dos corpos
Uma vez que o seu estado era arrepiante, além de duvidoso para quem não tinha acompanhado toda esta tragédia, era difícil fazê-lo com exactidão tal era o estado de pelo menos de dois dos nossos camaradas.


Entretanto já na enfermaria da BA 12, passados uns dias fomos visitados pelo General António Spínola, Comandante-Chefe da Z.A.C.V.G. e Governador da Guiné, acompanhado pelas senhorinhas do M.N. F. [ Movimento Nacional Feminino], para se inteirar do estado dos pára-quedistas feridos em Gampará.


Como nada me impedia de andar de pé, as dores mais fortes eram na caixa torácica
E tanto valia estar deitado como não, tinha sempre dores. Na ocasião desta tão ilustre visita, encontrava-me perto da porta, e ao deparar com a aproximação destes visitantes, não fiquei lá muito a vontade, estava de camisola branca - hoje chama-se T-Shirt - e calças azuis de fato de treino. No entanto coloquei-me na posição de sentido enquanto ele me perguntava aonde se encontravam os feridos. Indiquei-lhe o local e acompanhei a sua rápida visita cumprimentando a despachar os doente - parecia muito ocupado -, demorando dois ou três minutos, e acabando por dizer à saída:
- É só isto, pensei que fosse mais grave.


Ao ouvir isto, não por mim mas por alguns dos meus companheiros que se encontravam bastante mal tratados, apeteceu-me dizer-lhe que quem devia lá estar era o senhor general, mas com isso só podia arranjar era uma sanção disciplinar, mesmo revoltado com o que tinha ouvido, contive-me, despedindo-me das madames que acabaram por nos deixarem uns livros de contos da carochinha e valha-nos Deus que se derretiam em simpatia que era de meter nojo.


Enfim, eram outros tempos... Passados cerca de oito dias regressei ao pelotão, embora ainda em convalescença, e aí acabei a minha recuperação.


Estimado amigo e camarada Luís,  envio-te mais este texto para se assim o entenderes publicá-lo, estás à vontade. Despeço-me com um abraço de amizade para ti e todos Tertulianos.


Vitor Tavares, que também é amigo e vizinho do Paulo Santiago.


P.S. - Quero também informar-vos que a minha companhia - a CCP 121 - já teve o seu encontro anual em Tancos e antes do almoço reunimos para falar sobre os mortos de Guidaje, aonde esteve presente o meu camarada de armas na reserva Sargento-Mor Pára-quedista Manuel Rebocho que, a nosso pedido, fez o ponto da situação. Em meu entender as coisas estão a correr bem. O pessoal está a despertar repentinamente , tenho recebido telefonemas vários, atéde camaradas pára-quedistas que estiveram noutras províncias e de outros que ainda estão ainda no activo.


Vamos ver quem mais se juntará a nás nesta justa iniciativa. Será que os organismos oficiais acordam ?
____________


Notas de L.G.:


(1) Vd. posts anteriores:


8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1350: Ataque ao navio patrulha no Rio Cacheu (Victor Tavares)


25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida


26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos pára-quedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1514: Hoss, o paraquedista: meu amigo e vizinho (Paulo Santiago)

Guiné > Bissau > Brá> 1970 > Em primeiro plano, o Hoss, 1º cabo enfermeiro da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº. 122, e amigo do Tino Neves (1).

Foto: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.

Mensagem do nosso camarada Paulo Santiago que, nos últimos tempos, tem dedicado toda a sua atenção à difícil situação de saúde mãe. (Desejamos-le todos que a senhora sua mãe recupere o mais rápido possível.

Luís:

Apesar, das minhas preocupações actuais, que tu conheces, venho todos os dias visitar o blogue, inclusive quando andei por Leon e Galiza (se os Albergues tinham Net, lá ía dar uma espreitadela).

Esta tua página tem sido, para mim, revitalizante, melhor que qualquer outra droga, para combater o stress e as vicissitudes que nos vão aparecendo.

Lembras-te da história que há tempos te contei sobre o meu julgamento em Junho passado ?Falava nas minhas testemunhas abonatórias, o Coronel Clemente e o ex 1º Cabo do 53 A. Cosme. Claro, também tinha as testemunhas de defesa, presentes na altura dos incidentes. E quem estava entre essas testemunhas? O Hoss, lembrado hoje pelo Tino Neves (1).

Como o mundo é pequeno, aqui no nosso blogue. Emocionei-me!

O Hoss, Sílvio Fagundes Abrantes, é meu conterrâneo, aqui de Aguada de Cima, já lhe mostrei alguns posts quando,por vezes vem aqui a minha casa. Aliás, mandei há pouco recado pela minha filha, para ele vir cá para lhe mostrar a mensagem do Tino.

Não conhecia aquela do SPM, mas era de facto um tipo muito conhecido.Também almocei com ele algumas vezes em Bissau, no quartel dos Páras, onde tinha fama de grande temeridade. Era 1º Cabo Enfermeiro, mas, além da bolsa de primeiros socorros, levava uma MG42.

Teve grandes problemas de stress pós-traumático, bebia imenso, não dormia e ficou com a saúde abalada. Tem uma mulher que sempre o amparou e tem dois filhos excelentes.

Deixou de beber, uma gota que seja, há uns cinco anos,e hoje anda fino, apesar dos diabetes. Por vezes, ainda tem pensamentos perturbantes, que passam com alguma rapidez.

No meu julgamento, não conseguiu responder às perguntas da juíza, confessando-me no fim que não as tinha ouvido, naquele momento pensava na maneira de apertar o pescoço ao advogado(meu inimigo de estimação) que me tinha montado a armadilha. Somos muito amigos. E, para o mundo continuar a ser pequeno, o substituto do Sílvio (Hoss) foi o Vitor Tavares (2).

Um grande abraço
Paulo Santiago
(ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 53,
SPM 3948,
Saltinho , 1970/72):

PS - A minha mãe continua hospitalizada mas com algumas melhoras.

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

(2) Vd. posts do Vitor Tavares, que também é amigo e vizinho do Paulo Santiago:

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto

9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19026: In Memoriam (322): Manuel Maria Veira Carneiro (27 jan 1952 - 11 set 2018), natural do Marco de Canaveses, ex-sold paraquedista, CCP 121 /BCP 12 (Bissalanca, 1972/74)... Nosso grã-tabanqueiro, a título póstumo, nº 777.


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Festa de Nossa Senhora do Socorro >  27 de julho de 2008 >    Manuel Carneiro, membro da Tabanca de Candoz e,  agora, a título póstumo, da Tabanca Grande, com o nº 777.





Tancos > Regimento de Caçadores Paraquedistas > BCP 12 > CCP 121 > 1971 > O Manuel Carneiro é o terceiro a contar da esquerda para a direita. Nascido em 1952, ainda não tinha 20 anos nesta data... Foto do Para Dias  Dias (o quarto), com a devida vénia).  [Edição e legendagem: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Soube, através da Alice Carneiro, que morreu no passado dia 11 o nosso camarada Manuel Maria Vieira Carneiro, que pertencia à Tabanca de Candoz... Fiquei triste. Falei com ele uma meia dúzia de vezes,  se tanto. E tem duas ou três referências no nosso blogue (*). Era amigo e camarada do Victor Tavares, de Águeda, nosso grã-tabanqueiro da primeira hora.

O funeral foi a 12 do corrente, às 18h30, na igreja de Nª Senhora do Socorro, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses- Os seus restos mortais repousam agora no cemitério local, a última (e eterna) morada também dos meus sogros, José Carneiro e Maria Ferreira, fundadores da nossa Quinta de Candoz, pais da Alice Carneiro.

À esposa do nosso já saudoso camarada Manuel Carneiro, às suas filhas e aos seus netos, aos seus amigos e aos seus/nossos camaradas da CCP 121 / BCP 12, os editores deste blogue e os demais membros da Tabanca Grande manifestam a sua solidariedade na dor por esta perda precoce, aos 68 anos,  de mais um dos bravos da Guiné.



2. "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande": foi a expressão que  usei quando encontrei e conheci, pela primeira vez,  o Manuel Carneiro, ex-paraquedista da CCP 121/BCP 12, que esteve na Guiné entre 1972 e 1974.

Quem, primeiro, me tinha falado dele  fora o Victor Tavares, à mesa do Restaurante Vidal, em Aguada de Cima, Águeda, em 2 de março de 2007, tendo a nosso lado o Paulo Santiago, os dois membros, da primeira hora, da nossa Tabanca Grande.

Como então tive ocasião de escrever, o Victor Tavares é "um digno representante dessa escola de virtudes humanas e militares que foram (e são) os paraquedistas".

Valoroso elemento da CCP 121 /BCP 12, na Guiné, entre 1972 e 1974, 1º cabo, famoso apomtador da MG42, sofreu nove baixas mortais: seis na Operação Pato Azul (Gampará, Março de 1972) e três na heroica 5ª coluna que, entre 23 e 29 de maio de 1973, rompeu o cerco a Guidaje. Estes episódios já aqui foram evocados pelo Victor, com dramatismo, autenticidade e rigor (*).

À mesa, na conversa que tive com o Victor, ao almoço, à volta de um delicioso leitão,  deu também para perceber que ele é também um grande homem, um grande português e um grande camarada, que foi um notável operacional mas que não se envaidecia pelo seu brilhante currículo como combatente e pelo facto de ainda hoje privar com os seus antigos oficiais, incluindo aquele que foi seu comandante e que atingiu o posto de tenente-general (Manuel Bação da Costa Lemos, hoje na reforma, condecorado com a Medalha de Valor Militar, grau Prata com Palma), posto esse que é dificilmente alcançável entre as tropas paraquedistas...

O Victor, que tem conhecido as agruras da doença, foi e continua a ser muito respeitado pela família paraquedista, camaradas e superiores hierárquicos... Por isso, a  sua presença, na nossa Tabanca Grande, desde longa data,  só nos pode honrar, sobretudo pela sua grande experiência, camaradagem e lealdade. Não sei se ele já foi, entretanto, informado do camarada Manuel Carneiro.

3. Foi também nessa ocasião, em março de 2007, que eu vim a saber que um grande camarada e amigo do Victor era um tal Manuel Carneiro, conterrâneo e vizinho da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro, natural de Paredes de Viadores, concelho do Marco de Canaveses… Não têm, porém,  qualquer parentesco, conhecido,  entre si, apesar do apelido Carneiro…

No dia 2 de Setembro de 2007, seis meses depois, acabei por conhecer, em carne e osso, o Manuel Carneiro. Estava eu a acabar as minhas férias de Verão, passando os últimos dias na pacatez e frescura da nossa Quinta de Candoz, com vista para a albufeira da barragem do Carrapatelo… No dia 2 era a festa do São Romão, orago da freguesia, Paredes de Viadores. Por volta das 16h, decidimos ir dar uma volta até ao sítio onde se realizava a festa do São Romão que não se compara, nem de longe nem de perto, com a grande festa anual da freguesia e do concelho, que é a Senhora do Socorro, na última semana do mês de Junho de cada ano…

São Romão resume-se, em boa verdade, a um pequena procissão e pouco mais. Mas nesse dia actuava o Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores… Assisti à (e filmei a) segunda parte deste simpático e jovem rancho, fundado em 1997. No final, entendi dever dar uma palavrinha reconhecimento e de estímulo ao respectivo director, que eu não sabia quem era…

Levaram-me até ele e, qual não é a minha surpresa, quando, lá chegado, ele dispara, rápido, a seguinte exclamação:
- Mas... é o Dr. Luís Graça!
- Já nos conhecemos de algum lado?
- Do blogue, pois, claro! Do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné! Sou camarada do Victor Tavares, paraquedista da 121…
- Podes então dispensar o doutor!… Dá-me cá um abraço, que os camaradas da Guiné tratam-se todos por tu!

Fiquei então a saber que o Manuel Carneiro, na altura com 55 anos, pai de três filhas, era nosso vizinho, conhecia muito bem a família da minha mulher, os Carneiro de Candoz, que era reformado da CP- Camainhos de Ferro, que residia no Juncal, mesmo junto à estação do Juncal (Linha do Douro, entre Marco de Canaveses e Mosteiró) e que assumira há pouco tempo funções de director do Rancho Folclórico da Associação Juvenil de Paredes de Viadores

A conversa inevitavelmente foi parar ao blogue, à Guiné e aos paraquedistas. O Manuel Carneiro estava amiudadas vezes com o Victor, nos convívios periódicos da Companhia (CCP 121) e do Batalhão (BCP 12), nomeadamente em Tancos.

Prometi-lhe, logo ali,  apadrinhar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Disse-me que ainda não tinha endereço de email mas que ia com frequência visitar o nosso blogue, a partir do computador da filha mais nova.

Prometi-lhe também divulgar o rancho (por quem ele mostrava muito amor e carinho e a que dedicava um boa parte do seu tempo), tanto no nosso blogue como no blogue da Tabanca de Candoz, a Nossa Quinta de Candoz…

Um mês depois, hoje, cumpri uma parte do prometido…Carreguei, no You Toube, o vídeo que tinha gravado na festa de São. Romão  [Vd. A Nossa Quinta de Candoz, poste de 7 de outubro de 2007]... é A voz que, entretanto, se ouve no vídeo é a do Manuel Carneiro a quem eu saudei logo, na altura, como "novo membro da nossa tertúlia".

Na realidade, o Manuel Carneiro nunca chegou a ingressar, formalmente, na nossa Tabanca Grande, por falta de endereço de email e da foto da praxe, do tempo da CCP 121 / BCP 12 e da Guiné (1972/74), mais a história que faz parte da "joia de entrada"...

Infelizmente, esse lapso não foi corrigido "em vida"... Ao longo destes anos, fui vendo.o, mas com irregularidade, "lá na terra", na festa de Nª Sra. do Socorro ou no dia de finados...

Onze anos depois, e a agora que ele "da lei da morte já se libertou", o Manuel Carneiro entra diretamente para a nossa Tabanca Grande. É a nossa pequena homenagem a este homem,  bom e simples, amigo do seu amigo, camarada do seu camarada. (**)

 O Manuel Carneiro, cuja campa irei visitar na  próxima oportunidade,  não ficará, assim, na "vala comum do esquecimento". (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

6 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17939: Manuscrito(s) (Luís Graça) (127): O Dia de Fiéis Defuntos na Tabanca de Candoz: aqui a tradição ainda é o que era..

21 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10702: Tabanca de Candoz: Há a bazuca e a... mazurca; ou aqui não há festa sem música, sem dança no terreiro, sem contradança, valsa, fado, baile mandado..., ou seja, sem as velhas, novas, tunas rurais de Entre Douro e Minho...

(**) Último poste da série de 4 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18982: In Memoriam (321): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018): dois poemas, um de Josema (José Manuel Lopes) e outro, de Luís Graça

(***)  Último poste da série > 2 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2786: Ninguém Fica para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (4): Fiquei bastante comovido mas mais confortado (Albano Costa)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Guidaje (ou Guidage, os nossos cartógrafos usavam as duas grafias, um delas certamente por lapso; de qualquer modo, a confusão linguística está lançada: é como Guileje, Guilege ou Guiledje... Vednha a ratificação do acordo ortográfico!) > Novembro de 2000 > Bolanha do Cufeu > Belíssimas imagens do Albano Costa, tiradas no seu regresso àquela terra e aquele chão, que ele ama tanto... O Albano fez uma comissão relativamente tranquila em Guidaje, depois de passados os trágicos acontecimentos de Maio de 1973. O nosso amigo e camarada de Guifões, Matosinhos, onde exerce a sua actividade de fotógrafo profissional, pertenceu à CCAÇ 4150 (1973/74). Mais fotografias de Guidage (bem como dos antigos destacamentos de Bigene e de Binta) podem ser vistos aqui.

Estas fotos da bolanha onde os pára-quedistas da CCP 121 conheceram o dia mais negroi das suas vida (se acordo com o testemunho do Victor Tavares), contrastam também com as imagens brutais de corpos abandonados e viaturas calacinadas já aqui também publicadas pelo ex-1º Cabo Comando Amílcar Mendes, da 38ª CCmds (2).

Fotos: ©
Albano Costa (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do Albano Costa:

Assunto - Exumação dos mortos de Guidage

Caros Editor e co-editores:

Finalmente, quase ao fim de 35 anos os nossos mortos deixaram Guidage (1), terra que reteve oito meses da minha juventude, foi o tempo que permaneci naquele bocado de terra, oito foram os mortos da metrópole que lá ficaram este tempo todo, mas morreram lá muitos mais (2).

Guidage não fica a quilómetros, como foi dito na peça mas, sim, faz fronteira com o Senegal, era e é uma terra de ninguém aonde não existia comércio nenhum (e em Novembro de 2000 quando lá voltei, não vi sinais nenhuns de desenvolvimento).



Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > CCAÇ 4150 (1973/74) > Planta do quartel, posterior a Maio de 1973.

Imagem: ©
Albano Costa (2008). Direitos reservados.



Estavamos isolados de tudo e de todos. É que na peça mistura-se imagens de Guidage e Farim e, para quem não conhece, julga que em Guidage até passa um rio, mas o rio que se vê, é o rio Cacheu, em Farim.

Estive a ver bastante comovido a reportagem da exumação dos mortos, confesso que me saiu um peso de cima de mim, quando abandonei aquele espaço já depois do 25 de Abril, ficou sempre no meu pensamento, será que alguma dia estes nossos colegas - que eu não os conheci - serão entregues aos seus familiares ?!...

Ainda bem, que isso vai acontecer, mas também gostaria de ver os restantes cinco, que a família fosse informada pela Liga, se estavam interessados em reaver os seus familiares, a exemplo do Gabriel Ferreira Telo, da Madeira. Como diz a sua irmã e como se vê na peça, irá ser um momento muito feliz para a sua família, quando isso acontecer.... Mas será que os familiares dos restantes quatro não tem os mesmos direitos, será que eles não estavam a lutar pelos mesmos ideais da altura, será que o país não se está a perceber que os seus filhos não estão a ser tratados por igual?...

Gostaria de ver a Liga dos Combatentes fazer um esforço para que o Geraldes, o Ferreira, o Machado e o Jerónimo pudessem ter o mesmo destino, assim como todos os que sucumbiram em defesa da Pátria... E muitos vou pensar, mais um lirico, pois é, só quem lá deixou um seu famíliar é que tem o direito de pensar se vale ou não vale a pena!.... Deu para sentir como as famílias vão ficar, por ver que, com o regresso de seus filhos, vão poder finalmente fazer o luto.

Ainda bem que a Conceição Maia (irmã do Vitoriano) e o Manuel Rebocho mexeram com o mundo pára-quedista e deram sentido à palavra de ordem Ninguém fica para trás... Foi bom ver, ouvir e sentir, além dos três pára-quedistas, valeu a pena por eles, pode ser que outros os vão seguir, quer queiram quer não queiram, é uma justiça que se faz aos nossos compatriotas que não tiveram a sorte de voltar com vida.

Guiné > Guidaje > Maio de 1973 > Croquis do plano de operações da Op Ametista Real, planeada e executada sob o comando do Ten Cor Almeida Bruno, para pôr fim ao cerco de Guidaje. Foi uma das mais curtas, sangrentas e brutais batalhas travadas durante a guerra da Guiné. Acabou por aliviar a pressão sobre Guidaje. Tratou-se de uma operação em solo senegalês, tendo como objectivo a destruição da base de Kumbamory, o que foi conseguido na manhã de 20 de Maio de 1973. O número de baixas foi elevado para ambos os lados: 67 mortos, do lado do PAIGC (que sofreu, além disso, a destruição de 22 depósitos de material de guerra); 25 mortos, do nosso lado (incluindo 2 alferes), e 25 feridos graves (incluindo 3 oficiais e 7 sargentos). A operação (o assalto à base do PAIGC) foi executada exclusivamente pelo Batalhão de Comandos Africanos, comandados por "quatro oficiais europeus" (sic): o tenente-coronel Almeida Bruno e os seus três comandantes de agrupamento, os capitães Raúl Folques (que ficaria gravemente ferido) e Matos Gomes e o capitão pára-quedista António Ramos (este último comandando o agrupamento a que ficou adstrito o grupo especial comandado pelo Alferes Marcelino da Mata) (3).

Documento fornecido ao Albano Costa pelo José Afonso (ex-furriel miliciano da CCAV 3420, de que era comandante o capitão Salgueiro Maia, e que já em fim de comissão, em Bissau, foi enviada em socorro de Guidaje). O José Afonso é membro da nossa tertúlia e mora no Fundão (4).

Imagem: ©
Albano Costa (2008). Direitos reservados.

Envio umas fotos que são da Bolanha do Cufeu, no tempo das chuvas, o mesmo sítio, onde o Cor Calheiros está a explicar à irmã do Vitoriano como foi o acidente da sua morte, eu que atravessei muitas vezes aquele local sei muito bem a tensão que era quando a nossa tropa tinha que atravessá-lo para vir a Binta e voltar novamente a Guidage. Quando lá voltei, ao passar no local, passado muitos anos para rever aquele torrão, toda a tensão veio de novo ao de cima.

Albano Costa
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Notas dos editores:

(1) Vd. poste anterior desta série:

22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/VIsão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

(2) Vd. postes do Amílcar Mendes:

2 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)

27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Caboiana-Churo )

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)

24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

30 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Chamusca, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)

4 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2719: Guidaje, Maio de 1973: Só na bolanha de Cufeu, contámos 15 cadáveres de camaradas nossos (Amílcar Mendes)

24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...

(3) Vd. posts de:

16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno)

26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos paraquedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)

(4) Vd. poste de 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVI: Salgueiro Maia e os seus bravos da CCAV 3420 (Guidage, Maio/Junho de 1973) (José Afonso)

domingo, 27 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9951: Efemérides (94): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (1): Estadia em Binta e saída até Cufeu (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 25 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso* (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma Extraordinária) enviou-nos a primeira de quatro partes de um trabalho onde descreve a "Operação Mamute Doido" realizada no âmbito dos trágicos acontecimento que marcaram Guidaje** e as NT naquele fatícico mês de Maio de 1973.


OPERAÇÃO "MAMUTE DOIDO" (1)

ESTADIA EM BINTA E SAÍDA ATÉ CUFEU

A. Dâmaso

Muito se tem dito e escrito acerca desta operação e dos motivos que levaram à mesma, contudo há indivíduos que nunca passaram pelo Cufeu, não têm conhecimento das condições do terreno na altura, no entanto falam como se tivessem por lá passado, para mim, militares que por lá passaram pertencentes à CCAÇ 19, Destacamentos de Fuzileiros, Companhias de Comandos, CCP 121, CCAV 3420 e outros que deixaram lá os corpos dos camaradas, sangue, suor e lágrimas, esses sim, assiste-lhes o direito de se pronunciarem sobre as suas vivências naquele local, desde que não divaguem porque se passou muito tempo.

Vieram dois militares que estiveram na emboscada dizer que tinha sido “aqui”, só que eles estavam na retaguarda da coluna, outro andava nas alturas, quem esteve na chamada zona de morte fui eu o “aqui” deles não corresponde com o meu, também disseram que morreram os três primeiros o que também não é verdade porque o 3.º era eu e estou cá, infelizmente morreram o 1.º, 2.º, 5.º e o penúltimo, seguindo as orientações do Blogue de Luís Graça, “não deixes que sejam os outros a contar a tua história”, segue a minha versão dos acontecimentos na primeira pessoa. Fui contactado pela TVI para lá ir em Fevereiro de 2007, de início acedi, tratei de passaporte e vacinas, só num dia levei quatro, mas por motivos de saúde declinei, acabando por ter ido o camarada Victor Tavares que pertencia ao 2.º Grupo que no momento em questão ia nas últimas posições na Coluna, julgo que o camarada Victor Tavares deu melhor conta do recado do que tivesse sido eu. Posteriormente quando foram entregues os restos mortais aos familiares, estava em Castro Verde uma repórter da RTP quando soube por alguém que eu tinha estado no local, tentou-me entrevistar mas quando eu lhe disse que não era capaz de falar no assunto sem me comover, foi compreensiva e não insistiu, ainda hoje tenho muita dificuldade em falar sobre o assunto.

Passando aos factos, depois de terminada a Operação Ametista Real, como comandante Interino do 3.º Grupo de Combate da CCP 121, ficamos em Binta à espera de uma coluna de viaturas de reabastecimento a realizar entre Farim e Guidage, a Companhia ir fazer segurança.

As conversas ouvidas em Binta no momento, eram que uma coluna de reabastecimento tinha sido emboscada pelos “turras”, que tinham feito um grande número de mortos, tinham incendiado as viaturas e levado as granadas de morteiro 81 e depois as devolveram pelos ares através dos morteiros 82, para o quartel de Guidage.

Em Binta não vi nenhum obus mas vi uma base de fogos de morteiros 81, já posicionados em várias direcções, sobre os morteiros dizia-se que em determinada altura em que o Aquartelamento foi atacado, quando foram para repelir o ataque, encontraram os tubos com terra no fundo, impedindo que as granadas percutissem, era este o “jornal de caserna”.

Em Moçambique, no ano de 1970, na operação “Nó Górdio”, em que por causa das minas, para se realizar uma coluna de viaturas era necessário a Engenharia abrir picada nova (estrada), fiquei pasmado como é que os chefes militares descoraram esse pormenor e até fiz um comentário em relação a isso a um tenente, que hoje é general que também lá estava nessa operação.

Agora passo a descrever a minha vivência nessa operação, que vale o que vale por se tratar da minha ”verdade”: 

No dia 22MAI73, tivemos um briefing na sala de operações da Companhia do Exército sediada em Binta, onde foram apresentados e discutidos os tópicos relacionados com a citada operação.

Foi-nos dito que no dia 23MAI73, a minha Companhia (CCP 121) ia fazer guarda avançada de flanco esquerdo, em protecção à coluna de viaturas de reabastecimento ao Aquartelamento de Guidage, junto à fronteira Norte.

Guiné > Região do Cacheu > Carta de Binta (1954) (Escala 1/50)  > Detalhes: posição relativa de Binta, Genicó, Cufeu e Ujeque (na picada Binta - Guidaje).

Depois de analisar a carta topográfica em questão, no quadro da sala de Operações da citada Companhia, vendo que a zona era bastante aberta, (com pouca mata) alertei o meu Comandante de Companhia para a utilidade de se levarem mais granadas de morteiro de 60mm, no que ele concordou e pedimos dois cunhetes destas granadas ao Comando de Binta, granadas essas que foram distribuídas pelos meus homens, atadas no equipamento com cordel, em virtude de calhar ao meu Grupo de Combate ir à frente na zona mais perigosa.

Seguidamente transmiti aos homens sob o meu comando, o tipo da missão, a perigosidade da mesma, a nossa posição no local crítico que era na frente da coluna, quanto à posição, testa da coluna na zona crítica, não me recordo se os critérios tiveram a ver com escala, rotação ou escolha.

Saímos de Binta no dia 23 pelas 6 horas da manhã, seguimos até ao cruzamento com a picada que vinha de Farim, tomamos posições defensivas e aguardamos pela coluna de viaturas que vinha de Farim, o que aconteceu cerca das 8 horas.

Iniciou-se a coluna tinha progredido pouco, a progressão era lenta, porque os picadores tinham de ir picando o terreno, para detecção de minas anti-carro e outras, como ia com atenção ao terreno, comecei a ver cepos de onde tinham sido cortadas árvores centenárias, talvez até milenares, apercebi-me que as viaturas se iam desviando para a direita para fugirem ao campo minado.

Quando atingimos a zona de Genicó, começámos a ouvir rebentamentos à nossa direita para os lados da picada, através do rádio ouvi que tinham deflagrado uma mina anti-carro e várias anti-pessoal que causaram várias baixas nos picadores, face a este incidente, houve um compasso de espera e passado muito tempo, o comandante do COP 3, Major Correia de Campos resolveu dar ordem para a coluna voltar para trás.

Ficámos um pouco parados em posição defensiva, até que o Comandante de Companhia recebeu ordem do PCA (Posto de Comando Aéreo) para continuarmos rumo a Guidage sem a coluna, no momento pensei que não fazia sentido continuarmos sem a coluna, mas ordens eram ordens e na tropa eram para serem cumpridas.

Continuamos a progressão sempre à esquerda da picada, mais ou menos a meio caminho entre Genicó e Cufeu, fizemos uma paragem para comer uma “bucha”, a mata era aberta e cheia de clareiras sentíamos o efeito do calor abrasador, traduzindo-se em suor e muita sede.

Continuámos a progressão cada vez mais sedentos, mais ou menos entre 500 e os 1000m do Cufeu, obliquamos para atravessar a picada para a direita e de seguida o meu pelotão passou para a frente como estava estipulado, calhando ser a 1.ª a secção a ir à frente, descemos uma encosta e já em terreno plano, obliquámos para a esquerda, na leitura de sinais, observamos algum silêncio anormal, pelo que foi dado sinal para se manterem atentos, a nossa progressão era como que em ziguezague.

O apontador de reserva do morteiro que passou a efectivo, tratava-se do Vitoriano, um Pára de alcunha Lisboa, e que quando o meu pelotão passou para frente, por ordem minha passou para a quinta posição na coluna, porque a meu entender, dadas as características do terreno e vegetação, por ser uma arma importante de defesa em caso de emboscada, o que se veio a verificar.

Era usual nas progressões a corta mato, que era o caso, ir um municiador à frente para abrir picada, se necessário, eu até cheguei a ir à frente para não serem sempre os mesmos, mas naquele dia, tendo em conta a mata ser aberta, com muitas clareiras, quem foi para primeiro lugar foi o apontador de metralhadora, da secção que calhava ir à frente, indo o municiador em segundo lugar e eu em terceiro. Não me lembro quem ia em quarto mas sei que em quinto ia o apontador do morteiro, por eu lhe ter dado ordem para ir nessa posição, recordo ainda que momentos antes da emboscada, ter olhado para trás e ver que o Comandante da Companhia seguia nos primeiros dez.

Acrescento que o Comandante da Companhia, conhecia bem os homens do 3.º pelotão, por quando em actuação de bigrupo que ele sempre acompanhou, ia muitas vezes neste pelotão, mesmo a nível de actuação de Companhia, quase sempre o vi no neste Pelotão, isto talvez se explique por ter na Companhia um Tenente do Quadro que ocuparia a posição da retaguarda, assegurando ele a posição da frente.

O Comandante de Companhia já tinha em 68/70, feito uma comissão de Serviço na Guiné como Comandante de Pelotão, onde passou por Gandembel. Eu estava na 3.ª comissão na Guiné, 2.ª em Companhia de Combate, tinha passado por Moçambique na Operação “Nó Górdio” e tinha em 1964 feito uma operação em Angola, portanto em termos de experiência acho que tínhamos mais que os outros graduados com funções de comando. Sem qualquer acordo prévio, optámos por ocupar aquelas posições na coluna como que a dizer aos homens, nós estamos aqui!

Provavelmente se eu tivesse lá o meu camarada Primeiro-Sargento Comandante da Secção, talvez eu tivesse ocupado uma posição mais à retaguarda, mas como o Cabo que ia a comandar a secção tinha sido ferido no Navio Patrulha e evacuado, resolvi estar em 3.º, quanto ao Comandante da Companhia deve ter pensado o mesmo que eu, e ir para os primeiros dez da coluna.

Eu ia com algum à-vontade, pensando que por ir a corta-mato me pudesse trazer alguma vantagem, contudo desconhecia em parte aquele terreno por ser a primeira vez que lá entrava, também desconhecia que a partir do momento que as viaturas voltaram para trás, os guerrilheiros do PAIGC passaram a vigiar toda a nossa progressão, por ironia do destino andamos às voltas e fomos ter mesmo ao local onde eles estavam treinados a fazer emboscadas, como tive oportunidade de verificar mais tarde.

(Continua)

Um Ab
A. Dâmaso
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Maio de 2012 Guiné 63/74 - P9939: Efemérides (59): A Operação Ametista Real foi há 39 anos (António Dâmaso)

(**) Vd. postes:

Guiné 63/74 - P9934: Efemérides (56): Guidaje foi há 39 anos: reconstituindo a 5ª coluna, de 22 e 23 de maio de 1973 (Victor Tavares e † Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P9935: Efemérides (57): Guidaje foi há 39 anos... Pergunto: Por que é que a FAP não bombardeou com napalm a área de Genicó até Ujeque ? Por que é que não se utilizou o obus 14 no apoio às colunas ? No cerco de Guidaje muito eu desejei ter uma antiaérea... (Arnaldo Machado Veiga)
e
Guiné 63/74 - P9937: Efemérides (58): Guidaje foi há 39 anos... Alguns pequenos reparos e a minha homenagem a Amílcar Mendes, Daniel Matos e Victor Tavares (Manuel Marinho)