quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1541: História da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (Fernando Barata) (1): Introdução: a 'nossa Guiné'

Guiné > Subsector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Cratera provocada pelo rebentamento de uma mina. A viatura que se encontra no buraco não é a que sofreu o acidente.

Em 10 de Agosto de 1970, a fim de patrulhar a região do Jifim [vd. cara de Padada], realiza-se a operação Ligeiros Quadros. Próximo daquele local é accionada uma mina a/c, resultando a morte do 1.º Cabo António Carrasqueira e 4 milícias. Foi o primeiro momento negro vivido pela nossa Companhia e particularmente pelo 2.º Pelotão, do qual o Carrasqueira fazia parte, militar muito estimado por todos os camaradas (FB).
Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > Vista aérea de Dulombi

Fotos: Fernando Barata (2007). Direitos reservados.


Damos início à publicação de um resumo da história da CCAÇ 2700 (Dulombi, Maio de 1970/ Abril de 72), unidade que pertenceu ao BCAÇ 2912, e foi render a CCAÇ 2405 do BCAÇ 2852 (1968/70), a que pertenceram os baixinhos de Dulombi, os nossos tertulianos Paulo Raposo, Jorge Rijo, Victor David e Rui Felício, os quatro alferes milicianos (1). O autor do texto é o Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700, e que nos faz, ele próprio a sua apresentação (2):

Fernando Barata nasceu a 10 de Dezembro de 1948, em Canas de Senhorim (Canas a Concelho!!!). Pai de 2 filhas, reside em Coimbra, cidade onde se radicou pouco tempo após o regresso do Ultramar. É licenciado em Relações Internacionais pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e trabalha no Gabinete de Relações Externas e Iniciativas Transfronteiriças da Comissão de Coordenação da Região Centro.


Dedicatória

A António Vasconcelos Guimarães.
A José Augusto Dias de Sousa.
A José Guedes Monteiro.
A Luís Vasco Fernandes.
A Rogério António Soares.
E, especialmente, a António Jacinto da Conceição Carrasqueira [, morto em 10 de Agostro de 1970, na região de Jifim]. Onde quer que estejas, sem que vais gostar de ler este pequeno trabalho


Agradecimentos


Este opúsculo pretende, tão somente, relatar alguns dos principais factos vividos no seio da Companhia de Caçadores n.º 2700, entre 1970 e 1972, na então província ultramarina da Guiné e particularmente naquele pequeno rincão que dava pelo nome de Dulombi.

Procurarei fazer uma descrição dos acontecimentos focada na minha experiência pessoal e tendo como apoio os documentos que se encontram depositados no Arquivo Histórico Militar, na pasta referente ao Batalhão de Caçadores n.º 2912.

Quero agradecer ao nosso companheiro de armas, hoje Major Carlos Correia, por todos os esforços desenvolvidos e pelas portas que conseguiu abrir para que esses maços de informação (o Herman diria resmas) me chegassem à mão num espaço de tempo tão curto (desde que ele se interessou pelo assunto, porque até aí, um meu primeiro requerimento já andava esquecido por alguma secretária). Para ti Correia, o meu sincero obrigado.

Queria também agradecer àquele que para nós será sempre, e com todo o respeito, o nosso Capitão, Senhor Tenente-Coronel Carlos Alberto Maurício Gomes, porque para além do que institucionalmente lhe competia - ser Comandante da Companhia - foi, para uns autêntico pai, para outros confidente, para todos um amigo. De minha parte, um sentido bem-haja.


1 - A NOSSA GUINÉ

1.1 - Breve historial

Os portugueses atingiram a costa da Guiné em 1466, com a chegada de Nuno Tristão à foz do Rio Geba, dedicando-se desde logo ao comércio, especialmente ao tráfico de escravos. Durante muito tempo a nossa presença só se fez sentir no litoral e um pouco para interior ao longo dos rios navegáveis, através dos comerciantes brancos que tiveram a particularidade de serem os pioneiros na penetração europeia nas terras da Guiné.

Só em 1630, com a criação da Capitania do Cacheu, passou a haver uma autoridade administrativa constituída. Esta autoridade tinha por missão não só dirimir desentendimentos entre dirigentes e comerciantes, como repelir ataques de outras nações.

No século XIX, as nossas tropas viram-se envolvidas em diversas campanhas para submeter quer primeiro os Papéis, quer, já no final do século, Manjacos, Balantas e Mandingas.

Após a II Guerra Mundial o continente africano entra em convulsão. Na legítima ânsia de independência, diversas colónias, tanto francesas como inglesas, entram numa fase de autodeterminação, contagiando também as nossas colónias (Salazar chamava-lhes províncias ultramarinas). A efervescência nacionalista vivida pelos vizinhos da Guiné-Conakry, que viria a alcançar a sua independência em 1958, seguida pelo Senegal no ano seguinte, tem um efeito contagiante. É neste ambiente que nasce, em 1956, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), tendo como ideólogo o engenheiro agrónomo Amílcar Cabral, movimento que procura desenvolver a consciencialização do povo guinéu, incitando-o a resistir ao regime colonial de molde a obter a autodeterminação. Em 1961, começam a ser desencadeadas acções de terrorismo, tais como: roubos de gado e de colheitas, incêndios, ameaças e alguma violência.

O ano de 1963 marca o início das operações militares. A 21 de Janeiro, os guerrilheiros do PAIGC atacam o posto militar de Tite e fazem as primeiras emboscadas na região de Bedanda. Em Março, os navios Mirandela e Arouca são tomados, passando a dar apoio logístico aos guerrilheiros, a partir da Guiné Conakry.

A luta estende-se ao Leste com o desencadear de ataques na região de Xime, ao mesmo tempo que se começam a utilizar fornilhos e minas anticarro (a/c), o que torna ainda mais difícil a penosa tarefa das nossas tropas.

Esta luta, pela parte de Portugal, era justificada pelo sagrado princípio da defesa do território nacional, que se estendia do Minho a Timor. Pela parte dos movimentos de libertação, a guerra era justa e justificável pelo princípio da autodeterminação, com a força que lhe consignava a Carta das Nações Unidas, através do reconhecimento por parte dos países signatários, do direito dos povos disporem de si próprios.

Nestas perspectivas, a guerra colonial era considerada como subversiva por parte das autoridades portuguesas, de libertação por parte dos movimentos africanos e por último, maldita por parte daqueles (incluo-me) que todos os dias tinham que dar o corpo ao manifesto.

Dois anos antes da chegada da nossa Companhia à Guiné, assume funções de Governador da Província e cumulativamente de Comandante Chefe, o General António de Spínola, homem que pela sua personalidade e capacidade viria a ter um papel fundamental no desenrolar da guerra na Guiné. Apesar de militar, introduz uma componente política na sua actuação, quer junto das populações, quer através de negociações com Amílcar Cabral. Interpretando a célebre máxima de Mao Tsé-Tung que o guerrilheiro se deveria sentir entre a população como o peixe na água, havia, pois, que tirar a água ao peixe, isto é, dever-se-ia evitar que a população apoiasse a guerrilha. A solução encontrada foi procurar reunir as populações em aldeamentos que facilitassem o seu controlo obstaculizando o apoio e a cobertura às acções da guerrilha. Estes aldeamentos localizavam-se quase sempre junto a uma unidade militar, as habitações eram dispostas em quadrícula e dispunham de algum apoio social: escola, posto sanitário e poço.

No aspecto militar procurou modificar a situação que se vivia, caracterizada pela simples reacção às acções do PAIGC, onde apenas se pretendia a manutenção das posições no terreno. Como a iniciativa pertencia ao PAIGC, as nossas tropas sofriam ataques constantes que provocavam grande desgaste e desmoralização. Também aqui o jargão utilizado no futebol: quem joga à defesa quase sempre perde, se afigurava pertinente. É este status quo que Spínola pretende modificar com um novo conceito operacional: a ofensiva em detrimento da praxis anterior.

Em 25 de Julho de 1968, emite a Directiva 20/68. Com esta ficaria traçada a sorte de cada um de nós pois entre várias medidas estipula: "... e ocupar Galomaro com efectivo de valor que permita exercer uma acção dinâmica".

E é um facto que até finais de 1972, as forças portuguesas mantiveram a situação sob controlo, apesar de haver algumas zonas interiores dominadas pelo PAIGC, tais como os bastiões do Morés e Cantanhez.

Em 1973, com o aparecimento dos mísseis antiaéreos Strella, a Força Aérea reduziu significativamente o apoio dado às forças terrestres. A partir daqui a situação complica-se. Cria-se nas nossas tropas o desconforto por saberem que não poderiam contar com os Fiats ou com os heli-canhões para sua protecção. Atendendo à exiguidade do território a aviação estacionada em Bissau podia atingir qualquer ponto extremo do território em 10 minutos. Esta cobertura que se traduzia em segurança para as nossas tropas estava a terminar pelos sérios riscos que corriam os pilotos e pelo valor de cada avião abatido.


1.2 – Clima e vegetação

A Guiné possui um clima quente e húmido, próprio das regiões tropicais (encontra-se situada entre o Equador e o Trópico de Câncer), com duas estações: a das chuvas, que começa em meados de Maio estendendo-se até meados de Novembro, e a estação seca no restante período do ano.

A estação das chuvas é caracterizada pela alta humidade atmosférica, precipitações abundantes, variando a temperatura média à sombra entre os 26 e os 28 graus. É nesta altura que surgem os tornados, ventos que chegam a atingir os 100 kms/hora. Na estação seca as temperaturas médias rondam os 24 graus, sendo os meses de Dezembro e Janeiro os mais amenos do ano rondando temperaturas na ordem dos 15 graus.

Embora o clima da Guiné seja considerado insalubre pelas elevadas temperaturas e pela densa humidade, a região onde se situava a nossa Companhia tinha um clima mais ameno propício à adaptação do europeu.

Quanto à vegetação apresenta o território três diferentes zonas. A zona litoral é uma larga planície aluvial onde abundam palmares e mangais(*), com uma agricultura assente no milho, mandioca, arroz (preponderante na alimentação dos guineenses), amendoim (**), bananeira, laranjeira, cajueiro, ananás, mangueira e culturas hortícolas intensivas.

Na zona interior, donde sobressaem os planaltos de Bafatá e Gabu, domina a savana de arbustos e árvores isoladas. O solo é rochoso e exposto à acção dos agentes erosivos, naturalmente desfavorável à agricultura. E, por último, uma zona de transição que liga as duas zonas referidas, coberta de floresta densa, principalmente no sul e onde a presença humana é escassa. Aqui a agricultura perde importância, sendo a principal riqueza desta região as madeiras.

1.3 – População

Existia uma diversidade étnica entre os seus habitantes. Para além dos brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, da população autóctone destaco os seguintes grupos étnicos: Balantas, Fulas, Futas-Fulas, Manjacos, Mandingas, Papéis, Beafadas, Brames, Bijagós, Felupes, Baiotes, Nalus e Sossos.

Farei uma breve descrição das tribos que habitavam a nossa zona: os Fulas e os Futas-Fulas. Os Fulas subdividiam-se em Fulas-Forros e Fulas-Pretos.

Os Forros foram os primeiros a chegar ao território subjugando os Mandingas a quem passaram a designar de Fulas-Pretos. São hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado. Apesar de alguma influência do Islamismo, são essencialmente fetichistas. Dedicam-se ao cultivo do arroz e à pesca (por vezes, através do envenenamento das águas). São bastante indolentes, pouco trabalhadores e viciados na cola.

Os Futas-Fulas habitavam a região do Boé. Com o abandono desta região por parte do Exército português acompanharam a debandada das nossas tropas . Têm boa compleição física, são argutos e inteligentes. Dedicam-se à agricultura, criação de gado e comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, fundo (semelhante a alpista) e frutos. Não comem carne de porco nem bebem vinho, por o Islamismo não o permitir. Consideram-se superiores aos restantes fulas. Praticam a poligamia sendo bons pais e bons maridos, não permitindo que as mulheres pratiquem trabalhos violentos.

Entre as tribos mencionadas existem mais de vinte dialectos diferentes. O crioulo, que é uma mistura de palavras portuguesas e palavras dos dialectos locais, foi introduzido pelos colonos e permite que os nativos se entendam entre si.
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Notas de F.B.:

(*) Formação vegetal características das regiões costeiras intertropicais, constituída por florestas impenetráveis que cobrem as margens dos cursos de água. É a chamada floresta galeria.

(**) Nestas paragens conhecido como mancarra. Lembras-te, Ravasco, daquelas saborosas Luas-Cheias? Sim, se as tias na Linha desfrutavam antes do jantar, do seu Pôr-de-Sol, com os mais variados cocktails, porque não nós, também, na Linha (de combate), não poderíamos saborear um punhado de mancarra sabiamente torrada pela Binta, acompanhada por uma bazuca 'temperaturizad' pelo Matos ou pelo Vila Franca, àquela hora da noite.

(***) Foi precisamente a Companhia que nós fomos render [ CCAÇ 2405], que abandonou Madina do Boé. Aliás devem-se recordar que fomos encontrar militares extremamente desmoralizados. Na retirada, quando atravessavam o Corubal, uma Companhia que se encontrava do lado de cá, a dar-lhes protecção, começou a disparar morteirada, o que gerou o pânico (pensavam que era um ataque do inimigo), tendo perecido 40 militares afogados. O Diário de Notícias editou uma cassete vídeo “Madina do Boé - A retirada (Série Guerra Colonial),
(continua)

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Notas de L.G.:

(1) Sobre a CCAÇ 2405 (que esteve em Manosa, Galomaro e Dulombi], e os baixinhos de Dulombi, vd. os seguintes posts, entre outros:

Estórias de Dulombi, por Rui Felício:

8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi (Rui Felício)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo

18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG

5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço

19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua

14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili

9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral

Vd. também post de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1006: Estórias de Mansoa (1): 'Alfero, água num stá bom' (Rui Felício, CCAÇ 2405)

O meu testemunho, de Paulo Raposo:
10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)

19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1296: O cruzeiro das nossas vidas (2): A Bem da História: a partida do Uíge (Paulo Raposo / Rui Felício, CCAÇ 2405)

7 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1029: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (17): Dulombi

(2) Vd. post de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1494: Tertúlia: Apresenta-se o ex-Alf Mil Fernando Barata, CCAÇ 2700 / BCAÇ 2912

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1540: Os pára-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará, em 4 de Março de 1972 (Victor Tavares, CCP 121)


Guiné > Bissau > Base Aérea nº 12 > O repouso dos guerreiros: pára-quedistas da CCP 121. "Daniel Piedade, com camisola branca descosida no ombro, Victor Batista, no meio, António Marques, o Chamusca, já falecido, a seu lado António Martins e, o que está sentado na mesa, sou eu" (VT).




Guiné > Bissau > Base Aérea nº 12 > O ex-1º Cabo pára-quedista Victor Tavares (BCP 12, CCP 121, Guiné 1972/74).


Fotos e texto: © Victor Tavares (2006). Todos os direitos reservados.



CCP 121 - Março de 1972 > Actividade operacional em Gampará

por Victor Tavares (1)


No dia primeiro do mês de Março de 1972, a CCP 121, comandada pelo Capitão Pára-quedista Moura Martins, seguiu em LDG com partida de Bissau, com destino à península de Gamparà [, ma margem esquerda do Rio Corubal, mais ou menos frente à Ponta do Inglês, vd. carta de Fulacunda] onde permaneceu durante cerca de dois meses, daí partindo para acções de patrulhamento, emboscadas e outras operações de grande envergadura.


Tendo chegado aqui ao meio da tarde, saiu de seguida para um patrulhamento de onde regressou ao início da noite. Aí pernoitou para, na madrugada do dia 2 de Março, partir para o segundo patrulhamento, feito pelo 2º pelotão da CCP 121, o meu grupo de combate.


Preparando a visita do Homem Grande de Bissau


Saíndo pela retaguarda do destacamento, patrulhámos uma vasta área com vários Tabancais e Tabancas isoladas. Fizemo-lo sempre a corta mato por forma a não sermos detectados, emboscámos em vários locais sem que tivessemos referenciado algo de suspeito. A população movimentava-se para algumas lavras onde efectuavam a sementeira de milho e outros cereais.


Notava-se naquela península uma grande dinâmica, comparada com outras zonas do território até pela quantidade de gado bovino que se apascentava nas bolanhas e na orla da mata.


Regressámos ao destacamento já era noite, aonde pernoitámos em pequenas valas individuais que apenas davam para colocar o colchão pneumático, para na madrugada dia seguinte, 3 de Março, iniciarmos novo patrulhamento. Desta vez para o lado oposto àquele do dia anterior. Decorreu sem incidentes, mas com algumas movimentações suspeitas por parte de alguns elementos da população local que, ao contrário do dia anterior, se mostravam menos dinâmicos e mais expectantes, algo estariam a preparar. Regressámos ao destacamento [de Gampará] no final da tarde deste mesmo dia, sem termos problemas.


Quero também dizer que aqui, em Gamparà, os patrulhamentos eram feitos a nível de pelotão. Sempre que saíamos era para zonas diferentes e de uma forma geral regressavamos todos ao destacamento, onde se pernoitava.


Durante estes primeiros dias nenhum grupo de combate da CCP121 teve qualquer contacto com as forças do PAIGC, o que era de estranhar, uma vez que anteriormente as forças do nosso Exército sempre que saíam eram atacadas. Por essa razão é que fomos colocados na península.


Outra das razões era a visita, a este local, do Governador e Comandante Chefe das Forças Armadas na Guiné, General António Spínola. Como toda a gente sabe, a envolvência e a quantidade de militares nestas visitas de propaganda psicológica às populações apenas tinham eco na comunicação social próxima do regime.


No dia 4 de Março de 1972, o comandante chefe António Spínola visitou Gampará, em mais uma acção de psico a esta zona. A visita não correu ao agrado da população, uma vez que as promessas feitas anteriormente pelo Homem Grande ainda não tinham sido compridas, causando algum descontentamento e alarido no meio dos residentes. Isso foi notório durante o discurso, e ao mesmo tempo também preocupante.


Operação Pato Azul (A operação que o primeiro bigrupo da CCP 121 acabou por não executar)


Entretanto e depois do general do pingalim e monóculo abandonar a península, é dada ordem para o 1º Bigrupo de Combate da CCP 121, composto pelo primeiro e segundo pelotões, se preparar para uma operação de três dias, na qual irão participar também a Companhia de Caçadores Pára-quedistas 123, além de outras forças. Foi dada ordem de saída cerca das 23 horas. Saímos do destacamento de Gampará rumo à Pedra de Agulha e desta até a margem do rio Corubal onde aguardaríamos uma LDG [Lancha de Desembarque Grande] que transportava a CCP 123 e outras forças vindas de Bissau para desenvolver a operação Pato Azul na zona de Tite.


Noite dentro, umas vezes utilizando a picada existente e outras, como era habitual, abrindo caminho paralelamente a estas, lá fomos progredindo na marcha possível com ligação por contacto. Embora fosse uma noite com alguma claridade, esta só se notava quando passávamos nas clareiras. Nesta altura andávamos há cerca de 45 minutos até que algo inesperado aconteceu: seguia na frente a 1ª Secção do 2º Pelotão da qual eu fazia parte e na altura seguíamos do lado direito da picada existente quando surgiu a palavra da retaguarda dada pelo nosso Comandante de Companhia, Capitão Moura Martins, informando para cortarmos à esquerda.


Seguia um pouco à minha frente o Comandante do 2º Pelotão, Alferes Afonso Abreu, que, ou não percebendo a ordem ou para confirmar a mesma, deu meia volta sobre a sua perna esquerda e colocou o seu pé direito do outro lado da picada, num trilho pedonal. Ao fazê-lo e nesse exacto momento deu-se uma explosão, seguida de gemidos de sofrimento do nosso Alferes.


Colocámo-nos em guarda a manter segurança enquanto os nossos enfermeiros - por casualidade os dois com o mesmo apelido, Sousa - se encarregavam de socorrer o ferido, fazendo todos os possíveis para que com garrotes, soro e injecções o não deixassem esvaír-se em sangue, uma vez que tinha ficado sem uma parte da perna, mais precisamente, logo a seguir ao cano da bota. Foi o resultado da explosão da mina anti-pessoal que o nosso Alferes tinha accionado. Impressionante foi que a partir desse incidente grave, o mesmo que era bastante gago, enquanto estava a ser socorrido pelos enfermeiros do 1º e 2º Pelotão, chamava a atenção para termos cuidado com a segurança montada, sem sequer gaguejar um pouco.


Entretanto improvisou-se uma maca e foi pedido pessoal para o transporte da mesma, tudo isto por volta das 24 horas do dia 4 para o dia 5 de Março, estava tudo preparado e organizado iniciando-se a deslocação da maca com o ferido.


Andados os primeiros dois ou três metros, um dos militares pára-quedistas que pegava na maca accionou um fornilho com uma potência tão grande que viria a matar seis militares pára-quedistas, incluindo o ferido, Alferes Abreu. Foram momentos de grande ansiedade e de terror, gemidos, gritos de sofrimento, de todos os lados , uns cegos - caso do Inês - , outros feridos de morte - caso do Furriel Cardiga Pinto que com as suas mãos no abdómen segurava aquilo que restava dos seus órgãos...


O Sousa, Enfermeiro, que até aí tinha sido um herói no socorro ao Alferes Abreu e que seguia ao lado da maca segurando o frasco do soro, viria a morrer ficando sem um dos braços. A cabeça e rosto ficaram bastante mal tratados, ficando completamente irreconhecível, o mesmo se passando com o Alferes Abreu. Identifiquei os dois no Hospital Militar de Bissau para onde fui evacuado de helicóptero junto com alguns dos
corpos,  incluindo estes dois últimos.


No local, os que escaparam à explosão, sem descurar a segurança, foram socorrendo os feridos mais graves dentro das possibilidades da ocasião, tendo sido pedido transporte para socorro ao destacamento de onde tínhamos partido (Gampará), que viriam com uma viatura para transportar os mortos e feridos mais graves. Mesmo assim um dos nossos camaradas que tinha sido projectado pela explosão para uma distância considerável, viria a ficar até à madrugada no local onde morreu por não ter sido encontrado aquando do reconhecimento. Ficou espetado numa palmeira a 2 a 3 metros de altura, de onde foi recolhido pelos camaradas ao clarear do dia. Tinha sido feita a contagem várias vezes e faltava sempre um, quando se verificou que esse militar que faltava era o 1º Cabo Pára-quedista Almeida.


Desta tragédia para a família pára-quedista, que jamais esquecerá este dia , resultaram:

(i) seis mortes, Alf Mil Paraquedista Abreu, Furriel Pára-quedista Cardiga Pinto, PCB/Pára-quedista 47/68 Santos , PCB/Pára-quedista 129/69 Almeida , Sol/Pára-quedista 318/69 Jesus , PCB/Pára-quedista 412/69 Sousa;

(ii) 2 feridos graves e nove com menos gravidade , Furriel Pára-quedista Casalta (Comandante da 1ª secção do 2º Pelotão) , Sol Pára-quedista Inês (evacuado para a metrópole ), Ferreira , Tavares, Ventura, e 1º Cabo Pára-quedista Figueiredo, todos do 2º Pelotão, e o Sold Pára-quedista Salgado - Estilhaço de alcunha - do 1º Pelotão, faltando três por identificar pois, passado todos estes anos, já não me recordo, e ficará para sempre uma saudade enorme D’AQUELES EM QUEM PODER NÃO TEVE A MORTE.


Carregámos os mortos e feridos debaixo de uma nuvem enorme de pó e fumo, para a viatura chegada do destacamento, com um cheiro terrível a pólvora a sangue e a morte. Foram momentos horríveis que os Pára-quedistas da CCP121 tiveram que passar naquela noite triste e inesquecível de Março de 1972, que nunca aqueles que lá estiveram irão esquecer.


Os pára-quedistas também choram


Regressados ao destacamento, os feridos mais graves foram conduzidos para tendas aonde lhes foram prestados os primeiros socorros possíveis, era um amontoado de corpos a serem tratados pelos enfermeiros e socorristas, pára-quedistas e do Exército, que não tinham mãos a medir para aqueles que mais sofriam: uns choravam de sofrimento - porque OS PÁRA-QUEDISTAS TAMBÉM CHORAM! - a perda de camaradas, amigos e companheiros principalmente nestes momentos de tragédia, outros gritavam de dores e alguns, já quase moribundos, em agonia de morte, poucos minutos ou horas lhes restavam de vida, sofriam em silêncio porque já não tinham forças para dar qualquer sinal.


Infelizmente acompanhei muito de perto toda esta tragédia, porque depois de ter ajudado a socorrer os meus camaradas no local e termos feito o regresso, e os ajudar a colocar nos locais aonde foram socorridos, comecei a sentir frio e a tremer. Como me encontrava todo sujo de poeira e sangue, fui lavar-me a um bidão, ao tirar o dólmen - casaco camuflado - sentia algum ardor nas costas e braços e no ombro esquerdo. Ao passar a mão notei logo o que era, estava todo carimbado de estilhaços e estava a perder sangue, daí a razão de estar com tremuras e frio. Antes não liguei porque, como carreguei alguns feridos e mortos, pensei sempre que este sangue seria dos meus camaradas.


Quero referir que, aquando do rebentamento do fornilho accionado, eu e alguns camaradas fomos projectados para o meio da mata pelo sopro da potente explosão. Estou a recordar-me por exemplo do Capitão pára-quedista Moura Martins, meu comandante de companhia, e dos pára-quedistas Liam e Ferreira e do PCB  enfermeiro Pára-quedista Sousa. Este morreu de imediato. Foram para uma distância de mais de 10 a 15 metros, caindo um deles em cima de mim, fracturando-me duas costelas, o que me levou a ser evacuado no dia seguinte para o HMB 241 em Bissau onde permaneci durante dois dias, sendo posteriormente transferido para a enfermaria da BA 12 - Base Aérea 12 - onde eram tratados e recuperados os pára-quedistas feridos.


No mesmo dia 5, no Hospital, fui solicitado para ir fazer a identificação dos corpos
Uma vez que o seu estado era arrepiante, além de duvidoso para quem não tinha acompanhado toda esta tragédia, era difícil fazê-lo com exactidão tal era o estado de pelo menos de dois dos nossos camaradas.


Entretanto já na enfermaria da BA 12, passados uns dias fomos visitados pelo General António Spínola, Comandante-Chefe da Z.A.C.V.G. e Governador da Guiné, acompanhado pelas senhorinhas do M.N. F. [ Movimento Nacional Feminino], para se inteirar do estado dos pára-quedistas feridos em Gampará.


Como nada me impedia de andar de pé, as dores mais fortes eram na caixa torácica
E tanto valia estar deitado como não, tinha sempre dores. Na ocasião desta tão ilustre visita, encontrava-me perto da porta, e ao deparar com a aproximação destes visitantes, não fiquei lá muito a vontade, estava de camisola branca - hoje chama-se T-Shirt - e calças azuis de fato de treino. No entanto coloquei-me na posição de sentido enquanto ele me perguntava aonde se encontravam os feridos. Indiquei-lhe o local e acompanhei a sua rápida visita cumprimentando a despachar os doente - parecia muito ocupado -, demorando dois ou três minutos, e acabando por dizer à saída:
- É só isto, pensei que fosse mais grave.


Ao ouvir isto, não por mim mas por alguns dos meus companheiros que se encontravam bastante mal tratados, apeteceu-me dizer-lhe que quem devia lá estar era o senhor general, mas com isso só podia arranjar era uma sanção disciplinar, mesmo revoltado com o que tinha ouvido, contive-me, despedindo-me das madames que acabaram por nos deixarem uns livros de contos da carochinha e valha-nos Deus que se derretiam em simpatia que era de meter nojo.


Enfim, eram outros tempos... Passados cerca de oito dias regressei ao pelotão, embora ainda em convalescença, e aí acabei a minha recuperação.


Estimado amigo e camarada Luís,  envio-te mais este texto para se assim o entenderes publicá-lo, estás à vontade. Despeço-me com um abraço de amizade para ti e todos Tertulianos.


Vitor Tavares, que também é amigo e vizinho do Paulo Santiago.


P.S. - Quero também informar-vos que a minha companhia - a CCP 121 - já teve o seu encontro anual em Tancos e antes do almoço reunimos para falar sobre os mortos de Guidaje, aonde esteve presente o meu camarada de armas na reserva Sargento-Mor Pára-quedista Manuel Rebocho que, a nosso pedido, fez o ponto da situação. Em meu entender as coisas estão a correr bem. O pessoal está a despertar repentinamente , tenho recebido telefonemas vários, atéde camaradas pára-quedistas que estiveram noutras províncias e de outros que ainda estão ainda no activo.


Vamos ver quem mais se juntará a nás nesta justa iniciativa. Será que os organismos oficiais acordam ?
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Notas de L.G.:


(1) Vd. posts anteriores:


8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1350: Ataque ao navio patrulha no Rio Cacheu (Victor Tavares)


25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto


9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os pára-quedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida


26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1316: A participação dos pára-quedistas na Operação Ametista Real: assalto à base de Kumbamory, Senegal (Victor Tavares, CCP 121)

Guiné 63/74 - P1539: Embaixador António Pinto da França agradece-nos (Beja Santos)

Capa do livro de António Pinto da França, Angola, dia-a-dia de um Embaixador, 1983-1989. Lisboa: Prefácio. 2004. Pinto da França foi o embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, de 1977 a 1980, e em Angola entre 1983 e 1988.

Foto: O Templário (2005) (com a devida vénia...).


O Beja Santos, em email de 24 de Janeiro último, fez-nos chegar uma nota de agradecimento do Embaixador António Pinto da França:


Caro Senhor Beja dos Santos: Só hoje e por puro acaso fui dar no Google com o seu artigo sobre as minhas memórias da Guiné-Bissau (1) que me deixou encantado por tão bem me ter compreendido. Comoveu-me aquilo que escreve num português tão bonito (2). Claro que estas minhas memórias, por tratarem da Guiné, tiveram bem menor saída que as minhas memórias de Angola (3) que talvez também tenha lido. Eu, por mim, até gosto mais do primeiro do que deste último.

Com amigas lembranças
António Pinto da França (4)

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Notas de L.G.:

(1) Em tempos de Inocência – Um Diário da Guiné-Bissau, de António Pinto da França. Lisboa: Prefácio, 2005.

(2) Vd. post de 25 Setembro 2006 > Guiné 63/74 - P1113: Dez razões para ler 'Em tempos de inocência', diário do Embaixador A. Pinto da França (Beja Santos)

(3) Angola, dia-a-dia de um Embaixador, 1983-1989. Lisboa: Prefácio. 2004. 305 pp. (Prefácio de Marcello Mathias).

4) Outras referências ao autor, no nosso blogue > Vd. posts de:

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1332: Antologia (55): Bambadinca, a guerra aqui tão a sério, tão cruel (Embaixador António Pinto da França)

22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1538: Bissau: O melhor Carnaval do Mundo (Paulo e São Salgado)






iiiiiiiiiiii







Guiné -Bissau > Bissau > Carnaval de 2005.


1. Mensagem do Paulo Salgado:


Caro Luís,


Junto remeto um breve texto e fotos sobre o Carnaval em Bissau ( a Conceição e eu já assistimos a vários carnavais, sendo o primeiro em 1991 - o que nos deixou perplexos pela novidade: alegria, cor, ritmo ...)


Um abraço
Conceição e Paulo


Texto e fotos: © Paulo Salgado (2007). Direitos reservados.


2. O Melhor Carnaval do Mundo
por Paulo e São Salgado


Hoje é dia de Carnaval, terça-feira.


Por cá, esta modorra de chuva impede os foliões de saírem para as ruas, meio pintados, ou desnudados, com folhos ou penugens cobrindo-lhes os corpos brancos, e darem largas (pelo menos a alguns) de uma alegria conquistada pela imitação, as mais das vezes importada do Brasil brasileiro.


Longe vão os tempos do Entrudo – nas aldeias e vilas e cidades deste nosso querido Portugal – onde a imaginação se decalcava nos caretos, na dança das fitas, dos trajes grotescos (havia muitos que se mascaravam de mulher, quiçá com um pouco de feminismo que há em cada homem), na queima do diabo, nas cantigas à desgarrada com vozes roufenhas à porta das moçoilas que adivinhavam o convite por detrás daquela vozearia nocturna que acontecia durante a quadra entrudesca.


Por terras da Guiné, da que se revelou após a independência, o Carnaval é genuíno, é puro, é belo, é ternurento – e organizado (que o diga eu: queriam prender-me e conduzir-me à esquadra por não possuir autorização paga para colher das melhores fotos que já colhi)! Desfilam os grupos dos bairros da capital (Belém, Missira, Ajuda, Cupelon, etc.) e também de outras regiões (Bissorã, Mansoa, Bafatá…e até dos Bijagós) que deixam arrebatada qualquer alma que por ali esteja, provindo das Europas ou das Américas – numa garbosa e vistosa procissão, compassada, marcada pelo ritmo de tambores, bombolons, instrumentos de sopro feitos a partir de cornos de vaca ou de búfalo (sim, há búfalos no sul da Guiné – para quem não saiba: trata-se de búfalos pequenos que atravessam a fronteira e vão até ao Futa-Djalon, que, dizem-me serem muito interessantes do ponto de vista da fauna que estão embrenhados nas matas, e que alguns caçadores idos do nosso Portugal têm a sorte de abater…).


Percorrerão, a partir do cais do Pidjiguiti, a Avenida Amílcar Cabral (era da Pensão Central, junto à Sé Catedral e aos Correios, que este escriba apreciava tudo), a Praça dos Heróis da Pátria, onde, diante do Palácio da Presidência (agora esburacado, picado de balas e morteiradas – guerra de 1998 - esventrado, meio destelhado), um palanque está montado para a decisão final, a qual é a de premiar o melhor grupo, a melhor máscara (ah, as máscaras, meus Caros, são lindas, perfeitas, críticas, mordazes), a rapariga mais bem enfeitada, o rapaz tocador mais animado, que sabemos nós?! e, prossegue, sempre em ritmo cadenciado, sonorizado, colorido, para os lados de Brá, passando no mercado Bandim, e indo pela avenida fora a caminho de um fim que se repetirá no ano seguinte, num reencontro colectivo – pela paz, pela harmonia, pelo gosto de viver – apesar de tudo!


O trânsito pára. A população deslumbra-se, os mirones partilham o ritmo, o vinho de palma escorre…são os balantas, os pepel (papeis, dizemos vulgarmente) e os Bijagós que dominam este cortejo.


Esta genuinidade, esta beleza, esta algazarra abrangente, animam, contagiam, fascinam, seduzem. É o Povo a dizer o que lhe vai na alma, a pronunciar a sua alegria, a mostrar a sua força anímica, a criticar em cartazes e máscaras o que os seus representantes representam.


Crede: para mim, que nunca fui ao Rio ver as mulatas com as mamas e o resto que os deuses lhes deram à mostra, nunca fui a Veneza admirar as poses selectas das senhoras descendentes das prostitutas dos doges, nunca me encharquei em cervejas em Munique ao lado dos valentões enormes – mas que tudo se vê nas televisões – para mim, dizia, este é o melhor Carnaval do Mundo.


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Nota de L.G.:


(1) O Paulo Salgado regressou, recentemente, de Bissau, após mais um difícil ano de cooperação, na área da saúde. Para o Paulo (e a sua inseparável São, economista), a Guiné-Bissau é já o seu segundo país. O Paulo, profissionalmente, é administrador hospitalar. Ele e a São vivem em Vila Nova de Gaia. O Paulo foi Alferes miliciano na CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que teve como comandante o capitão de cavalaria Mário Tomé, hoje coronel na reforma.


Vd. um dos seus últimos posts > 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1421: Crónicas de Bissau (o 'bombolom' do Paulo Salgado) (14): Um final com homenagem a um homem grande, Fernando Sani

Guiné 63/74 - P1537: Ex-1º cabo enfermeiro da CART 3492/BART 3873 há 23 anos na Austrália (Arthur Pereira / Sousa de Castro / Mexia Alves)

Vila Nova de Gaia > Carvalhos > Quinta da Paradela > 10 de Junho de 1989 > 1º Convívio do pessoal BART 3873 > Lá está o grandalhão do Mexia Alves, de barbas, o 1º da 2ª fila, de pé, da dierita para a esquerda, com malta da CART 3494 e da CCS do BART 3873 (1).

O BART 3873, sedeado com a respectiva CCS em Bambadinca (1972/74) tinha três unidades de quadrícula no Sector L1: CART 3493 (Mansambo, 1972/1973); CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974); CART 3492 (Xitole, 1972/74). O Alf Mil Op Espec Mexia Alves pertenceu originalmente à CART 3492, antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Bambadinca) e na CCAÇ 15 (Mansoa).

Foto: © Sousa de Castro (2006) (ex-1º cabo de transmissões da CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74). Direitos reservados.

1. Através do Jorge Santos, chegou-nos este mail, com data de 1 de Fevereiro, enviado por um camarada que vive na Austrália, Arthur Pereira:

O meu nome é Arthur Pereira, e pertenço ao grande grupo de portugueses que foram (e que são) ex-combatentes do ultramar. Vim para a Austrália há cerca de 23 anos, mas o passado continua bem vivo em mim. Sempre tive em ideia de um dia poder estar reunido com todos os meus camaradas que estiveram comigo na Guiné.

Pertenci ao BART 3873 / CART 3492, que esteve no Xitole . Muito recentemente, através do Sapo, consegui ver que se fazem todos os anos convívios entre diversos Batalhões e Companhias. Li com emoçõo, artigos do Mexia Alves. Na altura, eu era cabo enfermeiro,mais conhecido pelo Pastilhas. A verdade é que sempre que me lembro desses tempos, sinto uma enorme nostalgia e triteza por não ter a possibilidade de me encontrar com esses velhos mas leais amigos.

Queria pedir-lhe, por favor, se tem conhecimento de algum convívio durante este ano com os meus antigos camaradas, para entrar em contacto comigo, de modo a poder deslocar-me a Portugal para tomar parte dessa festividade ou encontro.

Aceite as minhas desculpas por me dirigir a si e, ao mesmo tempo, aceite o meu muito obrigado antecipadamente pela possível ajuda em relação ao meu pedido.

Respeitosamente

Arthur Pereira

2. Comentário do Sousa de Castro:

Caro Amigo Artur Pereira, recebi e-mail do Jorge Santos com a informação de que pertenceste à à CART 3492 do BART 3873 (Xitole). Pois, devo dizer-te que eu também fiz parte do mesmo BART mas da CART 3494 (Xime).

Conheço bem o Mexia Alves, encontrei-me com ele há uns anos num convívio em Carvalhos (Porto) e também Monte Real (Leiria) (1). Aproveito para te dizer que fui 1º cabo Radiotelegrafista no Xime. Mudámos mais tarde para Mansambo quando a CART 3493 mudou para o Cantanhês. Recordo terem falado no Pastilhas num dos convívios.

Convido-te a visitares este nosso blogue, onde irás encontrar muita coisa relacionada com Xitole e estórias de ex-combatentes que estiveram em toda a Guiné. Convido-te também a fazer parte da tertúlia enviando para o Luís Graça uma foto tua da época e outra actual, para publicação no blogue.

Grande abraço.

António Manuel Sousa de Castro

Ex. 1º cabo Radiotelegrafista - CART 3494

(Xime e Mansambo, Jan 72/ Abr 74)


3. Resposta do Joaquim Mexia Alves:

Caro Artur Pereira:

Sabes que esta coisa da idade é lixada e a memória nos atraiçoa!!! O teu nome diz-me que sim mas não consigo ver a tua cara.

De qualquer modo um grande abraço do teu camarada de Companhia. Como diz o Sousa de Castro, liga-te à Tertúlia deste blogue e assim, para além de nos dares as tuas histórias, se calhar nalgumas delas estamos os dois, reavivas a minha memória, que de vez em quando vai falhando.

Manda mail para o Luis Graça e ele te dará as indicações necessárias.

Fico ansioso por ler histórias tuas, que envolvam o período que lá estive e também depois de eu ter saído da Companhia (2).

Assim que souber de um convívio eu te direi. Dantes havia o convívio do Batalhão, mas agora não sei se ainda continua.

Um grande e amigo abraço do
Joaquim Mexia Alves

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 19 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P969: Mexias Alves e a malta do BART 3873 (Bambadinca, 1972/74) (Sousa de Castro)

(2) Sobre pessoal do BART 3873, dv. os seguintes posts, entre outros:

30 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1473: O álbum das glórias (6): A 'dolce vita' de Bolama (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)

5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1401: Com a CART 3492, em Bolama, no Reino dos Bijagós (Joaquim Mexia Alves)

24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1312: Ponte dos Fulas: Estão ali uns gajos que me querem matar (Joaquim Mexia Alves, CART 3492)

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1288: Estórias de Bissau (5): saudosimos (Sousa de Castro)

12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1141: As (des)andanças do TT Niassa em Dezembro de 1971 (Lema Santos)

24 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74: P1111: A primeira mina, os primeiros suores (Joaquim Mexia Alves)

24 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P983: 'Ora di djunta mon tchiga', 4º livro de poesia do nosso camarada Carvalhido da Ponte

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P977: Antologia (52): A guerra que Portugal quis esquecer (Luís Carvalhido, ao Jornal de Barcelos)

16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1536: In Memoriam... Barbosa Henriques (1938-2007), o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

[Octávio Emanuel] Barbosa Henriques (1938-2007), antigo capitão de artilharia, cor art na reserva: foi comandante da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835; esteve, de passagem, em Guileje, à frente da CART 2410, em 1969/70; foi supervisor  da 1ª Companhia de Comandos Africanos ( a partir de fevereiro de 1970). e esteve ainda à frente da 27ª CCmds.

Morreu no sábado passado, dia 17, em Lisboa. Nasceu na Ilha do Fogo, Cabo Verde. Foto de jornal [, à esquerda,] enviada pelo Jorge Cabral.



1. Nota do editor do blogue, enviada por e-mail ao pessoal da tertúlia:

Amigos & camaradas:

Lembram-se do capitão 'comando' Barbosa Henriques ? Já aqui foi evocado por alguns de nós... Conheci-o (mal), no Xime e em Fá Mandinga, como instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos... Fui buscá-los, a ele e aos seus rapazes, ao Xime, quando desembarcaram de uma LDG... O Jorge Cabral privou de mais perto com ele... O Virgínio Briote também o conhecia, do tempo da Academia Militar... E julgo que os demais camaradas dos comandos... Esteve também na PSP, ao que parece...

Morreu no sábado passado, foi a enterrar no domingo, no cemitério do Alto de São João. Foi o Virgínio Briote que me deu a notícia. São sempre tristes estas notícias do desaparecimento de ex-combatentes da Guiné... Acho que o blogue pode e deve falar dele...

Evoquei-o, num dos primeiros posts do nosso blogue, em 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça). É possível que o retrato psicológico que fiz dele, fosse inexacto, parcial, redutor, injusto. Era seguramente superficial... Confesso que o conheci mal. Mas não seria justo, de qualquer modo, esqueço-lo. Aqui fica um extracto desse post:

Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando B. Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes [, a 27ª CCmds].

(...) O capitão-comando Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.

E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...

Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)


2. Também o Jorge Cabral (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 63) relembra a sua figura, com muito mais vivacidade e propriedade do que eu, já que foi foi seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné. Aqui fica o texto que me acaba de enviar:

O Meu Amigo, Barbosa Henriques

por Jorge Cabral


Confesso que, quando em Janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [, destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. Ali me encontrava desde Julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.

Em Fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o Capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.

Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca, não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.

Como Comando-Instrutor, o Capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).

Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.
- Bons tempos Cabral, consigo ia ficando maluco - disse-me então.
- E eu ia ficando Comando - retorqui ao meu único amigo Capitão.

Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o Capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.

Jorge Cabral

3. Ver também nota biogafica mais completa no portal UTW - Ultramar Terra Web - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.
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Nota de L. G.:

(1) Vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1013: Também eu, apanhado, me confesso (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P1535: Subsídios para a história da CART 1689, a que pertencia o Belmiro dos Santos João (Victor Condeço)


Guiné > Bissau > CTIG > Guartel Gêneral > 1ª Rep > Nota nº 13830, de 31 de Agosto de 1968. Nota (invulgar ?) de apreço e reconhecimento da Marinha pelo comportamento, a bordo de uma LDM, do pessoal da CART 1689.

Foto: © Víctor Condeço (2006). Direitos reservados.

Texto de Víctor Condeço (ex- Fur Mil Mecânico de Armamento, CCS do BART 1913, Catió 1967/69).
Caro Luís e camaradas de Tertúlia:

Eu não pertencia à CART 1689, mas pertencia ao mesmo batalhão, o BART 1913, com sede em Catió, e privei com os elementos desta companhia durante a sua permanência ali. Embora tenha algumas fotografias da época, onde possam estar o Belmiro (1), já não consigo recordar-me quem era e por isso também não posso falar especificamente dele.

Posso no entanto e como complemento ao que o Fernando Chapouto, o A. Marques Lopes e o Idálio Reis já escreveram (1), acrescentar alguns poucos pormenores, que constam da história da Companhia e que relatam o seu percurso na Guiné entre 1967 e 1969.

A CART 1689, quando em 1 de Maio de 1967 chegámos a Bissau, embarcou na BOR para subir o Geba até Bambadinca, instalando-se ainda nessa noite em Fá Mandinga, onde adquiriu treino e desenvolveu actividade operacional, aí permanecendo até 18 de Julho de 1967.

Em 19 de Julho de 1967 chega a Catió onde rende a CCAV 1484, ficando em intervenção na sede do BART 1913, Comando do Sector.

Em 22 de Março de 1968 é deslocada para Buba a bordo de uma LDG, onde permanecerá até 7 de Abril em concentração de meios, patrulhamentos e treinos.

Neste mesmo dia 7 de Abril de 1968 inicia-se a Operação Bola de Fogo, que teve por missão implantar o Aquartelamento de Gandembel/Ponte Balana, na qual participa e onde chega a 8 de Abril de 1968 (2).

Ao longo desta Operação que decorreu durante vários dias, participaram inúmeros efectivos de pelo menos 14 unidades.

A CART 1689 retirou de Gandembel em 15 de Maio de 1968 via Aldeia Formosa e daqui para Buba nos dias 16 e 17 do mesmo mês.

Pelas 8h30 do dia 23 de Maio a Companhia embarcou em LDG com destino a Catió, tendo passado a noite ao largo do Tombali

No dia 24 de Maio quando a LDG navegava no Rio Cobade foi atacada de ambas as margens, com armamento ligeiro, bazucas e morteiros que lhe provocaram dois rombos, um do lado esquerdo e outro à ré. A Companhia não teve feridos e desembarcou em Catió ao fim da manhã deste mesmo dia.

A CART 1689 permaneceu em Catió em actividade de intervenção até ao dia 10 de Junho de 1968, data em que é transferida para Cabedu, onde permanece até 30 de Julho.

Nesta data inicia a sua deslocação para Canquelifá, Sector de Nova Lamego, que prossegue em 31 e onde chega às 22h30 do dia 1 de Agosto de 1968.

Nesta viagem a Companhia tem um comportamento que merece da parte do Comandante da LDG uma nota de apreço (vd. cópia da Nota nº 13830, de 31 de Agosto de 1968, da 1ª Rep / QG / CTIG. que acima se insere).

A partir de 1 de Agosto a Companhia desenvolve a actividade operacional em toda a zona de Canquelifá, aí permanecendo até ao dia 3 de Dezembro, data em que inicia a transferência para Bissau – Santa Luzia, tendo chegado a Bambadinca nesse mesmo dia.

No dia 5 de Dezembro cerca de 50% da Companhia embarca para Bissau onde chega ao princípio da noite. Só no dia 9 de Dezembro chegam a Bissau os restantes elementos da Companhia.

Durante o mês de Dezembro e até ao final da comissão em 2 de Março de 1969, a Companhia colabora no serviço respeitante ao Batalhão aquartelado em Santa Luzia e ao qual está adida, tomando parte em operações de cerco e rusga.

Faz o seu regresso à metrópole no dia 3 de Março de 1969, em conjunto com as restantes unidades do BART 1913 no N/M Uíge.


Com um abraço para todos
Victor Condeço

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Nota de L.G.:

1) Vd. posts anteriores sobre o Belmiro dos Santos João:

17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1532: O furriel Belmiro dos Santos João, a primeira vítima mortal do inferno de Gandembel (Idálio Reis)

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1529: Belmiro dos Santos João, de Miranda do Douro, vítima de mina antipessoal em Catió (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. A tabanca de Bambadinca foi cortada ao meio pela antiga estrada com acesso (muito íngreme) ao aquartelamento (entrada principal, de leste). Foi aberta a uma nova estrada que contornava o aquartelamento pelo lado da tabanca (a leste) e da bolanha (a sul).
Do lado direito são vísíveis casas comerciais, de estilo colonial, a última das quais era a do Zé Maria (onde comíamos os famosos camarões do Rio Geba, ao fundo). São também visíveis, junto ao ancoradouro do Rio Geba, as instalações do Pelotão de Intendência. Os barcos, de pequeno calado, e nomeadamente civis (da Casa Gouveia e outros), chegavam facilmente aqui, transportando víveres e outras mercadorias, ao serviço da intendência militar. Era a partir de Bambadinca que se fazia o abastecimento de grande parte das NT instaladas na Zona Leste (Bafatá e Gabu).
No foto, pode ver-se, em primeiro plano, a saída (nordeste) do aquartelamento, a ligação (B) à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (C), paralela à antiga estrada (A) que cortava a tabanca ao meio. Ao fundo, o Rio Geba Estreito (E). Junto ao rio, as instalações do Pelotão de Intendência (D). A casa comercial do Zé Maria ficava em C. (LG).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Zé Maria, o Filho, Madina / Belel e um tal Alferes Fanfarrão


(Ex-Alf Mil Art Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante.

Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar.
Claro, logo o Alferes, prometeu interceder.
- Como se chama o rapaz? Que colégio? E o nome dos Professores?
Apontadas as respostas, descansou-o.

– Amanhã mesmo já escrevo para Lisboa.

E foi à vida, sem pensar mais no assunto… Três semanas passadas, assim que o Alferes pôs o pé no cais, correu para ele o senhor Zé Maria eufórico, aos gritos:

- Senhor Alferes! Senhor Alferes! Muito obrigado! Conseguiu! O rapaz passou!


Disfarçando a surpresa, e quase amachucado com o valente abraço, o Alferes apenas comentou.

-Então não lhe disse? Eu sou assim! Promessa feita é promessa cumprida.

E lá foram os dois comemorar. A partir desse dia, nunca mais o Alferes pagou, nem de comer, nem muito principalmente de beber… passando a lá parar, não só à chegada, mas também à partida. Mas o senhor Zé Maria não oferecia só de comer e de beber, dava-lhe também preciosas informações e conselhos.
- Se quiser fazer um grande ronco... - e indicava locais, trilhos, passagens.


Porém o Alferes, não queria ronco nenhum, e tanto conhecimento fazia-o desconfiar. No início de Abril, estava o Alferes no seu quarto whisky, disse-lhe o senhor Zé Maria:

- O Senhor Alferes também lá vai? É perigoso!

Lá e perigoso, só podia ser Madina, pensou o Alferes, que imediatamente debandou para o Quartel, entrando de rompante no Gabinete do Polidoro, onde Fanfarrão, atirou:
- Como é meu Comandante? Será possível entrar em Madina, sem o Alferes Cabral?

Não tugiu, nem mugiu o Polidoro, dando o devido desconto, à visível excitação etílica.
Porém, nessa noite, já em Missirá, o Alferes decifrou a simpática mensagem: “Alferes Cabral, anfitrião no Cuor, amanhã, acompanha Comp Paras".


No dia seguinte conheceu Madina / Belel, mas desde então nunca mais bebeu antes de falar com o Polidoro. Só depois…

Jorge Cabral


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Nota de L.G.:


sábado, 17 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato)


Guiné-Bissau > Bissau > 18 de Novembro de 2006 > Restaurante Bate Papo > Pepito, fundador e director executivo da AD, à esquerda, e Carlos Fortunato, à direita de óculos escuros. O restaurante Bate Papo, da Maria José, fica no centro de Bissau, junto aos Serviços Metereológicos.



Guiné- Bissau > Bissau > 18 de Novembro de 2006 > Na Escola de Artes e Ofícios de Quelélé, da AD > Jorge Handem (Jorgito), Director da Escola, Carlos Fortunato e Carlos Schwarz (Pepito).



Guiné-Bissau > Bissau > Escola de Artes e Ofícios > 24 de Novembro de 2006 > Agradecimento e oferta de um lenço da AD ao Carlos Fortunato que aqui realizou uma acção de formação sobre desenho de sítios na Net.


Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


1. O Carlos Fortunato, membro a nossa tertúlia desde Julho de 2005, e que trabalhou até há pouco numa multinacional de consultadoria na áera dos sistemas de informação, tem agora mais disponibilidade de tempo para se dedicar à Guiné, aos seus amigos guineenses e à sua página na Net, que foi recentemente reestruturada. O sítio, criado em Fevereiro de 2003, passa agora a chamar-se Guiné - Os Leões Negros. É apresentado nestes termos:

"Site sobre a Guiné - Bissau, relatando a guerra 1963 a 1974, nomeadamente alguns dos episódios da experiência vivida pela a Companhia de Caçadores 13, mais conhecida como CCAÇ 13, mas também designada por Leões Negros, ou ainda pela Companhia dos Balantas de Bissorã, que combateu aqui durante o período de 1969 a 1974.

"A companhia era constituída na totalidade por soldados operacionais guineenses, que eram todos da etnia balanta, e por alguns oficiais, sargentos, cabos e especialistas, vindos da metrópole.

"São igualmente incluídos ou referenciados, outros temas, através de textos, fotografias e filmes, para melhor compreensão do conflito, e deste país".

Ainda não tive tempo para saudar, aqui, o Carlos e fazer uma pequena nota de reportagem à sua viagem à Guiné-Bissau, em Novembro passado. Estive com ele uns dias antes de partir: estava entusiasmado com a perspectiva de voltar a Bissorã e ajudar os seus antigos soldados, balantas, da CCAÇ 13, os seus leões negros. Também tinha combinado, com o Pepito, fazer uma acção de formação sobre desenho de páginas na Net. O tempo passou e eu fiquei sem saber como tinham corrido as coisas por lá. Mandei-lhe então um mail, pedindo-lhe para nos fazer um pequeno relato das suas impressões.

Publico hoje, com atraso, a sua resposta.


2. Mensagem do Carlos Fortunato, de 22 de Janeiro último:

Amigo Luís: Está tudo bem comigo, apenas um pouco mais ocupado, espero que contigo tudo esteja bem também.

Já tinha pensado em enviar-te uma mensagem, falando da minha viagem à Guiné. Foi uma viagem fantástica. jáescrevi um texto sobre a mesma, está no site da CCAÇ
13 > Guiné - Os Leões Negros.


Na página Encontros, abri o tema Viagens, onde inseri um texto com fotos sobre a viagem e um pequeno vídeo.

O blogue [, Luís Graça & Camaradas da Guiné,] esteve sempre presente, nos meus contactos, fazendo sempre referência a ele, quer na entrevistaúque dei para a rádio, quer na que dei para a TV.

Fiquei com muitas duvidas em como abordar o tema no blogue, e fiquei a pensar no assunto:

- Reproduzir a página na totalidade no blogue ?
- Extrair apenas algumas partes, que sejam mais do interesse geral?
- Fazer um resumo para o blogue ?
- Produzir um texto novo?

Dá uma vista de olhos no site, e dá-me a tua opinião. Um grande abraço

Carlos Fortunato

3. Acabei por aceitar a sugestão do Carlos e fazer um resumo alargado da sua crónica. Aproveito para saudar o Pepito que está por cá, em Lisboa, nestes dias, até à próxima sexta-feira. O Carlos conheceu-o em Bissau e tive oportunidade de constatar, directamente, o excelente trabalho que a sua ONG , a AD - Acção para o Desenvolvimento, está a fazer no terreno, em prol da Guiné e do seu povo.


A minha viagem fantástica, de regresso à Guiné-Bissau
(de 17 a 24 de Novembro de 2006).
por Carlos Fortunato (Subtítulos da responsalidade do editor do blogue)


(...) A chegada a Bissau no dia 17/11/2006 (6ª feira) não podia ter começado de melhor maneira, Carmona Rodrigues presidente da CML e um bispo de uma religião que não consegui identificar, iam no meu avião, pelo que dois grupos de dança, e música estavam à sua espera no aeroporto.

A minha espera no aeroporto tinha o meu contacto em Bissau, Carlos Lico, que me ajudou com as bagagens, me entregou o jipe que tinha alugado (...).


Hotel: mais de 100 euros; 1 refeição: mais de 20 euros

Fiquei instalado no excelente Palace Hotel, o preço dos quartos standard é de 70.000 CFA, e de um quarto para executivo 90.000 CFA, são semelhantes, mas o quarto de executivo tem mais espaço. Uma refeição aqui ronda os 15.000 CFA, e a cozinha é igualmente excelente (...). (2)




Guiné-Bissau > Bissau > O Hotel Palace.

Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.



Visita à AD - Acção para o Desenvolvimento, fundada e dirigida pelo Pepito

No dia seguinte (sábado, dia 18), conforme planeado fui de manhã ter com o Pepito [, director executiva da AD, ] visitámos as instalações da AD no Quelélé, nomeadamente a Escola de Artes e Oficios, e a rádio Quelélé. As ONG [, Organizações Não-Governamentais,] como a AD têm hoje um papel importante no desenvolvimento do país.

Actualmente a Escola de Artes e Ofícios possui cursos na área de informática, electrónica e auxiliares de infância, mas a sua biblioteca e o seu centro de multimédia, são também espaços importantes para a população do Quelélé (...).


Alguma insegurança em Bissau, mas o mesmo calor humano e simpatia do povo guineense


Em Bissau nota-se muito mais gente, muito mais trânsito e mais comércio, destacam-se algumas melhorias como por exemplo a existência de vários bancos, o novo edifício da Assembleia Nacional Popular, o novo Palace Hotel, as casas com telhados de zinco, e até algumas vivendas de fina construção. Outras coisas pioraram como o estado das estradas em Bissau, em que nalgumas ruas os buracos são tantos, que não se consegue fugir deles. Existe igualmente mais insegurança devido aos assaltos. Outras ainda estão na mesma, como aquele calor humano e simpatia do guineense que nos cativa de imediato (...).


A caminho de Bissorã, passando por Bula e Binar

À tarde [, sábado, dia 18, ] segui para Bissorã, confiando no meu sentido de orientação (pois não existem placas indicativas), e de vez em quando parava e confirmava junto das alguém, que estava mesmo a ir pela estrada certa.

Á saída de Bissau, existe um inexplicável controlo. A estrada alcatroada de Bissau para Bissorã, estava óptima, e com a nova ponte sobre o rio Mansoa em Jolandim, foi sempre a andar.

A passagem por Bula foi um pouco confusa, pois a estrada estava ocupada pelo comércio, o que obrigou a fazer um pequeno desvio. Não parei em Bula, mas deu para perceber que algumas instalações do antigo quartel ainda estão de pé, mas agora ocupadas como residências.

Parei em Binar, fiz uma breve visita ao antigo quartel, e dei uma bola aos miúdos que por ali andavam, sem saber o que fazer, foi a alegria geral, e minutos depois já decorria um jogo de futebol.



A alegria da chegada a Bissorã

(...) Levei cerca de duas horas a chegar a Bissorã, ali tinha alguns antigos soldados da CCAÇ 13 à minha espera, o Domingos Manfande (soldado do 4º pelotão, e meu aluno), Manuel Cuna (soldado do 1º pelotão, e meu aluno), e o Braima Camará (2º pelotão), pois previamente tinha escrito uma carta ao Domingos Manfande a avisar da minha chegada, e a pedir-lhe para me arranjar alojamento em Bissorã.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > O Domingos Infante, antigo soldado da CCAÇ 13.

Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


O Manuel Cuna, sempre brincalhão, perguntou-se 'Quem sou eu?', mas reconheci-o logo, e dei-lhe um abraço sentido a ele, e aos outros.

Importa aqui dizer que todos nós tínhamos um especial carinho pelo Manuel Cuna, porque quando em
Bolama estávamos a registar os recrutas que com que íamos formar a CCAÇ, 13, não quisemos registar o Manuel, pois calculávamos que este devia ter apenas 14 anos, mas perante a sua insistência de que tinha 20 anos (o que nos fez rir), e cativados pelo sua maneira de ser e bom humor, acabámos por aceitá-lo.

A notícia da minha chegada deve ter corrido Bissorã, pois foram muitos os que me foram visitar, para 'dar mantenha' (cumprimentar)(...).

Uma troca de impressões deu para perceber que os tempos da minha guerra já estavam esquecidos, e que não existia qualquer animosidade entre os combatentes guineenses que estiveram de lados opostos no período de 63 a 74, normalmente denominada pelos guineenses, como a guerra da independência.



Ecos de outra guerra, a de 1998, contra os senegaleses

Muitas vezes a conversa começava na guerra de independência [, a de 1963/74,], mas acaba na guerra de 98 contra as forças senegalesas.Penso que essa guerra teve o condão de unir todos os antigos combatentes, pois colocou-os a lutar lado a lado.

O meu amigo Domingos Manfande teve um papel destacado nos combates contra os senegaleses, tendo a seu cargo a defesa do flanco esquerdo, zona onde os senegaleses eram mais fortes. Segundo a suas palavras estes não sabiam combater, 'não marcavam distância, não sabiam se pôr-se em posição de disparar, matámos também 2 franceses que estavam lá a combater'.

O facto de Domingos durante o tempo em que esteve na CCAÇ 13, acompanhar os especialistas de armas pesadas, como eu, o Petronilho, etc., tornou-o especialista de armas pesadas nessa guerra, dando instrução sobre as mesmas e combatendo ao mesmo tempo.



As pequenas ofertas que fazem a diferença, como o giz para escrever no quadro preto

Distribui algumas das coisas que levava, roupas, ferramentas de poda, etc., mas o que mais suscitou interesse foi uma lanterna que funcionava sem pilhas, pois bastava agitá-la para a recarregar. Às vezes uma pequena oferta pode ter uma importância muito grande, como o caso do giz que levei para distribuir pelas escolas, pois como calculava existiam quadros para escrever, mas faltava o material.



A hospitalidade balanta e os problemas de segurança

As instalações onde fiquei em Bissorã (casa do Administrador da Região) eram muito precárias, um colchão de espuma no chão a servir de cama, e uma casa de banho comum, onde uma lata num balde com água, servia para tomar banho. Tinha contudo algumas grandes vantagens, podia guardar o jipe dentro do pátio interior, e um guarda fazia segurança todas as noites.

Os ladrões armados são um problema na Guiné, a emigração ilegal tem agravado o problema, e com tantas guerras, o acesso às armas não é difícil. Bastou uma noite o guarda não aparecer, o Administrador ter saído, e eu e o Domingos Manfande também termos saído, para os ladrões saltarem o muro, e tentarem roubar os pneus do jipe. Valeu-nos a chegada do filho do Administrador: apesar de ser um miúdo, a sua presença colocou em fuga os ladrões. As faltas do guarda acabaram por me obrigar a mim e ao Domingos, a alguns turnos de 'sentinela' durante a noite.




A Bissorã de hoje e de ontem

No dia seguinte (domingo, dia 19) de manhã dei um passeio por Bissorã. São poucas as mudanças. Improvisadas bancas de comerciantes proliferam agora no lugar do mercado e no largo principal, a igreja católica é nova (a antiga ruiu) (...)

Muitas das instalações dos antigos aquartelamentos ainda estão de pé, e os símbolos das companhias que ali estiveram, ainda lá estão, embora um pouco danificados pelo tempo e pelo PAIGC.


Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > 19 de Novembro de 2206 > "Ponte sobre o Rio Armada, agora em betão armado. Continua a pescar-se no rio, e neste local é frequente verem-se agora hipopótamos" (CF).


Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.



O aquartelamento da CCAÇ 13 estava agora a ser usado como escola e armazém. Os monumentos da CCAÇ 13 foram destruídos pelo PAIGC, após a independência, deles apenas resta parte de um monumentos em honra aos que tombaram (...).

Os monumentos das restantes unidades que passaram por Bissorã, não foram danificados pelo PAIGC, mas o tempo acabou por fazer desaparecer as suas inscrições, as suas casernas são agora armazéns.

A ponte para
a outra banda que atravessa o rio Armada, foi melhorada, agora está construída em betão e tem uma protecção lateral em ferro. Continua a ser um local muito bonito, era o local onde todos tirávamos uma fotografia. Continua-se a pescar ali. Dizem-me que agora é frequente aparecerem hipopótamos naquele local.




A ponte do Rio Blassar

À tarde segui pela estrada de Barro, para um terreno que o Domingos Manfande possuí, para lá do rio Blassar, e que fica a 12 kms de Bissorã. O velho Domingos fazia a pé este caminho para poder ir trabalhar. Acabei por lhe oferecer uma bicicleta no dia da minha partida. A estrada, apesar de ser de terra batida, estava em bom estado.

A chegada à ponte do rio Blassar, destruída pelo PAIGC durante a guerra, e que ainda não foi reconstruída, lembrou-me outros tempos, os sustos que apanhei com as minas que ali coloquei, as loucuras do padre a agitar um pau no ar, colocando a patrulha em risco, mas são outras histórias que já contei nas crónicas da CCAÇ 13.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Paulo Nugame (ex-soldado do exército regular do PAIGC, as FARP - Forças Armadas Revolucionárias Populares).

Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


A caminho do Morés, acompanhado de ex-combatentes dos dois lados

Segunda feira [, dia 20,]seguimos até ao Morés. Eu, Dominfos Manfande, Agostinho Manfande (seu sobrinho, e filho de Armando Manfande, um ex-soldado do meu pelotão, e também meu aluno, mas infelizmente já falecido), Clodé Duque (ex- soldado das FAL - Forças Armadas Locais, normalmente designadas por milícias do PAIGC)e Paulo Nugame (ex-soldado do exército regular do PAIGC, as FARP - Forças Armadas Revolucionárias Populares).

Clodé ingressou nas FAL em 20/12/1967, pertencia à tabanca de Iracunda, e estava integrado num Bigrupo de 60 homens, comandados por Bicafrat Nabrama.

Iracunda ficava perto de Morés. Clodé realizou nesta zona muitos combates contra as nossas tropas, e lembra-se claramente do combate que houve em 1971, nos cajueiros do Morés (Operação Safira solitária), embora não tivesse participado nesse combate. Clodé seria o nosso 'guia' principal.

Paulo Nugame pertenceu FARP, mas actuava na zona norte, pertencia à tabanca Ingoré, integrado no grupo de Quecu Tumané, que acompanhava os cubanos que usavam os foguetões de 122mm.

Tendo-me Clodé e Paulo assegurado que a estrada para o Morés era boa, apesar de ser de terra batida, e que os compradores de castanha de cajú a usavam com camionetas, fiquei descansado.

No Caminho de Bissorã para Mansoa, passamos por Nova Vizela, onde acabamos por encontrar uma criança que precisava de ir ao médico em Mansoa, pelo que lá esticámos o espaço no jipe para levar a criança e o pai até Mansoa.



Morés, sem quaisquer vestígios da guerra

A estrada Bissorã, Mansoa, Mansabá, estava alcatroada mas em mau estado, contudo a suposta boa estrada de terra batida para o Morés estava em péssimo estado.

No Morés já não existiam vestígios nenhuns, do que tinha sido o Quartel General do PAIGC na zona norte, abrigos, ou construções, fomos até aos cajueiros, onde em 1971 houve um violento combate entre o PAIGC e os Comandos Africanos, e registamos a descrição de um antigo comandante do PAIGC sobre o que se passou na altura (...).

No Morés indicaram-nos que podíamos seguir por outra estrada para regressar, era uma estrada de terra batida que ia dar directamente a Bissorã, e era boa garantiram-nos, assim fizemos (...).

A estrada que nos indicaram no Morés era péssima como a anterior, mas a partir de determinado momento começou a estreitar e desapareceu .... Com o jipe entalado entre capim, espinhos e árvores, tive que regressar em marcha atrás, até um desvio que dava para uma aldeia.



'Estrada já acabou'



Na aldeia quando perguntávamos pelas estradas que deviam existir ali, a resposta foi 'Estrada já acabou'. Na verdade, o mato e as culturas da população tinham ocupado esse espaço, e já não existiam essas estradas... Os meus 'guias' estavam tão perdidos como eu, e nem um antigo mapa que eu tinha, descrevendo detalhadamente as estradas e caminhos, servia para nada.

Guiné-Bissau > Região do Oio > Morés > 20 de Novembro de 2006 > Estrada para o Morés, a partir da estrada Mansoa-Mansabá.


Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.



Foi-nos indicado uma nova estrada que seguia para o
Olossato, estava boa, garantiam. Era um grande desvio mas foi por ela que fomos, realmente não estava muito má, até depararmos com pontes improvisadas, com troncos cobertos de lama, construídas pela população para poderem atravessar os canais que ligavam as várias bolanhas. Eram boas pontes para passarem pessoas e animais, mas será que conseguiam aguentar com o peso do jipe ? ... Lá as fui avaliando e passando com o máximo cuidado, concluindo que, para ali, só de burro, bicicleta ou motorizada.


Acção de formação: A poda das árvores de fruto

O Olossato ainda mantinha algumas instalações dos antigos quartéis, mas não parámos e seguimos para Maqué, onde tirámos uma foto junto ao seu belíssimo poilão.



Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > O secular poilão, local de paragem obrigatória para tirar uma foto.

Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


A estrada do Olossato para Bissorã, apesar de ser de terra batida, está em bom estava, pelo que pensamos que todos os problemas tinham acabado, mas foi depois do Maqué, que ficamos atolados na lama, e só com muita insistência, e com onze pessoas a empurrar lá conseguimos tirar o jipe.

Na terça feira [, dia 21,], foi o dia da palestra e aula prática na ADPP, sobre 'A poda das árvores de fruto'. Sala cheia com 20 participantes, que às 9h00 já estavam todos à minha espera, apesar do início estar marcado para as 9h30, o que demonstra bem o seu empenho, e a sua vontade de aprender.

A ADPP desenvolve a sua acção na área da agricultara, possui uma escola perto de Bissorã, onde forma os novos agricultores, e alia a teoria à prática, explorando algumas áreas agrícolas, é visível a sua dedicação e empenho, mas são muitas as suas dificuldades e carências (...).

Neste evento conheci uma jovem voluntária da Estónia, Maie Petri, de Parnu, que estava destacada no projecto da ADPP.

Maie tinha dificuldade em comunicar com os agricultores, pois apesar do seu esforço de auto-formação para aprender o português, ainda só comunicava em inglês. Como eu ia visitar algumas explorações agrícolas, para tentar melhorá-las, convidei-a a vir comigo, pois poderia ajudar-me, e eu traduziria as suas recomendações na língua local (...).

Em Bissorã encontravam-se igualmente dois médicos cubanos, que também tinham chegado há pouco tempo, mas também não consegui ter tempo de falar com eles. O preço de cada consulta era 300 CFA, cerca de 0,5 € (...).

O meu amigo e ex-soldado do 3º pelotão da CCAÇ 13, Branquinho, veio fazer-me uma visita, pois tinha vindo trazer à policia de Bissorã dois ladrões de gado que tinha capturado. Aproveitei a oportunidade para ir conhecer a sua tabanca no Encherte, visitar o antigo aquartelamento ai construído pela CCAÇ 13, e ao mesmo tempo dar-lhe uma boleia, pois sem outro meio de transporte ia regressar a pé (...).

Em Encherte oferecemos uma bola para as crianças brincarem, e improvisamos uma pequena festa, onde um grupo de dançarinos nos presenteou com uma espectacular exibição (Clicar aqui para ver o vídeo).

Branquinho é agora o chefe de 17 tabancas, continua a ter aquele carácter, e aquela energia e determinação que eu conheci ha 36 anos atrás, não é por acaso que começou por ser chefe de uma tabanca, e depois muitas outras lhe vieram pedir que fosse também o chefe delas (...).



Braia, um lugar mágico

Na quarta feira, [dia 22,], fomos buscar o pai de Alance, mulher de Domingos, que estava doente, e de caminho aproveitámos para ir ver o modo como tratavam as explorações agrícolas, e a deslumbrante paisagem de Bráia, junto à ponte junto ao rio Mansoa (lugar situado na estrada entre Bissorã e Mansoa, sensivelmente a meio caminho).

Bráia é um lugar mágico, em que o branco dos nenúfares cobre as calmas águas do rio, e numerosas garças esvoaçam sobre as águas, mas também é um lugar perigoso para quem estiver dentro de água, pois os crocodilos que ali vivem são muitos e grandes, bem como os hipopótamos, os lagartos, etc.



Despedida e regresso a Lisboa, com mais uma acção de formação

5ª feira, [dia 23,] foi o dia da visita à tabanca do Manuel Cuna, junto à velha estrada de Bissorã para Biambi (agora desactivada, face à nova estrada alcatroada), a cerca de 5 Kms de distância de Bissorã, foi também o dia das despedidas e do regresso a Bissau.

Finalmente chegou o dia da partida para Lisboa, 6ª feira, 24 de Novembro. A manhã foi dedicada à palestra 'A criação de Web Sites', na Escola de Artes e Ofícios da AD. Foi uma secção muito concorrida (28 pessoas), onde se procurou lançar as bases um novo curso sobre a criação de sites na web.

Ofereci algum software e documentação à EAO, para lhe permitir lançar um curso sobre a criação de web sites, mas ficou em falta o software da Microsoft, o Front Page 2003, dado estarmos na expectativa de que esta fizesse uma doação à escola, mas tal não se concretizou, estando em curso outras alternativas.



Entrevista à televisão da Guiné-Bissau

A televisão da Guiné Bissau esteve presente para me fazer uma breve entrevista, a qual foi transmitida no dia 25 de Novembro, às 21 horas, no Telejornal. Na entrevista tentei realçar a importância da formação de técnicos guineenses, e lembrar a amizade que une os muitos portugueses aquela terra, e aquela gente.

No final da minha palestra o meu amigo Pepito, disse algumas palavras de agradecimento, foi-me oferecido um lenço da AD e houve uma breve confraternização. Foram momentos que me emocionaram, principalmente pelas palavras de Pepito, pessoa pela qual tenho grande estima e consideração, sendo este meu sentimento partilhado por todas as pessoas a quem falei dele, das quais me limito a referir o anterior 1º ministro, e actual presidente do PAIGC, Carlos Gomes Júnior.



Balanço final: Expectativas ultrapassadas

Em balanço final, posso dizer que foi uma viagem que ultrapassou todas as minhas expectativas, e que na qual não consegui retribuir devidamente todo o calor humano, e amizade com que me receberam em todo o lado.

Esta viagem confirmou as informações que já tinha sobre a importância das ONG, embora como referi apenas visitei a AD, e a ADPP, e confesso que fiquei impressionado com a dedicação dos seus dirigentes, e o empenho dos seus alunos.

Sem dúvida entidades a apoiar e a acarinhar, por quem queira ajudar a Guiné a conseguir dar mais alguns passos no caminho do seu desenvolvimento, para toda a equipa destas organizações os meus parabéns.

Carlos Fortunato
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!

(2) A cotação oficial do CFA > 1 euro = 655,957. Donde:
(i) 70 mil CFA é equivalente a 106,7 €
(ii) 15 mil CFA são 22,87 €.