segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1181: Ameira: o (re)encontro de uma geração valorosa (Rui Felício)


Montemor-o-Novo > Ameira > Herdade da Ameira > Restaurante Café do Monte > 14 de Outubro de 2006 > Da esquerda para a direita: Rui Felício, Maria Alice Carneiro (esposa do Luís Graça), António Pimentel (que veio propositadamente do norte, com o Hernâni Figueiredo), o Victor David e a esposa e, por detrás, o Paulo Raposo, o nosso amável anfitrião.

Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.


Mensagem do Rui Felício (ex-Alf Mil, CCAÇ 2405, Mansoa, Galomaro e Dulombi, 1968/70), hoje economista e empresário, membro da nossa tertúlia e autor de algumas das mais saborosas estórias já aqui publicadas, reveladoras de um sentido muito especial de humor que nos ajudou a sobreviver e a manter-nos vivos e solidários, uma espécie de defesa mental contra o cacimbo, o clima, a guerra (1):


Meu Caro Luís Graça:

Como dizem os brasileiros, o meu testemunho é claramente chover no molhado... Na verdade, dizer que o belo dia de sábado, passado na agradável herdade do Raposo, foi uma jornada inesquecível, é repetir o que por certo todos já te terão dito (2).

Mas nem por isso devia deixar de o referir, para lembrar que o encontro da Ameira só foi possível, porque existe o blog que tu criaste e que, com tanto trabalho e mérito, vais gerindo, coordenando e engrandecendo.

Registei, das intervenções que alguns fizeram a seguir ao almoço, alguns aspectos que confirmaram aquilo que eu já pensava através da assídua leitura do que vais editando no blog, designadamente, o facto de a tertúlia se compor de variadas perspectivas e olhares, na análise e recordação da nossa passagem por terras da Guiné, em circunstâncias adversas de clima e da própria guerra.

Embora nem sempre coincidentes, são perspectivas cuja diversidade proporciona uma visão mais completa, segura e enriquecedora das memórias de todos nós. Bastaria ter ouvido, além de tantos outros, o Virgínio Briote, o Casimiro Carvalho, o Lema Santos [, o Pedro Lauret, o Tino Neves, o Paulo Santiago, o Carlos Santos] e, especialmente, o Vitor Junqueira, para comprovar o que acabei de dizer, isto é, a nossa geração fez a guerra de África segundo as suas próprias convicções, declaradamente contra ela, a favor dela ou conformada com ela, mas sem dúvida dando o melhor de si na defesa de princípios e sentimentos que pairam acima dos interesses ou conveniências individuais.

Sou dos que naquela época era contra a guerra, mas nunca confundi isso com o dever de a fazer o melhor e mais profissionalmente que me fosse possível, quanto mais não fosse para garantir aos soldados à minha responsabilidade o regresso a casa, sãos e salvos.

É por isso que não aceito que, passados tantos anos, algumas figuras proeminentes da nossa classe política actual venham hoje a público, não poucas vezes, arvorar-se em heróis, por terem tido a coragem de desertar, de fugir para o estrangeiro, criticando aqueles que como nós estiveram em África a combater.

Obviamente que isso não é coragem. Prefiro chamar-lhe comodismo, medo... Para não lhe chamar cobardia... Gostava de os ter visto na Ameira... Ficariam a conhecer homens cujo medo (que todos tínhamos... ) foi vencido pela coragem e pelo sentido de dever...

Um abraço

Rui Felício

PS -

(i) Só agora soube que o Vitor Junqueira é médico em Pombal. Fui grande amigo do Muñoz e Alvim, que estudou em Coimbra ao mesmo tempo que eu, embora em cursos diferentes. Nunca mais o vi, mas disseram-me que ele foi médico no Hospital de Pombal. Se o Vitor Junqueiro ler isto, pedia-lhe que me confirmasse se ele andou por lá ou mesmo se ainda exerce medicina em Pombal.

(ii) O reconhecimento pelo excelente trabalho do Carlos Marques...

(iii) Refiro ainda a agradável conversa, já ao fim do dia, com o J. Martins e Esposa... Foi por causa de um texto dele que eu entrei no blog, a propósito do desastre do Che-Che (3)

_________

Notas de L. G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

Vd. também post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(2) Vd. posts de ontem, 15 de Outubro de 2006.

(3) Vd. posts de:


12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)

(...) "Acabei de ler um texto escrito pelo camarada José Martins onde relata a sua experiência na zona de Madina do Boé.

"Embora tenha reconhecido que não assistiu directamente ao que se passou no célebre e lamentável desastre do Cheche, ocorrido no fatídico dia 6 de Fevereiro de 1969, o José Martins conheceu bem o local e a região e desenvolveu a sua descrição socorrendo-se de relatos e documentos alusivos ao sucedido.

"E nota-se pelo seu relato que sofreu muito, e que ainda hoje sente as marcas do desastre, passados 37 anos sobre a sua ocorrência" (...).


8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)

(...) "O mês de Fevereiro de 1969 tivera início há poucos dias quando passou, no aquartelamento de Canjadude, uma coluna cuja missão era retirar a Companhia de Caçadores nº 1790 do seu destacamento de Madina do Boé. Paralelamente a guarnição do posto do Cheche, pertencente à Companhia de Caçadores nº 5, também retiraria e juntar-se-ia à nossa companhia em Canjadude" (...)

Guiné 63/74 - P1180: Paraquedistas, anjos da morte nos céus do Corubal (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > Finais de 1969 ou princípios de 1970 > O ex-furriel Henriques, que na altura usava um pera, à revelia do RDM, e óculos esfumados (na época, estavam na moda)... Esses óculos irão desaparecer, para sempre, sob o efeito de cone de fogo de um bazuca, no decurso da Op Boga Destemida, em 9 de Fevereiro de 1970 (1)... Em homenagem às cangalhas, que lhe terão possivelmente salvo a vista, e que ficaram para sempre enterrados no capim e na terra vermelha de Gundagué Beafada, aquele tuga nunca mais usou óculos na vida... Não sei se irá conseguir cumprir a promessa até ao fim dos seus dias... (LG).
Foto: Luís Graça (2005)

Originalmente publicado no início do Blogue-fora-nada, post de 21 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXIII: Os anjos da morte

Texto que se recupera por várias razões: (i) não referir a palavra paraquedistas no título; (ii) não mencionar o nome do autor; (iii) vir a propósito da tabanca de Candamã, aqui belissimamente evocada pelo Torcato Mendonça (2) ; (iv) na altura não existir sequer, disponível on line, a carta de Duas Fontes; e, por fim, (v) prestar a homenagem aos nossos camaradas paraquedistas que honram, com a sua presença e o seu testemunho, a nossa tertúlia.

Não se veja neste texto qualquer crítica às tropas especiais, e muito menos aos paraquedistas. É um texto datado, circunstancial, que já não reflecte necessariamente as ideias e os sentimentos do seu autor, em relação à guerra em que participou, como todos os outros que aqui estão ... Esse tuga que escrevia o seu diário, com bastante irregulariadade, entre dois uísques, via e vivia com tristeza as baixas que aconteciam de um lado e do outro... Não foi refractário, não foi desertor, mas foi soldado contra a sua própria guerra... (LG) .


Excertos do Diário de um Tuga [Luís Graça, ex-furriel mil Henriques, Atirador de Armas Pesadas de Infantaria, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971].

Bambadinca, 20 de Agosto de 1969:

Nisto os páras são bons. Têm de ser bons. Tiram efeito do factor surpresa. Do terror que vem dos ares. Como os anjos do céu das visões místicas de Santa Teresinha, empunhando espadas de fogo, eles caem fulminantes sobre o objectivo e em poucos minutos desbaratam o IN ou obrigam-no a uma retirada desastrosa. Os seus contactos com tudo o que mexe no chão são breves mas mortais. Vejo nos meus camaradas, milicianos, uma secreta, inconfessável, admiração por esta tropa de elite ou a elite da tropa...

A nós, tropa-macaca, puseram-nos no anfiteatro, em semicírculo, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse [vd. carta de Duas Fontes]. Eles são os actores, nós os espectadores. Quando muito somos simples figurantes. É uma peça de teatro com três actos. Acto final: um heliassalto, a presa, os roncos... Eles são chitas, especialistas nos 100 metros. Nós, somos chacais, verdadeiros corredores de fundo. Eu cheiro a merda que tresando, aqui postado na orla da mata.

Há um mês que andamos pela região de Camará [, a nordeste de Mansambo, no regulado do Corubal, no limite do Sector L1,] em patrulhamentos ofensivos. De dia e de noite, ao calor e à chuva, como uma matilha de cães a reconhecer o terreno, a bater a coutada, a farejar a caça, para depois virem os anjos do céu, em formação, em voso raso sobre os palmares, cair sobre as pobres presas encurraladas.

A primeira vaga é lançada a oeste da bolanha, penetrando os paras logo de imediato na espessa mata que se estende para sul e onde há dias tínhamos localizado um acampamento. Eles vêm de Bafatá, de helicóptero. Impecáveis no seu fato camuflado de arcanjos da morte. Frescos, perfumados (3).

Devido ao mau tempo, os T-6 não puderam bombardear previamente a zona. De qualquer modo, o helicanhão, aterrador como um dragão alado, lança o pânico entre os guerrilheiros, pondo-os em debandada, enquanto na estrada as forças de Mansanbo [, CART 2339, ] fecham o cerco, cortando uma possível retirada para Biro, do outro lado da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Cinco minutos depois é capturado um guerrilheiro armado de RPG-2. Do interrogatório sumário, os paras arrancam-lhe poucas informações. Diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo (reforçado, ou sejam, oitenta homens), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata. Pelo apelido, Mané, parece-me ser mandinga. Ficará aqui preso em Bambadinca, depois de esprimido pelos paras e pelos pides (4).

Sucedem-se mais duas vagas de helicópteros e os páras passam então a percorrer a mata no sentido norte-sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão: são feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Fraco resultado, fraco ronco, para tanto aparato bélico. Afinal, trata-se de uma operação a nível de agrupamento, envolvendo o sector L1 (Bambadinca) e o COP 7 (Bafatá). E, no mínimo, o combate não é leal: há um guerrilheiro para cinco combatentes nossos...

Quanto a acampamentos ou arrecadações de material, nada de importante é detectado. Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona do heliassalto, e retiram-se muito provavelmente na direcção de Biro.

O pano cai sobre o palco: a tropa especial regressa a Bafatá, a tropa-macaca segue para Bambadinca e Mansambo.

PS - Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai, o mítico comandante do Sector 2 no meu tempo, foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado. Fiquei com uma secreta admiração por este homem que nunca chegarei a conhecer. Nem sei se hoje está vivo ou morto, depois das lutas fraticidas que ocorreram no seio do PAIGC antes e depois da independência. Lisboa, 21 de Maio de 2005.
_______

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVIII: Violenta emboscada em L (Op Boga Destemida, CCAÇ 12, CART 2520 e Pel Caç Nat 63, em Gundagué Beafada, Fevereiro de 1970)

(2) Vd. post de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa

(3) Vd. post de 30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) (Luís Graça)

(4) Vd. posts de:

9 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - CXLVII: Malan Mané, guerrilheiro, vinte anos, mandinga (Luís Graça);
e
8 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12 (Luís Graça)

domingo, 15 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1179: Ameira, 14 de Outubro, um dia inesquecível (Pedro Lauret)

Pedro Lauert, quando jovem oficial imediato do NRP Orion (1971/73)

Foto: © Pedro Lauret (2006)


Mensagem de Pedro Lauret:

Caro Luís,

Sábado foi um dia inesquecível!

Quero-te transmitir pessoalmente o meu apreço e admiração pelo trabalho excepcional que estás a desenvolver, és de facto um grande timoneiro desta nave… nave que, sendo constituída por homens fortes, robustos e corajosos, é no entanto frágil e necessita de grande carinho e inteligência para se poder fazer ao mar e desafiar as tormentas. Um abraço de amizade e apreço.

Foi com enorme prazer que abracei os meus companheiros de tertúlia, alguns já conhecia das suas intervenções no blogue.

Sem querer desvalorizar a satisfação que experimentei em conhecer todos vós, foi o meu encontro, ou reencontro, com o Casimiro Carvalho, o corajoso Ranger de Gadamael, que torna, para mim inesquecível o sábado passado. Não sou capaz de descrever o conjunto de emoções, memórias, afectos que se entrecruzaram na minha cabeça ou no meu coração. Os acontecimentos que vivemos em conjunto foram de tal forma dramáticos que acompanharão as nossas memórias até ao fim das nossas existências. Não terá este reencontro algum simbolismo? Talvez…


Um abraço para todos
do companheiro e camarada

Pedro Lauret

(Oficial imediato do NRP Orion 1971-1973)


PS – Os navios da Marinha de Guerra têm Guarnições e não Tripulações. A Força Aérea tem tripulações pois não há vínculo permanente entre quem conduz e o objecto conduzido, ou seja o comandante de um avião e todos os seus colaboradores podem exercer a sua actividade hoje num avião e amanhã noutro. Na Marinha um navio é guarnecido por um período longo, por um conjunto de homens que criam com ele uma relação de serviço e até afectiva. Penso ser patente o afecto com que eu e o Lema Santos nos apresentamos como Imediatos do NRP Orion.

Guiné 63/74 - P1178: Ameira: Que belo dia! (Fernando Chapouto)

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Texto e foto: © Fernando Chapouto (2006)


1. O que é prometido é devido: o emblema da minha companhia, a CCAÇ 1426 (1965/67)... Como te expliquei, chamavam-nos os Mandingas... A população local tinha-nos respeitinho. E este nome devia-lhes inspirar algum terror... Como sabes, andei pelos mesmos sítios por onde irá andar, logo a seguir, o Marques Lopes: Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda...

Sempre prontos: era o nosso lema... A propósito, a minha página mudou de endereço. Tenho 43 fotos do meu tempo de Guiné em Cantinho do Fernando: O neu cantinho na Internet...

2. Que belo dia passado ma Ameira, na bela paisagem alentejana. Foi bom ouvir as histórias de cada um, algumas de arrepiar, mas era o nosso dia-a-dia.

Um grande abraço para todos os tertulianos.

Fernando Chapouto

Guiné 63/74 - P1177: Encontro da Ameira, Montemor-o-Novo, em 14/10/2006 : foi bonita a festa, pá!... A próxima será em Pombal (Luís Graça)


Montemor-o-Novo > Ameira > 14 de Outubro de 2006 > O grupo de tertulianos fotografados, por volta da 13h, antes do almoço no Restaurante Café do Monte, na Herdade da Ameira. Ainda não tinham chegado todos...

Mas vejamos quem estava naquele momento, da esquerda para a direita:


(i) na primeira fila, António Baia (de óculos escuros, enfermeiro num pelotão de intendência, veio com o Fernando Franco), José Bastos, Pedro Lauret, Lema Santos, Sampedro (foi capitão em Fajonquito, veio com o Manuel Pereira), Manuel Pereira, Aires Ferreira (de óculos escuros), Vitor Junqueira (também de óculos escuros), David Guimarães, José Casimiro Carvalho (de joelhos), Fernando Calado (novo tertuliano, ex-alf mil, CCS do BCAÇ 2852), Tino Neves, Jorge Cabral e, por fim, Luís Graça;


(ii) na segunda fila, Carlos Vinhal, Fernando Franco, Fernando Chapouto, Magalhães Ribeiro, Zé Luís Vacas de Carvalho, Neves (um empresário que veio com outro empresário, o Martins Julião, novo tertuliano, da CCAÇ 2701), Humberto Reis (de óculos escuros), Virgínio Briote, Raul Albino...




Montemor-o-Novo > Ameira > As nossas belas e solidárias companheiras... Infelizmente, não tiveram o tempo de antena que mereciam... Atrás delas, reconhece-se o Fernando Chapouto e o pira de Mansoa (o nosso ranger Magalhães Ribeiro)...

Texto e fotos: © Luís Graça  (2006) . Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Meu caro Paulo Raposo:

Obrigado, por tudo, pela tua hospitalidade, afabilidade, sensibilidade, amizade, camaradagem. A festa foi bonita, pá, mas foi curta, o dia passou-se depressa... É sempre assim, nestas ocasiões, deixando aquele típico sabor a pouco, no corpo e na alma...

Tive pena de ter mais tempo para te conhecer melhor e falar contigo... Se não for antes, para o próximo ano, lá estaremos em Pombal, todos nós, os amigos e camaradas da Guiné. Apreciei a amizade que vocês, a malta da CCAÇ 2405 (tu, o Victor David e o Rui Felício, e as respectivas caras-metades...) têm cultivado ao longo destes anos... Afinal, os nossos amigos e camaradas fazem (ou devem fazer) parte da nossa rede de apoio psicossocial...

Tive pena de teres podido estar presente no nossa pequena reunião, no teu simpático hotel, a seguir ao almoço. O restaurante Café do Monte não tinha condições (físicas e acústicas) para pôr cinquenta e tal pessoas a falar… O teu hotel foi, de facto, mais acolhedor… E quanto à paisagem circundante, só tenho a dizer que era serena e familiar... Como tu nos fizeste lembrar, há semelhanças por exemplo entre o pôr do sol de África e do teu Alentejo (de adopção, já que nasceste em Oeiras)...
E a propósito, obrigado por me teres explicado por que é que o Brigadeiro Nascimento e esposa faziam da sua casa em Bissau, a Casa de Oeiras... Mancebo de Oeiras, em trânsito por Bissau, pernoitava, almoçava e jantava lá: é que os Nascimento eram de Oeiras ou viviam em Oeiras e conheciam todo o mundo e todo o mundo os conhecia.... A hospitalidade era, então, uma regra de ouro, nessa Oeiras que tinha a dimensão humana que já não tem hoje. Claro que tu, ficavas no Grande Hotel mas não podias fugir as obrigações sociais do almoço e do jantar...


Montemor-o-Novo > Ameira > Hotel da Ameira > Não foi fácil pôr os meninos e as meninos sentados/as, caladinhos/as, nas cadeiras... para a nossa primeira... assembleia geral!... A excitação de estarmos juntos pode explicar esse comportamento típicos dos primatas sociais que nós também somos, segundo a classificação dos zoólogos...

Entretanto, o nosso baladeiro de Bambadinca, o Zé Luís (Vacas de Carvalho, natural de Montemor-o-Novo, uma terra que não deu para descobrir, mas que é hoje uma das mais dinâmicas do Alentejo, até do ponto de vista da criação artística e da animação cultural), não se esqueceu da sua viola (que saudades!) e esteve incansável o resto da tarde, tendo feito as honras da casa, na tua ausência...


2. Na única qualidade que eu podia legitimamente invocar, a de criador e editor do nosso blogue, puxei da palavra para agradecer a todos os que quiseram e puderam aparecer na Ameira para este primeiro encontro (geral) da nossa tertúlia... Não foram muitos nem poucos: apenas um 1/3 dos nossos tertulianos, a que há a somar as acompanhantes, num total de cerca de 56 ou 57 pessoas, ao almoço…

Juntaram-se ainda ao grupo, depois do repasto (que de facto não foi de lebre com feijão como o IN fez constar perfidamente por aí…), o Sérgio Pereira e a sua simpatiquíssima esposa, alentejana como ele (e que de resto irá depois dar luta ao Vacas de Carvalho, com o seu impressionante rol de cantigas que ela sabia de cor e salteado…).

De passagem, diga-se que o Sérgio Pereira faz parte dos órgãos dirigentes da Apoiar, a associação de apoio aos ex-combatentes vítimas de stresse de guerra... Amigos e camaradas: temos que falar abertamente deste problema, no nosso blogue...porque a verdade é que a guerra continua dentro de nós, para usar uma ideia-forte desta associação, cujo trabalho merece ser mais divulgado e acarinhado por todos nós...


Carlos Marques dos Santos

Falemos agora do Carlos Marques dos Santos (CART 2339, Mansambo, 1968/69), o qual merece uma palavrinha de apreço, porque foi ele o nosso major de operações… Confidenciou-me que a sua Inês, a conhecida cantora Inês Santos, natural da belíssima Cidade do Mondego, chegou a oferecer-se para nos vir, à Ameira, alegrar a alma com a sua música, a sua poesia e a sua juventude… É uma ideia para a explorar proximamente...

É bonito associarmos os nossos filhos, discretamente, a estas iniciativas… O único – se não erro – que levou um filho (ou melhor, a filha) foi o Vítor Junqueira. Numas palavrinhas de aquecimento (inicial) que eu dirigi à nossa tertúlia, já depois do almoço, lembrei quão difícil é, ainda hoje, falarmos, aos nossos filhos e às nossas mulheres, da Guiné, da nossa experiência pessoal, única e intransmissível, que foi a guerra colonial na Guiné… (Infelizmente, não houve tempo depois para ouvir o seu ponto de vista, mas em Pombal, no próximo encontro, é absolutamente imprescindível que a gente se cale e lhes dê a palavra)...


Vítor Junqueira

Foi o mesmo Vítor Junqueira quem, nesta primeira assembleia-geral (e por isso histórica… mas informal, espontânea, sem actas, sem agenda) da nossa tertúlia, disse uma coisa, sentida, sincera, mas porventura insólita (para alguns) e até politicamente incorrecta (eventualmente para outros):
- Vim de França (onde os meus pais eram imigrantes) cumprir, voluntariamente, o serviço militar, escolhi voluntariamente a especialidade de atirador de infantaria e ofereci-me voluntariamente para ir à Guiné… Deixem que vos diga que foram os dois melhores anos da minha vida!...

Já há tempos o Vacas de Carvalho tinha deixado, na tertúlia, essa mensagem (positiva),que eu vou citar de cor:
- Por mim recordo só o melhor da Guiné: os amigos, os camarados, uns copos, uns passeios, algumas bajudas…


Paulo Santiago

Na Ameira, a logística era simples, o programa flexível, e a tarde foi proveitosa, naquele sentido em que todos puderam estar com todos, mesmo que por pouco tempo… É claro que fica sempre a sensação (algo culpabilizante) de que não falámos o suficiente com todos e cada um… Eu, pessoalmente, não tirei tantas fotogarafias quanto eu gostaria ou esperava ter tirado, porque muito simplesmente não dá para tirar chapas e conviver, ouvir estórias, escutar, abraçar, tirar notas, receber álbuns fotográficos e vídeos... Mas havia mais fotógrafos: a simpática e discreta filha do Vitor Junqueira (que é hoje médico, em Pombal), o Carlos Fortunato (que é informático e vai à Guiné no próximo dia 17 de Novembro, por coincidência, no mesmo e avião em que viaja o José Bastos: fui eu quem os apresentei um ao outro... Sem esquecer a esposa do Manuel Lema Santos e ele próprio...

Uma especial saudação para os amigos e camaradas que vieram de mais longe, do Norte: de Ovar e do Porto, respectivamenet, o Ernâni Acácio e o António Pimentel, da CCS do BCAÇ 2851 (1968/70); da Maia e de Matosinhos, respectivamente, os rangers Casimiro Carvalho (o nosso herói de Gadamael) e o Magalhães Ribeiro (o pira de Mansoa); de Espinho, o David Guimarães (um dos nossos mais antigos tertulianos, com o Sousa de Castro e o Marques LOpes); de Matosinhos, também veio o Carlos Vinhal, sempre discreto mas atento e observador…

Veio também malta do Centro: o Aires Ferreira, o Paulo Santiago (Águeda), o Martins Julião (hoje, empresário), que também trouxe com ele o Neves, um jovem empresário com negócios na Guiné-Bissau… Desculpem-me, se me esqueço de alguém, ou se a memória me atraiçoa...


Casimiro Carvalho


Carlos Vinhal


Neves, empresário com negócios na Guiné-Bissau


Virgínio Briote, folheando o livro do Rui A. Ferreira, "Rumo a Fulacunda"


António Baia e Fernando Franco

De Lisboa, da Grande Lisboa, veio o resto da maralha, incluindo alguns periquitos como o Fernando Calado… Os que falharam ao encontro, por uma ou outra razão de última hora, foram poucos: o Ismael Augusto, o Torcato Mendonça, o Manuel Rebocho… Claro que sentimos a sua falta.


3. Das ideias (fortes) que foram postas a circular, na nossa pequena reunião de pós-almoço, fica aqui um resumo:

(i) A tertúlia pode e deve já pensar em tirar partido dos ricos conteúdos já inseridos no blogue, e nomeadamente começar a produzir… blooks (livros impressos, que entram no circuito livreiro, e que são resultado dos materiais inseridos num blogue, individual ou colectivo) (Pedro Lauret);

(ii) Pombal é um bom sítio, um sítio central, em termos de equidistância do Porto e de Lisboa, para a realização do próximo encontro da tertúlia (Vítor Junqueira);

(iii) Haveria um crescente número de ex-combatentes que amaram e continuam a a Guiné e o seu povo, dispostos a ajudar, de maneira efectiva, concreta e solidária, o desenvolvimento daquele país, sendo importante para esse efeito canalizar essas ajudas (financeiras ou outras) para uma organização não-governamental (ONG) que seja credível (António Pimentel);

(iv) O Carlos Oliveira Santos, que foi furriel no CCAÇ 2701 (Saltinho, 1970/72) evocou o seu amigo Rui Alexandrino Ferreira, que foi comandante da CCAÇ 18, em Almeida Formosa, e tem um livbro notável sobre a sua experiência de guerra, Rumo a Fulacunda (já aqui, de resto, recenseado)… Um exemplar do livro circulou pelos presentes. O seu autor está, infelizmente, a passar por alguns problemas de saúde;

(v) Não esqueçam os nossos camaradass mortos e enterrados na Guiné, foi outra das ideias que mereceu o aplauso dos presentes;

(vi) Um momento alto do encontro – segundo a opinião do José Martins – foi a evocação da LFG Orion por parte do ranger Casimiro Carvalho: foi através do nosso blogue que ele soube, trinta e três anos depois, que, além dos paraquedistas, houve outros anjos da guarda no princípio do mês de Junho de 1973, a guarnição da LFG Orion, representada na nossa tertúlia e no encontro da Ameira pelo comandante Pedro Lauret, na altura oficial imediato do navio;

(vii) Também houve emoções e lágrimas, dando a este nosso primeiro encontro um toque humano especial… Quem disse que os homens não choram, é por que não percebe nada de humanidade...

Foi bonito, pá! Curto, quiçá…

Espero voltar às terras do Rei Almançor, às tuas terras, Paulo.

Luís Graça, fundador e editor do blogue

4. Para memória futura, aqui fica a lista (sujeita a ratificação por parte do nosso major de operações, o CMS, o Carlos Marques Santos, coorganizador do encontro) dos presentes na Ameira (nem todos couberam na fotografia e começo por pedir desculpa se falho o nome de alguém):

António Baia (Amadora) (novo tertuliano, pertencia à Intendência);
António Pimentel (Porto):
António Santos e esposa (Caneças / Loures);
Aires Ferreira (região centro);

Carlos Fortunato e esposa (Lisboa);
Carlos Marques dos Santos e esposa (Coimbra);
Carlos Oliveira Santos (Coimbra) (novo tertuliano, CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72);
Carlos Vinhal e esposa (Matosinhos);

David Guimarães e esposa (Espinho);

Fernando Calado (Lisboa);
Fernando Chapouto e esposa (Bobadela / Loures);
Fernando Franco e esposa (Venda Nova / Amadora);

Hernâni Figueiredo (Ovar);
Humberto Reis e esposa (Alfragide / Amadora);

Jorge Cabral (Lisboa);
José Bastos (região norte);
José Casimiro Carvalho (Maia);
José Luís Vacas de Carvalho (Montemor-o-Novo);
José Martins e esposa (Lisboa);

Luís Graça e esposa (Alfragide/Amadora);

Manuel Lema Santos e esposa (Massmá / Sintra);
Manuel Oliveira Pereira e esposa (Lisboa);
Martins Julião e esposa (Oliveira de Azeméis ?);

Neves, empresário em Bissau (de que só sei o apedlido...)

Paulo Raposo (Ameira / Montemor-o-Novo);
Paulo Santiago (Águeda) ;
Pedro Lauret (Lisboa);

Raul Albino (Lisboa);
Rui Felício (Lisboa);

Sampedro (novo tertuliano, ex-capitão, que julgo ter pertencido ao BCAÇ 3884 , Bafatá, Contuboel, Geba e Fajonquito, 1972/74)
Sérgio Pereira e esposa (Lisboa);

Tino (ou Constantino) Neves e esposa (Laranjeiro / Almada);

Vitor Junqueira e filha (Pombal);
Victor David e esposa (Coimbra);
Virgínio Briote e esposa (Lisboa).

[Este poste foi reeditado em 18/9/2017: as imagens utilizadas estavam originalmente alojadas da nossa conta do Photobucket, cujas condições de subscrição foram recentemente alteradas. Estamos a recuperar esssas fotos e vídeos, cerca de 2 centenas. Pedimos desculpa pelo incómodo aos nossos leitores e autores]. (LG)

sábado, 14 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1176: XI Encontro de Ex-Combatentes da Guiné da Freguesia de Guifões, Matosinhos (Albano Costa)


Texto e foto: © Albano Costa (2006)

Caro Luís Graça:

O Dia 5 de Outubro tem sido o dia dos ex-combatentes da Guiné da Freguesia de Guifões (Matosinhos), desde o ano de 1996, data do I encontro. Este ano foi celebrado o XI, na localidade de Martingança, perto de Leiria.

O restaurante Solar dos Noivos acolheu 94 pessoas que se fizeram deslocar em dois autocarros: é que a festa também era dos familiares dos 36 ex-combatentes, que se reuniram para confraternizar e recordar um pouco o que foi o seu período em que estiveram na guerra colonial, na Guiné.

É sempre um momento alto na vida de ex-combatente o reencontro (anual) com os seus camaradas de armas. Como devem calcular, fala-se de tudo um pouco num ambiente salutar e de grande camaradagem. Para aqueles que gostam de um pé de dança, e que são muitos, não faltou um grupo musical para animar a malta.

De salientar que sempre tem estado presente nestes encontros o pároco da freguesia de Guifões, visto que também foi combatente na Guiné, embora como capelão. Também marcou presença o presidente da Junta de Freguesia de Guifões, o que muitos nos orgulhou a todos: como aconteceu nos anos antreiores, ofereceu uma lembrança aos presentes , para comemorar o dia.

Um abraço,
Albano Costa

Guiné 63/74 - P1175: Uma Chaimite no Cacheu (Albano Costa)

Albano Costa, ex-1º Cabo, CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74. O nosso fotógrafo de Guifões, um apaixonado da Guiné e das suas gentes. Com muita pena dele, não poude estar hoje no encontro da nossa tertúlia, na Ameira, em Montemor-o-Novo, devido a compromissos profissionais.

Texto e foto: © Albano Costa (2006)

Caro Luís Graça:

Sobre as Chaimites (1): só uma única vez a minha companhia teve a companhia de uma Chaimite, foi quando saimos do Cumeré com destino a Bigene e Guidage (2) nunca tivémos Chaimites nas nossas colunas.

Albano Costa
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:



(2) O nosso querido amigo e camarada Albano diz-me que não consegue escrever Guidaje com "j"... Sempre escreveu Guidage e continuará a fazê-lo... Porém os nossos cartógrafos militares escreviam Guidaje... Tenho visto as duas grafias. Ainda não tenho uma opinião definitiva sobre o assunto, mas inclino-me mais para a grafia dos Serviços Cartográficos do Exército: são uma fonte autorizada (vd. carta de Guidaje, 1954).

Guiné 63/74 - P1174: Três homens de Guileje: Nuno Rubim, Zé Neto e Pepito (Luís Graça)

Lisboa > Universidade Nova de Lisboa > Escola Nacional de Saúde Pública > 13 de Julho de 2006 &gt Visita de cortesia e reunião de trabalho do Pepito (AD - Acção para o Desenvolvimento) - na foto, ao centro - e dois dos amigos que o apoiam no seu Projecto Guiledje: O capitão Zé Neto (à esquerda) e o coronel Nuno Rubim, especialista em história da artilharia (à direita). Os três são membros da nossa tertúlia. O anfitrião fui eu.

Almoçámos juntos (tivémos a agradável surpresa da visita, embora rápida, do José Martins, que trabalha no MARN e que passou pela Av Padre Cruz a caminho do médico para uma consulta de rotina). Fizemos o ponto da situação do Projecto Guiledje, contámos histórias, conhecemo-nos pessoalmente (do grupo, eu só conhecia o Pepito), embora já tivesse falado ao telefone com o Zé Neto e o Nuno Rubim.
Estes são três camaradas que, por várias razões, não estarão amanhã na Ameira, Montemor-O-Novo, com alguns de nós. Cabe-me aqui lembrá-los e saudá-los, como de resto a todos os outros que não podem estar, sem esquecer os nossos queridos amigos e camaradas do Norte (o Zé Teixeira, o Marques Lopes e o Xico Allen acabam de me desafiar para ir comer, num conhecido restaurante guineense, um chabéu de galinha no feriado de Todos os Santos, na hipótese de eu ir lá cima nessa altura)...

Só agora faço referência a esta reunião com os nossos homens de Guileje, por meras razões de oportunidade. Depois desta reunião, temos trocado alguma correspondência via e-mail. Como já é do conhecimento da tertúlia, o Nuno Rubim está a ajudar o Pepito na árdua tarefa de reconstrução do aquartelamento de Guileje, para efeitos museológicos. Está prevista a elaboração de um diorama (1). O Zé Neto, por sua vez, tem fornecido ao Pepito precioso material fotográfico do tempo em que passou por Guileje, com a sua companhia (

Zé Neto (ex-2º sargento da CART 1613, Guileje, 1967/68, hoje capitão reformado). O veterano da nossa tertúlia, dotado de invejável energia e de uma memória fabulosa.

Pepito, director executivo da AD, e grande animador do Projecto Guiledje.

Nuno Rubim, ex-capitão da CCAÇ 726, Guileje, 1964/74, um dos oficiais mais condecorados da Guiné (onde fez duas comissões), hoje coronel na reforma e historiador militar. Teve a gentileza de me oferecer um das suas publicações, além de um CD-ROm com os seus trabalhos. Um dia destes prometo falar um pouco mais do currículo académico deste homem que é um poço de estórias e de cultura... Há dias dizia-me o Pepito a propósito do Nuno Rubim que se ofereceu para fazer, com o Teco e o Guedes, a reconstituição em maquete do quartel e tabanca de Guileje, incluindo um diorama de Guileje aquando da sua retirada pelas NT (Maio de 1973): - Eh, pá, o Rubim é uma máquina!...
Fotos: © Luís Graça (2006). Direitos reservados.
___________

Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P1173: A fortificação de Guileje (Nuno Rubim, Teco e Guedes, CCAÇ 726)

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Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 > 1964/65 > Aspectos dos trabalhos de fortificação do aquartelamento e tabanca. Fotos do Teco, que chegaram às mãos do Nuno Rubim, via Guedes, militares da CCAÇ 726...
Fotos: © Nuno Rubim (2006)

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Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > Planta do quartel em 1966. Reconstituição de Nuno Rubim, coronel de artilharia, na reforma (1). Realização plástica de Carlos Guedes. UM e outro fizeram parte da CCAÇ 726 (Guileje,1964/66).

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados (com a devida vénia...).

Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Mensagem de 20 Julho de 2006, enviada por Nuno Rubim (ex-capitão da CCAÇ 726, Guileje, 1964/66, hoje coronel, na reforma, e conceituado investigador na área da história militar) (1) .


(...) Junto te envio duas fotos (há mais) que vieram do Teco, via Guedes . Trabalhos na construção de abrigos, Guileje 1964/65. CCAÇ 726. Podem ir para o blogue.

Para mim são importantes para o estudo comparativo da fortificação em Guileje, que estou a desenvolver.

Portanto só te pedia, quanto tiveres tempo, que colocasses no blogue as perguntas e questões que abaixo menciono.

Um abraço

Nuno Rubim

2. Nova mensagem, enviada pela mesma altura (que coincidiu com as férias de Verão, em Portugal, do Pepito, o fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento) (2):

Caro amigo:

Ontem tive um encontro, de várias horas, com o Pepito, altamente produtivo. E vai haver mais... Só hoje é que ele vai para os Gringos dos Açores (3).

Assuntos mais importantes debatidos:

- A questão dos abrigos enterrados de Guileje. Os de 1966 estão já numa fase adiantada de desenho (tenho trabalhado com o Guedes e o Teco), bem como numa planta do interior do edifício de comando... Pensamos avançar com outros. Afinal a memória de pessoal ainda está, felizmente, muito aproveitável ! E as fotografias estão a aparecer !

- Os de 1971, graças às fotografias que o Pepito me deu, vão começar a ser tratados. Pela leitura que faço (cimento armado) acho que deve ter havido participação do pessoal do Batalhão de Engenharia (mas em que data, ao certo ?). Por outro lado graças à planta à escala que ele me entregou, vai ser possível elaborar não só desenhos parciais, como os planos das maquetes. Vou começar a tratar disso.

- Torna-se necessário obter informações (e fotografias) de pessoal que tenha estado em Guileje entre o final de 1966 e 1970. O Blogue pode ser precioso nesse domínio. O Pepito desconhece o endereço do Cor Coutinho e Lima com quem preciso muito de falar. Sabes a maneira de o contactar ?

- O Pepito vai-me mandar um CD com a conversa gravada de um dos responsáveis do PAIGC no ataque se 1973. (... ) Está em crioulo (...). Mas, forçosamente, penso que um dia terei de falar pessoalmente com eles, no terreno e com um mapa ( o IGeoE, onde fui hoje de manhã, prometeu-me tudo o possível (e impossível ... ) no âmbito da cartografia... Ah ! grande Artilharia !... e depois dizem que eu sou chauvinista !!! ...

E por agora é tudo.

Um abraço

Nuno Rubim

3. Observações posteriores (N.R.):

Acho que podes referir que as investigações preliminares levam à conclusão de que o aquartelamento sofreu modificações quase constantes ao longo da sua existência e que nesta altura seria importante contactos com malta que estivesse estado lá entre o final de 1966 e o final de 1970 (4). Também se porventura há algum militar da Engenharia que tenha lá estado, porque em data ainda não averiguada, talvez por volta de 1971, foram reforçados ( ou construídos de raiz ? ) alguns abrigos em cimento armado.

E fotografias dessa época também seriam, obviamente, muito benvindas.

Quanto a mim gostaria de contactar o Cor Coutinho e Lima e outros camaradas da altura do ataque de 1973 (5).
E ainda há essa estória do bombardeamento mandado executar pelo Gen Spínola... Deve ser um dos mistérios mais bem guardados até hoje ... Qual o objectivo, que meios foram utilizados, como teria sido encarado, no planeamento, a hipótese da utilização por parte do PAIGC de mísseis Strela, etc.., etc ... ?

Um abraço
Nuno Rubim

4. Comentário de L.G.:

Nuno: Vejo que o projecto Guileje está a avançar, com o entusiasmo e a competências de pessoas fantásticas como o Pepito, tu, o Teco, o Guedes… Parabéns à artilharia!.

________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P870: Ideias para um diorama do quartel ou quartéis de Guileje (Nuno Rubim)

(2) Vd. post de 6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1158: AD anuncia para 2008 simpósio internacional 'A memória de Guiledje na luta pela independência da Guiné-Bissau'

(3) Vd. post dde 10 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1162: Guileje: CCAÇ 3477, os Gringos Açorianos (Amaro Munhoz Samúdio)

(4) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973

(5) Vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1172: Uma Chaimite no Xime (Sousa de Castro)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) > O Sousa de Castro em cima de uma Chaimite

Foto: © Sousa de Castro (2006)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime> 1969: A LDG (Lancha de Desembarque Grande) 105 pronta a descarregar mais um contingente de tropas no cais do Xime, a caminho da Zona Leste. O Geba Estreito, a partir do Xime, só agora navegável através de LDM e LDP.

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.


Guiné > Estrada Bambadinca-Bafatá > 1969 > Coluna da CCAÇ 12, a caminho de Bafatá, vendo-se ao fundo uma AM (autometralhadora) Daimler, do Pel AM Daimler 2046, instalado em Bambadinca, e que era comandado nesse tempo pelo Alf Mil Cav J. Vacas de Carvalho, nosso tertuliano de Montemor-O-Novo.

Nessa época, a estrada Bambadinca-Bafatá era uma das poucas, na Guiné, que estava alcatroada. Para nós, era uma verdadeira autoestrada, originando acidentes (e alguns graves) por excesso de velocidade. Entre Junho de 1969 e Março de 1971, não me recordo de qualquer actividade da guerrilha neste troço: mina, emboscada, flagelação à distância...
Ainda no nosso tempo, deu-se início à construção da nova estrada (alcatroada) Xime-Bambadinca. Este troço entre o Xime e Bafatá era de grande importância estratégica para os transportes terrestres na Zona Leste (Bafatá e Gabu) ... Na admira, por isso, que as Chaimites passassem a substituir as velhinhas Daimler no tempo do Sousa de Castro (1972/74)... Fora das estradas alcatroadas, nas terríveis picadas da Guiné, praticamente intransitáveis no tempo das chuvas, não creio que as Chaimites se tenham aventurado, com as suas seis toneladas e a sua blindagem que não oferecia protagem contra o RPG-2 ou o RPG-7... Segundo o Pedro Monteiro (1), poucas viaturas destas terão sido utilizadas no ultramar (LG).
Foto do arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).
Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Guiné > Canjadude > 1973 > Restos de uma autometralhadora Daimler no itinerário entre Canjadude e o Rio Corubal (Cheche) ...
Fonte: João Carvalho / Wikipédia > Guerra do Ultramar (2006) (com a devida vénia...)


Mensagem do Sousa de Castro, com data de hoje.

Em referência ao post do Pedro Monteiro (1):

Tanto quanto sei, no meu tempo (Guiné 1972/1974, CART 3494) as Chaimites faziam escoltas. Vinham muitas vezes de Bafatá (que era aí que se encontrava o esquadrão de cavalaria) até ao Xime, com a missão de escoltar Batalhões ou Companhias que aportavam no cais do Xime, provenientes de Bissau, via Rio Geba.

Convém referir que o estrada Bambadinca/Xime. Creio que estavam equipadas com uma metralhadora HK 21 e dois tripulantes, o condutor e o homem da metralhadora.

Sousa de Castro (ex-1º cabo Radiotelegrafista, CART 3494, Xime e Mansambo, Jan 1972/ Abr 1974)
_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1169: A nossa Chaimite no Ultramar (Pedro Monteiro)

Guiné 63/74 - P1171: Abel Rodrigues, o primeiro ex-oficial miliciano da CCAÇ 12 a entrar para a nossa tertúlia

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Messe de Oficiais > 1969 ou 1970 > O Abel Rodrigues, com o seu ar sereno de menino bem comportado, bem podia ter sido o 13º apóstolo da última ceia de Cristo, representada na tapeçaria da parede... Aliás, olhando-nos em retrospectiva tínhamos todos caras de meninos... Bom, o Abel acaba por ser o primeiro dos quatro oficiais milicianos da CCAÇ 12 a entrar para a nossa tertúlia. Ou melhor, dos três que estão vivos, incluindo o Carlão e o Moreira. Havia um outro Rodrigues, que infelizmente já faleceu. Para mim, enquanto criador e editor deste blogue (colectivo), é uma dupla alegria receber um novo membro da tertúlia, que para mais foi meu camarada de armas na mesma unidade, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971).

Foto: © Abel Rodrigues (2006). Direitos reservados.


1. Há tempos, recebi notícias do transmontano Abel, em email de 24 de Setembro de 2006. Ele escreveu-me a propósito do delicado tema, então em discussão, dos restos mortais dos nossos camaradas que ficaram espalhados pela Guiné:


Caro amigo:

Para além de te saudar, quero informar-te que passei, recentemente, a ser um leitor assíduo do nosso blogue.

Da leitura do trecho do Manuel Rebocho, pareceu-me que precisais da autorização dos familiares para a trasladação dos restos mortais. Como há dois do concelho de Vimioso, eu posso tentar essa autorização, pois vivo relativamente perto e em Vale de Algoso passo mais que uma vez por semana em viagem para a minha aldeia.

Um grande abraço.
Abel Rodrigues


2. Respondi-lhe imediatamente, nestes termos:

Grande Abel!... Não imaginas a alegria que me dás, nos dás!... O Beja Santos tem falado em ti, assim como o Humberto Reis (que é meu vizinho, aqui de Alfragide). Com tempo, dou-te mais notícias. Vamos fazer um pequeno encontro, no dia 14 de Outubro, na Herdade da Ameira, Montemor-O-Novo, que pertence ao ex-Alf Paulo Raposo (CCAÇ 2405, Galomaro, Dulombi, 1968/70).

Da nossa CCAÇ 12, em princípio estaremos só nós dois, o Humberto Reis e eu (o Henriques, ou melhor, Luís Graça). Os teus ex-camaradas alferes da nossa companhia ainda não deram sinais de vida (o Rodrigues morreu, como sabes). Na tertúlia, há uma séria de malta do nosso tempo e do nosso sector, como podes ver em, consuktando a respectiva página.

Sei que está reformado, como bancário. Eu ainda estou activ(íssim)o. Aparece mais vezes, manda-nos umas chapas, e conta-nos as tuas andanças...

Agradeço as tuas dicas sobre a trasladação de restos mortais dos nossos camaradas (que estão espalhados por mais de 600 sítios da Guiné, segundo informação de um dos nossos tertulianos). Vou-te pôr em contacto com o resto da malta: somos mais de 100, e formamos já a maior caserna virtual na Net, blogando sobre a experiência (única) da guerra na Guiné, entre 1963 e 1974...

Junta-te a nós!
Um abração!

3. Acabo de receber hoje, dia 13, sexta-feira, o seu pedido, formal, para fazer parte do nosso grupo. Aqui fica, pois, apresentado o nosso querido amigo e camarada Abel... Que o resto da nossa tertúlia seja generoso nas suas boas vindas a este seu novo membro...

Quero dar-te os mais sinceros parabéns pela excelente iniciativa que tiveste em manteres vivo aquele espírito de camaradagem e solidariedade que tão bem soubemos cultivar na nossa juventude e quão útil nos foi para concluirmos com êxito as enormes responsabilidades que nos impuseram.

Quanto à minha vida, penso que estás mais ou menos actualizado pois tenho mantido contactos com o Humberto e o Tigre de Missirá.

Tenho visto também o Carlão, a quem informei destes nossos contactos. Vou mandar uma foto antiga. Brevemente enviarei uma actualizada.

Um grande abraço
Abel

Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança

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Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > Depois da sua primeira saída para o mato, em Novembro de 1970, o Alf Mil Santiago aprendeu, intuitivamente, o significado etimológico da palavra líder, "aquele que vai à frente mostrando o caminho". Nesta ffoto, tirada posteriormente (talvez já em 1971) , vê-lo na estância balnear do Saltinho, "preparado para o banho com o Morna, soldado balanta".


Foto: © Paulo Santiago (2006) . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Texto do Paulo Santiago, enviado em 26 de Setembro de 2006.

Luís: Continuo hoje a lembrar as vivências no Saltinho quando estava adido à CCAÇ 2701.
Paulo Santiago, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) (1)

Estamos emNovembro de 1970. A minha primeira saída do quartel com o Pel Caç Nat 53 foi numa coluna, na sexta-feira, após a minha chegada, ao Xitole, para levar o Alf Mil Mota, meu
antecessor no 53, que ia apanhar a avioneta para Bissau. Estas idas ao Xitole eram praticamente semanais, só não o eram, quando era a malta do Xitole a ir ao Saltinho.

Também nestes primeiros dias de Novembro foi um heli ao Saltinho, buscar,por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em Dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri (2), soubemos à posteriori.

Em meados de Novembro, o Alf Mil Julião, na altura a comandar a companhia [,a CCAÇ 2701,] na ausência do Cap Clemente, em férias, chamou-me ao gabinete para me informar de um
patrulhamento que teria de fazer no dia seguinte. Sairia do quartel às 05.00 em coluna auto até Cansonco, donde seguiria a pé, ladeando o rio Pulom, até encontrar o carreiro dos
djilas continuando para Madina Buco. Não deveria ter problemas, era mais para me ambientar ao mato, informou-me.

Antes da saída às cinco horas foi a confusão,seria habitual, com a distribuição das rações. Eram os islamizados, em maioria, a quererem trocar as latas com carne de porco por outras com carne de vaca. Como não o conseguiam dentro do grupo, chateavam o vagomestre. O Fur Mil Duarte, mais antigo, lá orientou as trocas. Eu estava debaixo duma enorme tensão, não tinha dormido nada, imaginando os piores cenários, conhecia ainda muito mal os meus homens, não conseguindo chamá-los pelo nome. Estava com o buraquinho muito apertado.

Chegámos a Cansonco, onde estava destacado, naquela data, o 1º Pelotão da 2701, comandado pelo Fur Mil Josué, visto o Alf Julião estar no comando da companhia. Preparámo-nos para iniciar o patrulhamento. Sentia-me cada vez mais tenso. Começámos a andar com a secção do Duarte à frente, metendo-me eu aí no oitavo ou nono lugar da bicha de pirilau.

A mata impunha-me receio e, confesso, o meu comando naquele dia era incipiente, tinha quinze dias de Pel Caç Nat 53, era um periquito muito imaturo.

Tudo ía correndo sem incidentes, mas sentia-me cansado, a arma e os carregadores pesavam imenso, o calor e a humidade sufocavam. Fizemos um alto para descansar e comer um pouco da ração. Reiniciámos o patrulhamento e, passado pouco tempo, apanho um grande susto. Parece-me que todos os militares à minha retaguarda embalam a correr, ao mesmo tempo gritam nhac nhac nhac nhac. Corro também, procurando que alguém me diga o que se passa. Ninguém me responde. Sei de imediato o que está a acontecer, quando sinto o zumbido de abelhas junto aos ouvidos. Corremos mais uns metros e paramos. Estou estoirado. Continuamos a patrulha, com o pessoal a andar cada vez mais rápido.

Estão a experimentar-me. Chegamos ao fim da tarde a Madina Buco. Estou todo roto.

Aprendi a lição. A partir daquele dia ía sempre em segundo lugar e houve logo vários soldados que disputavam o terceiro e primeiro lugares. Intitulavam-se os meus guarda-costas.

Se não tivesse tomado a decisão de andar sempre na frente (3), nunca mais teria tido mão no Pel Nat Caç 53

Paulo Santiago

_____________

Notas de L.G.

(1) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado


(...) "A CCAÇ 2701, a que estava adido o Pel Caç Nat 53, era comandada pelo Cap Carlos Clemente, sendo comandantes de pelotão os Alferes Mil Julião, Mota, Rocha e Valentim. Havia outro Alf Mil Mota, o comandante do 53, que iria ser substituído por mim, o qual permaneceu no Saltinho unicamente mais três dias, após a minha chegada, tendo tido muito pouco tempo para o conhecer.

"Os meus Furriéis Milicianos eram o Duarte, o Martins e o Malveiro, este substituído passados dois meses pelo Almeida. O grupo de que eu iria assumir o comando era, etnicamente, bastante heterógeneo: havia fulas, balantas, mandingas e beafadas.

"Fui bem recebido, principalmente pelo camarada que ía substituir.

"O Cap Carneiro [, em Bissau,] tinha-me enganado. Não havia quaisquer fragas que servissem de base de fogo aos canhões s/r do IN" (...).

(2) Sobre a invasão de Conacri (op Mar Verde, 22 de Novembro de 1970), vd. entre outros os seguintes posts:

11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça)

22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri)

4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

9 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1088: Pensamento do dia (7): Capitão do Exército Português: 'O filho da p... do Tenente traiu-me miseravelmente' (João Tunes)

(3) A palavra líder, que vem do inglês, e cuja etimologia remonta por sua vez ao saxónico antigo, quer "aquele que vai à frente mostrando o caminho".

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1169: A nossa Chaimite no Ultramar por Pedro Monteiro (Luís Graça)

Véiculo blindado Chaimite 4 x 4, de produção nacional. Foto: Pedro Monteiro > Fonte: www.defesanet.com.br (com a devida vénia...).


Mensagem que recebi de Pedro Monteiro e para a qual peço a melhor atenção dos nossos amigos & camaradas da Guiné.


Caro Luís Graça,

Antes de mais, parece-me útil uma breve apresentação da minha pessoa. O meu nome é Pedro Monteiro e desenvolvo uma actividade de pesquisa de assuntos militares. É, pois, nesta condição que sou colaborador regular e correspondente para Portugal das revistas de actualidade militar Fuerzas Militares del Mundo (Espanha) e Tecnologia & Defesa (Brasil), entre outros projectos.
Nos últimos anos, tenho vindo a pesquisar dados e documentação sobre a Chaimite (e publiquei mesmo um trabalho prévio: vd. Blindado Chaimite 4 x 4 num site brasileiro).
Na realidade, este projecto tem dois fins: a publicação de um artigo aprofundado sobre o desenvolvimento, produção e operação da Chaimite e, eventualmente, uma monografia sobre a mesma (com algum material para apoio aos modelistas).
Deste modo, não pretendo limitar as minhas pesquisas e desejo recolher o máximo de material (seja informações, relatos, fotografias e documentação) que exista acerca da mesma.
Sei, por exemplo, que no Elefante Dundum do Major Cav Mendes Paulo existem bastantes dados para confrontar. Infelizmente, soube do seu falecimento (1) e, portanto, já não será possível contactá-lo a propósito do excelente trabalho de pesquisa que fez e que lança algumas pistas que gostaria de pesquisar e aprofundar.
Entre os seus contactos, conhece alguém que me possa ajudar?
Espero ter deixado claros os meus propósitos com este trabalho. Para o caso de persistir alguma dúvida face à natureza do meu pedido, disponibilizo-me para futuros esclarecimentos por esta via ou outra (93 441 75 34).
Desde já, grato pelo tomado nesta questão.
Com os meus cumprimentos,
Pedro Monteiro
Comentário de L.G.:
(i) No meu tempo e na minha zona (Bambadinca, 1969/71), não cheguei a apanhar a Chaimite na Guiné. Só conhecida a velhinha autometralhadiora Daimler... Pelo menos, não tenho quaisquer recordações da Chainite que, depois, se vai tornar um dos símbolos do próprio 25 de Abril. Recorde-se que foi na Chaimite Bula - que integrava a força comandanda pelo Cap Salgueiro Maia no cerco ao Quartel do Carmo - que o presidente do Governo deposto, Marcelo Caetano, se rendeu e foi transportado sob prisão, para o aeroporto que o levaria à Madeira e depois ao exílio, no Brasil.
(ii) Veículo blindado nacional, a Chaimite teve o seu período áureo - em termos de produção e exportação - depois do 25 de Abril. Mas chegou a actuar no Ultramar, e inclusive na Guiné. Não tenho grande informação sobre o seu comportamento no difícil terreno da Guiné e nas duras condições da guerra que ali se travava. Nas é possível que haja camaradas que possam dar, aqui, em primeira mão, o seu testemunho sobre este veículo blindado que foi desenhado para a guerra de contraguerrilha em África.
(iii) No início de 1972, o ranger Eusébio regista a presença de Chaimites na Zona Leste (3):
(...) "Ali, no Xime, esperava-nos um esquadrão de cavalaria com os blindados Chaimite que nos iriam escoltar até á próxima paragem, Bambadinca" (...) . (LG)
______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 13 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1067: Morreu o major Mendes Paulo (BCAV 2922, Piche, 1970/72) (José Martins)
(2) Vd. post de 27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1119: Um periquito no Saltinho, o ranger Eusébio (CCAÇ 3490, 1972/74)

Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado

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Guiné > Saltinho > Pel Caç Nat 53 > 1971 > O Alf Mil Santiago, de bigode e barrete fula na cabeça, ladeado, à sua direita, pelo 1º cabo Verdete, e à sua esquerda pelos Sold Samba Seidi, bazuqueiro, e Abdulai Baldé, um dos seus fiéis guarda-costas.


Foto: © Paulo Santiago (2006) . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


Texto do Paulo Santiago (ex-alf mil do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1972/73), com data de 19 de Setembro de 2009:


Começo hoje com a primeira mensagem em que irei tentar descrever as minhas vivências com o Pel Caç Nat 53 e a CCAÇ 2701 [abrangendo o período de entrer Outubrod e 1970 e Março de 1972].

Eu, periquito, embarquei em Lisboa em 1 de Outubro de 1970, após escala no Porto(!), S. Vicente e Praia, desembarquei em Bissau a 27 de Outubro de 1970. Fui no navio Alfredo da Silva, onde era obrigatório, ao jantar, até ultrapassar o paralelo das Canárias, ir de casaco e gravata.

Como sempre fui avesso a casacos e, ainda mais a gravatas, tive durante dois ou três dias de vestir a farda nº2, com o respectivo blusão e gravata. Acrescento que os outros três Alferes que me acompanhavam, iam carregados com aqueles apetrechos civis, o que me fez sentir um pouco deslocado na sala de jantar.

Ao desembarque alguém me informou que iria para o Saltinho comandar o Pel Caç NAT 53. Era o anoitecer em Bissau com aqueles cheiros e aquele calor peganhento.

Levava uma encomenda para um Alferes que não conhecia. Era uma daquelas histórias do género Tinha um tio que tinha um amigo que tinha um sócio cujo filho era Alferes em Bissau... o tipo para quem levava a dita encomenda. Estava à minha espera no Biafra. O tal Alferes, nunca mais o vi, estava colocado no QG ( ZIAC-Zona de Intervenção do Ar Condicionado) e instalado com a mulher no Grande Hotel. Convidou-me para ir jantar aquela unidade hoteleira. Não sei se comi bem ou mal.

Apresentei-me no dia seguinte no QG a um Tenente-Coronel. Fiquei a aguardar transporte. Na messe, ao almoço, encontro o Cap Carneiro, comandante da minha companhia de instrução no
1º ciclo em Mafra, que em conversa me informa haver no Saltinho umas fragas onde os turras instalavam o canhão s/r para flagelar o quartel. Aceito como verdade.

Dia 30, apanho um Dakota para Bafatá, durante o voo conheço o Cap Carlos Gomes, comandante da CCAÇ 2700, instalada no Dulombi e, por coincidência, pertencente, ao batalhão de Galomaro, tal como a CCAÇ 2701, instalada no Saltinho.


Guiné > Zona Leste > Bafatá > 1969 > "Aqui mora a cavalaria": slogan à entrada das instalações do Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (1969/71). Imagem (diapositivo digitalizado) do arquivo de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Foi aqui que ficou o Alf Paulo Santiago e o Cap Carlo Gomes.

Foto: © Humberto Reis (2006)


Chegados à segunda cidade da Guiné [, Bafatá] , sem transporte naquele dia para Galomaro, fico juntamente com o Cap Carlos Gomes no esquadrão de cavalaria, onde estava instalada uma companhia de paraquedistas comandada pelo Cap Mário Pinto que passou a noite a tentar assustar-me, o que em parte conseguiu.

De manhã apareceu uma viatura de Galomaro, Unimog 404, para transportar o comandante de Dulombi e onde fui à boleia. No batalhão ninguém sabia que iria chegar naquele dia.Apresentei-me ao comandante de batalhão,Ten-Cor Octavio Pimentel, antigo ajudante de campo do Craveiro Lopes,com posterior passagem pela GNR. O 2ºcomandante era o Major Sousa Teles e o Major de Operações o Batista Mendes, que viria a ser, passados anos, presidente da Liga dos Alcoólicos Anónimos.

O médico do batalhão, excelente pessoa, era o Vitor Veloso, actual presidente da Liga Pottuguesa Contra o Cancro. Passei dois ou três dias em Galomaro,aguardando o heli que me levasse até ao Saltinho, onde cheguei acompanhado pelo Sousa Teles.

A CCAÇ 2701, a que estava adido o Pel Caç Nat 53, era comandada pelo Cap Carlos Clemente, sendo comandantes de pelotão os Alferes Mi. Julião, Mota, Rocha e Valentim. Havia outro Alf Mil Mota, o comandante do 53, que iria ser substituído por mim, o qual permaneceu no Saltinho unicamente mais três dias, após a minha chegada, tendo tido muito pouco tempo para o conhecer.

Os meus Furriéis Milicianos eram o Duarte, o Martins e o Malveiro, este substituído passados dois meses pelo Almeida. O grupo de que eu iria assumir o comando era, etnicamente, bastante heterógeneo: havia fulas, balantas, mandingas e beafadas.

Fui bem recebido, principalmente pelo camarada que ía substituir.

O Cap Carneiro tinha-me enganado. Não havia quaisquer fragas que servissem de base de fogo aos canhões s/r do IN.

Paulo Santiago

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1167: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Candamã, uma tabanca em autodefesa







Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > Candamã > 1969 > O Alf Mil Torcato Mendonça e o seu Grupo de Combate em reforço do sistema de autodefesa da tabanca fula de Candamã, pertencente ao regulado do Corubal.

A população balanta e beafada do regulado estava sob controlo do PAIGC, desde o início da guerra, vivendo ao longo da margem direita do Rio Corubal. A população fula sobrevivia e resistia (mal) em meia dúzia de tabancas, pobres, em decadência, dispersas, a leste da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, nomeadamente depois da contra-ofensiva lançada pelo PAIGC como resposta à grande operação (1300 homens) que foi a Operação Lança Afiada (Março de 1969).

Neste tipo de aldeias, os tugas viviam em condições precárias, como as imagens documentam. Durante o dia, pouco ou nada havia para fazer... A caça era escassa e perigosa. A temperatura e a humidade do ar eram perigosas para o tuga... Vivia-se confinado ao espaço restrito da aldeia e do seu perímetro, demarcado por valas e toscos abrigos para a população, as milícias e os militares. A população local passava mal, não podendo afastar-se para longe para caçar, pescar ou lavrar os seus campos.

Para a própria tropa, havia dificuldades de abastecimento e a dieta alimentar era má. Em geral, os militares eram rendidos ao fim de quinze dias, regressando à sede da sua unidade (neste caso, Mansambo, sede da CART 2339). As tarefas de defesa monopolizavam praticamente todas as energias das NT. A coexistência com a população local era relativamente fácil mas superficial: havia sempre as barreiras étnicas, religiosas, culturais e linguísticas. As autoridades gentílicas eram gentis e hospitaleiras, mas poucos recursos para honrar a tradicional hospitalidade dos fulas.

Para os fulas, nós éramos vistos como aliados. Não éramos tropa ocupante, como acontecia nas tabancas balantas (Nhabijões ou Mero, por exemplo). Mas havia sempre tensão na nossa presença. As tabancas em autodefesa e com reforço das NT tornavam-se um alvo prioritário ou preferencial das acções da guerrilha. Era o círculo vicioso da guerra. Várias tabancas em autodefesa tornavam-se insustentáveis: lembro-me, logo no princípio da nossa comissão (CCAÇ 12), do caso de Moricanhe, Madina Xaquili... Entre ser milícia toda a vida, o jovem fula optava pela integração no exército dos tugas. Sempre dava mais prestígio e... patacão. Em último caso, havia a fuga para os países vizinhos, que eram um prolongamento do chão fula: Senegal, a norte; Guiné-Conacri, a leste e a sul...

Desgraçadamente, depois da independência, este homens que apostaram na aliança (político-militar) com os tugas (régulos, milícias, militares) pagaram uma pesada factura: em muitos casos, a perseguição, a prisão e até a própria vida... Pergunto-me: o que terá sido feito do jovem régulo [do Corubal]?

Observando as fotos do álbum do Torcato Mendonça, registo a nossa tremenda solidão, a existência de dois mundos que dificilmente conseguirão comunicar entre si, e, por fim, o voluntarismo de alguns de nós que, contra ventos e marés, ainda teimam em ser úteis aos guineenses ou, muito simplesmente, tentam cumprir a sua missão civilizadora... Uma escola é sempre uma iniciativa merecedora de aplauso... Mas não chega para justificar a tardia vocação civilizadora (no campo da saúde, da educação, do desenvolvimento...) que alguns de nós tinham a tentação (ou até a secreta esperança) de atribuir ao exército... Eis aqui, por exemplo, a escolinha que o Torcato ou alguém da sua CART 2339 se lembrou, em boa hora, em abrir... (LG).

Fotos: © Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados.


Continuação da publicação do álbum de fotografias do Torcato Mendonça, que ele teve a gentileza de me fazer chegar, pelo correio, através de um CD-ROM. Chamou-lhe fotos falantes (2)

4. Candamã, uma tabanca em autodefesa
Nesta tabanca vivia o Régulo António Bonco Baldé. Era uma pessoa fascinante. Foi empregado administrativo da Casa Gouveia, creio eu, ou da Ultramarina. Educado numa Missão Católica, conheceu, lá ou no emprego em Bissau, o Luís Cabral. Não me lembro.

Quando o pai faleceu, voltou ao seu Chão. Tempos depois, graduaram-no em Alferes de 2ª linha. Quando da visita de Américo Tomás, em 1968, recebeu espada e arreios de Oficial. Mas nunca teve tropa nem entrou na guerra. Ele lá sabia porquê. Sabíamos. Vestia como um Homem Grande Fula, comia na sua morança com as mãos, com os outros homens, e servido pelas suas esposas.

Acompanhei-o poucas vezes. Quando o convidava, comia com o talher. Falávamos longamente. Nunca direi o teor de algumas dessas conversas. Aprendi muito sobre os usos e costumes daqueles povos, sobre a Guerra e sobre a Vida.

Eu era um homem com 24/25 anos, o poder das armas, a deformação imposta por uma instrução dura, a convicção de que só a disciplina e o suor salvavam vidas, a dureza daquela guerra e o peso que quem comanda sente.

As autodefesas eram a forma de, concentrando melhor, defendermos aquela gente. Só que era doloroso para eles abandonarem os seus chãos. Para nós eram ordens e estas cumprem-se. Não fui incorrecto, uma vez, para o António Bonco. Ele compreendeu. Tanto assim que fiz um relatório, depois de relato dele, sobre a ida de muitos homens para a apanha da mancarra no Senegal. Era a exploração colonial daquela gente. Explorados na ida, durante o trabalho e no regresso. O câmbio do franco senegalês pelo peso guinéu era abjecto. Nós militares passávamos ao lado desse comércio…ou outras formas de escravidão.

Infelizmente, quase 40 anos depois temos os africanos em fuga.... e para onde? Saí das fotos falantes…mas África tem que ser discutida. Não é logicamente este o local, nem eu a pessoa indicada. Mas sou cidadão e não abdico a opinar. Estive lá.
_________

Notas de L.G.

(1) Segundo os meus registos, a CART 2339 passou a ter um pelotão (menos 1 secção) em Candamã, a partir de Junho de 1969, e uma secção em Afiá. Em Abril, tinha um pelotão em Afiá. As fprças da CART 2339 vão-se manter nestas duas tabancas em autodefesa, pelo menos até Outubro de 1969. Em 30 de Julho, Candamã irá sofrer um violentíssimo ataque. Recordo-me de ter chegado a Candamã, nessa madrugada, integrado numa força da CCAÇ 12: o cenário era o de um campo de batalha... Desolador. As forças da CART 2339 (1 pelotão) tinham-se portado heroicamente na defesa da tabanca (3).

(2) Vd. post de 5 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu

(3) Vd. post de:
29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)

(...) "Ataque de duas horas a Candamã
"E finalmente a 30 [de Julho], o 3º e 4º Gr Comb seguiram para Candamã a fim de levar a efeito um patrulhamento ofensivo na região de Camará, juntamente com forças da CART 2339 [Mansambo](Op Guita).
"Ao chegar-se a Afiá, pelas 7.30, soube-se que Candamã tinha sido atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer.
"Em Candamã, os dois Gr Comb da CCAÇ 12 procederam imediatamente ao reconhecimento das posições de fogo do IN, tendo estimado os seus efectivos em 60/100 elementos [1 bigrupo reforçado], armado de canhão s/r, mort 82, LGFog, metralhadora pesada 12.7, armas ligeiras automáticas.
"Havia abrigos individuais junto ao arame farpado que fora cortado em vários pontos, tendo o grupo de assalto utilizado granadas de mão.
"Em consequência da reacção das NT e da população organizada em autodefesa, o IN sofrera várias baixas, a avaliar por duas poças de sangue e sinais de arrastamento de dois corpos, além de dólmen ensanguentado que foi encontrado já num dos trilhos de retirada. Foram recolhidas várias granadas de canhão s/r e RPG-2."
"Do lado das NT houve 5 feridos (1 dos quais grave) e da população dois mortos e vários feridos graves, além de danos materiais (moranças destruídas, etc.].
"O facto do IN ter retirado ao amanhecer indicava que deveria ter um ou mais acampamentos a escassas horas de Candamã. A corroborar esta hipótese, o aquartelamento de Mansambo seria flagelado na tarde desse mesmo dia.
"A Op Guita não forneceu, porém, qualquer pista que levasse a detecção do IN na região de Camará" (...).
(...)

30 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969) (Luís Graça)

(...) O ataque a Candamã [, tabanca em autodefesa, atacada durante mais de duas horas até ao amanhecer do 30 de Julho, ] surgiu, de resto, na sequência do recrudescimento da actividade IN no tradicional triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, após a Op Lança Afiada (...).

Guiné 63/74 - P1166: A minha preguiça e a expressão 'Siga a Marinha' (Mário Dias)

Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > 1964 > Op Tridente (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964) > LDM [Lancha de Desembarque Média], da Marinha, desembarcando as NT.

Foto: © Mário Dias (2005).


Mais de quatro décadas depois da Operação Tridente (Ilha do Como, Janeirro/Março de 1964), eis alguns dos elementos que nela tomaram parte, fotografados a 24 de Setembro de 2005, durante o convívio dos Grupos de Comandos que actuaram na Guiné entre 1964/66.

Da esquerda para a direita: (i) sold João Firmino Martins Correia; (ii) 1º cabo Marcelino da Mata; (iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; (iv) fur mil António M. Vassalo Miranda; (v) fur Mário F. Roseira Dias; (vi) sold Joaquim Trindade Cavaco (Os postos, referentes a cada uma, são os que tinham à época dos acontecimentos).

Foto: © Mário Dias (2005)

Recebi há dias notícias do nosso mui prezado tertuliano, Mário Dias (ex-sargento comando, Brá, 1963/66) (1), confessando-se do seu pecado da preguiça, como desculpa (de mau... pecador) para o seu prolongado silêncio (2)... Ele vai voltar a aparecer dentro de dias... Até lá, aqui fica um naco da prosa que ele me escreveu...


Caro Luís:

Antes de mais, mea culpa pelo meu tão longo silêncio provocado por três factores:
1 - Constantes e prolongadas ausências no Portugal profundo. (Que raio de expressão!)
2 - O emergir de novos e qualificados tertulianos com maiores e mais aprofundados conhecimentos sobre a guerra na Guiné sobretudo na sua fase de maior perigo (para as NT) e violência ou seja, a partir de 1969. Como sabes, eu saí de lá em Fevereiro de 1966. Assisti e participei nos primeiros anos dessa guerra, desde 1963, quando, embora já bastante dura e perigosa, não tinha ainda atingido as proporções de (quase) catástrofe (3)
3 - O principal: preguiça.

Quanto a esta, à preguiça, é para mim fonte de grande prazer pois me posso dar ao luxo de a cultivar e usufrui-la em toda a sua plenitude. Não imaginas como é bom alguém poder sentir preguiça e fazer-lhe a vontade!... Porém, a solideriedade e a amizade que se gerou entre nós me leva a que, de vez em quando, me esforce e a sacuda para longe.

(...) Embora sem participar directamente no blogue nos últimos tempos, não tenho deixado de o visitar sempre que possível. Julgo que os textos recentemente publicados têm bastante interesse para o conhecimento da história da guerra na Guiné. A minha colaboração será mais um olhar ao passado dos felizes anos que antecederam o conflito (4), embora também tenha algo que contar sobre a guerra propriamente dita.

Aproveito esta ligeira trégua que a preguiça me concedeu para, também eu, dar a minha opinião sobre a expressão Siga a marinha.

Esta expressão não pode, com rigor, ser atribuida seja a quem for. Pelo menos desde 1950 que a ouço a muita gente e também a utilizo com frequência no sentido de "vamos em frente", "não há azar", "não há problema" , "continuemos".

A origem deste expressão perde-se no tempo. Segundo julgo saber pelo que ouvi nos meus tempos de rapaz, surgiu porque, como todos sabem, nas paradas e desfiles militares em que participam os diversos ramos das forças armadas, a marinha tem precedência por ser o ramo mais antigo e, além disso, por se encontrar em terra - casa natural do exército - tem jus a tratamento preferencial como se de hóspede ou convidado se tratasse. Por tal motivo desfila sempre à frente.

Durante o treino para uma dessas cerimónias (quando, não sei e é possível que seja bem distante no tempo), o oficial encarregado do desenrolar da cerimónia, quando chegou a altura das tropas iniciarem o desfile bradou Siga a marinha.

Também há quem assevere que tal expressão se deve à vaidade do pessoal da marinha que, por desfilarem à frente dos outros ramos das FA, a lançaram no intuito de se superiorizarem. Seja como for, a ninguém pode ser apadrinhada a expressão.

Mário Dias
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Notas de L. G.:

(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCVII: Mário Dias, o nosso homem da Ilha do Como

(2) Vd. último post do Mário Dias > 22 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P893: 'Matchundadi di branco' e outras blogarias em crioulo (Mário Dias)

(3) Sobre a participação do Mário Dias na Batalha da Ilha do Como (de 14 de Janeiro a 24 de Março de 1964), vd. posts de:

15 de Dezembro > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias).

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

(4)Vd. posts de:

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

19 de Fevereirod e 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau