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quinta-feira, 19 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Silêncio, diz-se poesia!... O Joaquim Mexia Alves, confidenciando-nos que às vezes tem saudades da Guiné, do Mato Cão, do Rio Geba (1)...

O Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné: (i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); (ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão); e (iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão.

Vídeo (3' 05''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes


Sentado na minha cadeira (2),
Cerveja na mão,
Fito os olhos no longe,
Tão longe,
Que vai para além do horizonte.
O Sol começa a descer ,
Lá ao fundo,
Para os lados do Enxalé,
E os seus raios de luz
Tocam a terra de sangue
E pintam o ambiente de vermelho.
O momento é mágico,
Porque não há nada mais bonito
Que o Pôr do Sol na Guiné.
Na bolanha,
Junto ao Geba
(Que se ouve a murmurar),
Passa um pequeno tornado.
Quase que o podia agarrar!
Ao meu lado,
O Furriel Bonito.
Deve estar a meditar
No que é que eu estarei...
A pensar!
Estou para aqui, isolado,
Vivendo como uma toupeira
Debaixo de terra,
Cercado de arame farpado.
A letargia da rotina diária
Toma conta de mim
E tanto me faz
Que o dia nasça
Como chegue ao fim.
Fecho os olhos por um momento.
Estou em Monte Real!
É fim de tarde,
Hora de banho
E vestir a preceito,
Que o meu pai não deixa
Que se jante no Hotel
Sem uma roupa de jeito.
Já lá vem o chefe de mesa
Que tem muito que contar,
Fala-me da carne e do peixe,
Tenho a boca a salivar.
Tocam-me no ombro!
Esfumou-se o meu sonho!
É o Mamadu que me diz,
Com o seu sorriso:
«Alfero,
O comer está pronto.»
O que lhe falta
Em smoking de profissão,
Excede em alegria
E dedicação.
Levanto-me,
Olho em redor.
Nas pequenas tabancas,
A luz das fogueiras
Ilumina a escuridão
Da falta de luz.
Abano a cabeça,
Para afastar o torpor,
E grito bem alto
Com a minha voz forte,
A afastar o temor:
«Pessoal,
vamos morfar,
que nunca se sabe,
quando isto vai acabar!»


Monte Real, 29 de Março de 2008
(Fixação e revisão do texto: LG)

Poema (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2886: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (10): Homenagem ao António Batista (Joaquim Mexia Alves)

Vd. também poste de 17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

21 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2868: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (7): Homenagem a um camarada, poeta e viticultor, o José Manuel

18 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2855: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (2): A estreia mundial do Fado da Guiné

(2) Vd. poste de 30 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr do sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4321: Os Bu...rakos em que vivemos (9): No Mato Cão, com o Ten-Cor Polidoro Monteiro, em finais de 1971 (Paulo Santiago)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > O Ten Cor Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917, o Alf Médico Vilar e o Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba...

Foto tirada em Novembro ou Dezembro de 1971 no Mato Cão, após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento, encarregue de proteger a navegação no Geba Estreito e impedir as infiltrações na guerrilha no reordenamento de Nhabijões, um enorme conjunto de tabancas de população balanta e mandinga tradicionalmente "sob duplo controlo".

Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados




1. Comentário do Paulo Santiago, ex-Comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, ao poste do J. Mexia Alves (*):


Não conheci o Mato Cão com as óptimas instalações de que fala o Mexia Alves. Fui lá um dia de Sintex com motor, para lá com a descida da maré,para cá com a subida.Foi para aí em Dezembro de 1971,tinha sido aquela estância de férias ocupada pouco tempo antes, e no barco de recreio ía, além do soldado barqueiro,o Ten-Cor Polidoro Monteiro, comandante do BART [2917], de Bambadinca, o Alf Mil de Armas Pesadas e o Alf Mil Médico Vilar.

As instalações na altura estavam bem implantadas,com todo o respeito pelo ambiente,nada de agressões ambientais. Dispondo-se em semi-circulo,havia uns 40 bu...rakos com as dimensões de um colchão,em cada canto um pau (de 1 metro) ao alto para suster a rede mosquiteira. Depois havia a cozinha, a céu aberto, que consistia num estrado de ferro, sob o qual se acendia a fogueira. Era um camping funcional e barato.

Fogachal?... Muito. No Domingo a seguir à visita brincaram à guerra durante 1 hora... Ouvia-se bem em Bambadinca, e um dos atacantes ficou lá com a pistola à cinta.

Acrescento,o Ten-Cor Polidoro ficou lá naquele campo de férias, não regressou,ao fim da tarde, connosco à sede do batalhão. Tinha tomates. (***).

O Ten-Cor que foi lá, em 72,de heli, deverá ter sido o Tiago Martins, comandante do Mexia.

Era o Pel Caç Nat 63, comandado pelo Alf Mil Manuel Coelho, que lá se encontrava quando visitei tão parasídiaco local.

Paulo Santiago

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4317: Os Bu... rakos em que vivemos (8): Estância de férias Mato de Cão, junto ao Rio Geba (J. Mexia Alves)

(**) Vd. poste de 6 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1049: O destacamento de Mato Cão (Paulo Santiago)

(...) "Quando lá fui de visita, em Novembro ou Dezembro de 71, as condições eram do pior. Não havia qualquer construção, por mais rudimentar que fosse, não havia valas nem arame farpado. Tinham desmatado uma zona junto ao rio, onde tinham aberto uns buracos para caberem os colchões, protegidos pelos mosquiteiros" (...).

(***) Vd. poste de 9 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3189: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (17): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971).

Vd. também I Série do nosso blogue > Poste de 26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6) (David Guimarães / Luís Graça)

(...)A CART 3492 (Xitole, Janeiro de 1972 / Março de 1974) foi exactamente a Companhia que rendeu a CART 2716 a que eu pertenci e fomos nós que fizemos a sobreposição (...).

Muito gostaria de ter narrações do que se passou no Xitole, mais concretas, por que eu sei que houve para lá muita porrada com eles, segundo me soou aos ouvidos....

Um dia o Comandante do BART 2917, já na sobreposição, apareceu no Xitole. O Luís Graça e o Humberto Reis conheciam-no. Era o Tenente Coronel Polidoro Monteiro... Conto-vos uma peripécia passada com ele.

Perguntava eu, bem perfilado, ao Polidoro Monteiro:
- Meu comandante, a nossa missão é ir ensinar o caminho a esta gente...Proponho que ensinemos o início dos caminhos por onde passamos tantas vezes....

Resposta:
- Vai-te foder, seu caralho, quero que lhes ensinem a toca! (...)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5132: Humor de caserna (13): Rambo uma vez, rambo para sempre (Joaquim Mexia Alves)





Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1972/73) > Imagens do Alf Mil Op Esp Mexia Alves, que foi o primeiro oficial português (se não me engano...) a comandar o famoso destacamento de Mato Cão, na margem direita do Rio Geba (ou Xainga) entre Bambadinda e o Xime, frente a Nhabijões.

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2008). Direitos reservados


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73:

Caros camarigos editores:

Anda para aí um pessoal a contar umas aventuras de guerra pelos jornais e até em alguns livros, pelo que eu decidi também contar uma aventura minha!

Claro que é tudo verdade!!!!!

Agora a sério, se julgarem que pode ferir susceptibilidades ou que não se enquadra no "perfil" da Tabanca, só têm que arquivar o "brilhante" texto na "cesta" secção.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves



2. Humor de caserna (*) > Uma ida à mata!
por J. Mexia Alves


Olhei para a minha G3, feita especialmente para mim, e chamei os furriéis:
- Ó Manel, manda lá o pessoal preparar-se que eu hoje apetece-me encontrar os gajos e pregar-lhes uma carga de tiros!

O Furriel Manel, entre o brincalhão e o apreensivo, voltou-se para os outros e disse:
- É pá, cuidado com ele! O Alferes hoje tá danado para a porrada! Até já tou com pena dos turras!

Reentrei no meu quarto e comecei a preparar-me. Pintei a cara e as mãos segundo a melhor arte de camuflagem e vesti o camuflado.

No tornozelo direito coloquei num coldre apropriado a minha Walter PPK. No tornozelo esquerdo o meu revólver Smith & Weston, fiel companheiro de tantas idas ao mato sem nunca encravar.

À volta da cintura, presas ao cinturão 4 granadas defensivas enquadradas pelos diversos carregadores de munições das diferentes armas.

Presa à passadeira do camuflado no ombro esquerdo coloquei a minha indispensável faca de mato, que já me tinha valido a vida em tantas lutas corpo a corpo naquelas matas da Guiné.

Olhei para o cantil da água e coloquei-o de lado. Homem que é homem não bebe água e um guerrilheiro não tem sede! Em vez de levar o cantil, coloquei mais duas granadas à cinta e no ombro direito.

Coloquei os óculos de lentes amarelas no bolso do peito porque já sabia que me iam fazer falta para ver os turras empoleirados nas árvores no meio da folhagem.

Olhei-me no espelho grande que tinha no quarto e um ligeiro tremer apoderou-se de mim. Porra até a mim eu metia respeito!!!

Saí para a parada e do meu Pelotão formado saiu um Ah! de espanto e temor! Eu tinha esse condão!

Quando saía para a mata em operações o pessoal ficava sempre à rasca quando me via. Ou não tivesse eu a fama que tinha! Ouviam-se pelo meio dos soldados uns murmúrios que diziam:
- É, pá, o gajo hoje tá de todo. Coitados dos gajos, nem têm hipótese!

Como sempre fazia, levantei a voz e disse para os meus homens:
- Pessoal, já sabem como é. Não há misericórdia, nem fazemos prisioneiros, e já sabem que enquanto eu estiver a dominar a coisa sozinho, vocês não metem o bedelho!
Só o Furriel Manel é que fica incumbido de atirar ao gajos das árvores se eu não os conseguir abater a todos.Todos têm as palhinhas para respirarem debaixo de água?

Era o meu melhor truque! Colocávamo-nos dentro de água, totalmente imersos e a respirar por umas palhinhas e, quando os gajos se chegavam ao rio, era só saltar de dentro de água e disparar a torto e a direito! Nem um só escapava!

Olhei para o pessoal, olhos nos olhos de cada um, e comandei em voz alta e forte:
- Vamos lá despachar uns gajos que eu quero chegar a tempo de beber a cervejinha da tarde!!!

Ouviu-se uma grande algazarra, vozes a discutir, etc, e depois finalmente uma voz que dizia esganiçada:
- Porra! Façam silêncio no estúdio que estamos a filmar!!!

Monte Real, 19 de Outubro de 2009

J. Mexia Alves

[Revisão / fixação de texto / título do poste: L.G.]

3. Comentário do L.G.:

Adorei essa da cesta secção, a do caixote do lixo... Na minha profissão, há o termo pubelication (composto de poubelle, caixote do lixo em francês, e publication, acto ou efeito de publicar, do inglês, to publish... Tudo isto, por causa do terrível mandamento que infernaliza as nossas vidas de cientistas: Publish or perish, publica ou morre; é que sem a pubelication não há carreira...).

Pois, aqui tens, camarigo, o teu texto, o qual merece conhecer a luz do sol, quero eu dizer, as luzes da blogosfera... Se mais não fosse, por um mérito intrínseco ao autor: quem tem humor é tolerante, sabe falar e sabe ouvir, tem sentido de autocrítica, é capaz de se rir de si próprio, e é incapaz de comportamentos... de bravata. Essa é, de resto, umas das razões por que de tempos a tempos recorro aos teus serviços de especialista em intermediação de conflitos. O título que pus no teu poste, é da minha única responsabilidade, e não pretende caricaturar nada nem ninguém, até por que Rambo é marca registada, é um produto exclusivamente americano.

Um Alfa Bravo, Luís.

_____________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 2 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5045: Humor de caserna (12): A Paisanada... e Os Insaciáveis (Vitor Junqueira / Luís Graça)

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...



 Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) > Mato Cão  > Vista do Rio Geba e bolanha de Nhabijoes.


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) > Preparando peixe do rio


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) > O furriel João Santos, já em fim de comissão.


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >  A mascote, o "Pixas"...


Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973 /74) >   "Pequenas diversões"...

Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Fotos do álbum de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73), e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74), subunidade que ele desmobilizou e onde terminou a sua comissão já depois do 25 de Abril... É  membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730. Nascido em Lisboa, tem raízes na Marteleira e Miragaia, concelho da Lourinhã, pelo lado materno.




1. De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (1) > Experiências gastronómicas (Parte II)

Segunda parte do texto enviado em 7 do correntes com 4 histórias, duas passadas em Cufar, região de Tombali, no sul da Guiné (*),  e as restantes no Mato Cão, na zona leste, na região de Bafatá, setor L1 (Bambadinca). 


III – O Padeiro de Mato de Cão 


O pão é um alimento extraordinário que caso não tivesse sido criado há mais de 6.000 anos na Mesoptâmia, provavelmente a existência humana tivesse sido comprometida. Não conheço ninguém que não goste de pão nas suas múltiplas formas de fabrico e, em particular, nós,  portugueses, não o dispensamos para acompanhamento ou mesmo como elemento principal de uma refeição.

Em Mato-de-Cão [ou Mato Cão]  embora o efectivo dos europeus se limitasse a dez elementos, um deles tinha a “especialidade” de cozinheiro que também abrangia a de “padeiro”. Infelizmente tratava-se de uma pessoa com enormes limitações cognitivas, recordo-me que entre outras confusões achava que “valor declarado” e “louvor declarado” eram a mesma coisa e, não fora as grandes dificuldades de recrutamento da época , o nosso jovem “cozinheiro” seria certamente adstrito ao contingente de básicos.

Na cozinha,  dada a simplicidade e a repetição dos menus,  as coisas iam correndo, mas no que dizia respeito ao pão, o homem não se safava e a nossa dentição só resistia devido aos vinte e poucos anos de uso que tinha na altura e o produto do nosso padeiro só era tragável numas sopas de café.

Propus-me a alterar esta situação, para mim desastrosa,  e com calma e paciência arranjei umas medidas para que ele respeitasse as quantidades de farinha e fermento, indiquei-lhe o tempo da levedar da massa, mas continuavam a sair pedras,  ao invés de pães do nosso forno. A paciência perdida e um exemplar da padaria na cabeça do “cozinheiro/padeiro” que ia originando um traumatismo craniano no funcionário,  levou-me a desistir de o transformar num padeiro capaz.

Ma,  como o homem é criativo e sabe aproveitar as oportunidades, um soldado do pelotão [de caçadores nativos] 52, o Jobo Baldé, abordou-me com oportunidade e a sua habitual irreverência: 
– Alfero, Jobo passa a fazer o pão para o pessoal! 
– Não sabes fazer pão, Jobo, não te metas nisto que arranjas problemas.
–  Jobo sabe fazer pão, alfero, deixa experimentar e vais ver.

Perante sua insistência e convicção e no desespero de não haver outra alternativa,  resolvi experimentar as aptidões do Jobo para novo responsável da padaria. Expliquei-lhe as medidas para a farinha e para o fermento, o tempo para levedar,  e ele atacou de imediato a nova função. 

Não sei se por milagre ou se pelas aptidões inatas do Jobo, no dia seguinte quando este me chamou para ver o pão acabado de cozer,  tive das grandes alegrias gastronómicas da minha vida. O pão estava quente, tinha crescido por obra do fermento e da forma carinhosa com a massa tinha sido tratada, o som da batida no “lar” parecia um tambor a acusar uma boa cozedura e o abrir a crosta estaladiça evidenciava um miolo macio, fumegante e com um cheiro delicioso. Regalámo-nos de imediato com pão quente e manteiga e o Jobo ganhou o lugar!

O Jobo estava feliz com a nova função e cumpria-a com pontualidade, brio e grande competência. Posteriormente ensinei-o a fazer merendeiras com chouriço e ele começou a produzi-las sem grande esforço de explicação. Quando as tinha cozido trazia-me de imediato uma e eu recordava as que a minha avó fazia na Marteleira, [, Lourinhã,]  quando era dia de cozedura. 

No que dizia respeito ao pão, tínhamos atingido, graças ao Jobo Baldé, a felicidade. O Jobo também estava feliz, era casado com uma mulher,  bem mais velha,  que ele herdara do irmão entretanto falecido. Embora esta mulher fosse divertida e senhora de um grande sentido de humor,  já tinha perdido o fulgor e a beleza da juventude e o nosso amigo e saudoso Jobo Baldé, quando acabava de fazer o pão, tinha sempre visitas de exuberantes bajudas a quem ofertava uns pães a troco de inconfessáveis favores. 

Luís Mourato Oliveira: foto atual
A felicidade conquista-se com pequenos acordos e cedências. Estávamos todos satisfeitos…até as bajudas.

IV – Macaco em Mato de Cão

Sempre na pesquisa de petiscos e novos sabores para variar a nossa rotineira cozinha, um dia o soldado Tomango Baldé, o maior “pintoso” do pelotão, depois de alguns convites para comer o fígado de “bandido” quando apanhássemos um, veio sugerir que petiscássemos macaco cão.

A primeira ideia foi imediatamente recusada, embora ele defendesse que iríamos reforçar a nossa força com a do inimigo abatido e cozinhado, este prato estava longe de poder ser bem acolhido por nós, a não ser que o “bandido” fosse uma gazela tenrinha ou um javali bem gordinho, contudo a ideia do macaco cão não era totalmente de deitar fora. 

Os guineenses comiam macaco cão com regularidade, esta iguaria era até muito apreciada e havia quem achasse a carne do macaco semelhante à do cabrito, por isso aceitámos comer um quando a caça o permitisse. [vd. postes sobre macaco cão, também conhecido por "cabrito pé de rocha". ]

Um dia o Tomango apareceu com um macaco cão acabadinho de ser caçado e, como não podíamos voltar com a palavra atrás, o animal foi para a cozinha para ser preparado. O aspecto do bicho era devastador depois de esfolado,  pois tinha mais semelhanças com um humano recém-nascido do que com um cabrito, foi colocado a marinar em vinha de alhos e, depois para o forno, para aquecer os nossos estômagos no jantar do dia.

Havia poucos candidatos para a degustação, mas depois de cortado e arranjado no forno com as batatinhas assadas,  apresentava um aspecto comestível, até atractivo e a abrir o apetite. Os menos receptivos ao manjar foram alterando as suas posições, alguns após provar até repetiram e o tabuleiro ia ficando vazio. 

O grande companheiro e amigo Santos, o furriel mais antigo do 52, era dos menos entusiasmados com o manjar, mas perante o exemplo dos outros camaradas que já tinham esquecido o que estávamos a comer, lá pegou num bracinho do bicho que parecia estar bem passado, atirou-se a ele e ainda deu umas dentadas. De repente e quando já ninguém esperava, desata a correr para a parada e, pelos sons que chegavam à cobertura de chapa ondulada a que chamávamos refeitório, estaria a libertar o seu estômago sofredor não só do petisco acabado de deglutir, mas também de todas as refeições ingeridas nos últimos dias.

Passado algum tempo, já recuperado do esforço libertador daquela comida que o estômago se recusou a receber, perguntei-lhe:
 – Então, Santos, não gostaste do cozinhado? 

Ele ainda amarelo e enjoado respondeu que não foi pelo paladar, que nem estava mau, o que o enjoou foi a pilosidade do sovaco do bichinho que não tinha sido convenientemente depilado.

Luís Mourato Oliveira



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão, na margem direita do Rio Geba Estreito > 1973 > Pel Caç Nat 52 > O Alf mil op esp Joaquim Mexia Alves, com o Tomango Baldé, um dos mais antigos soldados do Pelotão, segurando um macaco-cão [ou macaco-fidalgo ? (LG)].

Foto (e legenda) : © Joaquim Mexia Alves (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Sugestão de leitura complementar (LG):

Poste de 11 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias deBissau (1): "Cabrito pé de rocha, manga di sabe"  (Vitor Junqueira)

(...) Naquela zona portuária, que se poderia chamar marginal da Amura, existiam umas tabernas semelhantes às que poderíamos encontrar em qualquer lugar do Portugal de então: um garrafão de cinco litros ou um ramo de louro pendurado na frontaria, e uma tabuleta com os dizeres, casa de pasto, vinhos e petiscos.

Seriam para aí umas quatro da tarde quando entrei numa delas. Pela primeira vez na vida dirigi-me a alguém de outra ... etnia. A situação era nova para mim e um pouco estranha. Meio tonhó, perguntei num português escorreito e pausado a uma negra, com estatura de bisonte, que se encontrava sentada num mocho do lado de dentro do balcão:
– Boa tarde,  minha senhora, tem alguma coisa de que possa fazer uma sandes?
– Tem. Tem sim. Olha, tem cabrito pé de rocha, tem ...
– Cabrito? 
– Sim, cabrito, é muito bom. Ainda está quente.

Virou-me as costas e dirigiu-se para um canto da baiúca de onde regressou com um pequeno tacho de barro na mão,  contendo uns pedacitos de carne guisada, com bom aspecto e um cheiro capaz de fazer um morto babar-se. Perguntou-me o que queria beber e falou-me em coisas estranhas, Fanta, Coca-qualquer-coisa ... Pedi uma laranjada. (...)
_______________

Nota do editor:

domingo, 30 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2701: Blogpoesia (10): Olhando para uma foto minha, no Mato Cão, ao pôr-do-sol, com o Furriel Bonito... (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

Caros Luis e camarigos editores:

Às vezes dá-me para isto!!! Acordei com isto na cabeça e foi só escrever! Envio para fazerdes o que quiseres com o escrito: publicação ou arquivo morto!




A PROPÓSITO DE UMA FOTOGRAFIA NO MATO CÃO (1)

Sentado na minha cadeira,
Cerveja na mão,
Fito os olhos no longe,
Tão longe
Que vai para além do horizonte.
O Sol começa a descer
Lá ao fundo
Para os lados do Enxalé,
E os seus raios de luz
Tocam a terra de sangue
E pintam o ambiente de vermelho.
O momento é mágico
Porque não há nada mais bonito
Que o Pôr do Sol na Guiné.
Na bolanha
Junto ao Geba,
(Que se ouve a murmurar),
Passa um pequeno tornado.
Quase que o podia agarrar!
Ao meu lado
O Furriel Bonito.
Deve estar a meditar
No que é que eu estarei...
A pensar!
Estou para aqui isolado
Vivendo como uma toupeira
Debaixo de terra,
Cercado de arame farpado.
A letargia da rotina diária
Toma conta de mim
E tanto me faz
Que o dia nasça
Como chegue ao fim.
Fecho os olhos por um momento.
Estou em Monte Real!
É fim de tarde
Hora de banho
E vestir a preceito
Que o meu pai não deixa
Que se jante no Hotel
Sem uma roupa de jeito.
Já lá vem o chefe de mesa
Que tem muito que contar
Fala-me da carne e do peixe
Tenho a boca a salivar.
Tocam-me no ombro!
Esfumou-se o meu sonho!
É o Mamadu que me diz,
Com o seu sorriso:
«Alfero,
O comer está pronto.»
O que lhe falta
Em smoking de profissão,
Excede em alegria
E dedicação.
Levanto-me,
Olho em redor.
Nas pequenas tabancas
A luz das fogueiras
Ilumina a escuridão
Da falta de luz.
Abano a cabeça
Para afastar o torpor
E grito bem alto
Com a minha voz forte,
A afastar o temor:
«Pessoal,
vamos morfar,
que nunca se sabe,
quando isto vai acabar!»


Monte Real, 29 de Março de 2008

PS - A fotografia em causa é a que anexo.


Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves






... e já agora também o poste 15 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)




terça-feira, 11 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3435: O Tigre Vadio, o novo livro do nosso camarada Beja Santos (4): Pequena homenagem ao Tigre de Missirá (J. Mexia Alves)

Lisboa > Sociedade de Geografia > 6 de Março de 2008 > Três históricos do Pel Caç Nat 52 > Joaquim Mexia Alves, à esquerda da foto, no lançamento do livro Diário da Guiné, 1968-1969: Na Terra dos Soncó, de Mário Beja Santos, que está ao centro. À direita, está o Henrique Matos que foi o 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52. Desta vez, no lançamento do 2º livro (Diário da Guiné, 1969-1970: O Tigre Vadio), este quadro não se vai repetir, devido à ausência do J. Mexia Alves.

Foto: © Henrique Matos (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem, com data de 10 de Novembro, do Joaquim Mexia Alves (*), dirigida ao Mário Beja Santos, com conhecimento aos editores do blogue:

Caro camarigo Mário

Amanhã estarei em Lisboa, mas infelizmente não poderei estar contigo, com todos. Sabes, porque me vais conhecendo, quanto isso me custa, por isso escuso de acrescentar seja o que for.

Guarda-me um livro, antes que esgotem. Mando-te uma homenagem que neste fim de tarde me saiu da caneta.É verdade o que lá está, embora no pobre versejar de quem faz as coisas com o coração. Ou seja é mais coração do que jeito!

Que o dia seja feito de tudo o que tu quiseres e mais desejares.

Um abraço do tamanho e da força do macaréu no tempo das marés vivas do teu camarigo

Joaquim Mexia Alves

Tomo a liberdade de enviar cópia da homenagem ao espaçonet dos nossos encontros.


Para o camarigo Mário Beja Santos
na véspera da apresentação do seu livro (**)


Hoje fico assim,
Sentado a pensar.
Queria tanto que a memória
Se fizesse viva
E eu pudesse recordar.

Não,
Mais que recordar,
Viver
Aquele caminho do Mato Cão
E o cheiro daquele tarrafo
A agarrar-se-me ao coração.

Lembro-me agora
De quando ali cheguei
Ao pé deles
Os do 52
Ali na Ponte do Udunduma.
O medo entranhado
No suor quente,
Os pensamentos a correrem
Por aqueles espaços fora.

Todos me pareciam estranhos!
Não eram os meus homens
Aqueles que comigo embarcaram
Indecentemente,
Mesmo antes do Natal.
Não aqueles não eram a minha gente!

Confesso agora,
Tinha medo,
Muito medo!
Sei lá se sou capaz,
Sei lá se um dia à noite
No escuro silencioso do breu...
Sei lá!

Mas vá lá que és homem,
Mostra-te sem medo,
Levanta-te na tua altura,
Deixa que te meçam
E percebam que estás aqui
E não vais recuar.

Olha-os nos olhos,
Entrega-te por eles
De modo que eles percebam,
Para que também eles
Se venham a entregar por ti.

Sorri
O sorriso dos sem medo,
Ou melhor dos loucos,
Que já nem sequer pensam
Porque também não vale a pena
Já pensar.

E passa o tempo,
E as conversas chegam.
A empatia começa a nascer
E a confiança neles
E deles em mim
A tomar forma,
A criar raízes.

Já são a minha gente
E eu já sou deles também.
À volta da cadeira de verga
(Já falei dela uma vez),
Sentados pelo chão, (***).
Trocam-se recordações.
Surge um nome,
Um tal Tigre de Missirá!
Que raio tem o homem
Que eu não tenha!
Também já não interessa,
O homem já não mora cá.

Pois se deixaste um nome,
Se deixaste recordações,
Não penses tu,
Ó desconhecido,
Que não hei-de fazer melhor.

É assim que há muito,
Muito tempo,
Já povoavas os meus pensamentos!
Sabia lá eu um dia
Que te havia de encontrar,
Na guerra das palavras escritas,
Em que a arma
É uma caneta.

Hoje fico assim,
Sentado a pensar.
Será que o livro do Mário
Traz cheiros de bolanha molhada,
Barulhos de macaréu,
Gritos de macaco cão,
Cantares de humor duvidoso
De homens tisnados do sol,
Que cantam para espantar
O medo de não voltar.

Hoje fico assim
Sentado a pensar,
Que um livro pode trazer
Um abraço do passado
Para agora no presente
Viver, sonhar, recordar.

Hoje fico assim
Sentado a recordar...

Joaquim Mexia Alves

Monte Real, 10 de Novembro de 2008

___________

Notas de L.G.:

(*) O nosso camarada e amigo (ou camarigo, como ele gosta de escrever) Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné:(i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas);(ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão); e (iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa).

A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão. No Sector L1 (Bambadinca) privou com a malta da CCAÇ 12. Em todo o lado fez amigos. A CCAÇ 15 era uma das novas companhias africanas, neste caso composta por balantas.

(**) Vd. poste anterior desta série > 10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3431: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (3): Um homem da palavra e da acção (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2961: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (11): Às vezes dá-me umas saudades da Guiné... (J. Mexia Alves)

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6842: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 9 de Agosto de 2010:

Caros camarigos editores
Num intervalo das minhas semi-férias, (sem net), envio mais um escrito.

O tempo passa sobre as coisas escritas e vai-me dando vontade de voltar a escrever sobre a Guiné.
E fico curioso a pensar o que serão as minhas memórias ainda, ou melhor, como verei agora à distância aquilo que vivi?

Boas férias, para quem as tem!

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (10)

OS MEUS FANTASMAS

Tenho as noites povoadas
de estranhos fantasmas
que se arremetem contra mim
e não me deixam descansar.
Vêm de longe
estes fantasmas,
de longe no tempo,
e no espaço até,
vêm de África,
vêm de terras da Guiné.
Por vezes atormentam-me,
fazem-me sofrer,
fazem-me chorar.
Por outras vezes contudo,
fazem-me rir,
obrigam-me a viver,
povoam o meu sonhar.
Há noites em que acordo,
encharcado em suor,
ou serão lágrimas de dor,
que molham o meu travesseiro?
Mas outras noites há também,
em que adormeço pacifico,
como que envolvido na paz,
embalado no amor.
Durante o dia aquietam-se,
não saem a terreiro,
passeiam-se comigo,
é certo,
mas não se fazem notados,
nem pela forma,
nem pelo cheiro,
(não há nenhum que se afoite),
mantêm-se adormecidos,
como que a ganharem forças,
para me fazerem companhia…
à noite!
É o cheiro da terra quente,
o pôr-do-sol encarnado,
o macaréu apressado,
que abafa o grito da gente,
que se tinge de coragem
à falta de outro fado.
Trato-os por tu,
são meus,
embora eu muito suspeite,
que também atormentam outros,
ao longo de cada noite,
mal dormidas,
mal sonhadas,
misturadas de suores,
e de lágrimas choradas,
compondo um quadro pintado
das mais violentas cores,
um quadro longo, longo,
que nunca está acabado.
Deito-me com eles,
os meus fantasmas,
já fazem parte de mim,
do meu dormir,
do meu sonhar,
são como um despertador
que não me deixa dormir,
que me obrigam a lembrar,
o que foi o meu viver,
por terras dessa Guiné.
Dizem-me ao ouvido,
baixinho,
que não querem atormentar,
nem sequer o meu existir,
nem tão pouco o meu viver,
mas apenas querem gritar,
bem alto,
para que todos ouçam,
o que os outros que por aqui andam,
fazem questão de esquecer.

27.12.91
__________

Nota de CV:

Vd. postes da série de:

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida

19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I

28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6486: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho

10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2

18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

28 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6799: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (9): Estar lá, estando cá

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4773: Blogoterapia (122): Ainda choro e me revolto por todas as nossas mentiras... (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves que, como ele hoje nos diz, "tem andado ocupado com outras 'guerras' [mas nem por isso tem] deixado de vir ao fogo acariciador da fogueira da nossa Tabanca"... (na foto, à esquerda, no Mato Cão, três primatas: o Joaquim é o primeiro do lado esquerdo, em tronco nu):

Meus camarigos editores

Para quem andou de longe há uns tempos, o dia tem sido emotivo. Como comentário, resposta, ou o que lhe quiserem chamar, ao Cherno Baldé aqui fica este meu escrito.

O choro não é figura de retórica, é verdadeiro e as lágrimas também. Um abraço camarigo para tdos. Joaquim Mexia Alves




2. Comentário do Joaquim Mexia Alves ao poste do Cherno Baldé (**)


Quando vim da Guiné e sobretudo depois da descolonização, era-me muito difícil falar da guerra, não porque tivesse tido assim tantos problemas ou acções militares de consequências funestas, mas porque as noticias que nos chegavam indiciavam uma incrível barbárie exercida sobre aqueles que connosco tinham combatido.

Aqueles que tal como nós tinham jurado a Bandeira Portuguesa, que tinham acreditado que éramos uma Nação, que tinham acreditado que Portugal honrava os seus compromissos, viam-se agora abandonados à sua sorte e alvos de vinganças cruéis e desnecessárias.

Curiosamente, ou talvez não, condenava mais as autoridades portuguesas que as recém-empossadas guineenses, porque achava e ainda acho que nos competia a nós, portugueses, assegurar no território a transição pacífica defendendo aqueles que connosco tinham combatido, e, se tal não fosse possível, então trazer aqueles que o quisessem para Portugal, visto que eram por direito cidadãos portugueses como os demais.

Por vezes pressionado por outras pessoas falava da Guiné e acabava sempre com um choro de lágrimas verdadeiras, numa mistura de saudade e de revolta, até contra mim próprio, que me sentia em grande parte responsável pela mentira que tínhamos praticado sobre aqueles que comandei no Pel Caç Nat 52 e na CCaç 15 e que tanto deram de si, e por mim também.

Quem me conhece sabe que não sou homem de relações frias e distantes, mas sim que me entrego e dou completamente à amizade, pelo que aqueles homens não eram “meus” soldados, mas sim meus amigos que me protegiam e eu protegia.

Por causa deles tive muitas discussões com comandantes, que nos julgavam carne para canhão, e arrostando muitas vezes com possíveis retaliações, nunca deixei de os defender em tudo o que me era possível.

Ver o meu país cobrir-se de vergonha, abandonando os seus filhos de pleno direito, era demais para a minha ainda insípida recuperação da guerra e então as lágrimas brotavam e muitas vezes a irritação que me levou de quando em vez à violência com aqueles que não me compreendiam, ou melhor que não compreendiam a incrível vergonha que sentia.

Abro aqui o meu coração, mesmo que a dor ainda cá more, mas o texto do Cherno teve o condão de abrir as portas à minha memória e à minha indignação.

E não choro e não me revolto apenas por aqueles que lá ficaram porque os abandonámos, (e não há outra forma de o dizer), mas também por aqueles que regressaram connosco e não lhes demos condições de integração, ou que até hoje ainda não viram os seus direitos como portugueses verdadeiramente reconhecidos.

E junto a todos estes os mortos vivos, os estropiados física e mentalmente, sejam eles quais forem, negros e brancos da Guiné até Timor, e que ao fim de 35 anos continuam a lutar por uma migalha do Estado, do mesmíssimo Estado que os enviou ou chamou para a guerra.

As pessoas mudam, mas a Nação é a mesma, e esta Nação velha de quase 900 anos, escreveu uma página de vergonha na sua história e, pior ainda, não consegue olhar para trás e corrigir o seu erro.

Pois fiquem sabendo, meus camarigos, nos quais envolvo o Cherno e todos os guineenses de boa vontade, que ainda choro e ainda me revolto, por isso fico por aqui neste texto que me dói como uma ferida que não fecha e sempre sangra.

Já uma vez o escrevi e volto a escrever: Que esperamos nós para fazer ouvir a nossa voz?

Abraço sentidamente camarigo do

Joaquim Mexia Alves

[ Fixação de texto / bold: L.G.]


_____________

Notas de L.G.

(*) Joaquim Mexia Alves, co-organizador do nosso último encontro (Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, 20 de Junho de 2009), foi Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa).


Vd. também postes de:

6 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4288: Espelho meu, diz-me quem sou eu (1): Joaquim Mexia Alves

6 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4146: Parabéns a você (3): No dia 6 de Abril de 2009, ao camarigo Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, Guiné 1971/73 (Editores)


(**) 2 de Agosto de 2009 >Guiné 63/74 - P4767: Blogoterapia (118): Os Fulas, o PAIGC e... os tugas (Cherno Baldé / Luís Graça)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2179: Fado da Guiné (letra original de Joaquim Mexia Alves)

Fado da Guiné > Vídeo: 2 m e 19 s > Alojado no You Tube > Nhabijoes > Letra do Joaquim Mexias Alves. Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera) (com a devida vénia).

Vídeo: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > CART 3942 / BART 3873 > 1972 > O nosso autor e cantor Joaquim Mexia Alves...


Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados (Do Álbum Guiné 74 > Camaradas, de Álvaro Basto, alojado em Photobucket.com, com a devida vénia...).



1. Em 18 de Agosto último, o Joaquim Mexia Alves fez-me uma agradável surpresa:

Caro Luis Graça

Mando-te, a ti somente, a letra que hoje me foi inspirada, num repente, para o fado que pediste [ no 2º encontro da nossa tertúlia, em Pombal, 28 de Abril de 2007] (1).

Tem uma música tradicional do Fado de Lisboa e por isso a métrica está à mesma adaptada. Claro que pode ser refeita, corrigida, etc.

Gostava de saber a tua opinião, por isso mesmo apenas mando para ti, pedindo que não divulgues para já.

Não sei se estás de férias e se por isso mesmo não tens acesso ao mail, mas não há pressas. Vou sair agora para a Mealhada para uma almoço com alguns elemento da minha companhia do Xitole.

O culpado és tu!!! Obrigado!!!

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves


2. Depois de pequenas correcções da letra e de trocas de mensagens entre nós, em 12 de Outubro de 2007 o Joaquim Mexia Alves mandou-me uma gravação do seu Fado que, por minha sugestão, chamar-se-á apenas Fado da Guiné. Recorde-se que este nossoa amigo e camarada foi Alf Mil Op Esp e esteve na Guiné, entre Dezembro de 1971 e e Dezembro de 1973, tendo percorrido nada menos que três unidades (caso raro!): CART 3492 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e à CCAÇ 15 (Mansoa). O seu talento de fadista também não passou despercebido na Guiné (2)

Caro Luis:

Aqui vai uma versão melhorada do Fado dos Ex-Combatentes da Guiné.

Deixo à tua consideração a imediata publicação do mesmo, ou guardá-lo para a presentação do livro do Beja Santos, (não sei se fará sentido), ou as duas coisas (3).

Uma coisa é certa, terás de ser tu, ou os teus adjuntos do blogue a colocarem no You Tube, ou onde quer que seja, pois eu não percebo nada disso (4).

Depois diz-me se recebeste e qual a decisão tomada.

Já foste visitar o novo blogue, Xitole (5) ?

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves

3. Comentário de L.G.: Joaquim, se o culpado sou eu, então ficámos todos a ganhar... És um homem de grande sensibilidade e espírito solidário que a ti próprio te apresentas como (i) "Cristão e Católico, vivendo a espiritualidade do Renovamento Carismático Católico", (ii) pertencendo à "Comunidade Luz e Vida", (iii) "Pai e Avô" (babadíssimo...) e, last but not the least, (iv) "Português, sem dúvidas", com o "Serviço militar cumprido e comprido". Camarada da Guiné, não quiseste esquecer, não quiseste deixar esquecer todos os camaradas que contigo partilharam o melhor e o pior desse tempo e desse lugar que nos calhou em sorte, na nossa juventude. Obrigado por este Fado da Guiné.
_____________

Fado da Guiné

Letra (original): © Joaquim Mexia Alves (2007)

Música: Pedro Rodrigues (Fado Primavera)


Lembras-te bem daquele dia
Enquanto o barco partia
E tu morrias no cais.

Braço dado com a morte,
Enfrentavas tua sorte,
Abafando os teus ais.
(bis)

Dobrado o Equador,
Ficou para trás o amor
Que então em ti vivia.

Da vida tens outra margem
Onde o medo é coragem
E a noite se quer dia.
(bis)

Aqui estás mais uma vez,
Forte, leal, português,
Sempre de cabeça erguida.

Não te deixas esquecer,
Nem aos que viste morrer
Nessa guerra em tempos ida.
(bis)

Que o suor do teu valor
Que vai abafando a dor
Que te faz manter de pé,

Seja massa e fermento
Desse nobre sentimento
Que nutres pela Guiné.
(bis)

Joaquim Mexia Alves
Monte Real,
18 de Agosto de 2007

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1717: Tertúlia: Encontro em Pombal (8): Ah, tigres! Ou uma dupla de fadistas (J.L. Vacas de Carvalho / J. Mexia Alves)

(2) Vd. post de 16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

(3) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2003: Blogoterapia (30): Mário, direi orgulhoso a quem ler o teu livro: Eu também comandei o 52 !!! ( Joaquim Mexia Alves)

(4) Um especial agradecimento é devido ao Gabriel Gonçalves (6), e a um dos seus filhos que fez a conversão da gravação do ficheiro áudio, enviada pelo J. Mexia Alves, e a colocou no You Tube. Os ficheiros em formato.wav não podem ser carregados directamente no You Tube, que só aloja vídeos. De resto, já não há muito espaço na Net para ficheiros áudio... Foi também o Gabriel que identificou a música, com sendo o Fado Primavera, da autoria de Pedro Rodrigues. Obrigado, mais uma vez, ao nosso arcanjo Gabriel... Só quem não conhece este alfacinha, é que dirá que ele é uma caixa de surpresas...

(5) O novo blogue é apresentado nestes termos:

"Ponto de encontro para partilhar histórias, experiências, vivências e documentos, (seja eles quais forem), de todos aqueles e aquelas que passaram pelo Xitole, seja em que altura e por quanto tempo tenha sido. Espaço de viver a camaradagem que nos uniu e ainda une".

Para já a animação deste novo espaço (que o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné saúda com muito afecto e camaradagem), está a cargo da malta da CART 3492 / BART 3873 (1971/74). Para além do J. Mexia Alves (Monte Real / Leiria), o Artur Soares (Figueira da Foz), o Álvaro Basto (Leça do Balio / Matosinhos), mas também o David Guimarães (Espinho), este da CART 2716 / BART 2917 (1970/72) e um dos mais antigo dos nossos tertulianos e outro tocador de viola.

(6) Vd. post de 3 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2150: O Hino de Gandembel, cantado pelo GG [Gabriel Gonçalves], o baladeiro da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)

sábado, 15 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4824: (Ex)citações (39): "Ainda estás pouco lixado, pá?"

1. Mensagem de J. Mexia Alves (*), ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 14 de Agosto de 2009:

Caros camarigos editores

Aqui vai um textozinho assim como que de Verão, que os meus camarigos farão o favor de julgar da pertinência de publicação.

Como sempre agradeço que me acusem a recepção do mesmo.

Um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves


As práticas do tipo: “Ainda estás pouco lixado, pá”!

Algures aqui na Tabanca, li recentemente um texto que me fez lembrar uma prática em voga na Guiné e que eu sempre considerei um erro, mas que era infelizmente muito usada por vários comandantes.

Consistia essa dita prática, quase como se fosse uma NEP, em mandar o pessoal mais difícil, mais punido, mais insurrecto, para os sítios mais difíceis e complicados, os chamados buracos.

Assim, aqueles que esses comandantes não conseguiam ou não queriam disciplinar nas suas Companhias ou sedes de Batalhão, enviavam-nos para os que já sofriam as estopinhas em lugares isolados e degradados, como um castigo, que acabava muitas vezes por castigar os que já estavam castigados pelas condições em que viviam.

Isso aconteceu-me no Mato Cão uma ou duas vezes, por exemplo.

Ou seja, não chegava um gajo já estar nas piores condições, mas ainda se mandavam para lá os problemas difíceis de tratar, assim como se aqueles destacamentos ou quartéis fossem uma colónia penitenciária.

Lembro-me que assim que chegaram ao Mato Cão, tive com os insurrectos, uma conversa franca e objectiva, com umas ameaças a preceito, e acabei por não ter mais problemas.

Mas a verdade, quer queiramos quer não, é que o castigo que era dado a esse pessoal, acabava muitas vezes por se transformar em dores de cabeça para aqueles que já as tinham que chegassem.

E os senhores comandantes ficavam mais descansadinhos nos seus sítios, e os outros… que se lixassem!!!
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4781: Também quero homenagear os nossos picadores (J. Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4813: (Ex)citações (38): Resposta a J. Mexia Alves (A.J. Pereira da Costa)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9805: Tabanca Grande: oito anos a blogar (11): Mensagem do nosso tertuliano Joaquim Mexia Alves



 1.   O nosso camarada Joaquim Mexia Alves (ex-Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73), fundador da Tabanca do Centro, enviou-nos a seguinte mensagem em 23 de Abril último.


O 8.º ANIVERSÁRIO DA TABANCA GRANDE

Hoje, a nossa Tabanca Grande, o nosso Luís Graça & Camaradas da Guiné, faz anos.

Tinha pensado em apenas deixar os meus parabéns, que são afinal para todos nós, pois que, independentemente de algumas “tricas”, “discussões” e até “zangas”, sempre nos vamos sabendo manter unidos, porque as experiências passadas na Guiné, são mais importantes que as possíveis “divergências” de hoje.

Mas decidi então escrever mais qualquer coisa, porque no Sábado passado [, 21 de abril, no nosso VII Encontro Nacional, em Monte Real]  aconteceu algo que eu não esperava, e me tocou muito fundo o coração.

Por causa deste nosso blogue, muitos se foram encontrando e desejando encontrar e, por isso mesmo, o António Bonito, que foi “meu” Furriel no Pel Caç Nat 52, no Mato Cão, não descansou enquanto não juntou toda a “equipa” que comigo passou largos meses no Mato Cão.

Duas fotografias separadas por 39 anos, com as mesmas pessoas, nos mesmos lugares, e mais uma com a “equipa” completa, agradecendo ao Miguel Pessoa estas fotografias que guardo no meu coração.

O ANIVERSÁRIO DA TABANCA GRANDE

Assim, pude abraçar, (consegui conter as lágrimas, espantoso!), o João Santos e o Diamantino Varrasquinho, ambos Furriéis, e os Cabos António Pinheiro, António Ribeiro e João Sesifredo.

Estava ali o Mato Cão!

E ouvi histórias de que não me lembrava, e sobretudo vivi a amizade que nos uniu e percebi que tínhamos feito uma tão boa “equipa” que tinham ficado laços de profunda amizade.

E tudo isto, proporcionado por este espaço de encontro que é a Tabanca Grande, em blogue!

Por isso parabéns ao fundador, Luís Graça, aos editores Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro, Virgínio Briote e parabéns a todos nós que vamos sabendo encontrar-nos, discutirmos e sobretudo abraçar-nos.


Um grande e camarigo abraço do
Joaquim Mexia Alves
Alf Mil Op Esp/Ranger da CART 3492/BART 3873

Monte Real, 23 de Abril de 2012 
____________
Nota de M.R.:

Vd. poste anterior desta série em:

25 DE ABRIL DE 2012 > Guiné 63/74 - P9803: Tabanca Grande: oito anos a blogar (10): Mensagens dos nossos tertulianos Fernando Gouveia, Felismina Costa e António Melo

terça-feira, 23 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4566: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (10): Obrigado, camarigos!... Obrigado, António Bonito! (Joaquim Mexia Alves)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > (*) O grito do ranger... No grupo, reconheço, da esquerda para a direita, o Luís Raínha, o Casimiro Carvalho, o J. Mexia Alves, o José Pedro Neves, o António Pimentel (de que só se vê a cabeça, entre o Mexia Alves e o Pedro Neves), o Santos Oliveira (de boina), o Benjamim Durães e o Eduardo Magalhães Ribeiro. Cada um da sua época e sítio: o mais antigo é o Santos Oliveira, e o mais pira dos piras, o Eduardo, o nosso pira de Mansoa (embarcou para a Guiné já depois do 25 de Abril de 1974)...

Vídeo (12''), fotos e legendas: © Luís Graça (2009). Direitos reservados

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > O homem da massa, graveto, grana, carcanhol, guita, patacão, milho, maçaroca, cheta, caroço, arame, arjã, cacau, pastel, vil metal, tusto, cobres, prata, lecas, nota preta, papel, aquilo-com-que-compram-os-melões (como é rica, ao menos, a língua da gente!)... Na hora da dolorosa, passaram-lhe pelas mãos, dele Joaquim e dos seus ajudantes, cerca de 4 mil aéreos... Não faltou um cêntimo...


O Nelson Domingues (Monte Real / Leiria), membro da nossa Tabanca Grande e hoje advogado estagiário, fez questão de se inscrever no nosso IV Encontro Nacional, homenagenando mais uma vez a memória do seu tio, Manuel Sobreiro, Alf Mil de Minas e Armadilhas, CART 1612 (1967/69), morto numa acidente com um granada defensiva, em Mampatá, em Fevereiro de 1968... Ele é um exemplo extraordinário de dedicação a uma causa, a da preservação da memória do seu tio, o Sobreirito, natural de Leiria.

O Joaquim Mexia Alves, recebendo o patacão de um Homem Grande, António J. Pereira da Costa, que mais uma vez veio ao nosso encontro, com a sua amável esposa, Isabel (esteve na Guiné, entre 1972/74, e nomeadamente em Mansoa: também já a desafiei a escrever sobre esse tempo e lugar...).

O meu querido amigo e camarada da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), o ex-Fur Mil Trms, José Fernando Almeida que veio com a sua Suzel (vivem em Óbidos e vão organizar para o ano o convívio da malta de Bambadinca 1968/71, CCS/BCAÇ 2852, CCAÇ 12 e outras subunidades).


O ex-Fur Mil António Sousa Bonito, do Pel Caç N 52, que esteve no Mato Cão, com o Joaquim Mexia Alves...(Aqui à conversa com o Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70, que o J. L. Vacas de Carvalho foi substituir...

O Bonito pertenceu originalmente à CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo (1971/74), companhia a que pertenceu ao nosso tertuliano nº 2, o Sousa de Castro, que infelizmente não pôde vir este ano ao nosso Encontro... O Bonito, que vive em Montemor-O-Velho, veio de propósito fazer uma surpresa ao Joaquim... Também falei com ele sobre a CCAÇ 12 do seu tempo... Gostaria de o convidar para ingressar no nosso blogue.

O sempre bem disposto J. Casimiro Carvalho, ex-Pirata de Guileje (CCAV 88350, 1972/74), com outro ranger de Lamego, o nosso Joaquim...


1. Mensagem do Joaquim Mexias, elemento da Comissão Organizadora do Nosso IV Encontro Nacional:

Meus caros camarigos

Já agradeci via mail, ao Carlos Vinhal, ao Miguel Pessoa e ao Luís Graça, a festa linda que tivemos no Sábado dia 20.

Dizia-lhes eu que recebi alguns elogios, mas que todos lhes eram devidos.

Vós, meus camarigos, não fazem ideia do trabalho que o Carlos Vinhal teve na organização e acerto das inscrições, dos nomes das dormidas! Quantos telefonemas e mails a marcar e desmarcar, a dar nomes só com nome próprio e por aí fora!

Vós não sabeis também da dedicação e trabalho do Miguel Pessoa, em não querer que nem um só ficasse sem cartão de identificação e preocupando-se se os nomes dos camarigos, mas também das camarigas, estavam certos!

E ainda foi fazer mais uns cartões para colocar nas portas da Pensão de modo a que cada um “não se enganasse” no seu quarto!

Vós não sabeis que o Luís Graça andou nestes últimos dias por esse Portugal fora, mas sempre deixando uma mensagem, uma lembrança, uma palavra, um estímulo, um elogio!
Sempre com uma calma impressionante, uma sensatez cativante, um apoio permanente!

Por isso lhes enviei a minha mensagem de agradecimento, mas quero, (se eles me permitirem), deixá-la aqui publicamente.

E a vós todos camarigos que responderam á chamada, com o vosso empenho, com a vossa boa vontade em achar tudo muito bem, com as vossas histórias, fazendo história, o meu obrigado também!

E às vossas camarigas, que arrostaram com o sol, que arrostaram com as histórias intermináveis e tantas vezes repetidas, mas que emprestaram a graça e a beleza ao nosso almoço, o meu agradecimento profundo!

E a vós também camarigos, que ficaram por lá, porque não puderam vir certamente, com grande pena vossa e nossa também, o meu obrigado porque estivestes connosco no pensamento, no coração, nas histórias contadas!

Pois é, estes encontros, têm muito de tudo, e sobretudo têm muito de emoção.

O Carlos Vinhal pregou-me uma surpresa como poucas vezes tenho tido! Escondeu-me sempre, colocando apenas parte do nome, a presença no almoço do meu Furriel António Bonito! Ia-me matando do coração!!!

Disse-o então e digo-o agora: Se alguma sanidade mental conseguia manter, devo-o à presença do Bonito, e à sua companhia no Mato Cão!

Não preciso de estar com ele muitas vezes, nem ele comigo, para ambos sabermos que em cada uma das nossas vidas há um quarto, há um espaço, que tem o nome de ambos gravado.

A guerra tem destas coisas, constrói amizades, que vão para além do tempo, do espaço, do encontro.

Obrigado Carlos Vinhal, obrigado António Bonito!

Como a Tabanca não deve ter outra fotografia do Fur Bonito aqui deixo esta no Mato Cão, ao fim da tarde, quando o sol se punha e a melancolia atacava... (Foto à esquerda, do JMA).


Já sei que devem estar a dizer ao lerem isto:
- E o gajo, que não lhe desse para o sentimento!!!

Abraço camarigo do tamanho do sentimento que nutrimos uns pelos outros, por Portugal e pela Guiné.

Joaquim Mexia Alves

__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 23 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4565: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (9): Em busca de letras de fado, perdidas no restaurante da Quinta do Paúl (José Brás)

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1401: Com a CART 3492, em Bolama, no Reino dos Bijagós (Joaquim Mexia Alves)

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > 1972 > Hotel Turismo


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > 1972 > Pessoal da CART posando juntamente com um grupo de bajudas e crianças. Da direita para a esquerda, entre as "beldades locais": Alf Gonçalves Dias, (4º Pelotão), Furriel Duarte (4º Pelotão), Alf Mexia Alves (1º Pelotão), Alf Barroso (3º Pelotão), Furriel Pires (1º Pelotão), "homem da minha confiança" (JMA)

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > 1972 > O Alf Mil Mexia Alves junto à porta do Hotel Turismo.

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados
Continuação da publicação das memórias do Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa ). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (1).

Mensagem de 15 de Novembro de 2006:

Caro Luís:

Envio mais um escrito e respectivas fotografias, que poderão seguir em mensagens diversas.


A estadia na Ilha de Bolama, ou no Reino dos Bijagós

E assim foi (como relatava na última história sobre o Cruzeiro no Niassa) (1): desembarcámos para uma LDG e fomos transportados ao cais de Bolama, onde fomos recebidos por uma multidão de militares, que alegremente cantavam o Periquito vai no mato, para além de outros mimos de fino recorte linguístico, que aqui me escuso de colocar, mas sei que a vossa imaginação preenche sem dificuldades.

Ao que me lembro, (ai esta minha memória), subimos uma avenida no seguimento do cais e fomos instalar-nos no Hotel Turismo de Bolama, o que, se pelo nome poderia parecer que estávamos de férias, era totalmente desmentido pelas instalações, que pareciam estar ao abandono há já largo tempo.

De qualquer modo, como a estadia era paga pelo Estado, não convinha muito reclamar!!! Que saudades haveria de ter dessas luxuosas instalações.

A vida corria pacata e tirando uns ruídos ao longe, que os residentes identificavam como embrulhanços (palavra que passaria a fazer parte do nosso léxico), a locais de nomes estranhos para nós como Tite e outros quejandos, e que vinham acompanhados de histórias para meter medo, de bombas a cair, balas tracejantes, etc, e que logicamente, eu, (santa ingenuidade), pelo menos não acreditava, (porque raio haveria de existir alguém com interesse em dar cabo da minha vidinha), parecia-nos ou parecia-me que a coisa se faria sem grandes dificuldades.

Alegremente, ingenuamente, depois dos variadíssimos exercícios militares para nos prepararem para o enquadramento no teatro de guerra (sempre detestei esta expressão), passeávamos pela localidade, apreciando as belezas naturais, quer as da natureza propriamente dita, quer as com duas pernas, novidade total para quase todos nós.

Num desses passeios descobrimos uma árvore muito curiosa! Era uma árvore grande, alta e muito larga e dos seus ramos, lá no alto, quase sem folhas, pendiam umas centenas ou talvez mais, de frutos estranhos com muito mau aspecto.

Trocámos diversas opiniões sobre o assunto e, não chegando a nenhuma conclusão, perguntámos ao pessoal antigo, com certeza já conhecedores da flora local, qual era o nome da referida árvore e seus frutos.

A gargalhada foi geral, pois a árvore era um Embondeiro e os seus frutos eram...morcegos!!!

Visitámos praias e outras belezas da Ilha de Bolama que, a meu ver, poderia ser um óptimo destino turístico.

Numa das tabancas onde estivémos, quando passámos uns 5 dias acampados, seria Calege ou em Punjunguto, reparamos que os Bijagós estavam a fazer uma espécie de bebida, que viemos a saber era vinho de cajú.

Na Ilha havia muitas matas de cajú, outra revelação, pelo menos para mim, pois não fazia a mais pequena idéia que aquilo que eu comia na Metrópole, beberricando os meus uísques, era afinal a parte de baixo de uma espécie de maçã, que tinha um sumo adstringente, que retirava a sede durante horas, e que muito haveria de servir mais tarde.

Com o meu hábito de tudo experimentar, pedi para beber um pouco daquele líquido de muito mau aspecto e que se revelou intragável, tendo-me para além do mais, provocado uma valente diarreia!!!

Fizemos ainda uma excursão nocturna, alguns de nós, para ouvir umas tais cobras, (surucucus?), que nos diziam, assobiavam, cantavam, na areia das praias, nas noites de luar. Não ouvi nada e apesar de me terem jurado a pés juntos que era verdade, ainda hoje tenho a sensação de ter sido gozado!!!

Fomos estreitando relações entre nós, encontrando métodos de trabalho, adaptando-nos uns aos outros e ao clima e preparando-nos para assumirmos aquilo para que tínhamos sido mandados para a Guiné: substituir a companhia que estava no Xitole (2) e que tem neste blogue alguns muito dignos e valentes representantes, que ainda não me agradeceram o facto de os ter mandado para casa!!!

Esta última parte é brincadeira, obviamente!!!

Seguir-se-á quando houver tempo e disposição, a estadia no Xitole, na Ponte dos Fulas, no Rio Udunduma, em Mato de Cão, Bissau (5 dias) e finalmente Mansoa.

Abraço forte, que estou quase a entrar na guerra!!!


Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

(...) "O calor, quando entrámos no Golfo da Guiné, era insuportável, e somado ao barulho constante das máquinas do navio e ao cheiro a vomitado que tomava conta dos corredores, tornou o Natal a bordo algo de inesquecível, dando razão àqueles que, preocupados com o nosso bem estar, nos fizeram embarcar naquela data para a Guiné.

"Chegados ao largo de Bissau, descemos directamente para as LDG, que nos transportaram para a ilha de Bolama, (pelo menos o meu Batalhão), onde fomos recebidos com cânticos do folclore autóctone, nomeadamente, a por demais conhecida canção Periquito vai no Mato. Ficámos em Bolama cerca de um mês, mas isso é estória para depois.(...) ".

(2) CART 2716 (Xitole, 1970/72) a que pertenceu, por exemplo, o ex-furriel miliciano David Guimarães, um dos nossos mais antigos tertulianos.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Guimarães e a Helena. O Xitole era, tal como Bambadinca, sede de concelho ou circunscrição administrativa. A povoação que lá vivia era, no entanto, menos numerosa do que a de Bambadinca, sede do BART 2917 (1970/72). No início de 1972, chegou a CART 3492, a que pertencia o Joquim Mexia Alves.
Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados.