domingo, 25 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I


Guiné > Cartaz de propaganda do exército português. No tempo de Spínola (1968/73), a máquina de propaganda - a APSIC - vai-se tornar mais sofisticada e poderosa, ao serviço de política da Guiné Melhor. O PAIGC ver-se-á obrigado a responder com uma escalada a nível político, militar, organizativo e diplomático (LG).


Foto: © A. Marques Lopes (2005) . Imagem gentilmente cedida por A. Marques Lopes, coronel DFA, na situção de reforma, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967/68) e da CCAC 3 (Barro, 1968/69).




Guiné > Bissau > Brá > 1965 O General Schultz (à esquerda)

Foto: © Virgínio Briote (2005). Direitos reservados.


VIII parte do dossiê O massacre do chão manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*).

1. E-mail enviado pelo Afonso Sousa em 28 de de Novembro de 2006 ao Leopoldo Amado , especialista em historiografia do PAIGC e da guerra de libertação contra o domínio português na Guiné, e membro da nossa tertúlia:

Caríssimo Doutor Leopoldo Amado.

Antes de mais os meus respeitosos cumprimentos. Através do Luis Graça, foi-me dado a conhecer o seu magnífico trabalho, visando a dissecação daquele que se poderá chamar de massacre do chão manjaco.

Dele saem respostas precisas sobre as muitas interrogações que o assunto tem originado e ainda suscita. São respostas que ficam como um contributo precioso para a história deste conflito e deste acontecimento, em particular.

Estas perguntas são pertinentes para uma mais fácil compreensão da origem, evolução e contornos deste trágico acontecimento para as hostes portuguesas. Numa resenha, temos:

1) Qual o objectivo destes encontros, entre beligerantes ?
2) De quantos elementos era composta a nossa delegação para esse encontro ?
3) Este encontro era o último. A que se destinava ?
4) O que falhou do lado do exército português ?
5) Qual o local exacto ou presumível do encontro ?
6) Quem convenceu Spínola a não comparecer ao encontro fatídico?
7) Spínola já tinha estado em algum encontro com o PAIGC ?
8) Onde se realizou o 1º desse encontros ?
9) Que outros encontros são conhecidos ?
10) Os majores trabalhavam em íntima colaboração com o inspector da PIDE em Teixeira Pinto ?
11) Spínola tinha informações junto e dentro da direcção do PAIGC ?
12) Terá havido discrepância de informações entre a PIDE em Teixeira Pinto e a PIDE em Bissau, que justifique o desfecho do Encontro ?
13) O desenlace deste encontro foi uma consequência da existência de contradições no seio do PAIGC ?
14) Terá havido fugas de informação entre os comandantes guerrilheiros do chão manjaco ne apoderadas pela direcção do PAIGC, que justifiquem este repentino recuo ?
15) A tese de que Spínola teria, 2 dias antes deste acontecimento, vindo a Lisboa para uma reunião com Marcelo Caetano, a pedido deste, não tem fundamento ? Ou, realizou-se ainda a tempo de estar na Guiné no dia do encontro com o PAIGC ?
16) Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê ?
17) O objectivo do PAIGC seria mesmo tentar a captura de Spínola ?
18) A selvajaria do comportamento dos guerrilheiros do PAIGC não terá sido acicatado por estes terem verificado que Spínola não estava presente ?
19) Quem foi o autor material das punhaladas que consumaram o massacre ?
20) Quem procedeu ao levantamento dos corpos, no dia seguinte ? A família de um dos massacrados militares refere que um deles foi finado com uma catanada no estômago, outro com decepação da cara (também com catana) e que outro tinha um punhal espetado na zona do coração.
21) Será que este dado é correcto, ou apresenta-se deturpado ?
22) Embora tenha derivado de entendimento prévio, porque terão os majores ido sem segurança e desarmados para este encontro ? As nossas tropas poderiam ter feito uma segurança dissimulada e de proximidade !
23) Que vantagens imediatas para o PAIGC, resultaram deste fim inopinado das negociações ?

Como muito bem diz, uma ou outra resposta não serão a realidade cem por cento concreta mas abordagens muito próximas dela. São hipóteses explicativas plausíveis para o acontecido e constituem-se como um relevante e precioso subsídio para a história. Estou a coligir todas as respostas. Subsistem dúvidas ou não há ainda resposta para as questões 2), 4), 5), 15), 16), 17), 20), 21).

Para além do seu magnífico contributo, realço também as utilíssimas informações de homens que viveram a violenta e dura guerra da Guiné e foram contemporâneos (*) desta que terá sido a maior barbárie cometida pelos independentistas. Deles destaco o João Tunes, o Luis Graça, o João Varanda, o Júlio Rocha e o João Godinho.

Ficamos na expectativa de mais algum esclarecimento seu, principalmente aquele que se prende com a questão Como lidou o PAIGC com este delicado dossiê e que resulta das suas investigações em arquivos (de ambos os lados).

Um sincero agradecimento pelo seu inestimável contributo e pela sua apreciada gentileza.

Um abraço. Afonso Sousa.


2. Depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado, que optou por responder de forma global às questões do Afonso. Vamos reproduzir esse depoimento em três partes, devido à sua extensão (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue):

I Parte - De Schultz a Spínola


O consulado de Arnaldo Schultz (1964-1968)

A guerra colonial na Guiné criou sempre imensos problemas ao exército português. Assim, nos 17 primeiros meses da guerra o comando militar foi substituído quatro vezes até a chegada do general Arnaldo Schultz, em Março de 1964. Mesmo com este, a situação era de tal forma difícil que, em Portugal, iniciou-se espontaneamente um debate em que já se discutia de forma clara a hipótese de simplesmente se abandonar a Guiné, dado o elevado custo material e humano que a guerra exigia, agravado ainda pela falta de recursos do território. Porém, o sector conservador do regime, incluindo Salazar, não anuiu a essas ideias e optou-se pela continuidade da guerra, no convencimento de que o abandono da Guiné retiraria a Portugal a justificação para continuar a guerra noutros territórios de África.

A acção de Arnaldo Schultz, como o próprio reconhece, era a de "(…) conquistar uma área de terreno, destruir o inimigo e tirar-lhe a vontade de combater, mas na guerra subversiva não existe nenhum destes objectivos, o que há que fazer é ganhar simpatias, mas a formação militar desse tempo era outra, ou seja, a de alcançar objectivos, em lugar de conquistar vontades. De forma que a nossa actuação não se ajustava ao que se pretendia. A estratégia que pus em prática consistia em ter e controlar áreas determinadas, para que era necessário que as nossas forças conquistassem um terreno e ficassem ali para que outras forças, na mesma área, se ocupassem a procurar o inimigo” (1).

Fundamentalmente, Arnaldo Schultz tentou controlar o Centro-Oeste do território, perdido desde o início da guerra com acções de grande envergadura em Como, Cantanhede, Quitafine, etc., mas que redundaram num tremendo fracasso (2).

Na realidade, a situação militar com Arnaldo Shultz piorou consideravelmente, apesar do aumento significativo de efectivos que passou de 1000 homens em 1960 para cerca de 25 000 homens em 1967, deteriorando-se ainda mais nos primeiros meses de 1968. Disso se faz eco Otelo Saraiva de Carvalho, que, sem rodeios, disse que “ (…) Schultz revelou tanta incompetência militar e governativa e fez tantos disparates que quase levava o PAIGC a vitória sem grandes esforço (…)” (3).


A chegada de António Spínola

Em consequência do agravamento da situação militar para o exército português, Schultz foi substituído por Spínola, que, não obstante as dificuldades de vária ordem, inaugura um estilo novo de abordagem da guerra. Porém, ao tempo da sua chegada a situação caracteriza-se assim: o PAIGC quase controlava todo o Sul do território desde o início das hostilidades. A zona oeste estava igualmente sob o controlo do PAIGC, à excepção do chão manjaco, onde a guerrilha ainda estava na fase pré-insurrecional e só o chão dos fulas, no Leste, se mantinha mais ou menos fiel as autoridades portuguesas, pelo que Spínola imediatamente deduziu que o futuro se jogaria ali.

A estratégia consistia em encetar nessa região uma forte acção psicológica acompanhada de obras socio-económicas, com o objectivo de subtrair o apoio dos manjacos ao PAIGC e, por esta via, contagiar positivamente os papéis, em cuja região se encontra Bissau, asfixiando assim o PAIGC. Acompanhariam ainda esta estratégia acções que, no geral, tinham como objectivo manter as operações militares a um nível secundário de molde a permitir um regular funcionamento da administração, mas com as populações sob controlo das autoridades coloniais, abalar a confiança das populações na propaganda independentista, incentivar o regresso dos refugiados, pondo-os sob a protecção das autoridades coloniais e explorar até ao limite todas as contradições existentes nas fileiras da guerrilha, essencialmente entre os cabo-verdianos e guineenses. Estas acções, no seu conjunto, passaram a constituir o maior desafio político-militar ao PAIGC depois da chegada do general Spínola, nomeado governador em 1968.

Na realidade, este tinha negociado antecipadamente poderes alargados e a sua estratégia político-militar afrontou seriamente o PAIGC, sobretudo pela hábil manipulação de ingredientes políticos e étnicos. A partir de 1969, o general começou por criar uma infra-estrutura de representação política, com poderes consultivos, atraindo para ela um sector importante das elites étnicas, ao mesmo tempo que desenvolvia infra-estruturas sociais e de saúde. Por outro lado, não descurou a vertente étnica no interior do PAIGC e na sociedade guineense, criando e apoian­do organizações nacionalistas anticaboverdianas, e utilizando algumas figu­ras históricas da fundação do partido, como Rafael Barbosa.

Na vertente étnica interna, Spínola e a sua elite jogaram com algum sucesso na promoção dos fulas e de outras etnias menos receptivas à guerrilha. Apesar da adopção a partir de 1969 desse novo conceito no contexto global da guerra, era conferida maior destaque às actividades socio-económicas e psicológicas junto as populações, a ponto de a mesma influir, de certo modo, na estrutura de comando e controle e no dispositivo militar do exército português no teatro de operações.

Porém, a menor extensão geográfica do território, a boa organização e crédito internacional de que gozava o PAIGC, a extensão da fronteira terrestre, a característica alagadiça de grande parte da superfície, com a consequente dificuldade de movimentação, e um inimigo composto por tropas bem armadas e eficientemente enquadradas foram factores determinantes para que, na Guiné, o exército português tenha enfrentado ameaças de vulto, entre outras razões, por que a densidade de ocupação militar era muito elevada e, mesmo assim, sempre se colocou o problema de economia de efectivos (4).


A política da Guiné Melhor e a APSIC


Do lado do PAIGC, o período que se estende de 1964 à 1968 correspondeu a fase de consolidação, aquela em que se dá o alastramento da guerra às outras regiões, atingindo toda a estrutura militar do partido a situação-limite de evolução e exigindo, consequentemente, a passagem a formas de intervenção militar mais elaboradas, mais intensas, ao estilo das guerras convencionais. Foi igualmente neste período de consolidação que largos sectores militares do PAIGC, mesmo as chefias militares, deram mostras de um certo desfalecimento perante a guerra, mercê da intensa e eficaz campanha psicológica (política da Guiné Melhor) desenvolvida pelo general Spínola.

Com a nomeação de António de Spínola, em 1968, para governador e comandante-chefe das Forças Ar­madas na Guiné conseguem as for­ças portuguesas alguns êxitos, principalmente no campo económico e social, retirando ao PAIGC a possibilidade de contro­lar certas populações, que passa­ram a estar reagrupadas em aldea­mentos protegidos por contingentes mistos. A par da política de reordenamento da população é tentado o desenvolvimento socioeconómico. Realizam-se importantes trabalhos públicos e a presença das tropas portuguesas injecta vigor numa eco­nomia enfraquecida Aliás, poucos meses após a chegada de Spínola à Guiné, as hostes do PAIGC ressentiram-se consideravelmente das suas primeiras acções, na medida em que, a partir de Outubro de 1968, muitos dos dirigentes desdobravam-se em acções de reanimação dos combatentes, essencialmente no Sul, onde até alguns comandantes, que estavam desmoralizados com os bombardeamentos, ameaçavam abandonar a guerra.

Porém, a Directiva 65/69, de 13 de Agosto, explicitava que o comando-chefe – depois de um estudo aprofundado, que ainda não havia sido feito anteriormente, sobre o meio étnico, religioso e linguístico, o meio socioeconómico, rural e urbano os resultados das acções de conquista e protecção das populações através de: importantes medidas sanitárias, preventivas e curativas e o apoio a actividades agrícolas e piscatórias – decidiu, como manobra estratégica, constituir o chão manjaco como área fulcral da luta contra a subversão. Reputamos ser esta uma Directiva da maior importância, devido ao facto de a sua execução vir a ser a acção militar de maiores repercussões na condução da manobra estratégica socioeconómica. É nessa região que ocorreu, na sequência dos esforços centrados no chão manjaco, mais concretamente em Teixeira Pinto (hoje Cantchungo) a morte dos três majores.

Nesta última localidade, após a instalação do principal elo de coordenação dos Serviços de Informação e Acção psicológica do exército Português na Guiné, a manobra de guerra passou a ser eficazmente apoiada por uma manobra psicológica que garantir a mentalização e a integração efectiva de todas as forças que lutavam contra o PAIGC na tarefa essencial de conquistar as populações.

Mais de 11 mil armas distribuídas pelo exército à população

Por outro lado, essa conquista assentava mais na conquista dos espíritos (adesão) do que no controlo físico, privilegiando a manobra psicossocial os seguintes eixos principais: dar prioridade, no âmbito da APSIC, às populações controladas, tendo em vista: o incremento e consolidação da sua adesão à causa portuguesa (entenda-se colonial) para a aceitação dos reordenamentos e autodefesa. Actuar psicologicamente sobre as populações em situação de duplo controlo, de forma a conseguir-se anular, pelos factos, a propaganda do PAIGC junto dela, com vista à sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação da sua futura recuperação. Nessa altura, havia pelo menos um total de 11 163 armas distribuídas pelo exército português à população (5).

Privilegiou-se igualmente a actuação psicológica sobre as populações sob controlo inimigo de forma a conseguir-se a sua apresentação ou, no mínimo, a aceitação do duplo controlo. Em relação às forças portuguesas, os serviços de Informação e Acção Psicológica deram prioridade ao esforço de APSIC sobre os quadros e pessoal integrante, por forma a conseguir-se a sua participação na manobra socioeconómica, e a orientação das relações com a população, em todos os escalões executivos, visando a dignificação e promoção do nativo guineense no quadro geral da administração.

Relativamente ao PAIGC, este serviços orientaram doravante todo o seu esforço na dissociação do binário dirigentes/combatentes e na anulação do compromisso ideológico e da determinação de luta dos combatentes do PAIGC, por forma a conseguir o máximo de apresentações de elementos activos a recuperação dos ex-combatentes e a captação dos ainda combatentes.

A APSIC era ainda orientada para o apoio das operações militares, e visava um triplo objectivo: as forças inimigas, os seus quadros políticos e as populações sob sua influência. Já naquela fase em que os departamentos próprios de Acção Psicológica entraram a funcionar em pleno, estas acções passaram a ser planeadas em relação a três fases: antes, durante e depois das operações.


A arma da rádio, em crioulo e nas principais línguas nativas


Em Nhacra, foi instalado um potente emissor e criou-se na rádio o Programa das Forcas Armadas dirigido a toda a população (europeia e africana), que era emitido três horas, semanalmente, em várias línguas nativas (manjaco, fula, mandinga e balanta), além de crioulo, que dispunha de sete horas e meia semanais, sendo este facto importante, uma vez que a língua portuguesa tinha pouca penetração na Guiné. Os programas-tipo foram, essencialmente, orientados para a exploração de temas de contrapropaganda, como: Colóquio, África em Foco, Tua Terra é Notícia, Sete Dias em Foco.

Além do mais, havia ainda os programas radiofónicos em língua francesa, que visavam as massas populares da República da Guiné-Conakry, Senegal e, em especial, de Casamansa, e tem as elites senegalesas e guineenses, com a finalidade genérica de contrariar a noção de isolamento internacional de Portugal e de desacreditar os elementos independentistas. Quanto aos refugiados, a actividade de captação visava o seu regresso à Guiné, explorando os laços familiares, o apego ao chão e as realizações que consubstanciavam a política da Guiné melhor.

Paralelamente a tudo isso, esses programas radiofónicos fomentavam a deserção e contestação no seio do PAIGC e contavam ainda com um serviço técnico destinado a interferir na audição dos programas da Rádio Libertação, do PAIGC, e doutras rádios estrangeiras, sendo ainda apoiados pela imprensa, através das revistas Panorama da Guiné e a Voz da Guiné.

Africanização do exército colonial

Outros expedientes de grande poder em termos de acção psicológica foram utilizados, mormente a graduação de novos oficiais e sargentos africanos na cerimónia do 10 de Junho, a promoção de visitas de entidades e jornalistas estrangeiros, por forma a tentar neutralizar o clima de sucesso que a bem orientada campanha do PAIGC, vinha conseguindo, etc.

Quanto às tropas africanas, deve assinalar-se o esforço notável feito no sentido de se abolir, na realidade da vida diária do serviço, qualquer espécie de diferenciação que pudesse ainda existir, de facto, entre elas e as europeias. Neste aspecto, deve ser citada uma medida de relevante efeito psicológico: a intensificação e alargamento em todos os escalões da miscigenação das unidades com europeus e africanos. Esta africanização dos quadros das forças armadas “ (...) servia também a Lisboa para apoiar a sua propaganda de que a guerra não tinha carácter racial (,..)”. Assim, na Guiné, formaram-se unidades que eram quase só constituídas por naturais do território e também, o comando de africanos, recrutados e instruídos no local e, posteriormente, graduados como oficiais e sargentos.

Libertação de presos políticos

Ainda do ponto de vista da acção psicológica, um despacho de Spínola, datado de Dezembro de 1968, mandou restituir à liberdade quase todos os presos políticos guineenses que se encontravam na colónia penas da ilha das Galinhas. Acto continuo, desencadeia um processo que viria a culminar na libertação, no dia 3 de Agosto de 69, de quase uma centena de outros tantos presos políticos guineenses encarcerados em Bissau e na colónia penal de Tarrafal em Cabo Verde, ao mesmo tempo que anunciava para breve à restituição a liberdade de 16 detidos que se encontravam em Angola. Entre os presos políticos libertados encontrava-se Rafael Barbosa, até então presidente do Comité Central do PAIGC. E essa gigantesca cerimónia é realizada publicamente em frente ao Palácio do Governador, e Spínola, faz um discurso emotivo transmitido em directo pela rádio, aludindo até ao massacre de Pindjiguiti (6), que considera um episódio “dum triste passado que não desejo nem quero recordar”. Mais à frente, acentua uma das suas tónicas preferidas, a do aliciamento psicológico: “Sinto as angústias do bom povo da Guiné, sinto os seus legítimos desejos de uma vida melhor, por isso compreendo os que julgaram bater-se pelo ideal do povo – o ideal do actual Governo da província” (7).

Dentre os presos que usaram da palavra figuram Pascoal D'Artagnan Aurigema, anteriormente libertado Raul Nunes Correia – em representação dos presos da colónia penas da ilha das Galinhas, António Ilídio Lima Silva Ferreira, de Cabo Verde, e Rafael Barbosa, até. Aliás, em Agosto, a Subdelegação da PIDE-DGS de Bissau envia ao director, em Lisboa, uma nota em que assegurava que “ (...) a esta Subdelegação afigura-se de grande relevo a restituição de Rafael Barbosa à liberdade, porquanto a detenção do mesmo servia à propaganda externa do PAIGC para o apresentar como mártir do partido e em liberdade não tem, no presente, qualquer utilidade para o “movimento (.)” (8).

Após municiosa elaboração pelos serviços do Gabinete do comando-chefe e da PIDE-DGS de um texto que Rafael Barbosa deveria ler em público, este acabou por fazê-lo (9), afirmando: “Excelência, aproveito esta oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os meus respeitosos cumprimentos, felicitando o primeiro magistrado da província pela sua nomeação como general do exército português e pela sua conduta como guia e chefe de todos os portugueses nestas paragens do continente africano, tão assediado pelo inimigo vindo do estrangeiro. Fala-vos o Rafael Barbosa, indivíduo sobejamente conhecido em toda a Guine Portuguesa, o qual, há cinco anos, iludido pelas promessas dos “ventos da História”, se deixou conduzir e desviar do recto caminho de bom português. Cinco anos são passados de sofrimento e dor, de arrependimento e de amargura, de ilusão.

Mas o tempo é o grande mestre e, na minha solidão, eu tive ocasião de meditar e de reconhecer o meu erro. Bem haja, pois, Vossa Excelência, pela bela atitude que, neste momento, carregou sobre os seus ombros, ao libertar estas dezenas de homens que, iludidos nas promessas vãs daqueles que, a soldo dos países estrangeiros, se lançaram na rebelião contra a Pátria portuguesa, do que estou certo, hoje em dia, se confessam arrependidos. Bem haja, pois, Senhor Governador, pela sua clemência, pela sua dignidade de chefe e, com a ajuda de Deus, eu lhe prometo que serei tão bom português como Vossa Excelência. O futuro confirmará.

Bissau, 3 de Agosto de 1969” (10).

(Continua)
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Notas de L.A.:

(1) Cervelló, Josep Sánchez, La Inviabilidade de Una Victoria portuguesa en la Guerra Colonial: el Caso de Guinea-Bissau, entrevista do general a Josep Sanchez Cervelló em 30 de Junho de 1986, Separata da Revista de História, Tomo XLIX/173, Madrid, 1989, p. 1025.

(2) Fabião, Carlos, Descolonização na Guiné-Bissau, Spínola a Figura Marcante da Guerra na Guiné, Seminário 25 de Abril, 10 Anos depois, s. 1., Lisboa, Associação 25 de Abril, 1984, pp. 305 e ss.

(3) Carvalho, Otelo Saraiva de, Alvorada em Abril, 2ª edição., Amadora, Bertrand, 1977, p. 51.

(4) Cf. Barata, Manuel Themudo, op. cit., p. 78.

(5) “Relatório do Comando”, comando-chefe das Forças Armadas da Guiné, 1971.

(6) O massacre de Pindjiguiti ocorreu a 3 de Agosto de 1959. Para o PAIGC essa era uma data importante, razão pela qual Spínola escolheu justamente esse dia para procurar retirar ao PAIGC a primazia da celebração.

(7) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT.

(8) Ofício n.º 994/69 - R.R. de 3 de Agosto de 1969, Arquivos da PIDE-DGS/ ANTT, Proc. 4194 S-R, fls. 93 à 101.
(9) Em entrevista concedida por Rafael Barbosa a Leopoldo Amado, o mesmo considera ter sido coagido e possivelmente drogado para que fizesse tal discurso. Cf. Pereira, Aristides, op. Cit. p. 583.

(10) Ver Processo 4194 S-R, Arquivos da PIDE-DGS,/ANTT.

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Nota de L.G.:


(*) Vd. dossiê organizado pelo nosso camarada Afonso M.F. Sousa:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

Guiné 63/74 - P1548: As cartas do nosso (des)contentamento (A. Teixeira-Pinto / Luís Graça)

Guiné > Bissau > Postal da época. Estátua de Teixeira Pinto. Foto: © João Varanda (2005). Direitos reservados.

 
1. Do Prof Doutor A. Teixeira-Pinto, da UTAD - Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, recebi a seguinte mensagem (creio tratar-se do Prof. Doutor Amândio Teixeira-Pinto, do Departamento de Engenharias da UTAD, Vila Real). Os negritos são da responsabilidade do editor do blogue: 

 Caro Colega: Vi a Carta da Região de Teixeira Pinto (agora Cachungo) na Guiné, que considero um excelente documento. Já não posso concordar com a preocupação que espelha em não ofender os guinéus, como se a publicação de uma carta ou a divulgação da nossa História e de antepassados (de que pessoalmente me orgulho) pudessem ser ofensivos para quem quer que seja (1). 

 A divulgação é feita em Portugal, não na Guiné, e parece-me perfeitamente descabida essa referência de "que não pretende por em causa a independência ou soberania do povo irmão da Guiné". Desta feita jamais poderíamos falar no nosso passado por esse Mundo fora, sem ter de pedir desculpa de lá termos estado. É perfeitamente lamentável e indesculpável esse tipo de atitude. Não precisamos de fazer qualquer exorcismo para nos redimirmos do passado. Quer queiramos quer não, ele pertence-nos com defeitos e virtudes, não o podemos renegar. Não conheço outro País onde se ande permanentemente a pedir desculpa do que fomos e dos pretensos males que fizemos no passado

Como investigador de História, como creio que é, basta lembrar o quase extermínio dos índios americanos, a questão dos aborígenes na Austrália e dos maoris na Nova Zelândia, o tratamento miserável que os árabes ainda hoje dão aos negros, as guerras fratricidas selváticas entre tutsis e hutus, os problemas do Darfur, entre tantas e tantas outras situações. 

 Muito para além das opiniões em que todos nós, Portugueses, somos tão pródigos, fala a realidade da herança cultural e humana que deixámos por onde andámos: os testemunhos que colhi em Malaca, em Goa e em Damão, no Uruguai ou em Timor, são suficientes. O que os outros dizem de nós (a gente simples sobretudo) é que conta. Não o que tristemente denegrimos na nossa alma. 

 Atentamente A.Teixeira-Pinto, professor universitário 

  2. Comentário do editor blogue: 

 Caro professor e colega A. Teixeira-Pinto: Não sou, como sugere, historiógrafo nem historiador. Profissionalmente, sou docente universitário (ENSP/UNL), na área da sociologia e saúde pública. Sem ter na minha árvore genealógica antepassados recentes tão ilustres e valorosos como o Capitão Teixeira Pinto (2), sinto-me tão português, nem pior nem melhor, como qualquer outro. 

 Tenho também para com os guineenses uma atitude de respeito, de apreço e de amizade. Passei quase dois anos da minha juventude na terra deles, numa guerra conduzida por uma elite (portuguesa) cuja legitimidade contestava. Mas isso, para o caso, não importa. 

Queria apenas frisar que não faço questão de mostrar nenhuma atitude de falsa superioridade nem de complexada inferioridade em relação aos nossos amigos da Guiné-Bissau, que falam a mesma língua do que eu... (E esse é um dos traços de união que nos aproxima, a par da história, dos bons e maus momentos do nosso convívio histórico). 

 Sobre o pomo da discórdia em relação às cartas da Guiné: é preciso, no entanto, contextualizar a divulgação do documento a que você faz referência, e que aplaude, a carta de Teixeira Pinto (h0je, Canchungo). 

Transcrevo abaixo o teor da nota que acompanha a divulgação, na Net, das cartas da Guiné, que eu próprio reconheci serem uma obra-prima da nossa cartografia militar (3). É bom dizer, urbi et orbi, que essas cartas foram usadas por nós, soldados portugueses, durante a guerra colonial (ou do Ultramar, como queira) para fins militares. O inimigo de ontem (os nacionalistas do PAIGC) sabe-o bem. É natural que da parte dos guineenses - não gosto do termo guinéu, quiçá um pouco arcaico e paternalista, muito usado por Spínola - possa haver ainda alguma susceptibilidade quando confrontados com a divulgação dessas velhas cartas na Internet. Pelo menos, por parte da geração dos guineenses que, com brio e coragem, nos combateram de armas na mão... 

 Há uma dúzia de anos atrás foi exigida, ao meu camarada e amigo Humberto Reis, uma autorização escrita (!) da Embaixada da Guiné-Bissau para poder adquirir a totalidade das cartas da Guiné... portuguesa. Ele nunca quis saber porquê, mas a verdade é que sem isso o Centro de Documentação e Informação do Instituto de Investigação Científica e Tropical, em Lisboa não as vendia, ao meu amigo ou a qualquer outro português, em viagem de turismo ou de negócios à Guiné-Bissau. 

 Ao digitalizarmos essas cartas e ao pô-las, na Internet, ao dispor dos antigos combatentes da guerra da Guiné (portugueses e guineenses), eu e o Humberto estavamos apenas a afirmar o direito à memória que cada um de nós tem, indivíduos e povos. 

 Fiz questão de lembrar, para os mais distraídos, que a Guiné-Bissau é hoje um país independente. É, de resto, esse o sentido da expressão, usada por mim (e que o Prof. A. Teixeira Pinto não gostou): a divulgação da carta (geográfica) de Teixeira Pinto (hoje, Canchungo) bem como as demais cartas desenhadas pelos cartógrafos portugueses, durante os anos 50 e 60, não tinha outro propósito senão o de ajudar à reconstituição, reorganização e preservação da memória dos lugares e das experiências (humanas) dos ex-combatentes portugueses que estiveram aquartelados e/ou envolvidos em operações nos mais diversos sítios da Guiné até desde os anos 60 até à independência. 

 Para um melhor entendimento da atitude e dos valores que nós defendemos aqui, neste blogue colectivo, convido o Prof. Teixeira-Pinto a ter a gentileza de nos ler com tempo e vagar - refiro-me à tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné (3).

Saudações académicas
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 Notas de L.G.: 

 (1) Vd. nota que acompanha a divulgação da Carta da Região de Teixeira Pinto (agora Cachungo): 

  Quando voltou à Guiné-Bissau, em 1996, em viagem de negócios (mas também em romagem de saudade), o Eng. Humberto Reis (ex-furriel miliciano da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) já tinha adquirido as 72 cartas da antiga província portuguesa, à escala de 1/50.000. 'Em Dezembro de 94 já me custaram 450$00 cada uma'. O mapa geral custou 600$00. 

Para os eventuais interessados, essas cartas podem ser adquiridas no Centro de Documentação e Informação do Instituto de Investigação Científica e Tropical, em Lisboa. Algumas cartas podem já estar esgotadas. Na altura foi exigida ao Eng. Humberto Reis uma declaração da embaixada da República da Guiné-Bissau, a qual se transcreve, como simples curiosidade, com data de 29 de Dezembro de 1994: 

'A Embaixada da República da Guiné-Bissau em Portugal declara, para os devidos efeitos que está o sr. Eng. Humberto Simões dos Reis autorizado a adquirir cartas geográficas da Guiné-Bissau. Para que não haja nenhum impedimento a tal objectivo, se passou a presente declaração que vai ser
 assinada e autenticada com o carimbo a óleo em uso nesta Missão Diplomática'. Presumimos que esta exigência de autorização da embaixada da Guiné-Bissau para um turista levar consigo cartas geográficas do país seja ditada (ou fosse ditada na época) por razões de 'segurança de Estado'. 

A divulgação desta carta de Teixeira Pinto (actualmente, Canchungo) de modo algum pretende pôr em risco a independência e a soberania do país irmão. Nem muito menos pode ser interpretada como uma provocação. Também não tem quaisquer propósitos comerciais ou outros, de índole lucrativa. Pretende-se apenas prestar um serviço útil aos ex-combatentes da guerra colonial, e nomeadamente aos membros da nossa tertúlia e a todos os demais amigos do povo guineense. 

Esta carta, apesar de algumas lacunas (tem já meio século), é fundamental para a reconstituição da memória dos lugares e a reorganização das memórias dos ex-combatentes portugueses que estiveram aquartelados e/ou envolvidos em operações no chão manjaco. Fica também aqui a nossa homenagem aos valorosos cartógrafos militares portugueses. 

Esta e outras cartas da Guiné resultam do levantamento efectuado em 1953 pela missão geo-hidrográfica da Guiné – Comandante e oficiais do N. H. Mandovi. A fotografia aérea é da aviação naval (Março de 1953). Restituição dos Serviços Cartográficos do Exército. Fotolitografia e impressão: Lit Barrault, s/d. A edição é da Junta das Missões Geográficas e de Investigações do Ultramar, do antigo Ministério do Ultramar, s/d. Digitalização efectuada na Rank Xerox (2006). 

(2) Sobre a figura do Cap Teixeira Pinto e a sua campanha de pacificação da Guiné, vd. post de 18 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P882: Infali Soncó e a lenda do Alferes Hermínio (Beja Santos) Consultar também: Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Baraa e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históira Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270. João Teixeira Pinto - A ocupação militar da Guiné. Lisboa: Agência Geral das Colónias. 1936. 


  (...) A termos uma bandeira, será sempre a nossa, a da nossa Pátria (Portugal ou Guiné-Bissau) que cada de um nós amava e ama, à sua maneira. O nosso comportamento, agora como… tertulianos, deve apenas pautar-se por critérios éticos ou valores tais como: 

 (i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem); 

 (ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros; 

 (iii) consagração do blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné > Blogue-fora-nada, 1ª série, até Maio de 2005; Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2ª série, a partir de Junho de 2005) como ágora ou como praça pública para a manifestação (aberta, franca, assertiva, leal, serena) dos nossas eventuais críticas e divergências de pontos de vista (se houver roupa suja, discute-se primeiro na caserna...); 

 (iv) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra colonial/guerra de libertação da Guiné; 

 (v) carinho e amizade pelo povo da Guiné (que ganhou a guerra mas não ainda a paz) (e vice-versa: idem, pelo povo português, que não se confundia com o regime político de então, como sempre fez questão de lembrar Amílcar Cabral); 

 (vi) respeito pelo inimigo de ontem (que, sempre o disse, nunca lutou contra o povo português, mas contra um regime político); 

 (vii) recusa da auto-culpabilização e da responsabilidade colectiva: nenhum povo pode ser culpado, em termos colectivos, pelas decisões e acções da sua elite dirigente, dos seus políticos, do seu Estado; 

 (viii) não-intromissão na vida política interna da República da Guiné-Bissau, salvaguardado sempre o direito de opinião de cada um de nós, como cidadãos (portugueses, europeus, globais...); 

 (ix) respeito acima de tudo pela verdade dos factos; (x) liberdade de pensamento e de expressão... Entre nós não há dogmas nem tabus... (xi) e, por fim, mas não menos importante, respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor...

Guiné 63/74 - P1547: O Furriel Mil Atirador Fernando Ribeiro pertencia à açoriana CCAÇ 3414 e morreu entre Mansabá e Mansoa (A. Marques Lopes)

1. Mensagem do A. Marques Lopes:

Aqui vai o que consegui saber sobre o malogrado Fernando Ribeiro (1).

Segundo o Tomo II, Guiné - Livro 2, do 8º Volume, Mortos em Campanha (CECA), o Furriel Miliciano Atirador Fernando José Gaspar Ribeiro morreu por ferimentos em combate no itinerário Cutia-Mansoa, a 15 de Julho de 1973.

Pertencia à CCAÇ 3414. Esta unidade, depois de passar por Sare Bacar e Cumeré, assumiu, em 5 de Julho de 1973, a responsabilidade do subsector de Brá, ficando na dependência do COMBIS. Nesse período efectuou ainda escoltas a colunas de reabastecimento a Farim, Binta, Guidaje e Mansabá, como consta no Tomo II, Guiné, do 7º Volume (Fichas da Unidades) da CECA.

Segundo esta Comissão, a morte dele ter-se-á dado, então, entre Mansabá e Mansoa, numa coluna de regresso a Brá. E não foi o único que não veio... No itinerário Binta-Guidage morreu, da mesma companhia, o Soldado Condutor António Luís do Couto Toste Parreia, a 29 de Maio de 1973, açoreano.

A companhia foi formada nos Açores. É natural que só a maior parte dos graduados fosse do continente, pelo que terá sido um destes que contou à Maria Luísa sobre a morte do seu namorado. E, de facto, foi o único continental que não voltou vivo.

Se ela, um dia, se dispuser a ir até Lisboa, a CÇAÇ 3414 tem História da Unidade na Caixa nº 96, 2ªDiv/4ªSec, do AHM - Arquivo Histórico Militar.

Abraços. A. Marques Lopes.

PS - O editor do blogue pode acrescentar ainda mais o seguinte:

A Companhia de Caçadores 3414, Sare Bacar – SPM 1878, 1973, tinha um jornal de caserna, O Falcão, sendo seu director o comandante da unidade, o Capitão de Infantaria Manuel Ribeiro Faria. Encontrei na Net o nome do José Henrique Silva (mail: josehsilva@netcabo.pt ) que foi escriturário na CCAÇ 3414 / BII17 (Sare Bacar e Bissau, Jul/71 -Out/73), e que no início de 2005 andava à procura de antigos camaradas da Guiné. Pode ser que esta dica ajude alguém...(LG).
_________

Nota de L.G.

(1) Vd. post de 24 de Fevereiro de 2007 > 24 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1544: Quem conheceu o Furriel Mil Art Fernando J. G. Ribeiro, morto na picada de Binta-Farim em Julho de 1973 ? (Luís Graça)

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1546: Lembrando a CCAÇ 3518, os Marados de Gadamael, retidos no inferno de Guidaje (Daniel de Matos)

Guiné > Região do Cacheu > Guidaje > 1969 > CART 2412 (1968/70) > Edifício do comando e casernas.
Fotos: © Afonso M.F. Sousa (2006). Direitos reservados.


Daniel de Matos, que foi furriel miliciano da CCAÇ 3518, deixou um comentário em 23 de Agosto de 2006, a um post do Afonso M.F. Sousa (1), comentário esse cujo interesse de só agora dei conta, tomando por isso a liberdade de o publicar no nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Creio que o Albano Costa já me tinha, em tempos, falado pelo telefone deste nosso camarada que conhecei o inferno de Guidaje e a quem eu gostaria de convidar para fazer parte da nossa tertúlia.


Como estive 22 dias cercado em Guidaje (Maio/Junho de 1973), gostaria de deixar também um testemunho. Tal como o posto de transmissões, nas fotos referidas também não aparece o abrigo do obus, destruído a 25 de Maio, onde me encontrava no momento do rebentamento da morteirada, com mais 15 camaradas, metade dos quais que ali se refugiaram durante um ataque do IN. Desses, morreram logo 6 (que dias mais tarde fui incumbido de enterrar nas imediações) e apenas eu não fui ferido (todos os outros se feriram com diferentes gravidades).

A maioria pertencia à minha companhia, independente - a CCAÇ 3518, Marados de Gadamael - que ali viu retidos 2 pelotões durante um abastecimento de cibe vindo de Bissau, fazendo segurança à coluna que inicialmente se destinava apenas a Farim.

Não percebo por que razão esta Companhia nunca aparece referenciada nos acontecimentos de Guidaje e nos efectivos que lá permaneceram nesses dias fatídicos. Aliás, o número de mortos em combate que muitas vezes é mencionado, parece-me incorrecto. Lembro-me de enterrar camaradas envoltos em lençóis, por já se terem esgotado os caixões...

Cordiais saudações
Daniel de Matos
(ex-Furriel Miliciano)

____________

(1) Vd. post de 28 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCIX: Barro e Guidage, no tempo da CART 2412 (Afonso M.F. Sousa)

Guiné 63/74 - P1545: Lista do pessoal de Bambadinca (1968/71) (Letras A/B) (Humberto Reis)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Natal de 1969 > Sargentos e furriéis da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852:

(i) da esquerda para a direita, na 1ª fila: o Jaime Soares Santos (Fur Mil SAM, vulgo vagomestre); António Eugéndio da Silva Lezinho, Fur Mil At Inf; António M. M. Branquinho, Fur Mil At Inf; Humbero Simões dos Reis, Fur Mil Op Esp; Joaquim A. M. Fernandes, Fur Mil At Inf);

(ii) da esquerda para a direita, 2ª fila, de pé: 2º sargento Inf José Martins Rosado Piça; Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques; um 2º sargento, de cujo nome não me lembro; 1º Sargento Cav Fernando Aires Fragata; Fur Mil Enfermeiro João Carreiro Martins; e um outro 1º sargento de cujo nome também já não me lembro mas que julgo ser da CCS do BCAÇ 2852... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


O Humberto Reis mandou-me uma lista com nomes e moradas, conhecidos em 2002, do pessoal que passou por Bambadinca, nos anos de 1968 a 1971, coincidindo basicamente com a comissão da CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) e com a da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (1969/71) (1). Publicam-se s seguir os primeiros nomes, correspondentes às letras A e B, seguidos da morada e dos contactos telefónicos. A lista está e actualização permanente (LG).

Luís: Eu indiquei a unidade daqueles que sabia de cor. Quanto à divulgação da listagem, julgo não haver problema pois esta lista já foi feita por mim e pelo Vacas de Carvalho há uns anos e tem sido passada todos os anos aos novos organizadores das almoçaradas da malta. Por isso não é segredo.

Um abraço

Humberto


1________________________________

ABEL MARIA RODRIGUES (ex-Alf Mil, CCAÇ 12)
Urbanização do Juncal - Lote 20
5210-209 MIRANDA DO DOURO
273432263 / 967037338


2._______________________________

ABÍLIO VIEIRA FILIPE (CCS / BCAÇ 2852)
Bairro S. Miguel 2480-308 PORTO MÓS
244402938 / 934913803

3._______________________________

ADELINO AFONSO LOBO COSTA
Rua Rosas, 51 - Pedra de Cima 2430-255 MARINHA GRANDE
244569392

4. ______________________________

ADELINO GONÇALVES MONTEIRO
Avenida Misericórdia 3600-202 CASTRO VERDE
232381392/917507595

5. ______________________________

ADELINO MARQUES FERNANDES
Rua Dr. Manuel Arriaga - Lote JPT - R/C Esq. 2700-296 AMADORA
214937004

6.________________________________

ADELINO SOUSA MARTINS
Rua das Cordas, 15 / 4740-351 FÃO
253981032

7.________________________________

ADÉLIO GONÇALVES MONTEIRO
Rua Padre Monteiro (Junto ao Tribunal) 3600 CASTRO DAIRE
232381392 / 917507595


8.________________________________

AGNELO PEREIRA FERREIRA
Avenida Patrão Joaquim Lopes, 24 R/C Drt. / 2780-616 PAÇO DE ARCOS
214414017

9._________________________________

ALBERTO MANUEL NASCIMENTO
Rua do Cemitério de Baixo 5180-105 FREIXO DE ESPADA A CINTA

10.________________________________

ALBERTO MARTINS VIDEIRA (ex-2º sargento, CCAÇ 12)
Praça Diogo Cão, 6 R/C 5000-599 VILA REAL
259373472

11. _______________________________

ALCINO CARVALHO BRAGA (CCAÇ 12)
Rua Norte Júnior - Lote 235 - 5º F 1900-767 LISBOA
218371350

12. _______________________________

ALFREDO DUQUE LOPES
Presa 2230-010 ACARAVELA (SARDOAL)


13. _______________________________

AMÉRICO FONSECA TAVARES
Avenida 12 de Julho, Nº 149 - Gala de S. Pedro 3080-739 FIGUEIRA DA FOZ

14.________________________________

ÂNGELO A. CUNHA RIBEIRO, Coronel (ex-major, CCS / BCAÇ 2852)
Largo de António Ramalho, 34 - 1º. 4100-070 PORTO
226095451

15._______________________________

ANTÓNIO ALVES
Rua Meripinho, 67 - Bairro Santiago 3810 AVEIRO
256428508

16._______________________________

ANTÓNIO BENTO RODRIGUES
Rua Lusiadas, 37 - 3º Esq. 2745-155 QUELUZ
214350274

17. ______________________________

ANTÓNIO DOM. RODRIGUES
Avenida das Amoreiras, 29 - 2º Esq. 2350-598 TORRES NOVAS
249823614
919528023

18. ______________________________

ANTÓNIO DUARTE ADÃO
Rua Visconde Asseca, 15 - Covas de Ferro 2715-313 ALMARGEM DO BISPO
219622086

19. ______________________________

ANTÓNIO EUG. SILVA LEVEZINHO (ex-fur mil CCAÇ 12)
Rua Dr. João Barros, 2 -1º Esqº. - Reboleira 2720-202 AMADORA
214954593

20. ______________________________

ANTÓNIO FERNANDO P. NUNES (CCS / BCAÇ 2852)
Rua Duque Saldanha, 615 - 2º Esq. 4300-466 PORTO
225363164

21. ______________________________

ANTÓNIO FERNANDO R. MARQUES (ex- fur mil, CCAÇ 12)
Rua das Perdizes, Lote 11 - 2º B - Quinta Bicuda 2750-704 CASCAIS
214844041 / 933599115

22. ______________________________

ANTÓNIO GONÇ. PEREIRA, Dr. (CCS / BCAÇ 2852)
Avenida 5 de Outubro, 73 - 1º Drt. 4440-503 VALONGO
224221283 / 939596053


23. _____________________________

ANTÓNIO J. ABRUNHOSA BRANQUINHO
Rua Grupo 1 - Recreio Edificio 2 - 2º Esq. 6200-446 COVILHÃ
275335723

24. _____________________________

ANTÓNIO JESUS MARQUES
Rua João de Deus, 313 - 1º Esq. 4400-185 VILA NOVA DE GAIA
225370620

25. _____________________________

ANTÓNIO J. ESTEVES CAETANO, Dr. (Pel Mort)
Rua Conde Almoster, 44 - 2º Esq. 1500-195 LISBOA
217740202

26. _____________________________

ANTÓNIO JOSÉ SIMÕES GREGÓRIO
Casal do Espirito Santo - Lousã 3200-372 VILARINHO LOUSÃ
239993585

27. _____________________________

ANTÓNIO M. M. BRANQUINHO (ex-Fur Mil, CCAÇ 12)
Avenida Herois do Ultramar, 76 7000-720 EVORA
266705902

28. _____________________________

ANTÓNIO MANUEL CARLÃO (ex-Alf Mil, CCAÇ 12)
Rua das Cordas, 1 4740-351 FÃO
253982275 / 917543842


29. ____________________________

ANTÓNIO MANUEL LAPA CARINHAS (Pel Intendência)
Quinta Santa Catarina - Lote 44 R/C 7000-173 EVORA
263333373


30. ____________________________

ANTÓNIO PAULA OURIVES
Bairro Ladeirinha 6200-785 TORTOSENDO
275954460 / 914643997


31. ____________________________

ANTÓNIO R. CURADO COUTINHO
Rua António Pires,8-2º.Esq.-Laveiras Caxias 2780-489 PAÇO DE ARCOS
214427503

32. ____________________________

ARLINDO TEIXEIRA RODA (ex-Fur Mil, CCAÇ 12)
Rua Alfredo Lima, 37 - º3 B 2910-388 SETUBAL
265238354

33. ____________________________

ARMÉNIO MONTEIRO DA FONSECA (ex-Sold, CCAÇ 12)
Rua Presa Velha, 112 - Casa 6 4300-443 PORTO
225363371

34. ____________________________

BERNARDO MANUEL O. VALENTE (ex-Fur Mil, Pel Rec, CCS do BCAÇ 2852 )
Rua Herois do Ultramar, 14 - Leiria Gare 2400-287 LEIRIA
244881779/ 965242480
______________________________

Nota de L.G.:

(1) Sobre a composição da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, vd. seguintes posts:

29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIV: Ao Fernando Sousa: Sei que estás em festa, pá(Luís Graça)

21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P1544: Quem conheceu o Furriel Mil Art Fernando J. G. Ribeiro, morto na picada de Binta-Farim em Julho de 1973? (Luís Graça)



Lisboa > Belém > Monumento aos Mortos do Ultramar > O Furriel Fernando Gaspar Ribeiro é um dos milhares nomes, gravados no mármore, que constam no impressionante memorial afixado nas muralhas do Forte do Bom Sucesso.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem de alguém que foi das relações de amizade de um camarada nosso, morto na Guiné, e que pretende saber mais pormenores sobre a sua vida e morte. Por razões de sigilo, transcrevo apenas uma parte do teor do mail que recebi (e que circulou internamente na nossa tertúlia):

Bom dia, Luís:

Fiquei muito contente por me ter escrito e então vou contar-lhe o que se passou: (....) O Fernando Ribeiro (...) foi para a Guiné, onde esteve 24 meses. Já depois dos 22 meses a que tinha direito, foi buscar mantimentos a algures, pois dizia que estava cansado de estar no mesmo sítio. Sei que no regresso, na picada entre Binta e Farim, uma mina rebentou (...).

(...) Agora com a Internet, eu vou pesquisando coisas de que gosto e esta foi uma delas: a guerra do ultramar (...).

(...) Num dos comentários, feito pelo João Tunes, a descrição dum acontecimento era esta: quando morre um camarada nosso é como se morresse uma parte do nosso coração, então quando um camarada que ia um carro, sentado em cima dum saco de areia ao lado do condutor, foi morto por uma mina, dizendo-nos:
- Estou fodido, foderam-me a vida e eu sei que não me safo, mas digam à Fulana Tal que estou a pensar nela (1).

(...) Tudo o que me possam dizer do Fernando Ribeiro, Furriel Miliciano de artilharia, eu agradecia (...) Faleceu em Julho de 1973 (2). Foi o único da companhia que não veio.

(...) Sei que esteve também em Bafatá, também perto do Rio Cacheu e chegou a estar mesmo na fronteira do Senegal (...) .

Agradeço a sua atenção por este caso (...).


2. Comentário do editor do blogue:

Fico sensibilizado por saber que o nosso blogue já chega a muitas partes e é lido até por muita gente que nunca esteve na Guiné, nem foi tropa: por exemplo, filhos de camaradas nossos que já morreram, outros familiares, ex-namoradas ... E há estórias de partir o coração... Há filhos a querer saber por onde andou o pai na Guiné... Em vida, lá em casa nunca se falava da Guiné... Por pudor, por respeito, por constrangimento... Entretanto, o pai morre precocemente, de doença ou de acidente... Há um pedaço da vida dele que passa a ser um buraco negro na memória de todos e de cada um, a nível da família...

Com culpa e lágrimas nos olhos, vem-me perguntar se os posso ajudar a encontrar um pista, um nome, uma unidade, uma terra, uma camarada.... Aconteceu-me hoje, por exemplo, com uma jovem enfermeira que me procurou, e cuja pai morreu há uns anos, de cancro no estômago... Ela era demasiada nova (15 anos) para puxar a conversa sobre a guerra e a Guiné... A mãe só o conheceu mais tarde, depois da desmobilização... A mala dele perdeu-se na viagem de regresso a casa... Não há fotos, não há aerogramas, não há memórias,traços da passagem do pai pela Guiné...

E agora aparece-me esta mulher a evocar um amigo que morreu na guerra... Confirmei que o Furriel Fernando [José Gaspar] Ribeiro morreu em combate em 15 de Julho de 1973... Dele não não sei mais nada. Mas espero que outros camaradas e amigos possam trazer mais algumas pistas. Ficarei feliz se pudermos ajudar esta e outras mulheres recuperar e a fortalecer as suas recordações de juventude... Não traremos de volta, infelizmente, o Fernando (ou qualquer outro dos nossos camaradas que morreram), mas pode ser que apareça alguém que o tenha conhecido, e nos diga algo mais sobre ele e as circunstâncias em que morreu...

Esta nossa visitante não nos pediu confidencialidade... Pelo contrário, teve a coragem de dar a cara e fazer um pedido (público) de ajuda. Entendi, no entanto, que ela não pode ser exposta, em termos mediáticos, e tem direito ao respeito pela sua privacidade e intimidade... Decido publicar o seu caso, sem a identificar, e recorrer à nossa tertúlia. As nossas melhoras saudações tertulianas para ela. E aqui fica a porta aberta para esta ou outras mulheres passarem também a fazer parte deste nosso grupo de amigos e camaradas da Guiné... Elas foram, afinal, as que ficaram na rectaguarda, amando-nos, rezando por nós, escrevendo-nos, animando-os à distância... (LG) .
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post 21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - CCCI: Morreu um soldado português no Afeganistão... (A. Marques Lopes / Afonso M.F. Sousa / João Tunes)

(2) Fernando José Gaspar Ribeiro, furriel do exército, morto em combate em 15 de Julho de 1973, natural de Condeixa-A-Nova, unidade mobilizadora: BII 17... Vd. Lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1543: Uma estória da minha recruta, em Beja, no RI3 (Tino Neves)

Beja > RI 3 > 1969 > Dia do Juramento de Bandeira. Sinalizado com círculo vermelho , o autor desta estória.


Beja > RI 3 > 1969 > Vista do Quartel


Beja > RI 3 > 1969 > "Eu mais dois camaradas, um foi para a PM [Polícia Militar] e o outro para Rádio-Montador. Semana de Campo em terras do Baixo Alentejo" (TN)



Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.
Texto enviado pelo nosso camarada Tino Neves > Constantino Neves, ex- 1º. Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71) (1).

Caro Luís Graça

Vou-te contar uma pequena história da minha recruta, pelo facto de que aquilo que fomos na Guiné, Angola ou Moçambique, tem a ver com o que se passou na nossa recruta.

A recruta foi mais importante que a especialidade, porque foi na recruta que tudo começou. Começámos a conhecer e aprender a conviver com outros iguais e com os nossos superiores, pois já os nossos pais diziam que a tropa era a escola da vida. Como também diziam que havia muitos filhos de muitas mães e que a tropa abria os olhos a quem os tinha fechados e fechava-os a quem os tinha muito abertos, os chamados Xicos Espertos. Pois havia daqueles que mal sabiam falar, como um do meu pelotão, que nem sabia dizer de onde era, só sabia dizer que era do outro lado da ribeira. Mas também havia os ditos Xicos Espertos, como um também do meu pelotão, que o Furriel o mandou ao armazém de material de guerra buscar uma caixa de estrias, e chegou junto do Furriel estafado com uma caixa às costas, cheia de pedras, julgando que eram estrias.

A recruta não foi só a preparação física. Também, e principalmente, aprendeu-se a ser amigo do seu amigo e a criar e a manter o espírito de camaradagem, como há muitos que começaram na recruta e acabaram no Ultramar sempre juntos.

Agora vou então contar a minha história da minha recruta (não era Xico Esperto, mas sabia de onde era) (2).

Durante a semana de campo parti a coronha da espingarda G3 (como sabem a coronha da G3 era muito frágil na zona onde acaba o plástico e começa a parte de metal), e o Furriel ameaçou-me que o Capitão ia-me dar uma porrada (entenda-se, um castigo). Também os meus colegas me intimidavam, assim como um que me disse:
- Estás feito, vais para atirador para a Guiné. - Mas eu não ligava a tudo isso que me diziam, porque já tinha acontecido a outros colegas e eles não foram castigados.

Quando regressámos ao quartel, fui chamado ao Comandante de Companhia (um Capitão, de não me recordo o nome). Aí já fiquei com algum receio.E lá fui eu ao gabinete do Capitão.
- Dá-me licença, meu Capitão?
- Entra
- Apresenta-se o soldado recruta 10.087/69, meu Capitão!
- Ah... és tu aquele que anda a destruir património do Estado...
- Sim, meu Capitão, sou eu mesmo.
- Sabes, vais ser castigado.
- Sim, meu Capitão, mas queria pedir ao meu Capitão que me deixasse contar como se passou tudo.
- Está bem, conta lá.

Então contei-lhe a minha versão:
- Ontem, o nosso Furriel Magno resolveu fazer uma prova de Combate, para isso tivemos que apanhar uma porção de pedras, do tipo calhau, para junto dele, e depois disse-nos: 'Eu sou um inimigo, quando eu apitar uma vez, quero todos no chão, quando tornar a apitar, quero todos de pé e em passo de corrida, mudar de posição, e quando voltar a apitar não quero ninguém de pé, que eu disparo um tiro, uma pedra, aviso já que sou bom atirador'.
- E então ? - pergunta o Capitão.
- Então, é que na altura em que estavamos a mudar de posição e ouvi o apito, eu encontrava-me de costas a pouca distância do inimigo e, para que não fosse alvejado, lancei-me ao chão num grande salto. A G3 caiu mal e partiu-se, só depois é que analisei a minha reacção, e cheguei à conclusão de que deveria ter dado uma cambalhota...Mas estou aqui a ser preparado para a Guerra, não é verdade, meu Capitão?
- Tens razão, rapaz, estás a ser preparado para a Guerra, desta escapas, mas dou-te um conselho, trata da tua arma melhor que a tua namorada, que ela pode salvar-te a vida.
- Sim, meu Comandante.

Fiz a continência, dois passos atrás, e saí do gabinete do Capitão, todo satisfeito, não somente por não ter sido castigado, mas por, apesar de não ter namorada na altura, ter entendido o recado.

Um Abraço
Tino Neves
Almada
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).

(2) Vd. outros posts anteriores do Tino Neves:

10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1404: Um pequena estória dos Magriços de Guileje (CCAÇ 2617) (Tino Neves)

14 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1367: Concurso O Melhor Bagabaga (3): Fajonquito (1964) (Tino Neves)

7 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1349: Quartel Novo de Nova Lamego: paredes finas e chapa de zinco (Tino Neves)

23 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1310: Postais Ilustrados (12): Ponte-Cais de Bissau e estátua de Diogo Gomes (Tino Neves / Carlos Fortunato)

9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970

3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1145: Na fonte... com o Inimigo (ou a água quando nasce é para todos) (Tino Neves, CCS do BCAÇ 2893, Nova Lamego)

Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > "O Campino era verdadeiramente um dos heróis do pelotão. Tinha pose de gingão, penteava-se imaculadamente e punha um barrete de campino, oferecido por um dos meus antecessores. Estou a ver o Brigadeiro António Spínola (1) a cravar nele o monóculo antes de lançar a sua observação cáustica quando nos visitou em Janeiro de 1969: 'Tenho a impressão que você está à frente de um circo'. Adulai vai ficar ferido no rio Gambiel, logo na primeira semana de Janeiro de 1969 bem estilhaçado nas pernas quando ripostava ao fogo dos rebeldes. Recompôs-se cedo e veio averbar páginas gloriosas de combatente destemido" (BS).

Texto e foto: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao ex-furriel miliciano Luís Casanova, que foi o fotógrafo, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Texto enviado em 30 de Janeiro último. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.

Caro Luís, se tudo correr bem, esta semana enviarei ainda mais um texto. Com muito frio e tudo, espero passar uma animada semana, a próxima, em Paris, onde entro e saio a correr. A ver se tenho tempo de me passear pelo Bairro Latino, pelos alfarrabistas e visitar exposições. Escrevi ao Torcato Mendonça para ver se ele me pode ajudar acerca da Operação Fado Hilário. Vou digitalizar duas capas e envio-te os elementos correspondentes. Peço-te que não te esqueças que vou passar cerca de dois episódios em Bissau, em Março de 1969, razão pela qual espero que tu ilustres com os postais que em tempos te ofereci. Recebe um grande abraço do Mário.


Operação Anda Cá

por Beja Santos


Em 18 de Fevereiro, envio uma carta pessoal ao Pimbas (3), através de uma coluna que ia para Finete. Nela peço ao comandante de Bambandinca que me receba em privado nesse dia ou no seguinte. Terei escrito algo como isto:
- Meu Comandante, há duas noites que não durmo a pensar nesta operação que dentro de dias vem para o Cuor. O que me foi dito pelo Major Pires da Silva é que há dois destacamentos que deviam partir juntos e teme-se que não haja condições para tal. Gostava que revêssemos outras possibilidades para não deslocarmos mais de 300 militares em bicha, com todas as desvantagens. Por favor, peço-lhe como seu amigo que converse comigo em particular nas próximas horas.

Efectivamente, o convite para ir a Bambadinca chegou duas horas depois. Parti, articulando a saída com um patrulhamento a Mato de Cão, aprazado para as 10h da noite, em que passaria um forte contingente de batelões.


Tu és capaz de ter razão mas faz o que o major quer, diz-me o Pimbas

No início da conversa, expus as minhas apreensões ao Pimbas:
- O objectivo desta operação é atacar Madina/Belel e Banir (4), em dois destacamentos separados. Contava-se em cambar o Geba junto a São Belchior, e daí um destacamento partia em direcção a Madina, a partir de Missirá sairia outro destacamento em direcção a Banir. Agora, descobre-se que não há condições para cambar o Geba em São Belchior e vai tudo junto. Desculpe-me, é um erro, seria preferível o outro destacamento ir até Finete, eu preparo um grupo de picadores e guia, gente que conhece bem a região, e o destacamento vai por aí, passa por Mato de Cão e sobe até Madina. No outro destacamento, eu levo o prisioneiro de Queba Jilã (5), tenho soldados que conhecem perfeitamente esta região, dali seguiremos até Banir. O apoio aéreo não será dificultado, o inimigo será apanhado pela surpresa.

O Pimbas cofiava o bigode, aclarou a voz, olhou-me com estima e não escondeu as suas dificuldades:
- Ouve lá, tu até és capaz de ter razão mas o Pires da Silva tem desenhado esta operação com minúcia e está muito determinado. Faz-me o favor de não o causticares, actua como se ele tivesse razão.

Eu sentia o corpo moído, as pernas dormentes, a cabeça vazia, o coração atormentado, preferi renunciar a este diálogo, reservando as últimas energias do combate para a conversa que queria ter com o Pires da Silva.


O autismo e arrogância do major de operações

Era cedo, a luz da tarde começava a desmaiar, pedi para ser recebido pelo Major de operações, o que veio a acontecer. Entrei na sala de operações onde só se ciciava - falar alto era impensável - uma parede dominada por um mapa gigantesco pejado de alfinetes de cabeça verde, encarnada ou azul consoante os alvos amigos ou inimigos, e logo pensei: desta sala ao mato quantas diferenças...

O Major era um homem entusiasta, nesta altura o seu discurso era exuberante. O seu ponteiro metálico zumbia no ar, havia sempre desfechos empolgantes para o desenho das suas operações. Intitulava-as ou com uma palavra sóbria ou com duas (A e C, B e D, E e G, etc.) com sabor a criptograma, abarcando patrulhamentos ofensivos, reconhecimentos, rusgas, assaltos e golpes de mão. É nesta sala de operações que se parte para o Cuor, como para a Ponta do Inglês, Xitole ou Fiofioli ou a Mata do Poidon. Nesta tarde está visivelmente coloquial e vencedor. A operação é para começar a 22 de Fevereiro ao amanhecer. Guardo a sua voz:
- Beja, escavaque-me Madina, incendeie todas as barracas à volta, destrua o Banir. Consigo irão 300 homens.

Aproveito o balanço em que vai empolgado para lhe pedir uma recapitulação do itinerário: cambar o Geba é demorado, atravessar a bolanha de Finete a pé é cansativo, 300 homens até Missirá só a pé, mais valia aumentar a operação para 3 dias. Não, não podia ser, é dispendioso, a concentração vai acontecer ao fim da tarde de 20, avança-se até Missirá, parte-se imediatamente. Não haverá mais reuniões, o nosso Major irá falar a dois capitães, cabe ao destacamento de Missirá dar todo o apoio logístico e eu irei na vanguarda, como me compete.


A verdade que o relatório oficial da operação nunca contou

O relatório desta operação (que consta da história do BCAÇ 2852) não contava a completa verdade dos factos. É verdade que as viaturas foram buscar as tropas a Fá Mandinga, tarde e a más horas. É verdade que o Macaréu dificultou a cambança. É verdade que o martírio da viagem começou às 3h e acabou às 6h da madrugada e uma hora mais tarde chegou uma outra companhia.

Como eu suspeitava, a tropa está exausta, entrámos na época seca, vamos conhecer as quatro estações do ano num só dia, 300 homens numa floresta galeria, procurando usar de todas as cautelas, tornou a progressão lenta, incompatível com o objectivo previamente designado de atingirmos Madina ao princípio da tarde. Começaram os casos de insolação, as indisposições de todo o tipo e os nervos à flor da pele.

Quando anoitece estamos próximos de Sinchã Camisa e aí vamos pernoitar. Estou a ser tomado por uma angústia indisfarçável. Os rádios não funcionaram durante o dia todo e o PCV rondou-nos insistentemente lá do alto. Pela uma da manhã, no meio de gemidos e suspiros Bacari Soncó traz uma terrível notícia: o prisioneiro de Quebá Jilã, entregue à custódia de Ieró Seidi, acabara de fugir.


Uma das cenas mais horríveis que presenciei em toda a minha vida


De imediato, fui comunicar o sucedido aos dois capitães propondo que assim que houvesse luz eu avançaria para Madina sem perda de tempo. Ainda insisti na separação dos dois destacamentos, sem qualquer sucesso. Cerca das 5h da manhã avançámos fora de um trilho batido. Logo a seguir, Fodé Dahaba detecta uma mina antipessoal, pedi-lhe para ficar ali com a missão de afastar as tropas deste local. Relata-se que havia um segundo engenho, os meus soldados disseram-me mais tarde que não.

Toda a tropa de Missirá avançava para o acampamento de Madina, ouvia-se distintamente os pilões a funcionar e cânticos de mulheres quando uma explosão ensurdecedora encheu os ares, e após um angustiante silêncio ouviram-se os urros de dois homens. Retrocedo e vou ver uma das cenas mais horríveis que me foi dado presenciar em toda a minha vida: era uma fossa imensa, polvilhada de pedaços de metal, lá dentro agonizava um soldado e na berma gemia o Fodé sem uma perna e um pedaço de uma mão.

Lisboa > Hospital Militar Principal > 1969 > Fotografia do 2º sargento Fodé Dahaba. Pertencia ao Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Missirá ). Foi gravemente ferido em 22 de Fevereiro de 1969, na Op Anda Cá, aqui relatada.

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


Seguiu-se uma conversação duríssima em que eu pedia compreensão para avançar imediatamente sobre o objectivo, ao qual me foi respondido que os feridos graves tinham prioridade, que era melhor retirar para perto e pedir uma evacuação. De uma retirada para transportar feridos fomo-nos progressivamente afastando de Medina e pelas 8h da manhã eu sabia que a operação estava completamente perdida. Os rádios que não funcionaram na véspera passaram agora a funcionar, o desânimo aumenta, aqueles gritos de um soldado que vai morrer e de outro que vai ficar estropiado contagiam o moral das tropas. Já não estamos a evacuar feridos, estamos a recuar em direcção a Missirá enquanto se passa por rádio a batata quente para o PCV.


Mais uma vez as abelhas, o pânico, a debandada (6)...

Alguns soldados exaustos atiram-se para o fresco da floresta galeria e imprevistamente anuncia-se outro inimigo: as abelhas. Estala o pânico, largam-se armas, incendeia-se o capim, o pânico redobra, foge-se em todas as direcções. É nesta atmosfera caótica que desce um helicóptero de onde sai o Pimbas e se evacua um moribundo e um ferido grave. A retirada é formal, parece um exército em fuga, o dia aquece, os corpos gemem em invólucros de suor, e quando se avista Missirá guardo a recordação de uma força destroçada que se atira para o chão a pedir água fresca, a tirar as botas, os enfermeiros não param, manda-se fazer pão, toda a cerveja e refrescos que aparecem são ingeridos.

Na minha cubata reúne-se o Pimbas, os dois capitães e eu. O Pimbas insiste em que a operação recomece.
- As ordens de Bafatá (7) são para ser cumpridas. Mesmo com menos homens, vai-se partir de novo para Madina.

A discussão é interminável, há objecções que o desastre é irremedíável. Os recalcitrantes vão vencer, apoiados pelo coro de sofrimento que ecoa dentro de Missirá. E ao anoitecer o fogo de reconhecimento de Madina anuncia que os rebeldes já dispõem de informação suficiente para eliminar qualquer factor surpresa. As exigências de regressarmos ao combate vão esmorecendo. Na manhã seguinte, despeço-me da força que retira para Bambadinca e vou com os milícias recuperar o armamento que ficou abandonado no ataque das abelhas.

A 24 apresento-me na sede do batalhão para entregar todo o armamento recuperado. É aí que tomo conhecimento de que estou punido com dois dias de prisão por ter apresentado o aquartelamento de Missirá "em fracas condições de defesa e em deplorável estado de limpeza, arrumação e asseio" (2).

Quer os elefantes lutem quer copulem, quem se lixa sempre é o capim (Provérbio africano)


O Pimbas está consternado:
- Tu és o primeiro, a lista não vai ficar por aqui (8). Bom, tu podes recorrer, tens argumentos a teu favor. Desejo-te coragem.

E, com efeito, regresso imediatamente a Missirá e peço ajuda ao Furriel Pires, um hábil amanuense, um bancário que tem uma letra enfeitada e graciosa:
- Pires, vou ditar-lhe a minha resposta para a apresentar amanhã em Bambadinca, enquanto eu seguir para Mato de Cão.

Evitei defender-me com a referência a uma visita inexistente do Comandante Militar que nunca ocorrera. Limitei-me aos factos e ao conhecimento das realidades pelos superiores, com destaque para quem me punia. Dava à partida como incomprovado haver negligência nas fracas condições de defesa, demonstrando até com cartas escritas para o batalhão, a pedir insistentemente material, armamento e munições.

Recorri com veemência mas com poucas ilusões. Mais tarde virá o despacho de Hélio Felgas dando como improcedente o meu recurso. Não vou desistir de lutar, como se verá, vou até ao Comandante Militar. Será penoso, desgastante, mas estou a aprender muito com esta luta, vou conhecer o vigor de solidariedades e perceber mesmo que fui apanhado num vendaval que levará à punição de muita gente.

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá

(2) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1531: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (33): O Sintex: A Marinha Mercante chega até Missirá

(3) Tenente-coronel Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Será substituído, por motivos disciplinares, a seguir ao ataque do PAIGC, de 28 de Maio de 1969, ao aquartelamento de Bambadinca. Vd. post de:

22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(4) Madina e Belel: ficavam a noroeste de Missirá, já no início do Oio e no limite do Sector L1. Vd. carta de Bambadinca. Banir ou Sinhã Banir, ainda no Cuor: vd mapa de Mambonco. Sobre a caracterização do Sector L1, vd. post de 28 Abril 2005
Guiné 69/71 - VIII: O sector L1 (Xime-Bambadinca-Xitole): Caracterização (1) (Luís Graça)

(5) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1504: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (32): Aruma Sambu, o prisioneiro de Quebá Jilã

(6) Vd. post de 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas
(7) Leia-se: do Tenente-Coronel Hélio Felgas, comandante do Agrupamento nº 2959 (Bafatá) a que pertencia o sector L1 (Bambadinca). Sobre a figura deste oficial superior, que se reformou como brigadeiro, e que ainda é vivo, há vários posts no nosso blogue:

24 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIX: O Hélio Felgas do nosso tempo (A. Marques Lopes)

23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos

25 de Novembro de 20065 > Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas

29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIII: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN

9 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIII: Antologia (32): depoimento de Hélio Felgas (4): "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela"

13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas

(8) O Pimbas será também uma das vítimas da ira de Spínola,d eppois do ousado e surpreendente ataque a Bambadinca (em 28d e Maio de 1969). De resto, o mês de Fevereiro foi de má memória para as NT na Zona Leste. Logo no ínicio do mês tinha-se procedido à retirada de Madina do Boé, com as trágicas consequências que são conhecidas:

Vd. post de 2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)

Em Março, irá realizar-se a Operação Lança Afiada, que correu mal para o Hélio Felgas, que a comandou, e que envolveu cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores. Os resultados ficaram muito aquém das expectativas do Com-Chefe. As relações entre os dois homens (Spínola e Felgas) agravaram-se depois disso, ao que parece. Mas terá sido em Madina do Boér, ou melhor, em Cheche, que começou a desgraça do Hélio Felgas (de quem iremos publicar em breve um depoimento sobre o trágico desastre do Cheche: já temos a sua competente autorização, dada por via telefónica, através da sua esposa).

Vd. posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1541: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (1): Introdução: a 'nossa Guiné'

Guiné > Subsector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Cratera provocada pelo rebentamento de uma mina. A viatura que se encontra no buraco não é a que sofreu o acidente.

Em 10 de Agosto de 1970, a fim de patrulhar a região do Jifim [vd. cara de Padada], realiza-se a operação Ligeiros Quadros. Próximo daquele local é accionada uma mina a/c, resultando a morte do 1.º Cabo António Carrasqueira e 4 milícias. Foi o primeiro momento negro vivido pela nossa Companhia e particularmente pelo 2.º Pelotão, do qual o Carrasqueira fazia parte, militar muito estimado por todos os camaradas (FB).
Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Vista aérea de Dulombi

Fotos: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


Damos início à publicação de um resumo da história da CCAÇ 2700 (Dulombi, Maio de 1970/ Abril de 72), unidade que pertenceu ao BCAÇ 2912, e foi render a CCAÇ 2405 do BCAÇ 2852 (1968/70), a que pertenceram os baixinhos de Dulombi, os nossos tertulianos Paulo Raposo, Jorge Rijo, Victor David e Rui Felício, os quatro alferes milicianos (1). O autor do texto é o Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700, e que nos faz, ele próprio a sua apresentação (2):

Fernando Barata nasceu a 10 de Dezembro de 1948, em Canas de Senhorim (Canas a Concelho!!!). Pai de 2 filhas, reside em Coimbra, cidade onde se radicou pouco tempo após o regresso do Ultramar. É licenciado em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e trabalha no Gabinete de Relações Externas e Iniciativas Transfronteiriças da Comissão de Coordenação da Região Centro.


Dedicatória

A António Vasconcelos Guimarães.
A José Augusto Dias de Sousa.
A José Guedes Monteiro.
A Luís Vasco Fernandes.
A Rogério António Soares.
E, especialmente, a António Jacinto da Conceição Carrasqueira [, morto em 10 de Agostro de 1970, na região de Jifim]. Onde quer que estejas, sem que vais gostar de ler este pequeno trabalho


Agradecimentos


Este opúsculo pretende, tão somente, relatar alguns dos principais factos vividos no seio da Companhia de Caçadores n.º 2700, entre 1970 e 1972, na então província ultramarina da Guiné e particularmente naquele pequeno rincão que dava pelo nome de Dulombi.

Procurarei fazer uma descrição dos acontecimentos focada na minha experiência pessoal e tendo como apoio os documentos que se encontram depositados no Arquivo Histórico Militar, na pasta referente ao Batalhão de Caçadores n.º 2912.

Quero agradecer ao nosso companheiro de armas, hoje Major Carlos Correia, por todos os esforços desenvolvidos e pelas portas que conseguiu abrir para que esses maços de informação (o Herman diria resmas) me chegassem à mão num espaço de tempo tão curto (desde que ele se interessou pelo assunto, porque até aí, um meu primeiro requerimento já andava esquecido por alguma secretária). Para ti Correia, o meu sincero obrigado.

Queria também agradecer àquele que para nós será sempre, e com todo o respeito, o nosso Capitão, Senhor Tenente-Coronel Carlos Alberto Maurício Gomes, porque para além do que institucionalmente lhe competia - ser Comandante da Companhia - foi, para uns autêntico pai, para outros confidente, para todos um amigo. De minha parte, um sentido bem-haja.


1 - A NOSSA GUINÉ

1.1 - Breve historial

Os portugueses atingiram a costa da Guiné em 1466, com a chegada de Nuno Tristão à foz do Rio Geba, dedicando-se desde logo ao comércio, especialmente ao tráfico de escravos. Durante muito tempo a nossa presença só se fez sentir no litoral e um pouco para interior ao longo dos rios navegáveis, através dos comerciantes brancos que tiveram a particularidade de serem os pioneiros na penetração europeia nas terras da Guiné.

Só em 1630, com a criação da Capitania do Cacheu, passou a haver uma autoridade administrativa constituída. Esta autoridade tinha por missão não só dirimir desentendimentos entre dirigentes e comerciantes, como repelir ataques de outras nações.

No século XIX, as nossas tropas viram-se envolvidas em diversas campanhas para submeter quer primeiro os Papéis, quer, já no final do século, Manjacos, Balantas e Mandingas.

Após a II Guerra Mundial o continente africano entra em convulsão. Na legítima ânsia de independência, diversas colónias, tanto francesas como inglesas, entram numa fase de autodeterminação, contagiando também as nossas colónias (Salazar chamava-lhes províncias ultramarinas). A efervescência nacionalista vivida pelos vizinhos da Guiné-Conakry, que viria a alcançar a sua independência em 1958, seguida pelo Senegal no ano seguinte, tem um efeito contagiante. É neste ambiente que nasce, em 1956, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), tendo como ideólogo o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral, movimento que procura desenvolver a consciencialização do povo guinéu, incitando-o a resistir ao regime colonial de molde a obter a autodeterminação. Em 1961, começam a ser desencadeadas acções de terrorismo, tais como: roubos de gado e de colheitas, incêndios, ameaças e alguma violência.

O ano de 1963 marca o início das operações militares. A 21 de Janeiro, os guerrilheiros do PAIGC atacam o posto militar de Tite e fazem as primeiras emboscadas na região de Bedanda. Em Março, os navios Mirandela e Arouca são tomados, passando a dar apoio logístico aos guerrilheiros, a partir da Guiné Conakry.

A luta estende-se ao Leste com o desencadear de ataques na região de Xime, ao mesmo tempo que se começam a utilizar fornilhos e minas anticarro (a/c), o que torna ainda mais difícil a penosa tarefa das nossas tropas.

Esta luta, pela parte de Portugal, era justificada pelo sagrado princípio da defesa do território nacional, que se estendia do Minho a Timor. Pela parte dos movimentos de libertação, a guerra era justa e justificável pelo princípio da autodeterminação, com a força que lhe consignava a Carta das Nações Unidas, através do reconhecimento por parte dos países signatários, do direito dos povos disporem de si próprios.

Nestas perspectivas, a guerra colonial era considerada como subversiva por parte das autoridades portuguesas, de libertação por parte dos movimentos africanos e por último, maldita por parte daqueles (incluo-me) que todos os dias tinham que dar o corpo ao manifesto.

Dois anos antes da chegada da nossa Companhia à Guiné, assume funções de Governador da Província e cumulativamente de Comandante Chefe, o General António de Spínola, homem que pela sua personalidade e capacidade viria a ter um papel fundamental no desenrolar da guerra na Guiné. Apesar de militar, introduz uma componente política na sua actuação, quer junto das populações, quer através de negociações com Amílcar Cabral. Interpretando a célebre máxima de Mao Tsé-Tung que o guerrilheiro se deveria sentir entre a população como o peixe na água, havia, pois, que tirar a água ao peixe, isto é, dever-se-ia evitar que a população apoiasse a guerrilha. A solução encontrada foi procurar reunir as populações em aldeamentos que facilitassem o seu controlo obstaculizando o apoio e a cobertura às acções da guerrilha. Estes aldeamentos localizavam-se quase sempre junto a uma unidade militar, as habitações eram dispostas em quadrícula e dispunham de algum apoio social: escola, posto sanitário e poço.

No aspecto militar procurou modificar a situação que se vivia, caracterizada pela simples reacção às acções do PAIGC, onde apenas se pretendia a manutenção das posições no terreno. Como a iniciativa pertencia ao PAIGC, as nossas tropas sofriam ataques constantes que provocavam grande desgaste e desmoralização. Também aqui o jargão utilizado no futebol: quem joga à defesa quase sempre perde, se afigurava pertinente. É este status quo que Spínola pretende modificar com um novo conceito operacional: a ofensiva em detrimento da praxis anterior.

Em 25 de Julho de 1968, emite a Directiva 20/68. Com esta ficaria traçada a sorte de cada um de nós pois entre várias medidas estipula: "... e ocupar Galomaro com efectivo de valor que permita exercer uma acção dinâmica".

E é um facto que até finais de 1972, as forças portuguesas mantiveram a situação sob controlo, apesar de haver algumas zonas interiores dominadas pelo PAIGC, tais como os bastiões do Morés e Cantanhez.

Em 1973, com o aparecimento dos mísseis antiaéreos Strella, a Força Aérea reduziu significativamente o apoio dado às forças terrestres. A partir daqui a situação complica-se. Cria-se nas nossas tropas o desconforto por saberem que não poderiam contar com os Fiats ou com os heli-canhões para sua protecção. Atendendo à exiguidade do território a aviação estacionada em Bissau podia atingir qualquer ponto extremo do território em 10 minutos. Esta cobertura que se traduzia em segurança para as nossas tropas estava a terminar pelos sérios riscos que corriam os pilotos e pelo valor de cada avião abatido.


1.2 – Clima e vegetação

A Guiné possui um clima quente e húmido, próprio das regiões tropicais (encontra-se situada entre o Equador e o Trópico de Câncer), com duas estações: a das chuvas, que começa em meados de Maio estendendo-se até meados de Novembro, e a estação seca no restante período do ano.

A estação das chuvas é caracterizada pela alta humidade atmosférica, precipitações abundantes, variando a temperatura média à sombra entre os 26 e os 28 graus. É nesta altura que surgem os tornados, ventos que chegam a atingir os 100 kms/hora. Na estação seca as temperaturas médias rondam os 24 graus, sendo os meses de Dezembro e Janeiro os mais amenos do ano rondando temperaturas na ordem dos 15 graus.

Embora o clima da Guiné seja considerado insalubre pelas elevadas temperaturas e pela densa humidade, a região onde se situava a nossa Companhia tinha um clima mais ameno propício à adaptação do europeu.

Quanto à vegetação apresenta o território três diferentes zonas. A zona litoral é uma larga planície aluvial onde abundam palmares e mangais(*), com uma agricultura assente no milho, mandioca, arroz (preponderante na alimentação dos guineenses), amendoim (**), bananeira, laranjeira, cajueiro, ananás, mangueira e culturas hortícolas intensivas.

Na zona interior, donde sobressaem os planaltos de Bafatá e Gabu, domina a savana de arbustos e árvores isoladas. O solo é rochoso e exposto à acção dos agentes erosivos, naturalmente desfavorável à agricultura. E, por último, uma zona de transição que liga as duas zonas referidas, coberta de floresta densa, principalmente no sul e onde a presença humana é escassa. Aqui a agricultura perde importância, sendo a principal riqueza desta região as madeiras.

1.3 – População

Existia uma diversidade étnica entre os seus habitantes. Para além dos brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, da população autóctone destaco os seguintes grupos étnicos: Balantas, Fulas, Futas-Fulas, Manjacos, Mandingas, Papéis, Beafadas, Brames, Bijagós, Felupes, Baiotes, Nalus e Sossos.

Farei uma breve descrição das tribos que habitavam a nossa zona: os Fulas e os Futas-Fulas. Os Fulas subdividiam-se em Fulas-Forros e Fulas-Pretos.

Os Forros foram os primeiros a chegar ao território subjugando os Mandingas a quem passaram a designar de Fulas-Pretos. São hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado. Apesar de alguma influência do Islamismo, são essencialmente fetichistas. Dedicam-se ao cultivo do arroz e à pesca (por vezes, através do envenenamento das águas). São bastante indolentes, pouco trabalhadores e viciados na cola.

Os Futas-Fulas habitavam a região do Boé. Com o abandono desta região por parte do Exército português acompanharam a debandada das nossas tropas . Têm boa compleição física, são argutos e inteligentes. Dedicam-se à agricultura, criação de gado e comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, fundo (semelhante a alpista) e frutos. Não comem carne de porco nem bebem vinho, por o Islamismo não o permitir. Consideram-se superiores aos restantes fulas. Praticam a poligamia sendo bons pais e bons maridos, não permitindo que as mulheres pratiquem trabalhos violentos.

Entre as tribos mencionadas existem mais de vinte dialectos diferentes. O crioulo, que é uma mistura de palavras portuguesas e palavras dos dialectos locais, foi introduzido pelos colonos e permite que os nativos se entendam entre si.
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Notas de F.B.:

(*) Formação vegetal características das regiões costeiras intertropicais, constituída por florestas impenetráveis que cobrem as margens dos cursos de água. É a chamada floresta galeria.

(**) Nestas paragens conhecido como mancarra. Lembras-te, Ravasco, daquelas saborosas Luas-Cheias? Sim, se as tias na Linha desfrutavam antes do jantar, do seu Pôr-de-Sol, com os mais variados cocktails, porque não nós, também, na Linha (de combate), não poderíamos saborear um punhado de mancarra sabiamente torrada pela Binta, acompanhada por uma bazuca 'temperaturizad' pelo Matos ou pelo Vila Franca, àquela hora da noite.

(***) Foi precisamente a Companhia que nós fomos render [ CCAÇ 2405], que abandonou Madina do Boé. Aliás devem-se recordar que fomos encontrar militares extremamente desmoralizados. Na retirada, quando atravessavam o Corubal, uma Companhia que se encontrava do lado de cá, a dar-lhes protecção, começou a disparar morteirada, o que gerou o pânico (pensavam que era um ataque do inimigo), tendo perecido 40 militares afogados. O Diário de Notícias editou uma cassete vídeo “Madina do Boé - A retirada (Série Guerra Colonial),
(continua)

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Notas de L.G.:

(1) Sobre a CCAÇ 2405 (que esteve em Manosa, Galomaro e Dulombi], e os baixinhos de Dulombi, vd. os seguintes posts, entre outros:

Estórias de Dulombi, por Rui Felício:

8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi (Rui Felício)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

Vd. também post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

O meu testemunho, de Paulo Raposo:
10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1029: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (17): Dulombi

(2) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1494: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil Fernando Barata, CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912