terça-feira, 1 de novembro de 2005

Guiné 63/74 - P244: Memórias de um comando em Barro (Parte III) (Virgínio Briote)

Um equipa de "velhos comandos", em 1965/66. O Alf Mil Briote é o segundo a contar da esquerda.

O primeiro é o Djamanta, futuro alferes graduado da 1ª Companhia de Comandos Africanos.


© Virgínio Briote (2005)



Terceira e última parte do texto de Virgínio Briote:

BARRO, BIGENE, BARRO, BIGENE

Em Bigene, bebia-se até cair para o lado, capitão à cabeça. Ou comando ou não comando, o Rasas à rasca com as palavras. Não fico nem mais uma noite neste quarto! Ou acordava com os arrotos ou com as idas do capitão ao quarto de banho, titubeante, amarrado às paredes, vómitos, água do autoclismo. Daqui a bocado, é só umas horas, dizia o Gil para si, ponho-me na alheta!

Estremunhado, parecem estrondos! O barulho da locomotiva na cama ao lado entrara em velocidade de cruzeiro. Rebentamentos? Ai são, são…calças enfiadas, botas sem meias, G3 na mão, prá rua já!

Clarões ao longe, para os lados de Barro. Tal e qual, lembrou-se, como vira uma vez, quando regressava das festas da Agonia em Viana! Galgou as escadas para a sala do rádio, o telegrafista de serviço na cama, a sono solto, não se passa nada aqui, o rádio aflito, a chamar…, não se calava nem o militar acordava. A pé porra, baixinho, só para os ouvidos do militar de serviço ao rádio! Um pulo, o coração dele também pelos vistos, ligação estabelecida, finalmente! Barro à morteirada, há meia hora pelo menos, temos feridos nossos e na população civil também!

Correu para as instalações do grupo, o pessoal cá fora, todos voltados para Barro, Viu o Gigante numa roda de militares, falaram à parte, regressou ao quarto, a locomotiva a andar bem. Pepsodent, cuecas e meias no saco, água na cara, porta fora.

Para Barro, margens da picada, em coluna, bem espaçados, a 1ª equipa bem à frente, destacada uns 50 metros, mais ainda que os cuidados habituais. À medida que iam andando, os rebentamentos iam espaçando, até que deixaram de se ouvir.

Chegados às portas de Barro, meteram-se para dentro da mata, e deixaram-se estar ali um bom bocado até o dia clarear. Quando voltaram à estrada, um dos homens da frente chamou a atenção para o que lhe parecia ser um grande envelope, pregado numa árvore. Duas folhas dactilografadas, tudo em maiúsculas:

“Chamais bandidos (*) aos que lutam pela sua terra e pela liberdade do seu povo. Vós bem sabeis contudo, que verdadeiros bandidos, são vosso patrão Salazar e a camarilha de ladrões que roubam o bom povo português, mandando os jovens da vossa pátria morrer ingloriamente por uma causa injusta e por isso de antemão perdida.

"Sabeis que vossas mães, noivas, irmãos e amigos choram de dor pelos vossos camaradas que morrem neste país que não é o vosso, longe da vossa pátria e da vossa família. Os nossos chefes não estão no chão francês, estão dentro do nosso país.


Cartaz de propaganda das NT... Ou quando o feitiço se virava contra o feiticeiro: o PAIGC também sabia como desmoralizar os nossos soldados...

© A. Marques Lopes (2005)


"Vós sois escravos de um tirano, de um velho caótico de 75 anos, peru vaidoso, que demonstrando claro desprezo pelas gerações modernas do vosso país, em conferência concedida ao chefe do Bureau da Reuter, nas Nações Unidas, declarou que gostaria de se demitir das funções que ocupa mas que não o poderia fazer pela necessidade de dirigir a política portuguesa em África.

"O vosso patrão considera-se o único homem em Portugal com valor para dirigir o vosso país!

"Nós não passamos fome!

"Nós não passamos frio!

"Porque estamos na nossa terra e a lutar pela nossa pátria.

"Na vossa pátria milhares de vossos compatriotas passam fome e toda a miséria possível, vendo-se obrigados a imigrar clandestinamente para o estrangeiro para não morrerem de fome. Só para a França fugiram nestes dois últimos anos mais de cinquenta mil operários, conforme declarações oficiais francesas.

"O nível de vida do vosso povo é o mais baixo da Europa e um dos mais baixos do Mundo! A tropa não vai embora? Sim, infelizmente para vós, muitos ficam! Não voltarão mais aos seus lares, não voltarão mais ao convívio dos seus, jamais voltarão a receber os carinhos dos pais, das esposas, dos amigos.

"Ainda estais a tempo de ir pelo vosso próprio pé! (...)”.

Foram entrando na povoação fantasma. Não se via nem um tropa, só alguns nativos e as gargalhadas deles a ouvirem-se ao longe. Quando viram a tropa a chegar-se, fecharam a cara e viraram os olhos para outros lados.

Uma loja de uma família libanesa, daquelas que vendem arroz, agulhas de coser, frigoríficos, panos, mancarra, o que havia. O Nelas ao lado, cara de infeliz, chávena de café na mão.

Calmaria em Barro era uma vez... por acaso até estava acordado, foi um estrondo a abrir, só queria que ouvisses, não, trovoada não, pá, vai gozar com o caraças, um estrondo mesmo em cima de nós, merdas a partirem-se. Não tive dúvidas, só gritei, cada vez mais alto, malta p’rós abrigos!

Sei lá que horas eram, nem me lembrei de olhar para o relógio. Do lado do rio não, fogo foi só daquele lado, do lado do Senegal. Respondemos pois, ai não, à morteirada para não ficarmos atrás, umas bazucadas de brinde. Para onde? Sei lá, p’ráqueles lados. Queres ver as marcas deles, olha a parede cheia de buracos dos gajos. Não, não fomos ver, ainda não saímos daqui, o Nelas, agitado…

Ficais aqui uns dias, não? Temos um cabritinho para logo, assado vai saber que nem ginjas! E temos mais ali, para ocasiões especiais, como esta é que espero que não! Não pode ser tudo mau, não é?

Quando voltais a sair? Esta noite não, porra! E o Rasas, meteu-se muito nos copos? Aquele gajo já veio bêbado da metrópole, é um profissional do mergulho!

Outra vez, ouviste? Filhos da mãe, os gajos outra vez, que porra! É cada estouro, pá, ouviste? A malta de Bigene, coitados, nem abrigos em condições têm! P’ró rádio! Começou para aí há meia hora, meu alferes, veja lá, há que tempo a nossa malta está a ser atacada, o telegrafista para eles.
Outra vez para Bigene, a mesma caminhada, quase as mesmas horas, procedimentos idênticos. Só o barulho de helis para os lados de Bigene é que foi diferente.

À entrada da povoação atacada nessa noite, os nativos remexiam no chão, nos buracos frescos, não os viam a chegar ou então faziam de conta. Ar de apardalados, caras desanimadas, uma noite infernal! O Rasas, decidido, tinha pedido apoio médico a Farim. Chegara há momentos uma equipa médica e mais um pide. Havia mais cabo-verdianos e negros dentro de cadeias improvisadas. Bigene estava a ser atacada de fora, mas também de dentro, as trajectórias das balas, da casa do administrador e de outras casas também, para a sala dos oficiais e para alguns quartos, não lhes deixavam dúvidas.

Militares num magote, a uma centena de metros além do arame farpado, rodeavam dois tipos brancos com ar de polícias e um desgraçado, àquela distância parecia cabo-verdiano, no meio deles.

São os pides que estão a interrogar o administrador do posto! Está farto de enfardar, toda a maralha já molhou a sopa no gajo, um soldado para outros que corriam para lá, no meio de uma enorme agitação.

Diga lá, senhor Sony, como combinaram então o ataque? Recapitulando, o senhor veio até aqui, esperou junto a esta árvore o Ramos, não foi? E depois, abra lá essa cloaca, conte tudo, que a gente não sai daqui sem o senhor contar tudo, não é? O desgraçado com marcas de sangue fresco na cara, nos braços, nas costas, os olhos exaustos! Até bocados de pele e carne lhe faltavam!

É guerra, Gil, é guerra, o Rasas em brasa! Não é a sua? Aqui não há guerras minhas nem tuas, há guerra só, o Rasas a espumar uísque, no seu ambiente. Só me faltava esta, um gajo dos comandos com comichão? Gil afastou-se, foi sentar-se de costas para lá, com uma água fresca ao lado.

O espectáculo continuava, sem intervalos, agora com mais gente, população local também, todos num magote. E o Álvaro, soldado do seu grupo, no meio deles, parecia também entusiasmado! Ááálvaro! Chega aqui! Estava só a ver, meu alferes! A minha parelha? Estava ali há pouco!

Um dia para esquecer, ou para não esquecer nunca mais! O grupo tinha o regresso a Bissau, marcado para a manhã seguinte. Durmo nas instalações do grupo, disse ao capitão. Até amanhã!

A preparar o burro para se deitar, chegou-se o Gigante. Estávamos a formar o grupo para jantar, quando o Álvaro e o Matos deram um passo em frente. O Álvaro disse alto para todos ouvirem, que o meu alferes os tinha encontrado desaparelhados. Fizeram as 20 flexões da praxe.
A mulher do administrador, de vestido preto sem mangas, o gabinete do Rasas, o gajo a levantar-se, beijo na mão, o sentar elegante e digno dela, o Rasas a passar a mão pela careca, olhos de uísque, a porta a fechar-se com estrondo, o Gil com o coração aos pulos, a querer abrir a porta, não abria, a maçaneta soltou-se com a força, a mão com a maçaneta aos murros na porta, capitão, capitão, não! Acordou sobressaltado, os estrondos enormes lá longe, outra vez Barro, toda a gente a pé, a correr para a rua, o mesmo espectáculo.

Os ataques às povoações de Barro e Bigene fisicamente não os tinham apanhado, nunca souberam nem como nem porquê, talvez coincidências só. Alguém alvitrara que a mudanças constantes terão sido um motivo forte, outros que talvez o IN estivesse a jogar ao gato e ao rato. Chegara até a pegar no grupo e sair aí pelas três ou quatro da tarde, grandes desvios pelo mato para disfarçar, pusera-se com o grupo em frente a uma e outra povoação e depois, aguardara emboscado noite fora até o Sol nascer, que os guerrilheiros flagelassem para os poder apanhar na retirada. Nunca aconteceu. Emboscadas, patrulhamentos, nem um contacto.

Toda a gente falava em Sano. É de lá que os gajos vêem, um acampamento grande! Onde fica isso, o que é que há lá, algum guia para nos levar? Uma noite destas vamos lá acordá-los. E foram até Sano, ao Senegal, sem mais informações a não ser os caminhos que os guias conheciam. Era uma data festiva na metrópole. O Nelas a dizer, esta noite não pode ser, nunca ninguém saiu numa noite destas! Por isso mesmo, Nelas, é uma noite muito conveniente.

Um incidente à partida, invulgar para os costumes deles! O sargento Gigante, bom condutor de homens, pega-lhe no braço, puxa-o para o lado para ninguém ouvir. Estamos com um problema na equipa do White.

Algum problema que o chefe de equipa não possa resolver? O Djassi recusa-se a levar o lança-rockets e as respectivas munições, 6. Mas é costume, isso sempre foi assim, desde sempre, outros carregaram sempre com o material, porque não quer, porque é que o White não consegue que ele entenda?

Que é muito peso, só quer levar 4 munições, os outros que levem as restantes! Não pode ser, Gigante, o Altino leva a MG, as fitas, mais de 10 quilos! Foi ter com o Djassi, ouviu-lhe as razões, pareceu-lhe mais birra que outra coisa.

Os rockets vão, contigo ou com outros, Djassi! Não posso, meu alferes! Algemas nas mãos, enfiaram-no num galinheiro cheio de suspeitos apanhados nos últimos dias, arame farpado à volta, enquanto o grupo se aprestava para sair.

Impossível, um comando estar preso com terroristas, fazer-me isto a mim, o Djassi aos gritos! Tudo pronto para a saída, pelotão do Nelas incluído, o Gigante outra vez, braço no Gil, que tinha resolvido o problema. Djassi achava ter razões suficientes, na instrução o alferes sempre lhe dissera para pensar com a cabeça, mas cumpriria a ordem.

White, Cabelo, os outros todos à volta a aguardar, uma chatice. Tiraram-no e puseram-se a caminho, os dois guias à frente, o Djamanca logo a seguir, o Álvaro e o Gil com o grupo todo atrás. Meia hora depois, o alferes Nelas arrancou com o pelotão. Uma noite boa para andar, lua fraca, noite seca, um pouco fresca.

Viram luzes, ouviram galos, estavam perto de Sano (**), os guias a dizerem que era em frente, aquelas casas que se recortavam ao fundo. Fizeram o que deviam, em linha, bem separados. Curvado, percorrera parelha por parelha, tudo em ordem, que aguardassem. Estamos em Sano, parece não haver dúvidas, Gigante!

Uma povoação no Senegal, se calhar só civis, guerrilheiros o que se sabia até agora era só lenda, mais nada, histórias que tinham um acampamento em Sano. Isto que estamos a ver parece mais uma povoação, galos a cantarem, é melhor pensar bem, não?

Minutos a mirarem Sano. Certo, Gigante, não vamos atacar! Civis lá dentro, amanhã o Shenghor, o Touré, os N’Krumahs (1) todos, um barulho danado na ONU, o Salazar furioso, inquéritos, mais merda, vamos mas é dar meia volta.

Foi o que fizeram, não sem um perguntar, então, e os rockets voltam outra vez? E outro, nem um aviso deixamos? Achas que é preciso, o Gigante a cortar. Regressaram a Brá todos enlameados, por fora e por dentro.

A guerra era para aguentar, só isso. O que havia a fazer era preservar o grupo de tarefas inúteis, de algumas guerras que uns escritores de relatórios muito gostavam de desenhar, para depois realçarem no papel a intrepidez da acção, a argúcia do ataque, os resultados brilhantes, que só eles viram. Quem os devia ler, nas sedes dos batalhões e mais tarde no QG, deveria achar uma autêntica felicidade, tanto fogaréu, ataques tão violentos, tantas baixas no In e a NT sem uma beliscadura, ou então uns feridos ligeiros.

Já à noitinha, em Brá, tão exausto que se deitara só para matar saudades da cama, antes de tomar um bom banho, a cara ainda preta de carvão e suor, o Vidraças a querer saber coisas, a contar-lhe de Bissau. Ficara colado como um íman, a noite toda.

Abriu os olhos para os dentes brancos do Sany, sentado a olhar para ele. Estava sem calças, sem botas, sem meias, em cuecas só! Sem dar por nada, o Sany tirara-lhe a roupa toda! O saco arrumado no canto, o quarto outra vez um brinco.

Enfamara Sany, herança do capitão Manilha, era um tipo raro na Guiné daqueles tempos. Uma dedicação que incomodava, treinado pelo Manilha. Sany!...Sanyyyy!...ofegante, meu alferes estou aqui, essa moeda de cinco pesos (2) caiu-me ao chão, ai que desgraça, acode Sany, depressa! Diligente, elegante como um gato, rosto a rir-se todo, gargalhada estridente, a moeda na mão, posso ir?

Em frente do Sany não podia tirar a camisa. Quando ia pegar nela outra vez, já tinha ido para lavar. Botas a reluzir, fardas lavadas a cheirar a tide, engomadas que era um regalo, o quarto a brilhar, nunca em casa alguma em que estivera antes, vira tanta coisa tão limpa ao mesmo tempo!

© Virgínio Briote (2005)
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(1) Khuamah N’Krumah, Presidente do Ghana, um percursor da África Independente

(2) Escudo da Guiné, naquele tempo, valia um pouco menos que 1 escudo da metrópole.

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Notas de L.G.

(*) Vd. os nossos cartazes de propaganda, em post de 25 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXI: Cartazes de propaganda dirigidos aos "homens do mato"

(**) Vd. post do A. Marques Lopes, ex-alf mil da CCAÇ 3, em Barro, relatando uma incursão, em 1968, a Sano, com o seu grupo de jagudis > 24 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXIX: Nome di bó ? Terça, simplesmente Terça! (Em Sano, no Senegal)

Guiné 63/74 - P243: Memórias de um comando em Barro (Parte II) (Virgínio Briote)

Texto de Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67)


BARRO, BIGENE

A caminho de Bula, atravessaram o Rio Mansoa em Safim, meteram-se outra vez, a subir até embarcarem em S. Vicente, Cacheu acima, num NRP (1), sentados no convés, a dormitarem. Um marinheiro de ordenança a perguntar, quem é o comandante do grupo, ah aquele ali, o gajo é alferes, tenente ou quê, cumprimento militar para o alferes, de quico em cima dos olhos, a passar pelas brasas.

O marujo, cheio de maneiras, como se estivesse num Hilton, senhor alferes, o senhor tenente Peixeiro tem muito gosto em convidá-lo para almoçar. Uma sala de refeições, grumete negro a servi-los, de travessa na mão, um luxo!

Pés na margem, Unimogs à espera, todo o pessoal lá dentro a caminho de Barro. Nelas, alferes Nelas, apresentou-se. Mas, espera aí, já te conheço, porra, estive contigo em Buba, lembras-te? Não? Duma vez em que andamos perdidos a noite toda, naquele tarrafo (2), lodo por todo o lado, nem conseguimos entrar! Ah, estava a ver que não te lembravas!

Como vai isto? Por aqui, até agora, tudo ok. Em Bigene é que as coisas têm estado mais para o aquecido. A Pide até está lá, têm-se fartado de prender gajos, aquilo tudo minado, os turras estão infiltrados em todo o lado, pá!

O sargento Gigante alojou o grupo, num sítio precário como era tudo ali. Uma rua se tanto, algumas casas de tijolos e cimento, a tabanca atrás.

Pessoal novo tem chegado estes dias? Não, alfero Nela, cá (3) tem chegado, o negro descalço. Atenção Mané, vê lá, se pessoal novo chegar, avisa alferes Nelas, Nelass, não é Nela, correcto? Temos que estar sempre a pau, não é, Gil?

Na manhã do dia seguinte, ao nascer do Sol, despedira-se do Nelas. Vamos dar uma volta por aí. Arrancaram para Bigene, uma dúzia de quilómetros a pé, pelas margens da picada. Tudo calmo. Bigene à vista, um Barro um pouco maior. Foram, entrando, espaçados, em coluna por um, como era hábito, com os nativos a olharem para eles.

Capitão Rasas, comandante desta merda! Baixo, atarracado, para o forte, à volta dos 40. Boa ideia terem vindo, os gajos ontem estiveram aqui, já sabia? Foi forte, coisa em grande, rajadas de fora e de dentro ao que parece, morteiradas, uma hora e tal que durou!Sim de dentro também! Sei lá como entraram, entraram, porra, como quer que saiba?

Não, felizmente, dois feridos ligeiros só, nada de grave, com estilhaços de uma morteirada para além daquela casa, ali, está a ver? Tinha lá um pelotão alojado! Tenho a Pide cá, parece que um gajo de Farim está a falar, temos metido uns gajos dentro.

O pide, camisa de caqui de cor indefinida, cabelo a cheirar a panténe, pusera-os ao corrente. Os gajos, ah, senhor capitão, a comer à vossa mesa, ah? Agora sente-se capitão Rasas, sente-se, se não cai…

Preciso que venha comigo, o capitão para o Gil, vamos ali fazer uma visita, com este senhor. Venha, venha daí, vamos conversando! Uma casa ampla, flores à entrada, pequena horta nas traseiras. “Panténe” a abrir o portão, o capitão com o alferes atrás, 2 ou 3 escadas. Uma senhora, 30 e tal, graciosa, cabo-verdiana, mão na porta, surpreendida com as visitas. Meu marido está no banho, vou-lhe dizer, voz de medo, o pide, desconfiado, a olhar para o capitão.

Nós entramos, com a sua licença, minha senhora. Mas ele está no banho, vou chamá-lo, não demora! Uma sala espaçosa, mesa, as cadeiras, mais duas grandes para a preguiça, motivos africanos, estatuetas de pau-preto, coisas assim. Bons momentos devem escorrer aqui, os dois, as tardes a irem-se na calmaria, a imaginação do Gil.

O administrador do posto de Bigene, algemado com as mãos atrás, carapinha ainda a escorrer, um equívoco, senhor, só pode ser, a mão do pide nele. Deixa apertar a camisa, Sony, tira as sandálias, calça o sapato, a senhora ajoelhada, aos soluços, lágrimas pela cara abaixo.

Bem boa, ah, mesmo no ponto, ó Gil, não diga que não marchava já, cá fora o capitão Rasas, gorduroso, os olhos pequeninos. Que merda! Mão na cara, a limpar os perdigotos. Um cheiro a uísque, um uísque velho, azedo. Merda de gajo!

© Virgínio Briote (2005)
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(1) Navio da República Portuguesa

(2) Tarrafo: na margem daqueles rios, uma teia densa de troncos finos de 2 cms de espessura máxima, rijos, muito juntos, formam uma autêntica cortina, impossibilitando praticamente a visão para dentro da mata. Enterram no lodo os caules finos que se alimentam de água salgada, outras vezes incrustam-nos em aflorações rochosas semeadas de ostras. Vista de longe, a folhagem verde absorve a tonalidade característica dos caules e mostra um ar sombrio, clorofila baça.

(3) Não, em dialecto crioulo

Guiné 63/74 - P242: Memórias de um comando em Barro (Parte I) (Virgínio Briote)

Texto do Virgínio Briote com a seguinte nota ao editor do blogue: "Das minhas memórias de uma estadia de quase três semanas em Barro. Não sei é se a linguagem passa... fica ao teu critério. Mando-te hoje a parte 1". [Vd. a nossa página dedicada aos comandos na Guiné].
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AULA DE GEOPOLÍTICA EM BARRO

Que foda! Esta merda, ah! Não, pá, estava tudo calmo. Bem temos que ver, isto é geopolítica complicada, a malta, o nosso governo tenta manter esta merda sob controlo, estamos aqui quê, 15, 20 mil gajos, não? Não é pela Guiné, claro, esta terra não tem nem um caralho, por outro lado é preciso ver, os soviéticos querem manter o Salazar sob pressão, estás a ver, dispersão de esforços, para a malta não se concentrar em Angola, petróleo, diamantes, madeira e tal, a Guiné é pretos, água e mosquitos, fazem-me a vida num inferno, os filhos da puta picam-me até dentro dos lençóis, grandes cabrões, aqui mais nada, estás a ver, não é? É pá, falam da ONU, a ONU é outro buraco, dali não sai nada para nós, pá, o Johnsson[1] está ensopado no Vietname, não vês, porra, os Américas nem a cabeça podem pôr de fora, caladinhos que nem cucos, votam a nosso favor nas coisas menos importantes, votam contra nós nas outras, porra, querem lá saber!

Barro, o que é Barro? Um buraco minúsculo, muito pequenino mesmo, metido num buracão que é a Guiné, correcto? Mas nada de problemas, sempre calmaria até à semana passada, percebes? Agora, aquela bronca de Farim, é que foi o caralho! Está aqui a malta metida, meia dúzia de gatos-pingados, ainda por cima meias-fodas, que não têm onde cair mortos, a ver se o tempo passa, agora chegam vocês, só me faltava mais esta, caralho!

Mas qual ajuda, qual merda! Vocês vêm mas é foder-nos, foder-nos, letra grande, ouviste? Ó pá, isto em linguagem vernácula é assim, nós abrimos o cu, alargamos bem com as mãos e vocês metem, é o que é, porra! Montam aqui as barracadas e tal, abanam a árvore, as putas das abelhas, dá-lhes não sei o quê, parecem stukas a cair em cima de nós, é um caralho! Vocês a seguir vão para o quentinho, para Bissau não é, p’rás cabo-verdianas, para o meio da coxas delas, lençoizinhos brancos que elas gostam, mosquiteiro e tudo, não é, que eu bem sei, também passei por Bissau, ainda me lembro, que é que julgas, a malta aqui nem o padeiro vê, há que tempos que já nem me lembro, ó pá, aqui só tropa branca e pretos, atenção, mais nada, nem pides ah!

A propósito não és da pide, pois não? Estás a brincar, olha que tu és dos comandos mas eu fodo-te! Ouviste, desculpa lá, cabo-verdianas, pois, obrigado, agora estou sempre a lembrar-me é da mão, sim é com esta, sou canhoto, porquê importas-te? Ah bem, era só o que me faltava vir agora um guerrilheiro de Bissau dar-me moral, dizer-me para mudar de mão, nem a professora, a Dª Eugénia, lá de Vinhais, boa senhora coitada, aquilo é que era uma professora agora já não há disso, o que é que estava a dizer, ah já sei, olha que nem a Dª Eugénia, coitada da senhora, cansou-se de falar com a minha mãe, não me puxavam as orelhas, qual quê, amarravam-se a elas, foda-se, estás a ver como ficaram, espera aí, acabo já, de que é que estávamos a falar, ah a mão, claro já me lembro, estou a dizer-te, amigo, nem a Dª Eugénia conseguiu mudar-me a mão, ouviste?

Ainda há bocadinho, antes de vocês chegarem, dei com uma revista, ai nossa senhora, uma revista qualquer, sei lá, qual Playboy qual caralho, essa merda fica toda em Bissau nas mãos da coronelada, ar condicionado e tal, espera aí, já sei, Estúdio ou Studio, agora não tenho bem a certeza pá, era uma revista de cinema, a Ava Gardner, uma artista, sabes quem é? Sentada num banco alto, sabes, ai nossa senhora, não vais acreditar, umas pernas, o vestido um bocadinho acima, os joelhos à mostra, quando fui à sentina, baixei as calças pá, não sei como, sai-me o pau virado p’ra cima, quase encostado ao umbigo, ouviste?

Estás a rir-te? Desculpa, amigo, agora a sério, desculpa pá, estavas a falar de quê? Estou meio zuca, não repares pá! Não era só eu que estava a falar, desculpa lá, mas tens que ver, estou aqui há não sei quanto tempo, há dias que não falo, há dias em que falo sozinho, acreditas? Gil, ó Gil, espera aí, o que é que eu estava a dizer? Ah, sim! Então, vocês levantam a caça, põem-se na alheta, depois é que é o caralho, nós é que vamos apanhar com os cagalhões em cima, foda-se, fodam-se todos mas é!
...

Olha é trovoada, não estás a ouvir? Não ouves, porra? Ouvidos de Bissau, claro, é só carros, não têm ouvidos para outra coisa. Aqui em Barro não há surdos, ouvimos tudo, até vocês a foderem em Bissau!

Pouco mais de um metro e meio, cabelo só dos lados, de bigode farfalhudo, Nelas, o alferes Nelas como era conhecido, comandava aquele destacamento com a garrafa de uísque mesmo à mão. Gil ao lado, numa esteira presa aos pilares da casa onde estava alojada a inteligência deste posto avançado, Barro, na fronteira norte com o Senegal.

Do quarto onde funcionava o posto rádio, o radiotelegrafista a gritar, alferes Nelas, Bigene está a ser atacado.

© Virgínio Briote (2005)
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[1] Lyndon Johnson, Presidente dos EUA que sucedeu a J. Kennedy

Guiné 63/74 - P241: O regresso dos Comandos (Amílcar Mendes)

Guiné > Brá > 1965:

Os "velhos comandos"

Fonte: © Virgínio Briote (2005)

Texto de A. Mendes (... com um abraço ao Briote) (1):


Escolheram um entre cem. A elite do exército. São 130 com oficiais sargentos e praças. São uma companhia de Comandos que aguardam o fim do silêncio ao cair da noite. Todos envergam o dolmen que ostenta o crachá e o lenço preto será o respeito pelos que ficaram. São todos veteranos de Africa . Soldados que guardam no fundo do peito, após o regresso de África, a nostalgia indefinível de terem deixado lá longe, do outro lado do mar, a liberdade de uma vida há pouco começada. Pois lá longe havia a guerra e nela sentiam-se livres, livres e iguais, livres e pobres. Ricos, somente, dos seus músculos, das suas armas e da sua Audácia.

Lá longe até o vento tinha um certo gosto e a terra selvagem parecia cantar. É certo que havia medo e era preciso ter corajem.Uma bala perdida ou um estilhaço acabavam sempre por vencer.
A Pátria dos Comandos estendia-se de Lamego aos planaltos de Moçambique, onde as granadas erguiam a noite dos tempos para os bravos. Era aí que se batiam os jovens guerreiros que só em si próprios acreditavam, recitando por puro prazer o credo das suas legiões a milhares e milhares desses senhores palavrosos que se permitiam medir-lhes a glória ou a crueldade.

Foram felizes e todo-poderosos. Regressaram para cumprir os ritos da sua guerra. Para se recolherem. Para compartilhar, também, da sua Pátria faternal, beber em honra dos sacrificados, cantar com os camaradas de armas. Como já tinham feito outrora os seus irmãos, seguindo a tradição dos veteranos. Soldados das matas, marcados pela África onde se bateram para respeitar o juramento à Bandeira e ao Código Comando.
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(1) O Mendes foi comando na Guiné, de 1972 a 1974. Bateu o território "de norte a sul, de este a oeste". Esteve em todos os sítios quentes: Morés, Cubiana-Churo, Óio, Cantanhez... E ainda "em Guidaje, no cerco de Binta a Guidaje, enterrando os nossos mortos na bolanha do Cufeu" (!)... Promete voltar e contar coisas que vocês não sabem... Saúda todos os ex-combatentes da Guiné.

segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P240: Ana/Siga ou as mulheres do PAIGC de que nunca se fala (Virgínio Briote)

1. Fiquei com curiosidade em saber o resto da estória contada pelo Virgínio Briote sobre a Ana, enfermeira do Morés. Mandei-lhe um e-mail:

"Virgínio: Já publiquei a tua estória que voltei a adorar. Parabéns!... Fico com curiosidade em saber o que fizeram, naquele tempo, ao comandante que vocês apanharam com as calças na mão (literalmente!) e com a enfermeira que deveria ser uma mulher corajosa, uma verdadeira mulherd e armas (...). Um abraço".

Publico aqui a pronta resposta que ele, V.B., teve a amabilidade de me dar. Aqui fica a resposta, sem mais comentários ou, se o os tertulianos assim o quiserem, com um desafio para sabermos mais sobre o papel das mulheres que, de um lado e de outro, também participaram na guerra, de maneiras diferentes (como confidentes, madrinhas, amantes, enfermeiras, professoras, combatentes, etc.):


2. Texto do Virgínio Briote:

O Comandante teve que ser interrogado logo ali, sem as cerimónias que o cargo dele exigia. Uma vez que as informações que passou eram claramente sem importância, não houve possibilidade de proceder a qualquer exploração. De resto uns tipos, poucos, talvez três ou quatro, estavam a fazer-nos pontaria e a Siga, verdadeiro nome da Ana, resistiu quanto pôde, como só as mulheres o sabem fazer, quando querem.

No chão, mamilo na boca da bebé, era muito difícil, a qualquer um de nós gerir a situação. Por um lado, o respeito que a imagem nos merecia, por outro a consciência de que a Siga estava a fazer o que podia para que os [seus] camaradas tivessem tempo para nos preparar uma retirada como devia ser. E ela veio, à força, dois soldados a arrastá-la pelo chão, a bebé no colo de outro soldado, as chicotadas a ouvirem-se, os gritos dela e doutras bajudas, um pandemónio.

Depois, já na estrada, recolhidos pela companhia de apoio, a Siga e o comandante foram na minha viatura. Ela ficou muito ofendida comigo, pela forma como foi tratada, sem humanidade, disse-me na cara. E que, quando chegasse a Mansoa, iria apresentar queixa contra mim. O que fez, vim eu a saber uns tempos mais tarde pela boca do major das operações do batalhão de Mansoa.

O que foi deito deles? Gostaria de saber, mas não soube mais nada. Os procedimentos que seguíamos, no caso de prisioneiros, era entregá-los à chefia do Batalhão. Nunca vim a saber o que foi ou é feito deles.

Que merda!
Um abraço,
vb


PS - Luís, já depois de termos falado ao telefone [,hoje, da parte da tarde], contactei um velho camarada de armas que, muito jovem, acompanhou os pais na viagem rumo à Guiné, onde tinham vida estabelecida. Estudou em Bissau, foi colega de muitos jovens que mais tarde se envolveram na luta pela libertação. Um deles, o Domingos Ramos, foi mesmo incorporado no 1º CSM que se fez na Guiné. Ora o Domingos era irmão do Pedro. Diz-me o velho camarada que eles eram negros "assimilados", talvez da etnia papel.

A Fima Siga era uma das enfermeiras (auxiliares, penso eu) de Morés. Na altura encontrámos uma caixa com os medicamentos que eles estavam a utilizar e as informações que me foram transmitidas no trajecto do regresso levaram-me a crer que ela respondia pela enfermaria. O Comandante tratava-a com alguma reverência, apercebi-me disso.

Já depois de ter lido a nota que te enviei sobre o que tinha sido feito deles, notei que escrevi que se ouviam "chicotadas, bajudas aos gritos", etc... Ora bem, as chicotadas que se ouviam eram chicotadas de projécteis. E foram só essas que eu ouvi.
Gostei de te ouvir.

Fonte: © Virgínio Briote (2005)

3. Transcrição da carta (ou bilhete, entregue por mão própria) de Pedro Ramos, quadro do PAIGC, dirigida a Siga, sua amiga, namorada, noiva ou simples camarada de partido (A Ana, enfermeira do Morés, na estória do Virgínio Briote). Não tem indicação de data, mas deve ser de Maio de 1966, a avaliar pelo seu conteúdo:

"Quirida Siga:

"Junto a este bilhete desejo-te uma optima saude e a Odete. Eu por cá saudades sua[s].

"No que se trata [a]o meu regresso até agora não poço esplicar ninguém [não posso explicar a ninguém] se vou regressar em breve, porque o camarada Osvaldo (1) não disse nada na [sobre a] minha vinda, mas parecia-me que regressava logo que acabar.

"Recebi os medicamentos e a pasta. Não te enviei arroz agora porque estamos ali com faltas de camaradas devido aqueles que mandamos para Morés no dia 20/4/66 para levarem os postos de Radio.

"Espero vires passar aqui uns dias conforme carta de Nha Maria, isto é se não te dá sarilho mais tarde no teu serviço. A respeito ainda da vinda do teu pai que me encontra ausente, só te digo uma coisa. Sinto muito pena a [de] não podermos conhecer-se e falarmos principalmente a teu respeito. Cumprimentos a todos, Pedro Ramos".
_________

(1) Presumo que se trate do histórico dirigente do PAIGC, o Osvaldo Vieira, um dos heróis da luta de libertação. O Aeroporto Internacional de Bissau ostenta o seu nome. L.G.

4. Comentário de L.G. :

Virgínio: Esta peça vale ouro...Presumo que tenhas encontrado o bilhete na posse da Siga... O bilhete deve ter sido escrito em maio de 1966, por um tal Pedro Ramos, que tinha na época uma missão importante na guerrilha e que estava sob as ordens do histórico e poderoso Osvaldo Vieira... Confirmas ?

Sabes mais alguma coisa desse Pedro Ramos, que devia ser um jovem de Bissau, escolarizado, de etnia papel (ou seria caboverdiano, pela utilização do "nha", em Nha Maria ?)... Tento descobrir a relação que ele tinha com a Siga: deveria ser noiva, na época (a avaliar pela referência ao pai dela)... Mas tu e o teu grupo apanharam-na já com uma filha de colo...

Em meados de 1966, estavas tu em Mansoa. Ela era efectivamenhte uma enfermeira do PAIGC, ou apenas um "elemento suspeito" da população do Morés ? Pelo comportamento dela, que tu descreves, deveria ser alguém muito determinado e com envolvimento político... Tens mais estórias destas, envolvendo mulheres na guerrilha ? Um abraço. Luís Graça.

5. Novo esclarecimento do V.B.:

Mais um dado ou pista fornecido pelo meu velho camarada de armas que viveu a adolescência em Bissau:

"Caro Briote: Acabo de ler as suas intervenções no blogueforanada que achei excelentes.
Ainda bem que, lentamente, se vai fazendo luz sobre o que verdadeiramente se passou por terras de África durante a chamada Guerra Colonial. Continue.

"Veio-me à memória, toldada por uma compreensível neblina (já lá vão mais de 40 anos), que o Pedro Ramos foi funcionário do porto de Bissau ou da Alfândega. Não sei se teria ou não fugido para o mato para o PAIGC mas pelo relato da carta parece que sim" (...).

Guiné 63/74: P239: Estórias do outro lado: Ana, a enfermeira do Morès (Virgínio Briote)

O alferes miliciano comando Briote (à esquerda), na base aérea de Bissalanca, em Bissau, juntamente com o Furriel Azevedo (ao centro) e o Sargento Valente (à diereita). Foto de 1965 ou 1966.

© Virgínio Briote (2005)

Texto do Virgínio Briote, ex-alferes miliciano, comando (1965/67)

Caro Luís,

Das minhas memórias, uma história passada no Óio.
Um abraço, vb.


Ana, enfermeira do Partido

As cordas apertadas demais, os pulsos a inchar, amarrados atrás das costas. Tinha acabado de ser apanhado pelos tugas, ainda nem sabia como, e logo a ele é que deveria acontecer. Como comandante do PAIGC, sempre fora muito rigoroso com os 10 homens que agora estavam sob o seu comando, sempre exigira que se deslocassem separados uns dos outros, que parassem de vez em quando, escutassem a mata, os olhos a varrerem devagar, da esquerda à direita, e só depois avançar outra vez. E, afinal, fora apanhado desprevenido, sem arma, sem nada!...

Viera a semana passada dos lados de Sano, no Senegal. Muito cansado. Estivera com os camaradas do sector, os dias pelas noites fora, analisaram o trabalho do mês, cada um apresentou o seu trabalho, as emboscadas que fizeram, as minas que plantaram, os ataques aos quartéis da tropa. Fizeram um balanço da situação, leram as directivas do camarada secretário-geral, as orientações gerais para a luta, a referência expressa à luta dos povos da Guiné e Cabo Verde, para a independência nacional, para a libertação, nunca contra o povo português, juntos na mesma luta contra o colonialismo e o imperialismo, depois as orientações locais, o plano para o mês, não descansar a tropa, escrever papel para deixar junto aos quartéis deles, para desmoralizar, e a ordem para mudar, outra vez, o acampamento de Uália (I).

Cartão de identificação militar do Alf Mil Comando Briote > Brá, 1965 > A assinatura parece ser a do comandante da compamnhia de comandos, o capitão de artilharia Nuno J [osé Varela] Rubim.

© Virgínio Briote (2005)

Enquanto regressava com os camaradas, ia pensando nos locais, escolhera o melhor, bem dentro da mata, umas centenas de metros a seguir à bolanha, um barraco junto a esta para vigiar a entrada. Sacos de arroz, mancarra, tudo às costas, bicicletas, cunhetes de munições, armas, tanta coisa, casas às costas, tão pouca gente, precisaram mais que uma vez.

Tinha estado a cavar um abrigo, precisava de se lavar. Fora à bolanha para tomar banho e trazer água. Viu-se cercado por dois soldados de arma apontada, sem saber como, os tugas emboscados mesmo à porta das casas de mato, os garrafões na mão dele, que a tropa tinha deixado em Morés da última vez (II).

Tropa diferente esta, não era a que estava habituado a ver passar. Sem emblemas, sem anéis, sem fios que os outros tugas trazem sempre, ronco nenhum, só lenços camuflados ao pescoço, sem capacetes até, aquele tem barrete diferente, caras pintadas de preto, nunca vira tropa assim.

Pára-quedistas, se calhar! Não, não deviam ser, esses são todos altos, têm camuflado muito verde, a bota que usam é de couro, conhecera-os bem quando assentara praça no colonialismo em Bissau. A farda destes é castanha como a dos outros, uns muito altos, outros pequeninos, todos desiguais, não, estes são outros. Estranhos, quase não falam entre eles, o cano das armas deles também têm olhos, vêem por ele, para a esquerda, para a frente, para a direita, aquele está sempre a olhar para as árvores, tudo muito devagar, assim é bem difícil, camaradas, apanhá-los.

Abriram-me a boca à força, eu não sabia para quê, um lenço preto nos dentes, atado na nuca, outra vez que me levantasse, sem palavras nem maneiras, corda nos pés, uma à cintura presa ao soldado Papel [1]. Via-os à frente, no trilho para Uália, nosso pessoal descuidado a esta hora da manhã, sem aviso, vai ser uma desgraça, tanto trabalho para nada. Todos não estão, felizmente, mandara 8 para Mansabá, uns para montar mina e os outros para segurança.

Aquelas bajudas com os cestos à cabeça vão ser apanhadas, gritai, gritai com toda a força que puderdes, mais alto, mulheres do PAIGC, glória da nossa luta, assim, para camarada ouvir! Os tugas todos a correr, o traidor Papel amarrado a mim, não deixa andar, se eu pudesse! Aquelas crianças ali também!

A enfermeira de Morés? A mulher do Paulo Ramos com a criança às costas?! Porque não fugiu? Não pode ser! Não, não lhe façam nada, ela trata do nosso pessoal da luta, faz curativos só, os tugas não me ouvem, lenço não deixa.

... Não sei, não tenho nada para dizer, meu nome é Ana, sou enfermeira, não sei nada da guerra, trato de feridos só, não pode mexer nesse papel, é carta de meu marido, ouviu? Não pode tirar bilhete de meu marido, não pode! Tenho filhinha às costas, não vê? É hora de ela mamar, largue-me!

© Virgínio Briote (2005)
_________________________________


[1] Tribo Guineense (nota de V.B.).


Observação de L.G.: O guarda do prisioneiro desta estória era de etnia papel e, muito provavelmente, era apenas um milícia ou guia das NT, se bem que esta companhia de comandos a que pertencia o Alf Mil Briote integrasse já alguns africanos, tão voluntários como os tugas: seria o caso, por exemplo, do Jamanca, que fazia

© Virgínio Briote (2005)

parte da 1ª equipa do Grupo de Combate do Alf Briote (vd. foto ao lado). O Jamanta viria, mais tarde, a fazer parte dos quadros da 1º Companhia de Comandos Africanos, como alferes graduado e que eu cheguei a conhecer, superficialmente, em Fá Mandinga, em 1970: vd post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri


Nota de L.G. :

(I) Na carta da Guiné, dos Serviços Cartográficos do Exército, de 1961, há uma povoação com este nome, Uália, na região do Óio, a nordeste de Mansabá, na bacia hidrográfica do Rio Ionfarim, também perto de Mansomine.

Quem conheceu bem esta região, e esteve em Mansabá (sede do COP 6) e fez protecção aos trabalhos da estrada Mansabá-Farim, foi o Vitor Junqueiro, membro da nossa tertúlia, hoje médico. Ele foi Alf Mil Atirador de Infantaria da CCAÇ 2753 (Os Barões)(1970/72). Vd. post do nosso camarada, de 4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXV: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2).

Nesse texto ele faz referência a dois destacamentos temporários onde esteve a CCAÇ 2753, na sua missão de protecção aos trabalhos da estrada (estratégica) de Mansabá-Farim: Bironque (a partir de 1 de Dezembro de 1970) e Madina Fula, mais a norte, a 8 km de Farim (a partir de 13 de Janeiro de 1971).

É neste contexto que o Vitor faz referência à base de Uália: "Numa região enxameada por bases do PAIGC localizadas nas regiões de (e volto a citar dos registos) Cã Quebo, Santambato, Cambajú, Iracunda, Mansodé, Cubonje, Canjaja, Biribão, Ionfarim, Uália, Mansomine, Binta, Queré, Banjara e Manhau, qualquer movimento nosso era acompanhado por acção semelhante por parte do IN, tornando-se o contacto inevitável".

(II) O Morés era uma das zonas míticas do nosso tempo: vd. localização da antiga povoação do Morés, no mapa dos Serviços Cartográficos do Exército (1961), dentro do triângulo Olossato - Mansabá + Bissorã.

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P238: Antologia (22): Madina do Boé, por Jorge Monteiro (CCAÇ 1416, 1965/67) (Luís Graça)

Vista aérea do aquartelamento de Madina do Boé (1966)

© Manuel Domingues (s/d) (?) (1)

Madina do Boé foi varrida do mapa da memória dos portugueses, excepto muito provalvelmente no nosso caso, ex-combatentes. A geração dos nossos filhos e netos não conhece esta pequena parte da nossa história do Século XX. Madina do Boé não lhes diz nada, a não a ser talvez o termo bué, que nada tem a ver com Madina do Boé: Bué "é um calão luandense, que tem o significado do beaucoup francês, muito de: bué de charros, bué de confusão, bué de preconceitos. Tudo o resto (incluindo a variante boé) são corruptelas derivadas de uma apropriação crescente da linguagem popular portuguesa" (Fonte: Ciberdúvidas da Língua Portuguesa).

Para a nossa tertúlia e demais ciberamigos, achei por bem transcrever uma velha entrevista que o ex-capitão miliciano Jorge Monteiro, comandante da CCAÇ 1416 (1965/67) deu ao semanário luandense A Palavra, em 1 de Fevereiro de 1974.

Este depoimento foi depois reproduzido no livro do Manuel Domingues, já aqui recenseado pelo nosso camarada A. Marques Lopes (2): Uma campanha na Guiné (1965/67): história de uma guerra: relatos e memórias dos intervenientes.

Neste livro, que é edição de autor e que relata a experiência dos homens do BCAÇ 1856, espalhados pela região do Gabu (Nova Lamego, Madina do Boé, Béli, Bajocunda, Copá, Buruntuma, Ponte Caiúm)(3), há pelo menos quatro depoimentos sobre Madina do Boé:

(i) Afinal o que é Madina do Boé?", por Jorge Monteiro, Cap Mil da CCAÇ 1416;

(ii) Retalhos de uma campanha, por António Sousa Madureira, Fur Mil da CCAÇ 1416;

(iii) Aconteceu em Madina do Boé, por José Miranda Alves, 1º Cabo da CCAÇ 1416;

(iv) Aspectos caricatos de uma guerra, por António Araújo, da CCAÇ 1416.

Infelizmente ainda não encontrei nem li o livro. Reproduzo, com a devida vénia, o depoimento do Jorge Monteiro, a partir de uma versão digital que encontrei no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todos. A uns e a outros a minha homenagem e agradecimento.

Mais do que a leitura que entrevistado e entrevistador fazem da retirada de Madina do Boé (que é a da desvalorização do seu significado político-militar) e da proclamação posterior de Madina do Boé como capital - não do PAIGC, mas da nova Guiné-Bissau, imediatamente reconhecida por dezenas países -, importa sobretudo perceber as duras condições físicas e psicológicas em que os nossos camaradas viveram, durante anos, em Madina do Boé. Tiro o meu quico aos bravos de Madina do Boé, heróis de ontem, hoje já esquecidos tal como a sua/nossa guerra, perdida (4). L.G.


2.2. Afinal o que é Madina do Boé? Por Jorge Monteiro, Capitão Miliciano da CCaç 1416

Nota: Este documento foi-me entregue por Jorge Monteiro e reproduz uma entrevista que concedeu ao Semanário de Luanda A Palavra, em 1 de Fevereiro de 1974. O motivo próximo, conforme é referido pelo entrevistador, cujos comentários aparecem no texto em itálico, tem a ver com o facto de o PAIGC, em 24 de Setembro de 1973, ter proclamado a unilateralmente a Independência, exactamente em Madina do Boé.

O significado político deste acto era muito mais importante do que o valor que Madina do Boé militarmente pudesse representar para o Exército Português, o que na altura parece ter passado despercebido aos estrategas militares. Mantivemos o texto integral da entrevista de quem viveu onze meses, naquele que em 1966/67 era considerado o pior local da Guiné. MD [Manuel Domingues]

Entrevista de Jorge Monteiro, ao semanário A Palavra, Luanda, 1 de Fevereiro de 1974:

A recente visita de Baltazar Rebelo de Sousa, Ministro do Ultramar, a terras guineenses, aproximou de mim Madina do Boé. Ela veio personificada num amigo de todos os dias, o ex-capitão miliciano Jorge Monteiro, que em 1965 iniciou prestação e serviços na Guiné como comandante de Companhia 1416 (integrando o BCAÇ 1856) reconhecido posteriormente como um dos mais valorosos servidores da causa portuguesa em terras ultramarinas.

Em 1967, regressado à Metrópole, ele foi condecorado, nas cerimónias do 10 de Junho, pelo próprio Salazar, com a condecoração de grau mais elevado atribuída esse ano, a medalha de valor militar com palma, ganha precisamente por actos praticados na defesa intransigente, durante onze meses, de Madina do BOÉ, ora apontada pelo PAIGC como capital da Guiné Livre.

Já tinha lido muito sobre essa localidade, tão na boca do mundo ultimamente, mas jamais poderia ter chegado a conclusão tirada após a conversa esclarecedora: Madina, afinal, é apenas um escroto, um resto deixado ao desbarato pelos planos tácticos portugueses, desde que se entendeu ter ela pouco ou nulo valor estratégico, mesmo olhada como base tamponária.


Diz-me Jorge Monteiro:

Madina do BOÉ eram (hoje não são) cinco casas, incluindo uma escola. Escola, que já nessa altura, estava completamente abandonada, Aliás, tudo estava abandonado, por que Madina servia em tempos tão somente como passagem entre a desolação Sul do BOÉ e as riquezas nortenhas do Gabu, parecendo incrível como um rio, o Corubal que separa as duas regiões, seja suficiente para demarcar uma fronteira de potencialidades.

O BOÉ, a zona mais pobre de toda a Província, sofre a inclemência impiedosa do tempo que vai de Maio a Setembro, com chuvas torrenciais contínuas que alagam por completo a região vedando portanto qualquer tipo de plantio para a agricultura mesmo arcaica.

Como te disse já, em 1967 só lá havia a minha Companhia, completamente isolada nessas alturas do mundo circundante, a tal ponto que só podíamos ser abastecidos de pára-quedas. Felizmente que assim era, pois esse isolamento fazia com que não tivéssemos uma população civil por quem responder, toda ela preventivamente evacuada Não nos podemos esquecer, aliás, que o primeiro indício de actividades do PAIGC, no BOÉ, data de Novembro de 1964.

Com efeito, o PAIGC tinha começado muito antes a sua actividade, organizando-se burocraticamente desde aquele ano de 1959 quando Amílcar Cabral, hoje falecido por causas ainda não totalmente determinadas ingressou no Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), quando do regresso da União Soviética.

Porém, o conflito armado, com acção directa sobre o território português da Guiné, só se verificaria mais tarde, em 1962, nas povoações limítrofes de Susana e Varela, na fronteira Norte, muito longe do Sector Leste, onde está integrado o BOÉ.

Nesse lado, vis-a-vis o Senegal, há uma fronteira de quarenta quilómetros, muito mais pequena do que a que delimita o território português a Sul e a Leste, num total de 350 quilómetros face à República da Guiné, de e por onde, a infiltração dos efectivos do PAIGC nunca encontrou quaisquer dificuldades, progredindo sem perigos de retaguarda, por todo um baldio, e dominando as posições estratégicas que sobranceavam Madina, flagelada constantemente com fogo cerrado, acobertados pelos contrafortes que dominavam a antiga povoação em três quartos do seu perímetro topográfico.

Madina, diz-me o ex-capitão Monteiro, era o penico dos gajos. Havia horas certas para eles fazerem as suas dejecções muito desajeitadamente com obuses, granadas, rockets, e utilizando indiscriminadamente bazucas, morteiros e canhões sem recuo. Foi assim sempre, eu e os meus homens aguentámos aquilo durante onze meses, contados dia a dia pelas salvas com que eles nos mimoseavam.

Naquela, altura a ordem era AGUENTAR, por ser necessário tamponar convenientemente a retaguarda, implantando um sistema defensivo eficaz. Porque aquilo era mesmo de abandonar, pela pobreza da Zona e sobretudo não merecer sequer a conclamação das atenções, a vigília constante e a tensão desgastadora com que lá se vivia. Com um cordão defensivo, como o que se efectivou, atrás da posição de Madina ter Madina ou não ter era a mesma coisa.

Vou explicar: 200 homens da minha Companhia, aliás antes eram também 200 de outra e, depois de mim, eram outros 200 da que nos substituiu, chegaram e sobraram para manter a posição. Um número tão diminuto de homens nunca foi ultrapassado territorialmente pelos efectivos do PAIGC, que se entretinha a dar tiros de longe para marcar uma posição mais sonora que física.

Só uma vez tentaram o assalto, chegando mesmo a lançar cordas com ganchos para destruir a vedação farpada, servindo-se da chuva mais opaca que já vi na minha vida que nos impedia a visibilidade e lhes abafava ou confundia os ruídos dos passos. Mesmo assim foram repelidos, sofreram baixas bastante consideráveis e optaram por voltar à origem preferindo continuar no dia seguinte os tiros de longe e repudiando para sempre o corpo a corpo. Ora bem: se 200 homens aguentaram a posição ano após ano, e repara que em 1967 eles já tinham todo aquele potencial bélico, quem acredita que o abandono de Madina foi imposto?

Pensar isso é ridículo, mesmo objectando que eles poderiam ter aumentado os seus efectivos para um ataque maciço: Mas ainda há dois meses o general Bettencourt Rodrigues esteve lá, e quem faz guerra, quem viveu ou vive a guerra sabe que não se brinca com essas coisas, mesmo num bluff cuidadosamente calculado, mas mesmo assim sempre irresponsável, as balas matam seja lá quem for e os próprios jornalistas que o acompanharam por certo também não arriscavam de ânimo leve, as suas vidas, eles que são correspondentes de guerra com experiência de outras, por virtude muito mais violentas e que ainda se desenrolam. Em resumo: ninguém estava lá. O interesse de Madina era limitado a um certo tempo, e a partir daí não contava mais.

Eu, que vivi em MADINA durante onze meses, que constatei a inutilidade daquele chão, o clima inóspito, a desolação desértica, sei que Madina não vale sequer a chuva que lá cai. E eu, deixa-me ser um pouco contemporizador, que me apercebi duma certa coerência por parte de quem norteava a táctica das guerrilhas do PAIGC (porque é sempre preciso ser-se coerente para não se perder tudo de uma só vez, contra um adversário técnica e tacticamente muito mais evoluído), não posso sequer admitir que ATÉ ELES apregoem Madina, uma autêntica fossa, como capital do seu orgulhoso desiderato. Se isso for verdade, se de facto eles dizem isso, então nem sequer é um grito de liberdade, mas apenas um facto ridículo, caricato até, mesmo para os olhos de quem confere as guias de despacho do armamento que eles utilizam...

Madina, a sete quilómetros da fronteira da Guiné-Conackry, está ligada por estrada a Nova Lamego ao Norte, ramificação rodoviária para toda a Provinda, com estradas que servem bem no tempo seco mas que são pântanos autênticos nos dias de chuva, principalmente os de Julho e Agosto.

O Boé, tem solo muito pouco permeável, sem elevações consideráveis e consequentes declives escoatórios causando portanto a estagnação da água, que só a absorção lenta pela terra, já de si saturada de humidade, fará acabar com a ajuda do sol violento de Setembro, a apressar a evaporação. São dezenas e dezenas de quilómetros de área inundada charco imenso de que apenas as rãs parece acharem uma justificativa.

Quando tínhamos uma operação, fosse de que tipo fosse, andávamos com água pela cintura. Há por lá muitos riachos e rios pequenos (o único verdadeiramente rio, é o Corubal, o maior da Guiné) mas quando a chuva cai, e eu conheço a chuva de Angola há mais de vinte anos!, tanto faz caminhar pela estrada, pelo capim ou pelo leito dos rios: o "boal" imenso é raso, e a água nem sequer é mais alta aqui ou acolá. O nível é sempre igual, como se a Natureza caprichasse em transferir para ali toda a inutilidade que a chuva possa querer significar na Guiné.

Ao princípio, causava-nos uma certa perturbação andarmos com os fundilhos molhados, depois de habituados acabámos por aceitar a nova situação com uma filosofia muito própria — enquanto caminhássemos, era sinal de que não boiávamos, o que, naquelas circunstâncias, não era bem uma questão de natação. Mas como se pode depreender, tanto a manobra táctica, como a movimentação física, e sobretudo enfim, a própria lei da sobrevivência, estavam reduzidas em muito, com um desgaste anímico, multiplicado por um coeficiente que só os nossos corpos conheciam...

Acontece, contudo, que tínhamos uma vantagem: a exemplo do sol, a chuva quando vem também é para todos e assim os elementos do PAIGC tinham precisamente os mesmos problemas.

E por muito paradoxal que pareça, a tropa da Europa, habituada à amenidade do seu próprio clima, dava melhor conta de si naquelas condições verdadeiramente incríveis, por inóspitas e insalubres, do que no tempo seco, já que o desaparecimento das águas activava sobremodo os nossos «amigos» do outro lado...

O refúgio da Companhia 1416 era um acampamento subterrâneo protegido por arame farpado e seteiras, um alvo apetecido para os ataques diários dos revolucionários, que em Dezembro de 1966 bateram todos os recordes de desperdício de munições. Recorrendo ao seu diário de combate Jorge Monteiro diz-me, entre irónico e nostálgico:

Tenho um certo carinho por este livro, não só por ter sido escrito por mim, mas sobretudo por ser eu a ler, ainda algumas passagens para teu esclarecimento, sinal óbvio de que estou vivo e de boa saúde.

Ora vê: No dia 01 de Dezembro às 18H15, mandaram-nos seis granadas de morteiro 82. Às 19H30, se calhar por não terem acertado, mais seis. Estas deviam ser as do dia seguinte, porque só no dia 03 voltaram à fogaceira, e desrespeitosamente às seis da manhã: mais meia dúzia.

À tarde do dia 4 (para eles era demasiado acordarem dois dias seguidos às seis da manhã...) nove granadas, também de 82. No dia 5 descansaram, mas o dia seis vingaram -se bem, puseram dois morteiros e dois canhões sem recuo a trabalhar, conseguindo deitar abaixo uma parede. Uma das tais casas abandonadas. No dia 7, sem olhar a que merecíamos descanso começaram as três da madrugada: 15 granadas.

No dia 8, às seis da tarde, cinco granadas, e logo a seguir, às sete e meia, e duas granadas de canhão sem recuo. Onde elas caíram não sei... Não vale a pena continuar, por ser fastidioso e maçador. Por que, acredita, foi sempre assim, durante todos os onze meses que lá estive, uma e outra vez sujeitando-nos a um bombardeamento de quatro e cinco horas seguidas.

Como curiosidade, digo-te que houve um dia que assinaram o ponto cinco vezes, mas respeitaram religiosamente o Natal: houve tiros só no dia 23, mas voltaram à carga no dia 26, logo às seis a manhã. Para o fim, já era monótono pois sabíamos a horas certas dos tiros...

Conclui-se, portanto, que o bombardeamento sobre Madina era contínuo e eles próprios lá iam esburacando as casas, já por si a cair de podres. Pouco ficou, e se implantaram lá a Independência, então meteram água pela certa, pois não há qualquer tecto que os proteja da chuva.

Madina do Boé. O vazio de todo um pesadelo muito e mais vazio depois de Spínola ter inutilizado o abrigo e armadilhado tudo aquilo em redor. Madina do Boé, cinco casas esventradas, pântano perpétuo, chão inútil. A capital do PAIGC.
_____________

Notas de L.G.:

(1) Imagem reproduzida, sem menção da fonte, no Blogue do Fernando Gil > Moçambique para todas. Presumo que a sua autoria seja do Jorge Monteiro ou do Manuel Domingues.

(2) Vd. post de 18 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CXI: Bibliografia de uma guerra (5)

(3) Para uma melhor localização destes sítios, vd. o mapa da Guiné dos Serviços Cartográficos do Exército (1961).

(4) Vd. posts de:

(i) 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790);

(ii) 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969).

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

Guiné 63/64 - P237: A contabilidade dos mortos na operação de retirada de Madina do Boé (José Martins)

Texto de José Martins:

Caro Luis Graça:

Ví no blogue-fora-nada o texto sobre a retirada de Madina do Boé (1). Na realidade morreram nesse desastre quarenta e sete homens, apesar da maioria das referência apontar para 46. Efectivamente a 47ª vítima era um caçador nativo (2), pelo que não consta das estatísticas militares.

Sei do que se passou, dado ter sido eu, na altura, Furriel de Transmissões da CCAÇ 5, de Canjadude (3), a proceder ao levantamento dos desaparecidos, junto de cada companhia, e de ter redigido a mensagem que foi enviada, momentos depois, para todos os escalões superiores.

Em nota de rodapé, registe-se a preocupação dos sobreviventes, traduzida na tentativa de enviar TELEGRAMAS, para avisar a família de que se encontravam bem. Não foi enviada nenhuma mensagem/telegrama, dado que, mesmo que transmitidos para o batalhão os enviar depois via Marconi, seriam fatalmente censurados no percurso (4) (5).

Um abraço do camarada
José Martins
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (1969)

(2) Presumo que o autor do texto quer dizer soldado africano de um Pelotão de Caçadores Nativos, tropa regular, emboar de recrutamento local, que deve ser confundida com as milícias.

(3) Vd. Carta da Guiné (1961). Na zona leste da Guiné, hoje região do Gabu, entre Nova Lamego (hoje Gabu) e Cheche (ou Ché Ché), na estrada Nova Lamego-Madina do Boé que atravessa o Rio Corubal precisamente em Cheche, sítio onde se deu a tragédia que vitimou os 47 militares.

(4) Madina do Boé tem um significado mítico tanto para nós, que fizemos a guerra colonial, como para os guerrilheiros do PAIGC. Depois da nossa retirada, o aquartelamento, abandonado e armadilhado pelas NT, terá sido imediatamente ocupado pelos sitiantes.

Em Julho de 1973, o PAIGC realiza em Fulamor, a oeste de Madina do Boé, o 2º seu Congresso. E, finalmente, em 24 de Setembro de 1973 é ali proclamada a Independência Unilateral da Guiné-Bissau pelo PAIGC, sendo Luís Cabral eleito Presidente do Conselho de Estado.

domingo, 23 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P236: As estórias que não contamos aos nossos filhos

Não houve mata na Guiné que o Alferes Comando Briote não tivesse pisado uma ou mais vezes, incluindo Satecuta/Galo Corubal, na região do Xitole, por onde andou 19 dias, na época das chuvas (!). E mata aqui significa território sob controlo (militar, político e adminmistrativo) do PAIGC. L.G.

Entre outros camaradas africanos, o tuga Briote - que foi em rendição individual, nos finais de 1964, para a CCAV 489 (Cuntima, região do Cacheu) e que seis meses depois estava em Brá a fazer o curso de comandos - trabalhou com o Marcelino da Mata e o Jamanta que vieram mais tarde a integrar a 1ª Companhia de Comandos Africanos que eu vi crescer em Fá Madinga (1). L.G. © Virgínio Briote (2005)


Texto de Virgínio Briote, ex-alf mil comando (1965/67):

Pois, a Guiné! A Guiné faz parte de mim. Entrou-me no sangue aos 21 anos, tenho 62, vive comigo. Percorrem-me sentimentos contraditórios, não devia ser, mas é o que sinto às vezes. Assaltos, pé ante pé, ao nascer do dia, ou ainda de noite, de heli a qualquer hora do dia. Descargas de adrenalina e de tiros, estardalhaço de rockets, granadas, 10 minutos no máximo, retirar a seguir no goss-goss. Depois, o regresso a Bissau, o banho e o sono, o almoço farto no Fonseca. E o desassossego e a dor tantas vezes levados àquelas gentes, um peso que trago comigo, que me curva. Passou-se comigo, não ouvi contar.

O Virgínio Briote em Mansoa, já com as insígnias de comando, o crachat na boina (Julho de 1966)

© Virgínio Briote (2005)

Tenho respeito pelas tropas especiais, que fizeram aquilo que lhes pediram. E muito mais pelos soldados, furriéis, sargentos e alferes milicianos que, sem lhes perguntarem nada, os arrancaram ao trabalho e ao estudo. Espalhados pelas Mafras do País, encaixotados nos comboios, nas camaratas, nos beliches ou nos porões sujos e escuros dos Uíges, de G3 na mão pelas matas, savanas, tarrrafos e bolanhas, corações aos saltos, T6 e Fiats G-91 no ar, helis à procura de locais para pousarem, macas com feridos e mortos, os regressos aos abarracamentos, partir para outra, sempre assim, até ao fim dos dois anos. Viram derreter-se 2 anos da vida deles, a fazerem contas aos dias, dentro do arame farpado, entre abrigos, à luz do petromax, sem frescos, à mercê de tudo, da Dornier, das colunas de reabastecimentos, do valente IN.

Quartel de Brá, a nordeste de Bissau. Aqui nasceram os primeiros comandos da Guiné, primeiro organziados em grupos e depois em companhia. Estes comandos, de primeira geração,antecederam a primeira companhia de comandos metropolitana, formada em Lamego, e aqui chegada em Junho de 1966 (3ª CCmds). L.G.

© Virgínio Briote (2005)

Alguns nem chegaram a ir ao Cupilom, saíram dos Niassas, meteram-nos em GMCs, Mercedes, Unimogs e, ala que se faz tarde, estrada fora, a caminho de Nhacra, Mansoa, ou Geba abaixo, Buba a aparecer ao longe. Dois ou três dias depois, parecia que estavam em Bissorã, Mansabá, Cacine, há que meses.

Muito tempo, manga de chatice passada, o caminho do regresso, directos para as lanchas, quando deram por eles, nem acreditavam, era o velho Niassa ou Uíge, outra vez. E, quando chegavam a Lisboa, à terra deles, encontravam gente que lhes fazia perguntas:
- Mataste muitos turras, juntaste algum?

Cemitério de Bissau onde ficaram muoitos dos nossos os e alguns dos nossos melhores (1966).

© Virgínio Briote (2005)

Tempos difíceis que a nossa geração viveu e, valha a verdade, tudo tem sido feito para fazer de conta que nada se passou. E, se calhar é melhor assim, foi só um sonho de uma noite, uma noite que durou 13 anos.

E os que viveram aqueles tempos, quando se encontram agora, recordam episódios, pequenas histórias, quase nunca factos da guerra. Devem ter motivos bem fortes para recordarem os episódios marginais e esquecerem histórias que muitos de nós preferia não ter vivido.

Desculpa lá esta lavagem, Luís. Muito raramente abordo estes assuntos, nunca contei um episódio de guerra que fosse aos meus filhos. Quando desembarquei em Lisboa, jurei a mim próprio nunca mais pegar numa arma, nem na Feira Popular. Quase quarenta anos ao arrumar um sótão de uma casa na aldeia, bem lá para o Norte, vi duas malas cheias de pó. Cartas, roupas, facturas, e uma pistola dentro de um estojo. Quebrei a promessa. Peguei-lhe, meti-me a caminho das margens de um rio e lancei-a para o sítio mais fundo.

E pronto, Luís, a minha prosa bélica acaba aqui, por hoje. Na próxima semana vou estar fora, só regresso no próximo sábado e na semana a seguir, a primeira de Novembro, tenho muito gosto em tomar um café contigo (...).
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri

Vd. também a página não oficial dos comandos portugueses > Comandos - Tropa de Elite

Guiné 63/74 - P235: Virgínio Briote, ex-comando da 1ª geração (1965/66)

Os mais diversos sítios da Guiné, de norte a sul, de leste a oeste, por onde o ex-alf mil Virgínio Briote andou, nos anos de 1965 a 1966.

© Virgínio Briote (20905)

1. Texto do Virgínio Briote, ex-comando e novo membro da nossa tertúlia:

Pelo que tenho visto o blogue-fora-nada continua com a mala aberta para os companheiros que passaram as passas da Guiné.

Conforme combinado, aqui vai o meu bilhete de identidade militar:

- Mobilizado para a Guiné em Dezembro de 1964
- Colocado, em rendição individual, na CCAV 489 (Cuntima), pertencente ao BCAV 490 (com sede em Farim)
- Cuntima (de Janeiro a Maio 1965)
- Admitido para o curso de comandos em Junho (1)
- Formação em Brá (Junho / Agosto de 1965)
- Constituição e Formação do grupo, formado por voluntários de várias unidades espalhadas pelo território (Setembro/Outubro de 1965)
- Actividade operacional (Outubro de 1965/Outubro de 1966): Óio (várias vezes), Suzana, Jolmete, Canjambari, Cuntima, Canquelifá, Buba ( várias vezes), Tite, Jabadá (a 1ª heliportagem de assalto na Guiné), Xitole, Barro, Bigene...
- Chegada da primeira Companhia de Comandos (3ª CCmds), formada em Lamego, com destino à Guiné em Junho de 1966 (2);
- Colocado no QG, de Novembro de 1966 a Janeiro de 1967;
- Regresso à Metrópole em 19 de Janeiro de 1967.

Envio, em anexo, algumas imagens daqueles tempos que podem ser disponibilizadas no blogue.


Mulheres africanas trabalhando no campo. Em frente ao quartel de Brá, centro de instrução e formação da primeira companhia de comandos da Guiné (criada em 1964 e extinta em 1966) . Os velhos comandos, como ainda hoje eles gostam de ser conhecidos.

© Virgínio Briote (2005)

Luís, para um melhor entendimento daqueles anos de 19665/66, tenciono enviar-te alguma informação escrita.

Mas, antes de disponibilizares isto no blogue, talvez seja indicado falarmos pessoalmente antes.

Um abraço,
vb
______

Notas de L.G.

(1) Os comandos na Guiné nasceram em finais de 1963 e princípios de 1964. Em Outubro de 1963, há um grupo de oficiais e sargentos, em serviço no Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) que vai a Angola (RMA) fazer a sua formação de comandos.

É a partir daqui que nasce o primeiro Grupo de Comandos da Guiné. Logo no iníco de 1964, partipa na famosa Op Tridente (14 de Janeiro a 24 de Março de 1964), nas Ilhas do Como, Caiar e Catunco, integrado nas forças à disposição do BCAV 490. O grupo recebe as insígnias de comando em 29 de Abril de 1964, em cerimónia pública realizada em Bissau.

Em Julho de 1964 inicia-se, em Brá, o 1º Curso de Comandos da Guiné, tendo-se constituído mais 3 grupos. Estes grupos foram utilziados em acções independentes ou integradas em operações dos batalhaões (Madina do Boé, Catió, Farim, Jabadá, Canjambari...).

O curso que o Briote frequentou terá sido o segundo, onde se formaram mais quatro grupos de comandos. A partir de 1 de Novembro de 1965, o Centro de Instrução de Comandos passou a constituir e a designar-se por Companhia de Comandos (CCmds), com sede em Brá. Participou em diversas operações nas regiões de Bula, Bigene, Pelundo, Guileje, entre outras. Esta CCmds é extinta com a mobilização e a chegada da primeira CCmds, formada em Lamego (a 3ª CCmds).

(2) Três anos depois, em Julho de 1969, é criado o Batalhão de Comandos da Guiné.

Fonte: Comandos: tropa de elite.


2. Resposta de L.G.:

Camarada Virgínio:

Espero poder ter a honra e o privilégio de tratar-te por tu... E espero que fiques à vontade para fazeres o mesmo comigo. Essa é, de resto, uma das poucas regras que temos na nossa tertúlia... Fico entusiasmo com a resposta rápida que deste, à comando, e sobretudo com a confiança que demonstra (em mim e no nosso blogue).

A documentação que nos envia é valiosa e merece, de facto, ser partilhada pelos nossos tertulianos e restante comunidade bloguística... Prometo abrir uma página só para ti e os teus comandos: de facto, as tropas especiais não tinham poiso certo...

Mas primeiro quero falar contigo, como sugeres. Dá-me um nº de tefefone teu (...).

Um ciberabraço.
L.G.

sábado, 22 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P234: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente (Luís Graça)

Fotos do velho album de meu pai, 1º cabo nº 188/41, que esteve como expedicionário em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, de 1941 a 1943:

Legenda: "No dia em que fiz 22 anos tirei esta fotografia em Mindelo, encerrando (?) as minhas vinte e duas primaveras felizes. Luis Henriques. Em 19/8/943. S. Vicente, C. Verde

"Senti neste dia muitas saudades dos meus, dos amigos e também da minha terra. Luís".

© Luís Graça (2005)

O meu pai tem hoje 85 anos feitos. Nasceu, portanto, em 1920. Aos vinte e um anos partiu para Cabo Verde, no paquete Mouzinho, integrado no 1º Batalhão do Regimento de Infantaria nº 5 (Caldas da Raínha), para reforço do sistema de defesa do arquipélago (1).

Ao longo de 26 meses, foi mandando cartas e fotografias (estas, geralmente em formato pequeno), sempre com legendas no verso. As cartas infelizmente perderam-se. Mas das fotos ainda restam algumas dezenas. Têm algum interesse para documentar a vida dos militares, expedicionários em Cabo Verde, naquela época.

Ainda hoje ele me conta estórias e factos desse tempo. O que me impressiona é a sua memória: sabe de cor os nomes e os números de identificação de alguns dos seus melhores amigos e camaradas. Era, além disso, um jovem sensível à miséria com que então vivia a população local. Quando estava no hospital, "fraco dos pulmões", recebeu a visita da irmã do seu "impedido", o Joãozinho, de cinco anos:
- Bo cabo Luís, o bo impedido Joãozinho morreu!

O meu pai pegou no dinheiro que tinha, ali à mão, na enfermaria do hospital - "dezasseis escudos e oitenta centavos" - e deu-o á família do Joãozinho. Acho que foi um gesto bonito e solidário...

Naquela época, o pré de um 1º cabo deveria andar nos 130 escudos por mês. As mulheres cabo-verdianas, muitas vezes com os filhos às costas, trabalhavam no porto, descarregando milho: uma equipa de duas ganhava 2 tostões (um tostão para cada uma) por cada saco de milho descarregado dos barcos...

Além disso, o 1º cabo 188/41 gostava de ajudar os seus camaradas, escrevendo-lhe as cartas para a Metrópole. Ele terá escrito centenas ou até milhares de cartas. Só para um dos seus amigos, rancheiro, analfabeto, ele escrevia 22 cartas por semana. Mas tinha muitos mais clientes. Ele diz-me que no seu pelotão (na época 45 homens), "se calhar metade não sabia ler nem escrever"...

© Luís Graça (2005)

Legenda: "Junto às cozinhas. Pessoal rancheiro. Dia de vinho, dia de alegria. Depois de um jantar à portugesa. Lazareto. Abril 43. Luís Henriques [na foto, é o primeiro, do lado esquerdo]. 3/5/43" .

As dificuldades eram muitas para o pessoal expedicionário. A alimentação era má e pouco ou nada variada: "Massa com feijão ao almoço; feijão com massa ao jantar". A morbimortalidae elevada (tuberculose, febres intestinais, doenças venéreas...), fazendo jus à frase que ele memorizou e que estava na parede do fotógrafo no Mindelo: "Ouro, seda, vaidade, podridão / No cemitério, igualdade / Mas debaixo do chão"...

© Luís Graça (2005)

Legenda: "Tubarão das águas de S. Vicente, apanhado em Junho de 1942. Luis Henriques".

A tropa, em S. Vicente, não teria muito que fazer, paa além de uns exercícios de manutenção de homens e material. Uma das actividades favorias dos militares portugueses era a praia e o mergulho. O meu pai, nascido à beira-mar, filho, neto e bisneto de gente ligada ao mar, adorava nadar e fazer mergulho, mas tinha medo dos tubarões... Há várias fotos de tubarões apanhados ao largo da ilha. Todavia, os ataques a seres humanos não seria muito frequente, embora ele ainda hoje me conte estórias de tubarões que arrancaram pernas e deixaram marcas de dentes no corpo de alguns incautos...
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(1) vd. posts anteriores

12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Os mortos e os esquecidos do Império: Cabo Verde (1941/43)

26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Antologia (11): Cabo Verde (1941/1943)

Guiné 63/74 - P233: Notícias da açoriana CCAÇ 2636 (Bafatá, Contuboel, Saré Bacar, Pirada)

1. Tefonou-me o João Varanda, que nos tinha contactado em Maio passado, mas cujo endereço de e-mail estava errado. Por esse motivo, ele deixou de estar integrado na nossa tertúlia: os e-mails para ele eram sistematicamente devolvidos. Agora percebo o motivo: como na tropa, o material tem sempre razão!

Pelo que ele me contou, é fã do nosso blogue, que lê com regularidade e crescente entusiasmo. Recorde-se que ele fez parte de uma companhia açoreana, a CCAÇ 2636, que esteve na Zona Leste (Bafatá e depois Saré Bacar e Pirada, na fonteira norte, com o Senegal), mas primeiro passou pela região do Cacheu (Pelundo e Teixeira Pinto).

Ele vive e trabalha em Coimbra, mais exactamente nos serviços académicos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Secção de Alunos), Porta Férrea - Paços da Escola, 3004 - 545 Coimbra.

O João confidenciou-me que gostaria de voltar à Guiné, mas devido a um problema de saúde nunca se atreveria a ir sózinho. Esuqeci-me de perguntar como ia o livro dele... Ficou de mandar umas estórias (e fotos, espero) para a semana que vem.

Em contrapartida, prometi-lhe que publicar, uma dia destes, o relato da Op Tigre Vadio, a Madina/Belel, no regulado no Cuor, já no corredor do Morès, em 1970. Não tenho aqui à mão os meus apontamentos, mas tenho ideia que um pelotão de morteiros de Bafatá, do tempo do João Varanda, participou nessa operação, cujo ponto de partida foi Missirá e o regresso, dramático, Enxalé... Foi, como se costuma dizer, uma volta ao bilhar grande!

A propósito, tenho que arranjar um voluntário, na nossa tertúlia, para ir espetando os alfinetes no mapa da Guiné com o número dos pelotões, companhias e batalhões. Já é muita areia para a minha camioneta. Às tantas, a gente perde-se no mato...


2. Reproduzo aqui parte do e-mail que ele em tempos mandou ao Guimarães e que foi depois inserido no nosso blogue: vd. post de 25 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXV: Aerogramas de amigos e camaradas (1)

18 de Maio de 2005:

Amigo David Guimarães:

Cá recebi o seu e-mail, fiquei muito sensibilizado pela sua gentileza. Como todos os que passaram por aquela guerra, naqueles vinte e quatro meses, a Guiné-Bissau é hoje uma terra mítica, algo inesquecível que vive presente para todo o sempre na nossa cabeça. Daí a necessidade de buscar algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra, o que se torna para nós uma forma de dizer que estamos vivos.

Meu bom amigo, também fui companheiro de luta na nossa querida Guiné, como elemento da CCAÇ 2636 (companhia açoreana) e fizemos o percurso coroa com o seu início em Brá-Có (fizemos a segurança da estrada alcatroada para Pelundo e ligação a Teixeira Pinto).

O Pelundo era a região onde, em 20 de Abril de 1970, o comando de zona do PAIGC traíu as negociações que decorriam com o grande Chefe General Spínola para a rendição das forças do PAIGC que operavam naquela zona e a respectiva população), fazendo o PAIGC o assassinato dos três majores, Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório (1).

Depois saltámos para a zona leste, para Bafatá, ficando metade da companhia adstrita ao Batalhão de Caçadores 2856 (2), e a outra metade ao Esquadrão de Cavalaria 2640. No leste e naquela altura o homem grande da guerra o era o Carlos de Almada, o célebre Chefe Gazela [3). Um grupo de combate entrou em auto-defesa em Ualicunda, outro em Sare Uale (4) na linha limite da fronteira do Senegal, ficando a base do comando destes dois grupos sedeada em Contuboel.

Os outros grupos ficaram em actividade operacional no sector leste com sede em Bafatá, para cortar a eficácia de ataque do PAIGC, assim tudo o que era risco foi batido em operações de sector como sejam Fá Mandinga, Xime, Bambadinca, Porto Cole, Capé e Mansomine (5) (Mansomine, de má memória, na durissíma Operação Fareja Melhor onde tivemos a primeira baixa, que foi um voluntário que, em acto de coragem e bravura, quis dar solidariedade ao grupo a procurar, detectar e aniquilar quaisquer elementos inimigos, destruindo todos os meios de vida e recuperar as populações civis sob controlo inimigo).

No leste (6) tudo quanto foi matas, rios ou bolanhas foi por nós calcorreado à procura de quem não prometeu vir até nós, para tudo quanto mais não fosse dialogar os caminhos da paz. Por fim, assentamos arraiais em Sare Bacar, a pouco mais de cem metros da linha limite com o Senegal.

Operacionalmente estivemos em exercício em Pirada e Paunca(7), ficando com dois grupos de combate estacionados em Sare Aliu, Sene e Sora (corredores de infiltração do PAIGC para selecção de guerrilheiros e por onde infiltravam o armamento pesado).

Meu bom amigo, muitas peripécias se passaram fizemos a guerra sem querer, enfim agora isto faz parte da história que está pouco passada para o papel. Temos de unir esforços e todos contar o que foram aqueles dias, não podemos deixar para trás o que foram esses tempos e deixá-los esfumar-se como o fumo de um cigarro.

(...) Não quero findar este e-mail sem dizer ao meu bom amigo que estou a escrever um livro de memórias sobre a nossa passagem pela guerra colonial na Guiné-Bissau.

Com um grande abraço. Varanda

Tomem nota do endereço de e-mail : maito:jvaranda@fd.uc.pt (jvaranda e não jvarandas)
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Notas de L.G.

(1) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

(2) Este Batalhão editava, em 1969, o jornal Macaréu.

(3) Vd. carta da Guiné (1961): na fonteira cpm o Senegal há, pelo menos, duas povoações com este nome, Sare Uale: uma a nordeste de Farim, na região do Cacheu; outra já na zona leste, no triâmgulo Cambau-Contuboel- Sare Bacar

(4) Na região do Óio, a nordeste de Mansambá.

(5) Chefe ou Comandante Gazela ?

(6) Hoje, região de Bafatá e região de Gabu

(7) No nordeste, na fronteira com o Senegal, região do Gabu.

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

Guiné 63/74 - P232: Cooperação, caridade ou negócio ? (3) (Paulo Salgado)

Escola de Dugal, no Olossato, na região do Cacheu.

© Paulo Salgado e João Faria (2005)

Texto enviado de Bissau, através do bombolom do Paulo Salgado:

A proposta do João Tunes é excelente: partilhar um pouco do nosso sentido (ou sentimento?) de solidariedade é algo que dignifica e honra quem o faz, e minora parcelas de penúria, para não dizer miséria.

O que se passa em S. Domingos [que fica no norte, na região do Cacheu], conforme ele descreve, é o registo de um acto singelo de ajuda que parece (?!) ter viabilidade. Acredito que tenha êxito, se acompanhado ao longo do tempo por algum guineense que mereça confiança e que garanta o eventual pequeno projecto.

Estes gestos só alcançarão os objectivos dos doadores (passe a expressão) se permanecerem no tempo, se acompanhados. A hipótese de uma ONG – só com grande credibilidade (eu sei, que estou cá, como é) - mas ainda assim, preferível a um guineense.

Garanto-vos que é assim.

Há a hipótese das igrejas (católica, adventista, evangélica e outras); têm aqui escolas que sobrevivem, com muito mérito porque conseguiram construir-se à custa de sacrifícios pessoais dos missionários, sejam eles quais forem – sacrifícios físicos e psicológicos - e das dádivas de muitos homens e mulheres que, com contributos diminutos ou vultosos, asseguram uma permanente ajuda, com coerência, e na certeza de que os lápis ou cadernos não vão ter ao mercado do Bandim.


Guiné-Bissau > Guiné-Bissau > Bissau > 2001: Mercado de Bandim, símbolo de um país onde predomina a economia informal (e o Estado não cumpre as suas obrigações mínimas em sectores fundamentais como a saúde e a educação). É aqui, em Bandim, nas imediações de Bissau, que vai parar uma parte substancial das doacções, em géneros, da cooperação internacional. LG.

Foto: © David Guimarães (2005)

Por isso, os poucos euros que pudéssemos juntar poderiam ser encaminhados para uma escola apoiada no terreno por uma estrutura mínima. Esta seria uma hipótese que, pessoalmente, me agradaria mais. As crianças aprendem português e outras matérias, e a ser rigorosas e disciplinadas. Se não, acontece o que está ali na foto (escola do Dugal).

Outra possibilidade de colaboração – esta bem mais exigente do ponto de vista da entrega pessoal de camaradas e amigos - seria uma ajuda financeira a um qualquer bolsista que fosse fazer um curso a Portugal (o meu receio – confesso que já vi muitas situações dolorosas e empobrecedoras para o País – é esse alguém ficar e nunca mais regressar para ajudar o seu Povo).

Pensai nisso. Eu tenho hipótese de falar com o Jorge Neto (que deve estar aqui ao lado a trabalhar, neste fim de sexta-feira, na sua actividade intelectual).


Ajuda portuguesa à escola de Dugal, no Olossato.

© Paulo Salgado e João Faria (2005)

As ajudas – assumam elas a realidade ou dimensão que assumirem – têm que ser concretizadas num determinado contexto. Muitas vezes chegam ajudas em contentores que, infelizmente, não são canalizadas para o seu destino: para a educação ou saúde. Poderia contar-vos alguns casos, alguns mais antigos, outros recentíssimos, de doações mal encaminhadas, não inseridas numa verdadeira dinâmica.

Independentemente da proposta amiga, e já concretizada, o Humberto tem uma acção meritória. Eu próprio já fiz isso no Olossato, em Dugal e a verdade é que, suspensa a ajuda, ou interrompida, tudo volta à estaca zero.

Lembro-me da 'distribuição dos alimentos' que o cabo Costa fazia no destacamento do Maqué ou mesmo ali em Nhacra – porventura isso aconteceria um pouco por toda a parte onde houvesse aquartelamentos. Não nos iludamos: saciámos a fome, com muito carinho... Ainda há dias um homem que encontrei no Cumeré, jovem era no tempo da guerra, me falava da sopa dos tropas, imaginai! – mas verdadeiramente, a 'ajuda' que podemos dar tem que cimentar-se em coisas concretas e duradouras.).

A propósito destas coisas permito-me deixar-vos um poeminha:

Por detrás da sebe
da tabanca
uma criança espreita.

Faço-lhe um adeus
aberto
e um sorriso nos une
para sempre…!

Paulo Salgado, Bissau, 15 de Outubro de 2005.

Créditos fotográficos: © Paulo Salgado e João Faria (2005)

Guiné 63/74 - P231: Cooperação, caridade ou negócio ? (2) (João Tunes)

Texto do João Tunes:

Humberto e mais os outros camarigos (os que tugem e os que nem mugem):

Se vamos pela interpretação sobre o que se passou e passa na Guiné antes, durante e depois "de lá sairmos", se calhar o consenso não é fácil. Nem talvez o caminho seja por aí. O importante é que estejamos unidos no respeito pela Guiné-Bissau como país soberano (não aceito outra base de princípio), sentirmos todos uma profunda ligação àquela terra pelo que lá passámos de bom e mau e dispormo-nos a ajudar (sobretudo as crianças que estão isentas de culpas nossas e de outras quaisquer. (*)

Já tinha sabido da tua ajuda a meninos da Guiné. E acho isso não só é meritório como te honra e, desculpa a sensibilidade de velho, acho até comovente. Só demonstras que és um velho guerreiro honrado e humanista. Mas se cada um de nós se dispuser a uma ajuda avulsa de enviar umas coisas para aqui ou acolá, a eficácia é reduzida, depois há as dificuldades logísticas, saber-se se chegou ao destino certo, a gente chateia-se e desiste, etc e coisa. Também acho que temos de superar os regionalismos (eu daria preferência a Pelundo ou Catió, outros ao Xitole, outros a Bula, a maioria dos tertulianos claro que puxava por Bambadinca, grande salganhada...).

Já nos basta a história dos mouros para nos entretermos entre portas e qb em tretas regionalistas. Um menino é um menino e na Guiné todos são carenciados. Eu deixava isso ao critério da ONG AD, dirigida pelo nosso amigo Carlos Schwarz. Julgo que ter uma ONG (e uma ONG tem de ter a credibilidade para poder ter direito a sê-lo) no apoio é uma base não só de fiabilidade (e de garantia contra descaminhos) como um apoio logístico e de selecção fundamentais.

Se a ideia fosse aprovada, havia que estabelecer regras - quem adere e como fazer chegar os contributos, a ONG definir o ponto a ser apoiado e selecionar as crianças, organizarmos - entre os aderentes - uma Associação de Acompanhamento dos Afilhados e fazer-se a interface com a ONG (esses ESTÃO NO TERRENO). Se se vir o projecto de ajuda dos espanhóis, está lá quase tudo.

Para mim, o problema, o principal problema de qualquer projecto e desta tertúlia, é que a maioria dos tertulianos são mudos, não piam - nem sim, nem não, nem nim. Terão piado tudo quando foram periquitos ? Mas, talvez com esta provocação, acordem e digam das suas...

Abraços a todos,
João Tunes
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(*) Claro que reconheço o direito a qualquer opinião porque hoje, felizmente, podemos e devemos falar. Todos, de todas as opiniões. O que considero é que, quando se tratar de levantar projectos, devemos escolher a via mais consensual. E exactamente por isso é que me dispenso, aqui e hoje, de rebater as opiniões que formulaste sobre os males da Guiné e com as quais não estou minimamente de acordo. Fora isso, fogo á peça a toda e qualquer opinião.

Eu, por exemplo, expremi-me forte e feio aqui e ali Não foi para te responder (ainda não tinha lido o teu mail) mas serve para o efeito. Vai lá, Humberto, e tens exemplo de opinião simétrica à tua. Mas na hora de fazer obra, ajudando, estas divergências não devem contar nada para fazermos bem em comum. É bom sermos frontais e leais. E eficazes, já agora. Não achas?

2. Resposta do Humberto Reis:

João:

Estou de acordo contigo que temos de ter opiniões diferentes, desde que respeitemos as dos outros, que é o que nós só sabemos fazer e outras convergentes (por exemplo gostar do nosso SLB (...).

Vamos aos factos e tirar o rabinho do sofá para tentar fazer alguma coisa por aquela gente. Já viste a mensagem do Carvalhido da Ponte sobre o apoio que Viana do Castelo está a dar ao Cacheu? Não seria uma boa ideia auscultar o Carvalhido sobre o funcionamento do sistema?

Oh Carvalhido. diz lá a malta como é que funciona esse intercâmbio? onde se deposita dinheiro?onde se entregam géneros?onde se entregam medicamentos?quem diz o que faz lá mais falta em determinado momento?

Temos de começar por algum lado e, como sugere o João Tunes, temos de espicaçar o touro para ele sair do curro, ou seja despertar a rapaziada para tugir e mugir.

Fico à espera de novidades.

Um abraço

3. Mensagem do Carvalhido da Ponte:

Em Viana [do Castelo] funciona uma Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau que tem estado, desde 2005, a colaborar , especialmente, com o Cacheu uma vez que o município minhoto está geminado com aquela antiga cidade guineense. Uma das nossas práticas é o apoio didáctico e médico-medicamentoso.

Eu, José Luis Carvalhido da Ponte, servi na CART 3494, no Xime, entre 71 e 74, com o Salta-me a Cabeça, o Silva Pereira, O 1º Simões, o 1º Bagorro, o Castro, o Fur Godinho, o Fur Sousa Pinto, o Alf Pereira, o Alf Araújo, etc.

4. Comentário do Sousa de Castro:

Antes demais gostaria de dizer que também não me soa bem a palavra camarigos nem encontro o verdadeiro significado da palavra, mas tudo bem (...).

Vamos ao tema que está em discussão. É um facto que todos nós gostamos daquele país que se chama Guiné, foi lá que passamos a fase final da nossa adolescência (digo eu). Concordo que naquele país falta tudo.

Pergunto: Porque falta tudo? O que se viu nas eleições? Viu-se um sr. exilado em Gaia, entra na Guiné de helicóptero, faz a sua campanha e ganha as eleições!... Não percebo como nem quero perceber. Não discordo das boas intenções do Tunes nem de nenhum tertuliano, apoio a maioria no que ficar decidido, mas não podemos esquecer dos Miseráveis do nosso país. A falta de emprego, salários de miséria, a fome em muitas aldeias deste país à beira-mar plantado e falando em nós próprios, a contagem do tempo de serviço prestado no Ultramar a dobrar para efeito de reforma para todos os ex-combatentes e a reforma aos 55 anos para tos os ex-combatentes. Acrescento também que Lisboa e Vale do Tejo têm um nivel de vida superior ao Norte aproximadamente 40%.

Penso que uma forma de ajudar é fundar associações de geminação com localidades como Xime, Bissorá, Xitole, Gabu, etc. Depois conseguir nas mais variadas empresas, nas Cãmaras Municipais e outras do nosso país, pedindo apoio para esse fim, da mesma forma como o Carvalhido da Ponte tem posto em prática em Viana do Castelo. Apareçam mais ideias.