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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25443: 20.º aniversário do nosso blogue (11): Seleção de poemas do "corredor de Guileje" ou "corredor da morte" (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Furriel Gomes, do Pelotão de Caçadores Nativos (Pel Caç Nat 68), o Amadú, um guia e amigo do mesmo pelotão, e eu, carregado de cadernos e livros apreendidos no 'corredor da morte' [ou corredor de Guileje]. De salientar a quantidade de livros escolares em português que o PAIGC tentava fazer chegar às zonas por eles controladas".


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Um momento de descanso nas operações diárias de patrulhamento, picagem e montagem de segurança aos trabalhos da nova estrada Aldeia Formosa (Quebo) - Mampatá - Salancaur...  Lendo e escrevendo... O fur mil arm pes inf, op esp, MA, José Manuel Lopes (Josema, como poeta). 

Fotos (e legendas) : © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. É um apanhado de alguns dos melhores poemas do Josema, escritos com "sangue, suor e lágrimas", no Sul da Guiné,  no "corredor de Guileje" ou "corredor da morte", entre 1972 e 1974, em lugares tão estranhos e já esquecidos (hoje,  à distância de 50 anos) como Mampatá, Nhacobá, Colibuía, Salancaur, Uane... 

A fonte é a série "Poemário do José Manel",  por nós publicada,  entre março de 2008 e setembro de 2009 (trinta postes, muitos deles com mais de um poema). A maior parte dos poemas não têm título, e nem todos são datados.  

Esta seleção, pessoal, feita pelo nosso editor LG, é também uma forma singela de homenagear o poeta de Mampatá (e do Douro) e de  o associar aos 20 anos do nosso blogue (**),


Naquela picada havia a morte,
havia a morte naquela picada,
de vinte e quatro
foi tirada a sorte,
para um foi a desgraça,
o diabo o escolheu
ou foi Deus que o esqueceu,
havia a morte naquele caminho,
naquela picada havia a morte.


Estrada de Nhacobá, 1973

Olhos semi cerrados 
querendo ver
para além das árvores,
passo controlado,
procurando caminho
já calcado e pisado,
orelhas a pino,
a querer ouvir
além da neblina,
todos os sentidos
são poucos,
escaparão com vida?
não ficarão loucos?

Carreiro de Uane, 1972

 

O sol queima em Colibuía,
e nas tendas de campanha
sentimos o seu abraço,
logo, logo, pela manhã
e é só o começar
de uma semana de rações,
sete dias de suores,
milhares de comichões,
de bons e maus humores
e outras complicações.

Os dias lá vão passando
entre picagens,
patrulhamentos,
em cordões de segurança
à construção da estrada
que avança lentamente,
como cobra gigantesca,
pelo matagal imenso.

A semana chega ao fim,
volta-se a Mampatá,
um paraíso afinal
e o bálsamo ideal
do inferno quinzenal.

s/l, s/d


Estradas amarelas

corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tateando por sons diferentes,
o Fernandes com cara de mau
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC...
o calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo,
o grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente
e todos manda afastar,
de joelhos no chão,
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar:
hei-la... está aqui,
lisa preta a brilhar;
parece inofensiva, a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
és minha, já te tenho;
volta-a,
tira-lhe o detonador
e, entre dentes, diz:
esta não,
esta não causará dor.

s/l, s/d


Pior

que o inimigo
é a rotina,
quando os olhos já não veem,
quando o corpo já não sente,
quando já se não recorda
o nosso último abraço,
e a arma se tornou
um apêndice do braço;
pior
é quando nos esquecemos
dos afagos e carícias
que uma mão pode fazer,
da mensagem e melodia
que uma canção pode conter;
pior
que as chagas nas virilhas
ou o aço a entrar no corpo,
são os delírios sem sentido,
e o procurar esquecer
as pessoas mais queridas;
pior
é o despertar
do mal que há em nós,
e é preciso pensar
e é preciso parar
e é preciso sentir
que ainda estamos a tempo.


Salancaur, março 1973


Sangue derramado

Puseste o pé em sítio errado,
um som violento, o pó levantado,
escondeu por algum tempo
teu corpo violentado.

sem pensar em outras minas
correram em teu socorro,
o sangue fugia de teu corpo
e o hélio não chegava.

tua cara, ainda de criança,
ficava cada vez mais pálida,
tudo, num silêncio angustiado.

apesar dos teus vinte anos,
a vida fugia-te em golfada.
porquê tanto sangue derramado?

s/l, s/d

Sabes o que é morrer

com a vida por viver?
sabes o que é sentir
toda uma vida a fugir?
ter de cerrar os olhos
para voltar a sorrir?
eu fecho-os
para ver as vinhas e os montes,
eu fecho-os
para ver o Douro correr,
eu fecho-os
para ver uma mulher,
eu fecho-os
para não pensar
nem me lembrar
que também posso morrer.


Mampatá, 1973

Gostava de vos falar
dos esquecidos,
dos heróis que a história
não narra,
que as viúvas choraram
mas já não recordam,
daqueles
que nem tempo tiveram
de ter filhos
que os amassem,
descendentes
que os lembrassem,
daqueles
que nunca tiveram
o dia do pai,
vítimas de guerras
que não inventaram,
em tempo que já lá vai,
falar deles é prevenir,
se bem que de nada lhes valha,
de guerras que possam vir,
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.

s/l, s/d


Calor, cansaço, suor,
saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior,
pois há ali o Corubal,
com sombras e água boa,
nem tudo é mau, afinal,
não é o Douro, eu sei,
nem o Tejo de Lisboa,
são outros os horizontes,
falta o xisto e o granito,
as encostas e os montes,
mas diga-se, na verdade,
há o Carvalho, há o Rosa,
há um hino à amizade,
há o Gomes e o Vieira
a sonhar com a Madeira,
há o Farinha e o Polónia,
gestos e solidariedade,
há o Esteves e o Pinheiro,
amigos e sinceridade,
há o Nina e até amor,
também sofrimento e dor,
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Mampatá, 1974

As duas faces da verdade 

a outra face da verdade
é só
o outro lado da história,
é apenas
outra maneira de sentir,
é só
o reverso da medalha,
o outro ângulo,
outra maneira de ver,
e põe em causa
a minha razão,
mas terei nunca
vergonha
desta farda que me cobre,
quero sim é entender
a outra face da verdade.

Mampatá, 1974

Ao Albuquerque (#)

O teu sangue não manchou
só a terra onde caiste,
apagou o futuro e
os filhos que não terás,
causou dor
nos que te perderam,
despertou loucuras
em noites perdidas
a recordar-te,
o teu sangue vertido
marcará para sempre
bem fundo, dentro de nós,
prometo não mais chorar,
quero rir por ti,
quero viver por ti,
quero gritar ao mundo
como foi inútil o teu sacrifício,
assim nunca serás esquecido.

Mampatá, 1973



É tempo de regressar às minhas parras coloridas

e ver a água a gelar,
esquecer mágoas e feridas,
e a todos abraçar, 
olho por cima dos ombros,
vejo a mata, lembro Amadú,
e nem tudo são escombros,
há a ilha de Bolama,
há Susana, há Varela,
as ilhas de Bijagós
e a vida pode ser bela,
se nunca estivermos sós,
houve prazer e amor
em terras de Mampatá,
senti a raiva e a dor,
saudades do lado de lá,
a distância e tanto mar,
mas não há ódio ou rancor
e um dia... vou voltar.


Bissau, 1974
____________

Nota do autor:

(*) O Albuquerque era um soldado do 3º grupo de combate. A segunda baixa da nossa companhia em Abril de 1973. Vítima de uma mina antipessoal quando o seu grupo procedia à picagem na frente de trabalhos da estrada [Quebo-Salancaur] que a Engenharia estava a abrir. 

Todos os dias se fazia a picagem até à frente de trabalhos, foram detectadas dezenas de minas antipessoal e anticarro. Era um trabalho que aqueles homens faziam com muito rigor e segurança, e que correu bem até aquele dia. 

O Albuquerque era um jovem alegre, quase sem barba, ainda hoje o vejo na vespera de Natal de 1972 a tourear uma cabra entre os arames farpados de Mampatá. O furriel Vieira um dos furriéis do 3º. grupo assistiu também à cena pois já o ouvi num dos nossos encontros referir-se a ela.

(Seleção, revisão e fixação de texto: LG)
___________

Notas do editor:

(*) 25 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25442: No 25 de abril eu estava em... (33): No regresso de uma operação no mato, já no dia 26, com a malta (que tinha ficado no aquartelamento) a gritar, eufórica, no heliporto, à nossa espera: ""Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou"...A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, rádio-amador na vida civil (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)

Guiné 61/74 - P25442: No 25 de abril eu estava em... (33): No regresso de uma operação no mato, já no dia 26, com a malta (que tinha ficado no aquartelamento) a gritar, eufórica, no heliporto, à nossa espera: "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou"... A notícia tinha sido escutada na BBC por um dos um militares, rádio-amador na vida civil (José Manuel Lopes, ex-fur mil, CART 6250/72, Mampatá, 1972/74)




Guiné > Região de Quínara > Buba > Julho de 1974 > A LDG carregada com o material da companhia, a CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74), a sair do cais de Buba, a caminho de Bissau, depois de terminada a comissão.


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974, entre maio e junho, tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC às NT, com vista ao cessar-fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa, das NT em relação ao PAIGC). Nesta foto, vemos o ex-fur mil José Manuel Lopes (o poeta Josema) com um guerrilheiro do PAIGC.  Mais difícil foi, de facto,  a aproximação entre o PAIGC e os militares e mlícias guineenses que estavam do lado das NT, como foi o caso dos Comandos Africanos.

Fotos (e legendas): © José Manuel Lopes (2008). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 1. O José Manuel Lopes, o Josema (pseudónimo literário), o Zé Manel da Régua (terra da sua naturalidade), vitivinicultor (Quinta Senhora da Graça),  foi Fur Mil Inf Armas Pesadas.

É  uma figura, muito querida e popular, da nossa Tabanca Grande.

Soube do 25 de Abril, já no dia seguinte, quando vinha de uma operação no mato e viu um grupo  de camaradas da CART 6250/72,  à sua espera, no heliporto de Mampatá, agitadíssimos, muito eufóricos, a gritar "Meu furriel, a guerra acabou, a guerra acabou!" (*).

Como noutros lados, pela Guiné fora, a notícia tinha sido escutada na BBC, por um dos um militares, que na vida civil era rádio-amador.

2. Recorde-se que a sua  unidade esteve entre 1972 e 1974, sempre em Mampatá, subsector de Mampatá,  sector S2 (Aldeia Formosa).

A tropa vivia misturado com a população (maioritariamente, futa-fula, razão talvez por que nunca foram atacados). Não tinham artilharia, só mais tarde é que passaram a ter obus 14, que dava apoio às operações de segurança de construção da estrada Aldeia Fomorsa (Quebo)-Mampatá-Salancaur. Também aqui, em Salancaur, abriram um destacamento (arame farpado, valas e tendas).

O essencial da missão da companhia era fazer segurança aos trabalhos da nova estrada Aldeia Fomorsa (Quebo) - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia do Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC. A obra parou com o 25 de Abril: o novo troço deveria ter uns 30 quilómetros.

Segundo a história que nos contou ao entrar para a Tabanca Grande (em 27 de fevereiro de 2008) (**)  , tinha sido inesperadamente mobilizado para a Guiné, já com 18 meses de tropa... Trabalhava numa empresa inglesa de vinhos (se não ero). Juntou se à malta da CART 6250, que era constituída por gente do interior/72 (do Alentejo, das Beiras, do norte)... A unidade mobilizadora foi o regimento de Vila Nova de Gaia.

Após realização da IAO, de 30jun72 a 26jul72, no CIM, em Bolama, seguiu em 29jul72 para Mampatá, a fim de efectuar o treino operacional e  a sobreposição com a CCaç 3326.  Em   Buba tiveram logo o baptismo de fogo.

Em 24ago72, assumiu a responsabilidade do referido subsector de Mampatá, ficando integrada no dipositivo e manobra do BCaç 3852 e depois do BCaç 4513/72, sendo orientada, inicialmente, para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Marnpatá-Buba e depois para a contrapenetração no corredor de Missirã, em conjugação com outras subunidades do sector. 

Em 10fev73, a CART 6250/72  destacou dois pelotões para Colibuia, no mesmo subsector, para construção do aquartelamento respectivo e execução dos trabalhos de reordenamento das populações.

Em 6set73, após substituição pela 2ª Comp/BCaç 4516/73, os pelotões recolheram à sede da subunidade, voltando, em 9nov73, a destacar um pelotão para Colibuia, a fim de integrar um destacamento, em conjunto com outro pelotão de outra subunidade, o qual substituíu a 3ª Comp/BCaç 4516/73, ali colocada do antecedente.

Em 22 e 23lu174, após ter sido substituída no subsector de Mampatá por forças do BCaç 4513/72, recolheu a Ilondé, a fim de aguardar o embarque de regresso.

 
3. Ele e a companhia dele seguiram os acontecimentos de Guileje em maio de 1973, e saíram de Mampatá para fazer segurança à CCAV 8530, restantes forças e população civil, que andaram perdidos, nesse perigoso campo de minas, que era todo o corredor de Guileje, montadas umas pelo PAIGC e outras pelas NT. 

Aliás, a sua CART 6250 foi uma das unidades que mais minas levantou, durante a guerra e no final da guerra; recorda-se que se pagava mil escudos por cada mina levantada...

Durante a sua comissão, ele próprio costumava andar com um lápis e um caderninho n0 bolso, onde nomeadamente ia escrevendo os seus poemas... Fez versos  que depois  eram acompanhados com músicas conhecidas da época, de autores contestatários como o Zeca Afonso. Chegou a fazer um poema por dia. A maioria foi destruída, já depois da "peluda"... Salvaram-se umas escassas dezenas, que fomos publicando na série "Poemário do José Manuel" (trinta postes, desde março de 2008: o último em  29 de setembro de 2009)...

Durante anos não falou da guerra colonial com ninguém... Teve conhecimento do nosso blogue, porque viu o programa Câmara Clara, da RTP Dois, a Paula Moura Pinheiro, edição de 24 de Fevereiro de 2004, que foi dedicado à literatura sobre a guerra colonial, e teve dois convidados em estúdio, os escritores Lídia Jorge (autor da Costa dos Murmúrios...) e Carlos Matos Gomes (que assina Carlos Vale Ferraz, o autor de Soldadó, Nó  Gordio, Geração  D).

Nessa edição, o fundador e editor deste blogue foi entrevistado; o nosso blogue foi amplamente divulgado; o programa passava também na RTP África e na RTP Internacional.

Ficou muito sensibilizado e até emocionado, e foi visitar o blogue de que passou a ser visita diária nessa altura...
_____________


quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25440: Historiografia da presença portuguesa em África (420): Sim, Bissau teve uma capital de ficção antes de 1941 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Desconhecia inteiramente a existência de Bissau como capital do distrito da Guiné em 1835. Rebusquei em autores da época, como Lopes de Lima, em historiadores como Veríssimo Serrão, nenhuma referência a Bissau capital, ainda por cima no ano seguinte ao fim da guerra civil. Mas os factos documentais comprovam a nomeação. Bastou-me ler a indispensável Memória de Honório Pereira Barreto que diz verdades com punhos, que fala de um governador que não governa, de uma capital reduzida a uma fortaleza sem o mínimo de condições e a um quadro administrativo caótico, e tudo o mais que se recolhe neste artigo, acrescendo que Cacheu não se conformou com a criação da capital em Bissau e viveu-se no enigmático território guineense com dois distritos, o de Bissau e o de Cacheu durante cerca de 10 anos. Esta é a verdade dos factos, tenho que agradecer a Philip Havik a iluminação que trouxe para esta questão que era dada como inexistente.

Um abraço do
Mário



Sim, Bissau teve uma capital de ficção antes de 1941

Mário Beja Santos

Até recentemente, dava como certo e seguro de que a Guiné portuguesa jamais tivera capital até ser desafetada de Cabo Verde, o que ocorreu em 1879. Ao longo dessa década resolvera-se a questão de Bolama, houvera o dramático desastre de Bolor, Lisboa tomou a decisão de dar autonomia a um território que não possuía fronteiras precisas, a Carta Constitucional não referia a Guiné, mas mencionava Cacheu e Bissau, porque havia o sobe e desce de Praças, Presídios e Feitorias. Num livro respeitante aos cadernos de campo do professor Orlando Ribeiro, um dos coordenadores, um investigador com créditos firmados, Philip J. Havik, assumiu que Bissau obtivera o estatuto de capital em 1835. Escrevi para o blogue um artigo “Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941?”, vasculhei em obras da época qualquer referência à capital, nada encontrei até que se me deparou um despacho do Visconde Sá da Bandeira datado de 29 de abril de 1858 referindo Bissau como a capital da Guiné portuguesa e residência do respetivo governador, erguendo a povoação à categoria de vila com a denominação de vila de Bissau.

Estava armada a confusão, e na altura desafiei um conjunto de investigadores a pronunciarem-se sobre a questão. Philip Havik respondeu, e do modo seguinte:
“As reformas feitas na sequência da revolução liberal em Portugal foram decididas de aplicar a reorganização administrativa por decreto de 16 de maio de 1832 à Guiné em 1834, criando uma Prefeitura de Cabo Verde e a Guiné. Por conseguinte, o distrito da Guiné transformou-se numa comarca, ainda dependente de Cabo Verde, com a sua sede em Bissau, governado por um Subprefeito. Isto foi feito através do decreto de 30 de agosto de 1835. Bissau serviu como capital da Guiné até que se tornou uma província independente com um governo autónomo em 1879, com capital em Bolama através da lei de 18 de março de 1879.”

E o investigador recomendava referências na obra de João Barreto, A História da Guiné (1418-1918), Lisboa, 1938, e no artigo de Arnaldo Brasão, A Vida Administrativa da Colónia da Guiné, publicado no Boletim Cultural da Guiné portuguesa, volume II, n.º 7, 1947. Não posso esconder a minha surpresa, eu tinha lido a importante obra de Lopes de Lima, de 1844, e não se mencionava qualquer capital em Bissau. Um artigo publicado por Teixeira da Mota e Fausto Duarte sobre as efemérides da Guiné portuguesa referia a criação da comarca da Guiné, dirigida por um Subprefeito, mas nada se mencionava sobre a capital, uma comarca é só reorganização administrativa, vinha na sequência do ambicioso projeto de Mouzinho da Silveira de alterar em profundidade a administração do território, gerando municípios, comarcas e entidades apropriadas da administração, desde a justiça à atividade aduaneira. Lendo a História de Portugal de Veríssimo Serrão, encontrei a referência à criação do lugar do governador da Guiné, com residência em Bissau.

Impunha-se, pois, apurar a densidade e a operacionalidade desta capital de que desconhecia qualquer referência. Procurei um verdadeiro tira-teimas, Honório Pereira Barreto e a sua Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar, Lisboa, 1843. Lendo este importantíssimo texto, constata-se que o território desta Senegâmbia tinha uma dimensão fluida, a presença portuguesa era submetida a uma permanente hostilidade e os recursos escassíssimos, como Barreto logo abre a sua introdução: “Se nesta província houvesse um Boletim de Governo aonde se estampasse os ofícios e relatórios das diversas autoridades, não me veria obrigado a escrever esta Memória, cuja matéria é tão superior a minhas forças; porque então apareceria em público o verdadeiro estado destas Possessões.” É um discurso sempre franco, duro e doloroso: “Vive-se em Senegâmbia portuguesa sem segurança alguma; a todos os momentos seus habitantes são vexados pelo gentio, fere-se e assassina-se impunemente, e em Lisboa lê-se no Diário do Governo que as Possessões Portuguesa, nesta parte, estão em ordem, e vão florescendo.”

E a sua narrativa não esconde a inexistência de poder político, da vida das instituições, enfim, o caos reina por toda a parte: “Desgraçadamente se pode dizer que nestas Possessões há um governador e comandante; mas que não há governo. O país está inteiramente desorganizado. Todos os empregados, desde o primeiro até ao último, ignoram quais são as suas atribuições, e, por consequência, quais são os seus deveres: só tratam de seus negócios, pois são negociantes. Não há lei administrativa (nem outra) que vigore, e por isso é suprida pela vontade dos governadores. A vontade deles faz a lei; o capricho executa; as paixões julgam; os rogos dos Gentios, dos amigos fazem minorar, e perdoar as penas.”

É facto que falando do concelho de Bissau, Barreto dirá que é composto da Praça de Bissau, capital do governo, do presídio de Geba, do ponto de Fá, da ilha de Bolama e do Ilhéu do Rei. E apresenta Bissau deste modo: “É uma Praça situada na ilha deste nome, e construída segundo o sistema de Vauban; mas não foi acabada. Não tem obras algumas exteriores, à exceção dos fossos já quase entulhados, e aonde se planta algodão, milho e índigo. O quarto da tropa está quase a cair, e por isso a maior parte dos soldados moram em palhosas; o indecente quartel dos oficiais aonde chove como na rua; o arruinado armazém do governo; e a pequena e destelhada capela com invocação de S. José, que é o orago da praça. O governador mora no quartel dos oficiais em uns quartos pequenos e ridículos.” Há, pois, uma capital do distrito da Guiné portuguesa, da Guiné não se conhece bem a configuração e a importância da capital é dada pelo governador que anda a comprar parcelas do território de diferentes régulos, e em todas as direções. É vila, por despacho do Visconde Sá da Bandeira, será cidade em 1914 e terá mesmo o seu primeiro plano de urbanização concebido pelo engenheiro Guedes Quinhones; o governador Vellez Caroço dar-lhe-á em 1923 o seu primeiro foral.

Philip Havik refere João Barreto e Arnaldo Brasão. Para mim, continua a ser um mistério a data de 1835. João Barreto refere que em 1851 o Governador-geral de Cabo Verde, Fortunato José Barreiros, tomara a iniciativa de unificar o governo da Guiné fixando a sua sede na vila de Bissau e escreve que a partir de 1852 deixou de existir o governo autónomo de Cacheu, passando a existir um distrito único com sede em Bissau. Alegou o governador ter tomado esta resolução para dar unidade à ação governativa. Era nomeado interinamente governador da costa da Guiné (já ouvimos falar de Possessões, de Senegâmbia e de Guiné portuguesa…) o Tenente-Coronel Alois Dziezaski com algumas competências do governador-geral. Bissau é capital do Distrito da Guiné portuguesa.

Arnaldo Brasão, no seu artigo, chama a atenção para a Guiné constituída como uma unidade administrativa, em 1834, com atribuições conferidas por legislação de 1835, referindo igualmente o papel do governador, a quem ficavam sujeitos todos os serviços públicos. “Os governos inferiores, presídios, estabelecimentos marítimos ou do interior, formavam governos subalternos que se regulavam pelo que estava determinado para o governo das praças do reino.”

As lutas entre absolutistas e liberais refletiram-se nas colónias, e adianta Arnaldo Brasão: “Cacheu, que fora o primeiro núcleo de colonização e de povoamento não poderia conformar-se com uma situação de subalternidade em relação a Bissau, que passar a ser a capital desde 1835, e por isso solicitou a sua separação que o governo cartista se apressou a satisfazer em março de 1842, passando desde então o território guineense a ser constituído por dois distritos, mas subordinados ainda ao governo de Cabo-Verde. Esta situação durou perto de 10 anos, porque em setembro de 1851 procede-se à unificação administrativa, sendo escolhido novamente Bissau para sede do governo.”

Considero totalmente corretas as observações expendidas pelo investigador Philip J. Havik, em 1835 Bissau tornou-se a capital de distrito de um território com dimensões indefinidas e dentro de um quadro que um lídimo protagonista da época, Honório Pereira Barreto, mostrou que se tratava de uma capital de ficção. Um governador sem governo, uma capital reduzida a uma fortaleza sem o mínimo de comodidades e cercada por populações hostis.

Dou como esclarecida a existência de uma capital de ficção, numa província de ficção, que passou a uma realidade depois do sobressalto de Bolama e com contornes definidos depois de a França nos ter subtraído o Casamansa, as fronteiras ficaram parcialmente definidas em 12 de maio de 1886, o governador da Guiné terá a sua capital em Bolama.


Monumento a Honório Pereira Barreto, em Bissau, em tempos coloniais
O que resta da Bolama dos tempos áureos
Um pormenor da fortaleza de S. José da Amura na atualidade
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25401: Historiografia da presença portuguesa em África (419): Será que Bissau foi capital da Guiné antes de 1941? O estado da questão (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25424: In Memoriam (503): Agradecimento a René Pélissier (1935-2024) que ao blogue é devido; paraninfo a um devotado historiador (Mário Beja Santos)

Fotografia oferecida por René Pélissier ao blogue, o historiador está na sua biblioteca em Orgeval, França


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Dito cabalmente por quem agora nos deixou, a única vez que este notável historiador colaborou com um blogue, foi connosco, ofereceu-nos uma meditada reflexão sobre a dimensão caleidoscópica sobre a literatura da guerra colonial. E jamais esqueci a observação que ele me fez, em jeito de admiração, quanto à singularidade dos nossos encontros de veteranos, para ele era a prova provada de que as tribulações da guerra jamais se apagam, a elas se volta nesses encontros de partilha, foi nesse convívio que diariamente todos arriscaram a vida, o encontro, segundo ele, tão mais do que a recordação dos que partiram era a lição ao vivo de quanto pesa a solidariedade e a camaradagem.

Um abraço do
Mário



Agradecimento a René Pélissier que ao blogue é devido; paraninfo a um devotado historiador

Mário Beja Santos

Acaso ou destino, no exato momento em que tive a infausta notícia do falecimento daquele que terá sido o historiador francês que mais se dedicou a investigar o império português, fundamentalmente do século XIX aos tempos da descolonização, folheava na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa o Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné, a décadas que vão de 1840 a 1860, o início do trabalho de Pélissier na sua História da Guiné. É chocante o contraste entre a documentação oficial e a realidade que se vivia naquele momento no enclave português daquele ponto da costa ocidental africana, a França a procurar “despejar” a presença portuguesa das margens do Casamansa e os britânicos a querem apossar-se do Rio Grande de Bolola e de Bolama, dava-lhes jeito em termos de feitorias até à Serra Leoa.

Pélissier desvela o tráfico de escravos quase oficial, as sublevações de Bissau que exigiram a implantação de tropas preparadas naquela que vai ser a capital da colónia, mas aonde os Grumetes não dão descanso ao Governador da Praça. Isto para dizer ao leitor que Pélissier nos prestou um grande serviço tratando de forma rigorosa e verosímil a nossa presença, naquele também bastante circunscrita aos rios e rias da faixa litoral, as menções a Gabu só serão conhecidas em meados do século XIX.

Há um texto do notável historiador no nosso blogue, uma importante apreciação da literatura saída do punho dos militares, convido os confrades a relê-la, continua atual.[1]
Pélissier andava sempre a bater à porta das editoras pedindo-lhe livros não só referentes à literatura da guerra colonial como historiografia vária. No princípio do século ele só tinha sido publicado na Editorial Estampa: "História das Campanhas de Angola", "História de Moçambique" e esta "História da Guiné" circunscrita ao período de 1841 a 1936 (como se tivesse desenhado um arco histórico entre o término formal da abolição da escravatura e a pacificação de Canhabaque), conheceu edições posteriores ligadas à Faculdade de Letras do Porto. Era colaborador assíduo de publicações científicas.

Não me cabe fazer a laude do cientista, é trabalho para historiador avisado, que eu não sou. Mas sinto-me agradecido a Pélissier, ele distinguiu o nosso blogue, não se sentia animado a participar nas redes sociais, enviou-me cartas manuscritas e exigiu rever o que dele procurei adaptar. Há um aspeto para mim muito tocante da leitura que ele fazia da literatura da guerra e que se prende com os encontros regulares dos veteranos. Ele não escondia o seu assombro, a sua leitura, disse-me numa carta, passava por aquela camaradagem e solidariedade comuns que se prendia com as condições precárias, a tensão permanente e os medos partilhados. Tratava-se de um património que marca a existência até ao fim dos dias. Esses tais encontros podiam ser assumidos como um hino à vida, depois de tanta devastação e companhia do horror e das tribulações do quotidiano, tivesse a vida tido os êxitos que teve na existência de cada um, nada demais exaltante que estar um dia por ano com quem nos acompanhou naquele que terá sido o acompanhamento mais importante da vida de cada um. Agradeço esta lembrança a este historiador francófono cuja imponente biblioteca veio para Portugal.

René Pélissier (à direita), quando distinguido pela Universidade de Lisboa como Doutor Honoris Causa, 2022[2]

Obras de René Pélissier sobre a Guiné colonial
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Notas do editor:

[1] - Vd. posts de:

26 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11159: Bibliografia de uma guerra (67): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (1) (René Pélissier / Mário Beja Santos)
e
28 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11173: Bibliografia de uma guerra (68): Alguns comentários sobre a guerra na Guiné e a sua literatura (2) (René Pélissier / Mário Beja Santos)

[2] - Vd. post de 7 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23150: A Universidade de Lisboa, sob proposta da Faculdade de Letras, atribuiu o grau de Doutor Honoris Causa a René Pélissier como reconhecimento de mérito Académico, Científico e Profissional na área da História de Portugal

Vd. post anterior de 19 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25413: In Memoriam (502): Historiador René Pélissier (1935-2024), que dedicou vasta obra literária às antigas possessões portuguesas em África

domingo, 21 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25419: No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em... (31): Lisboa, de licença de férias, e depois de uma noitada o meu cunhado acordou-me às 9h00: "Eh, pá, já não voltas mais para a guerra" (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)





















Lisboa >Av Lierdade e Marquês de Pombal>  28 de abril de 1974, domingo > Um alferes de Fulacunda, de férias na metrópole, transformado em fotojornalista,captou estas imagens...

Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplemene: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]



Jorge Pinto
1. O Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) mandou-nos, há tempos, fotos do seu arquivo pessoal relativas ao 25 de Abril de 1974.(*)

Escreveu ele: "Como sabes, tive o privilégio, de estar de férias na 'metrópole' , nessa data. No próprio dia 25, vim de Alcobaça (Turquel) para Lisboa e por aqui permaneci, até regressar a Bissau no dia 3 de Maio."

Nessa altura, enviou-nos fotos f tiradas no primeiro domingo (28.04.74), a seguir ao 25 de Abril, que fora numa quinta feira. (**) 

E explicou-nos que foram  "tiradas junto ao Marquês de Pombal, apanhando manifestação (ões) espontânea(s) que subia(m) a Avenida da Liberdade".

Ontem almoçámos juntos, em casa de amigos comuns, no lugar da Estrada,  
Geraldes, Peniche. (Um belíssimo almoço, acrescenta-se  de "arraia com batata e cebola cozida",  em dois panelões, éramos 16 à mesa, à moda das aldeias ribeirinhas do concelho da Lourinhã.)

Em Fulacunda
Depois de folgar em saber que ele está melhor das suas mazelas músculo-esqueléticas (foi operado ao fémur), falámos desta história do 25 de Abril. E ele esclareceu algunas das minhas dúvidas... 

Se bem percebi, ele já estava em Lisboa no 25 de Abril, deitou.se muito tarde, depois de estar com amigos até às tantas, ficou na casa da irmã,ali perto do Marquês de Pombal e às nove horas, foi acordado abruptamente pelo cunhado, que eufórico lhe disse:
- Jorge, tu já não voltas para a Guiné!

Ele estava a acabar de licença de férias, com viagem marcada  para o dia 3 de maio. 

Como muitos de nós, face à escassez de notícias nerdsa manhã,  ficou na dúvida se se tratava de um golpe militar encabeçado pelo Kaulza de Arriaga, do Spínola ou de outros generais...Com o passar das horas, as coisas começaram a clarificar-se. Não conseguiu chegar ao Terreiro do Paço nem ao Carmo, mas já não saiu de Lisboa, até ao regresso a Fulacunda.

Tomou o avião no dia 3, voltou a Fulacunda que foi atacada em força com canhão s/r no dia 7...Terminou a comissão em junho, mas só regressou em setembro... Nessa altura, além do 3ª C / BART  6520/72,  Fulacunda dispunha  do Pel MIl 221 e do 31º Pel Art (obus 14 cm).  

PS - O Jorge Pinto trabalhava na União Gráfica, como revisor de texto,  e já tinha o 1º ano da licenciatura em História, quando foi chamado para  tropa.

2. Comentário do editor LG:

Jorge, recuperei e reeditei as tuas fotos, que ficam para a história do nosso blogue

São de uma manife (o vocábulo já foi grafado pelos nossos dicionaristas...) do dia 28, domingo...

Como escrevi na altura (28 de fevereiro de 2016, também domingo), há 8 anos, há um certo olhar "naïf" do fotógrafo de Alcobaça, ou se calhar, mais de Fulacunda do que Alcobaça ... Afinal, só agora fico a saber que já vivias e trabalhavas em Lisboa.

Nessa altura eu estava a viver e a trabalhar em Mafra, e o dia 25 de abril de 1974, quinta-feira, foi de alguma inquietação, ansiedade, incredulidade e depois de alegria... Também eu bão sabia de que lado é  que estavam as tropas sublevadas... Pela "Máfrica", a EPI, estava tudo aparentemenet calmo... Já não tenho a certeza se nesse fim de semana fui a Lisboa, mas fui, isso sim, ao 1º de maio... Irrepetível, esse 1º de maio histórico.

Tenho pena de nessa época não fazer fotografia!... Nem se quer tinha máquina...

De facto, foste fotojornalista de ocasião, e estas fotos, mesmo de amador, vão ter daqui a muitos anos grande valor documental... Aliás, já têm... Não é todos os dias que a História nos entra pela porta dentro... No teu caso, pela porta dentro do quarto adenetro de um alferes miliciano, em férias, e com bilhete marcado de regresso a Bissau (e depois Fulacunda, na região de Quínara, lá no cu de Judas)...

Por outro lado, até o analista do mercado automóvel e o sociólogo é capaz de achar piada às tuas fotos: está ali o Portugal no seu melhor em autorrodas: os Fiat 127, os minis, a carroça do burro, a Panhard AML 60... para além os marinheiros aventureiros, os briosos cavaleiros do RC 7, e até as "flausinas" da Reboleira e arredores!...

É um retrato socioantropológico do teu, do nosso Portugal dos anos 70... Espantoso, ternurento, humano, ingénuo, lírico, desconcertante, espontâneo, mágico, solidário, piroso, popular, desenrascado, enrascado, generoso, sonhador, interesseiro, sublime...

O Portugal no seu melhor, que o Zé Povinho éramos todos nós, fomos todos nós, que aguentamos há mil anos a insustentável leveza deste estranho e fascinante país à beira mar plantado, destruído,replantado, recontruído, inventado, reiventado... Representado, aqui, neste blogue pelos melhores dos seus filhos!
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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 18 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25404: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (30): Em Bolama, à espera do meu "periquito"... Embarquei nos TAM, em meados de maio, a expensas minhas (João Silva, ex-fur mil at inf, CCAV 3404, Cabuca; CCAÇ 12, Bambadinca e Xime; CIM, Bolama, 1972/74)