sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2317: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (11): O fantasma de Infali Soncó

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Guiné > Mapa com a localização de Samba Nhanta no regulado do Cuor, a norte de Bambadinca. Esta localidade não consta da carta de 1955, de Bambadinca. Comentário de Beja Santos: "Samba Nhanta era a residência dos régulos do Cuor. Aqui, as tropas portuguesas procuraram capturar o régulo Infali, que fugiu para o Oio, em 1907. Penso que se tratava de Sansão, onde Infali está sepultado. Missirá era a cerca de 4 km, a caminho do Gambiel".
Este mapa vem no livro de João Barreto, História da Guiné, 1418-1918. Lisboa: 1938 (p. 280). Será interessante analisá-lo e compará-lo com o conhecimento que nós tínhamos, do terreno, durante o período da guerra colonial (1963/74). Só para nos limitarmos à bacia hidrográfica dos Rios Geba e Corubal, ou seja, à Zona Leste, as povoações mais importantes (do ponto de vista étnico, demográfico, político e económico...) seriam Góli (Porto Gole ), São Belchior, Samba Nhanta, Geba, Bafatá e Coiada na margem direita do Rio Geba; Xime e Bambadinca, na margem esquerda; Xitole, Contabane e Cadé, ao longo do Rio Corubal... Curiosa também é a segregação étnico-espacial, por chão: papéis (Bissau), Balantas (Góli), Oincas (Beafadas (Buba), Fulas Pretos (Bambadinca/Bafatá/Gabu), Mandingas (Farim), etc...(LG)

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Cópia da capa do livro de João Barreto, História da Guiné, 1418-1918. Prefácio do Coronel Leite de Magalhães. Lisboa: 1938 (Imprensa Beleza). 452 pp. (Existe na rede de Bibliotecas Municipais de Lisboa).

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto enviado, em 16 de Outubro último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).

(i) Luis, Ainda vou rever, mas o essencial está aqui. Os livros seguem pelo correio. Ainda não propus data para o nosso almoço, pois estou atolado em papel, acredita. Um grande abraço do Mário.

(ii) Luis, não é ser perfeccionista mas o texto que te enviei estava carregado de besteiras. Vê se as imagens que te mandei esta manhã são adequadas (...). Recebe um abraço do Mário.


Operação Macaréu à Vista - Parte II (11) > O fantasma de Infali Soncó: De uma conversa sobre aves com Lânsana Soncó até uma ida ao dentista

por Beja Santos


(i) Aves do céu: Águia, pato, catchecalerom, jabatutu, jagudi, choca...

Acordei de supetão com o crocitar de uma choca, e julguei que tudo me parecia um pesadelo, com os gritos angustiados dos feridos da mina anticarro de Canturé. Sentei-me na cama naquele quarto do Quartel-General, em Bissau, a lucidez, aos farrapos foi recuperada e perguntei-me:
-Tens a certeza que ouviste uma choca, não é puro delírio?.

Lembrei-me então de uma conversa havida com Lânsana Soncó, com registo no meu caderninho viajante. Tinha pedido uma hora ao tempo precioso do padre de Missirá, ele nem pestanejou quando lhe propus que o tema para o nosso chá fosse aves. Com a serenidade e a discrição do costume, Lânsana começou pelas águias. Vendo a minha surpresa, e com a tradução do Benjamim Lopes da Costa, perguntou-me se eu nunca tinha visto em Mato de Cão as águias a apanhar peixe grande no Geba. Confuso, lembrava-me do que me pareciam umas gaivotas em voo rasante ou mergulhando em voo picado. Lânsana foi terminante:
- São águias, vivem em pontos altos, também atacam pequenos animais na mata.

Registei sem convicção, ele passou para os patos, lembrava-me muito bem dos patos bravos que via nos patrulhamentos a grasnar nas águas das bolanhas, em frente a Mero e Santa Helena. Depois falou no catchecalerom, um pássaro muito falador que se encontra na floresta densa na época seca, lembrou igualmente o jabatutu, o pássaro que faz um ninho muito resistente, tão resistente que suporta as queimadas das bolanhas.

Perguntou-me a seguir se eu já tinha visto ao pé o jagudi, a ave de rapina que aparece mal cheira o sangue. Fiquei hirto, as recordações foram para a flagelação de 19 de Julho deste ano, quando ao amanhecer topámos com dois guerrilheiros mortalmente ensanguentados, entre a fonte de Cancumba e aos cajueiros de Malã, frente à porta de armas de Missirá. Lânsana sentenciou:
-Mesmo os animais feridos são suas presas, atacam e matam, pois ficam bêbedos com o cheiro do sangue.

E por fim falou das chocas, que ele disse que eu conhecia bem. Admirado, perguntei-lhe como é que ele sabia como é que eu conhecia bem as chocas. -Nosso alfero, são aqueles pássaros com um piar muito triste, malhados de castanho, que vê nas nossas hortas a esgravatar o amendoim”.

Trouxe o caderninho para Bissau, ontem consultei-o, talvez esteja aí a origem deste sonho com as chocas.

Levanto-me e arranjo-me a custo, só a vista é que melhorou, dou-me bem com os novos óculos, o tímpano continua dormente, embora lateje menos, ainda claudico com o joelho inchado, e hoje vou a medo à primeira consulta ao dentista. Sim, a medo, pois ouvi a gritaria dos pacientes quando marquei a consulta, vi os militares a sair do consultório a segurar pensos e com ar de sofrimento, fiquei com a impressão que ia direito a um barbeiro da Idade Média. E assim foi. Sentei-me na cadeira do carniceiro e se tinha um joelho inchado saí dali com a cara num bolo. Mal abri a boca, atafulhou-me todo o espaço com algodões e leu-me a sina:
-Tem aqui um molar podre, tenho que o extrair, os molares costumam dar que fazer, volta cá dentro de dois dias para extrair um siso todo infectado.

Ainda tentei balbuciar se o molar não podia ser tratado e conservado até Lisboa, se perguntei o homem da bata branca não largou a carranca dura que era a máscara do seu rosto, veio a injecção e depois o alicate parecia que me arrancava a maxila. Recebo ordens para me apresentar de novo na sala de matança dentro de dois dias, ao amanhecer, para ter o dia inteiro para penar.


(ii) Onde tomo conhecimento das tropelias de Infali Soncó


Saí dali aos tombos e com uma carteira de comprimidos na mão. Lá me deram boleia até o centro de Bissau, fui até ao café Avenida onde fiquei a bochechar água Perrier. A andar devagar, lá me dirigi outra vez à casa Taufik Saad para comprar mais banda desenhada, desta vez Les Legions Perdues , de Jacques Martin, continuando o herói a ser Alix.

É ali num passeio à frente que vejo um vendedor de livros usados e acabo por comprar a História de Guiné, 1418-1918, de João Barreto. Sentado no gabinete fresco da biblioteca do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, antes de começar as consultas dos livros e revistas que ontem foram postos de parte por um amável funcionário, folheio o livro do Dr. João Barreto.

Um subtítulo “Derrota dos régulos do Cuor e Badora” chama-me imediatamente a atenção. Estamos em 1907, no tempo do governador Muzanty e das revoltas contra o imposto de palhota. O livro trata Infali Soncó como régulo biafare, o que não era verdade pois os Soncó são mandingas. Infali rebelara-se de conivência com Boncó, régulo de Badora, e com os apoios dos régulos do Corubal, Cossé, Gussorá, Xime, Forreá e Gabu, pelo menos.

O plano de Infali era impedir a navegação do rio Geba e cortar as relações comerciais com Bissau. O régulo prometia libertar a região do imposto de palhota e estabelecer relações com os centros comerciais franceses do interior. Barreto escreve:

Este Infali Soncó foi um dos elementos mais perniciosos que teve a Guiné, não tanto pelo seu poder militar como pela sua extraordinária duplicidade e engenho com que soube enganar as nossas autoridades durante muitos anos.
~
Infali fora nomeado régulo do Cuor depois de um régulo de nome Galona. Nas campanhas do Oio de 1897 e de 1903, Infali abstivera-se de auxiliar as forças portuguesas, à sorrelfa ia, no entanto, ajudando os revoltosos. Sentindo-se desacreditado em Bolama, Infali lança a sua sublevação. O tenente Fortes foi a Sambel Nhanta, tabanca do régulo, onde foi agredido e preso, bem como o alferes Baeta. Bolama responde e envia a lancha-canhonheira Cacheu e uma força comandada pelo chefe de estado-maior. A 1 de Dezembro de 1907, os homens de Infali são rechaçados.

Passados três meses, logo que chegaram forças expedicionárias enviadas da Metrópole e de Moçambique, constitui-se uma coluna de operações comandada pelo governador Muzanty com o objectivo de castigar este régulo. Em 1 de Abril avançam sobre Canturé e depois Sambel Nhanta, mas a tabanca do régulo que estava abandonada. Continuando a sua acção, as forças expedicionárias, tomam Madina. A seguir, o contingente permanece em Caranquecunda. Os outros régulos, perante a fuga de Infali, tratam de enviar emissários protestando a sua obediência às autoridades portuguesas.

Estou deliciado com a descoberta. Conheço todas estas povoações menos Sambel Nhanta que, pelas minhas contas, deve ser Sansão, que sempre ouvi dizer que fora a tabanca de Infali. Tenho aqui uma boa matéria para uma conversa com Lânsana, aliás é importante saber como é que se portou Infali com Teixeira Pinto, vejo aqui que em 1913 o régulo do Cuor é Abdul Injai, o que me desorienta. Vou um pouco mais atrás, às guerras do Oio, em 1897, para perceber o papel de Infali Soncó, e, segundo diz João Barreto, houve um acto de traição por parte dos régulos Infali Soncó e Mamadu Paté, isto a par da pouca valentia dos oincas. Estou eu a combater no Cuor ao lado de Malã, o neto de Infali, e depara-se esta história pouco abonatória de um guerreiro que fez a vida negra às autoridades de Bolama (*) durante mais de vinte anos!

E passo para as leituras que são o propósito desta minha visita. Primeiro, a Índole Guerreira dos Guinéus, pelo Coronel Jorge Velez Caroço. Escreve ele:

As qualidades guerreiras das raças indígenas da Guiné persistem inalteráveis, fulas e mandingas apresentam-se sempre para defenderem o domínio e prestígio das autoridades portugueses, perante qualquer manifestação de rebeldia de outras raças, em qualquer ponto da colónia, vindo enquadrar-se nos contigentes das forças regulares do Governo.

E mais adiante, já falando dos anos vinte deste século, ele refere:
-Não era de estranhar que tendo a colónia uma área de 36000 Km, só metade estivesse sujeita à nossa soberania.

Mudo de leitura, agora folheio África Ocidental, notícias e considerações, por Francisco Travassos Valdez:
Os vendedores do mercado de Bissau fazem comércio de arroz, frutas, galinhas, legumes, leite, ovos, porcos e vinho de palma. Os compradores trocam por objectos de que vêm munidos, que são geralmente aguardente, bandas de tecido grosseiro de algodão, barras de ferro, folhas de espada, pólvora e tabaco em folha. Às vezes admitem também algum patacão, como se chama à nossa antiga e incómoda moeda de quarenta réis que aqueles negros reservam unicamente para a manufactura dos seus grosseiros artefactos.

Falando de Bissau, ele escreve o seguinte:

Considerada em si, aquela praça, formada de quatro frentes abaluartadas, traçadas sobre um quadrado de 100 metros proximamente de lado, com muralhas de 10 a 12 metros de elevação sobre o fosso que a circunda, não passa de uma pequena povoação mal aninhada, com algumas casas palhoças, outras de barro, e bem poucas de sólida construção... Acresce ainda não haver ali facultativo algum nem botica regularmente sortida. Também não se encontra em Bissau um hospital que mereça semelhante nome, pois aquilo a que dão este nome é apenas uma casa indecente, escura e húmida, a que por tais circunstâncias melhor cabe o epíteto de cemitério.

As leituras são estimulantes, sinto-me cansado, mesmo com a boca a saber a sangue estou cheio de fome, vou à procura de uma sopa. Está um sol cru, as palmeiras estão sujas com a falta de chuva, a laterite agarra-se às paredes das casas. Não é a primeira vez que abalo em direcção ao cais do Pidjiquiti, tal o fascínio do bulício dos pescadores e estivadores, o peixe que chega e parte nas canastras das vendedoras.

Capa do romance de José Gomes Ferreira, Aventuras Maravilhosas de João Sem medo. Lisboa: Portugália Editora, 1963 (Contemporânea, 48).

(iii) Por companhia, o João Sem Medo

Vim acompanhado das Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo, de José Gomes Ferreira, mais uma oferta do meu Padrinho, ele nunca deixou de mimosear depois dos incêndios de Missirá.

"É um romance irónico, passado num mundo fantástico de símbolos, sonhos e pesadelos e escrito por um homem bem acordado”, assim definiu José Gomes Ferreira esta obra altamente codificada, onde se mistura o romance, a poesia, a fábula e a moral.

João vivia em Chora-Que-Logo-Bebes, estranha aldeia aninhada perto de uma espécie de Parque de Reserva de Entes Fantásticos. Aquela gente vivia a choramingar, entregues a canções de cemitério ganidas por cantores trajados de luto. João não aguentou mais e partiu, saltando o Muro que circundava aquela terra de tristeza. Vai conhecer fadas, magos, duendes, monstros, colinas de cristal, animais mecânicos, gramofones com asas, oásis da felicidade verde, um príncipe com orelhas de burro, uma cidade confusa, e até a princesa n.º 46734.

Como em todas as histórias de encantar, o herói desemburra-se, ultrapassa todos os obstáculos até regressar à sua terra onde se vive sempre a chorar ou a lamentar. Ele ainda tenta organizar uma conspiração contra as lágrimas mal choradas, mas ninguém o quer ouvir. Lendo-o, recordo-me do final do soberbo romance do José Cardoso Pires, O Delfim:

"... Então, João Sem Medo, provisoriamente, sempre provisoriamente, vendo tantos olhos a chorar... montou uma fábrica de lenços e enriqueceu. (Ah! Mas um dia, um dia!...). Um belo romance sobre o inconformismo, uma fantasia deliciosa contra as rotinas no nosso País.

(iv) Registo de encontros e desencontros

Janto em casa do Cruz Filipe e falamos novamente do estado de saúde do Casanova. Ele insiste:
-Não viva em estado de culpa. Não se pode atender a tudo, mas não o iludo, ele vai demorar anos a reestruturar-se.

Vê-me combalido, leva-me ao QG onde adormeço a deliciar-me com as aventuras de Alix, primeiro convertido em gladiador, depois escutando a história de Agérix, o seu compatriota gaulês que lhe fala da espada de Brennus que os aliados de Pompeu procuram descobrir para tramar Júlio César, o herói das Gálias. Não deixa de me fascinar o bom desenho, o rigor das reconstituições, a congruência dos diálogos, o apuro cromático que me recorda Hergé.

No dia seguinte, vou até Brá onde reencontro o Emílio Rosa no batalhão de engenharia, e a quem meto o meu último empenho de materiais para Missirá e Finete. Tal como combinara, volto aos correios e informo a Cristina sobre as últimas consultas no hospital e, inadvertidamente, devo ter-lhe provocado falsas esperanças quando lhe referi um encontro com um professor de Bissau que prometera trabalho para ela, ainda no presente ano lectivo. Ela insiste em saber se eu vou ficar em Bissau e eu não falto à verdade:
-Logo que tenha os dentes arranjados, regresso imediatamente pois a qualquer momento seremos transferidos para Bambadinca.

A Cristina fala também de Bambadinca como uma possibilidade, pois conversara ao telefone com a Isabel Payne [, mulher do Alf Mil Médico David Payne], que estivera umas semanas na sede do batalhão[, BCAÇ 2852]. Descubro que tenho aqui assunto para explicar à Cristina que não é aceitável convidar uma mulher a viver o sobressalto das flagelações a Bambadinca.

Na Casa Gouveia compro chá e vou ao mercado com a lista na mão para satisfazer os pedidos dos meus soldados. A partir de agora e até jantar com Saiegh ando a cheirar a especiarias. Durante a tarde, procuro encontrar o Botelho de Melo, o meu milagroso oftalmologista, para lhe dizer que espero partir amanhã logo após a consulta do dentista, mas escreverei logo que saiba quando vier a Bissau.

O encontro com o Saiegh é muito agradável, tão agradável que vamos a pé pela estrada de Santa Luzia, onde nos despedimos prometendo eu uma visita a Fá, dentro de semanas. Tal nunca veio a acontecer, estou a despedir-me do Saiegh pela última vez, guardo o seu sorriso e a sinceridade da sua estima, tudo me vem à lembrança no dia em que soube do seu fuzilamento, oito anos depois (2).

De manhã, apresento-me ao meu carrasco que me arranca não sem brutalidade um siso, que vai removendo aos bocados, atulhando-me de algodão e desinfectante. Um jipe conduz-me ao Quartel General, tenho sorte há ainda lugar no Dakota que partirá no princípio da tarde para Bafatá. Com uma maleta e um saco de especiarias mais um saco com livros e a cara inchada pelas atrocidades do dentista, desembarco em Bafatá, levam-me até Galomaro, no Cossé, espero mais uma boleia, à noite janto e durmo em Bambadinca. Finete fora atacada na noite passada, o Reis conta-me que foi uma flagelação sem consequências. Inconscientemente ou não, peço que me levem aos cais para eu ver Finete, como a estivesse a abraçar.

O mês está a findar. De 1 a 14 de Novembro, Missirá conhecerá três flagelações, um fogo ligeiro e muito pouco destruidor. A 14, o Pel Caç Nat 52 parte para Bambadinca, ainda vou ficar três dias em Missirá. Vou viver a quinzena do adeus. Só lá regressarei em Fevereiro, a caminho da mais sangrenta das minhas operações, a Tigre Vadio. O nome parecia ser uma homenagem a um tigre que tinha deixado Missirá e que vivia na errância, aos baldões da sorte.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2299: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (10): O meu amigo açoriano de Bissau
(2) Vd., entre outros, alguns dos nossos posts om referências ao Saiegh, de origem sírio-libanesa, que foi foi furriel miliciano do Pel Caç Nat 52 e depois Alferes e Capitão dos Comandos Africanos; foi fuzilado já depois da indepência da Guiné-Bissau.
19 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

Guiné 63/74 - P2316: E as Nossas Palmas Vão Para... (2): Os que lutam, na Guiné-Bissau, contra a Mutilação Genital Feminina (MGF)

Guiné > Zona Leste > Cidade de Bafatá > Finais de 1969 > Vista aérea da mesquita de Bafatá. A Zona Leste da Guiné (região de Bafatá e Gabu) é aquela onde se pratica mais a Mutilação Genital Feminina (MGF)... As populações islamizadas representam quase metade dos guineenses.


Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


1. Mensagem, de 20 de Novembro, que nos chegou de Matosinhos, enviada pelo A. Marques Lopes, um tertuliano sempre atento ao que se passa na nossa Guiné-Bissau... Aproveitamos para daqui saudar aqueles e aquelas que na Guiné-Bissau lutam contra a MGF que é uma prática indefensável, mesmo à luz do relativismo cultural... (LG).


(i) Assunto: Presidente do parlamento da Guiné-Bissau quer aprovação de legislação contra a Mutilação Genital Feminina (MGF) (1)


Bissau, 19/11

O presidente da Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, Francisco Benante, disse hoje que quer ver aprovada pelos deputados a legislação que combate a MGF, prática que tem vindo a aumentar no país.

"É uma prática retrógrada que é preciso banir da nossa sociedade, por ser
atentatória à dignidade das nossas crianças e raparigas" - declarou Francisco
Benante, na abertura da primeira sessão parlamentar do ano legislativo de
2007/08.

Para a segunda figura do Estado Guineense, a MGF "é uma prática que não tem nada com os imperativos religiosos". Francisco Benante prometeu provocar o debate sobre a questão na sessão parlamentar do próximo mês de Fevereiro.

A prática da MGF na Guiné-Bissau tem vindo a aumentar, segundo um estudo realizado por uma organização não-governamental (ONG), a Plan, que é guineense. Esse estudo abrangeu várias tabancas do país e as conclusões referem que as motivações e as razões que têm levado ao aumento da prática da MGF teriam a ver com uma falsa interpretação do Islão... Para alguns dignatários religiosos, a MGF seria um "passo necessário para [a rapariga] se tornar muçulmano".

"As raparigas muçulmanas têm ser mutiladas antes dos seis anos de idade, caso contrário não podem praticar a religião e a família será responsável pelo pecado", refere o estudo da Plan. A verdade é que a MGF não está mencionada no Corão, e não é portanto uma obrigação religiosa para os crentes.

Ainda segundo o estudo supracitado, a MGF não só está a aumentar como é praticada em crianças com cada vez menos idade...

O Unicef estima que 2.000 jovens são fanadas, anualmente, no país, e que entre 250 a 500 mil mulheres sofrem as consequências médicas e psicológicas da MGF. De entre os problemas que preocupam as autoridades e os profissionais de saúde, umd eles é o risco da transmissão do vírus do HIV/Sida, quando as fanatecas usam a mesma faca em várias cerimónias do fanado... Por outro lado, as lesões provocadas nos órgãos genitais da mulher facilitam a transmissão do vírus do HIV/Sida no futuro.

O governo quer criminalizar a prática da MGF, ressuscitando um projeto de lei que proíbia o fanado com multas e pena de prisão, elaborado, em 2001, pelo Instituto da Mulher e da Criança (IMC), de parceria com organizações de direitos humanos.

"Sem querer ofender a religião ou a cultura de uma ou outra etnia, temos de envolver todos os atores sociais e políticos" disse recentemente Adelina Na Tamba, ministra da Solidariedade Social, Família e Luta contra a Pobreza.

(ii) O fanado alternativo

Na Guiné-Bissau, as férias escolares - que vão de Julho a Setembro - são a época alta das fanatecas, as mulheres grandes que vivem e dependem do fanado. É nesse período do ano que as famílias guineenses enviam as filhas para ser iniciadas pelas fanatecas.

A organização não-governamental Sinim Mira Nassiquê (em língua mandinga, Nós Pensamos no Futuro) , convocou na primeira semana de Agosto de 2007, na capital, Bissau, um encontro com fanatecas e activistas para reflexão sobre os perigos do fanado sobre a saúde feminina, incluindo o risco de contrair o HIV/Sida.

Entre 2000 e 2004, a Sinim Mira Nassiquê notabilizou-se por ter tentado ensaiar, no país, a experiência do fanado alternativo, em que as raparigas eram levadas para o mato para conhecer a tradição e ser submetidas aos ritos de iniciação ou de passagem (da infância para a puberdade), sendo todavia poupadas à cruel e perigosa MGF. O fanado alternativo não se cosneguiu impor, face às pressões corporativas das fanatecas, ao lóbi religioso islâmico e ao peso dos líderes tradicionais

A MGF é praticada especialmente na Zona Leste, nas regiões de Gabu e Bafatá, por algumas das três dezenas de etnias da Guiné-Bissau, e nomadamente por todas as etnias islamizadas (fulas, mandingas, beafadas, saracolés, cassangas e mansoncas), que representa cerca de 46% da população. Entre os fulas, que representam 23 por cento da população, o procedimento consiste na excisão do clítoris e dos lábios da vagina. Os beafadas e os mandingas limitam-se à excisão clitoriana. Entre os bijagós, que são animistas, faz-se uma iniciação ritual, com tatuagens, mas sem MGF.

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Fonte: Adapt. por L.G., de:

Angola Press - 19 de Novembro de 2007

Agência de Notícias da Aids - 19 de Novembro de 2007

PlusNews - Notícias e análises sobre HIV-SIDA em África Bissau, 10 de Agosto de 2007 > GUINÉ-BISSAU: Alunas em férias, fanatecas ao trabalho

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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

25 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2131: Mutilação Genital Feminina: É crime, diz explicitamente o novo Código Penal (A. Marques Lopes / Luís Graça)

10 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVI: Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Luís Graça)

14 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLVII: A festa do fanado ou a cruel Mutilação Genital Feminina (Jorge Cabral)

3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto)(5): ecumenismo e festa do fanado

4 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2315: Catió: A morança que poderá ter sido a da nossa Pami Na Dondo, a Guerrilheira (Victor Condeço)

Guiné> Região de Tombali > Catió > CCS do BART 1913 (Catió 1967/69) > Álbum fotogáfico de Victor Condeço > Catió - Vila > Foto 41> "Pode muito bem representar (era estrada para a pista que atravessava a Tabanca Balanta) o sítio onde por certo foi a morança do Pan Na Ufna e da sua filha Pami".

Foto e legenda: © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Victor Condeço (ex-fur mil da CCS do BART 1913, Catió, 1967/69)(1), com data de 23 de Novembro:

Luís, desculpa só agora responder.

A tua sugestão surpreendeu-me (2), nunca pensei que as minhas fotos tivessem algo de interessante para merecerem ser expostas.

Mas, se reconheces nelas algum interesse, tens liberdade absoluta para fazer uso delas como te aprouver, (como aliás já te tinha dito quando as enviei).

Das fotos que estão em teu poder, tenho os negativos, excepto de 3, porque não foram tiradas por mim, eram fotos do batalhão anterior ao meu. Por sinal são as do quartel e que estão coloridas á mão e a da vista da Vila a bordo da Dornier, em tons cinza acastanhado.

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Foto 7 > Fevereirto de 1968 > Pista de Cufar topo do lado do aquartelamento (Operação Ciclone I, envolvendo forças pára-quedistas do BCP 12).

Foto e legendas: © Víctor Condeço (2007). Direitos reservados.


Já vi que iniciaste a publicação de A Guerrilheira, do Mário Fitas, tenho mais fotos que podem servir para a ilustração, são fotos de meios aéreos na pista de Cufar durante a operação Ciclone I dos paraquedistas do BCP 12 em Caboxanque, ocorrida em 15 de Fevereiro de 1968.

Eu estava em diligência em Cufar nessa semana, fazendo inspecção e revisão ao armamento (1).

Vou enviá-las por mail pois não são muitas. Aproveitarás as que entenderes.

Relativamente à hipótese da exposição conjunta, por mim não vejo qualquer inconveniente, se a Fundação [Mário Soares] aceitar, fica ao teu critério e do Mário [Fitas] (2).

Sou por natureza pouco dado a expor-me, mas não me importo de que as fotos que eu tenho seja mostradas, por isso tens luz verde para tratares do assunto.

Já li o livro do Mário (3) e gostei imenso, para quem como eu conheceu Catió e Cufar, não me custou nada, ver as personagens movimentando-se no cenário onde a história se desenrola.

Luís e Mário, a foto acima reproduzida pode muito bem representar (era a estrada para a pista que atravessava a Tabanca Balanta) o sítio onde por certo foi a morança do Pan Na Ufna e da sua filha Pami.

Já antes o disse ao Mário e volto a afirmar:
- Obrigado e parabéns pelo teu excelente trabalho!

Mário, li também a tua mensagem ao Luís, onde me agradeces, nada tens de agradecer, as minhas fotos é que ficam valorizadas com o teu excelente texto.

Um abração para ambos

Victor Condeço

PS:- Em outro mail vou enviar as fotos que referi.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

(2) Mensagem do editor do blogue: "Victor: Mantem-se de pé a ideia de negociarmos, com a Fundação Mário Soares, uma exposição das tuas fotos... Em 2008. Tens óptimas fotos que merecem ser partilhadas. Estás nessa ? Luís".

(3) Vd. posts de:

28 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P2314: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (2): Coimbra, 4 de Dezembro, 14h30, auditório da FE/UC (Fernando Barata)

Lisboa > Fundação Mário Soares > A jornalista e cineasta portuguesa Diana Andringa, co-realizadora do filme As Duas Faces da Guerra (Portugal/Guiné-Bissau, 2007), fotografada na inauguração da exposição fotográfica do Américo Estanqueiro (1).

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem (urgentíssima) do nosso amigo e camarada conimbricense Fernando Barata, que em tempos foi um brioso Alf Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72) (e continua a ser, hoje como Tenente miliciano da reserva da Pátria...):

Críssimos:

Pedia-vos a divulgação do documento que abaixo se insere, já que o tempo urge.

Para o Luís e Virgínio imagino que seria uma violência virem de Lisboa a Coimbra (abdicava do meu tempo de antena a vosso favor) mas seria um prazer do tamanho do Mundo ter-vos por cá.

Agora, para ti Carlos: de Leça a Coimbra é já ali e acredita que só para ouvir o Pezarat, todos os passos valem a pena (bem como a Diana).

Aquele abraço
F. Barata


2. Sessão de cinema em Coimbra, dia 4 de Dezembro, seguida de debate

As Duas Faces da Guerra
Um filme de Diana Andringa e Flora Gomes


4 de Dezembro de 2007, 14:30,
Auditório da Faculdade de Economia
da Universidade de Coimbra

Apresentação

As Duas Faces da Guerra, documentário rodado na Guiné-Bissau, Cabo Verde e Portugal e que integra um conjunto de entrevistas e depoimentos de pessoas que viveram o período da guerra colonial/luta de libertação na Guiné-Bissau, dando o mote para um debate em torno dos temas da reconciliação, memória histórica e pós-conflito.


Comentários e debate com…

Diana Andringa
Pedro Pezarat Correia
Fernando Barata
Sílvia Roque


Organização:

Núcleo de Estudos para a Paz
do Centro de Estudos Sociais
da Universidade de Coimbra
_________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 12 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2260: Álbum das Glórias (33): Inauguração da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro, hoje, na Fundação Mário Soares

(2) Vd. post de 13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2262: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (1): Castro Verde (16/11) e Coimbra (4/12) (Diana Andringa / Fernando Barata)

Guiné 63/74 - P2313: Estórias de Cufar (2): A marmelada também curava (ex-1º Cabo Enf Salvador, CCAÇ 4740, 1972/74)

1. Texto do António Manuel Salvador, ex-1.º Cabo Enfermeiro, CCAÇ 4740, Os Leões de Cufar, Cufar (1972/74) (*), que trabalha hoje na KML, no aeroporto de Amesterdão, e que de vez em quando dá um salçto até cá, e vem arejar a sua casa em Penafirme, Torres Vedras, donde há dias me telefonou, desejando Boa Natal para a toda Tabanca Grande (LG):


Amigo Luís Graça:

Cá estou de novo para te contar o tal problema da marmelada, a tal que, como todos sabem, fazia parte da caixinha mágica que se levava para o mato, ou seja, o tubinho de marmelada que compunha a famosa ração de combate ...

Estórias de Cufar (2) > A Marmelada Também Cura? (**)
Um belo dia em que fomos fazer segurança todo o dia e toda noite, houve um colega que não queria passar a noite no mato, pelo que se fez de doente com dores nas costas... Os outros amigos açorianos disseram-em em surdina que o que ele queria era ir para dentro, ou seja, para o destacamento e dormir descansado o resto da noite...
Lá se arranjou a maneira de o levarmos até ao fundo da pista. Aí o transmissoes mandou uma mensagem, para se tratar da evacuação... Mas antes disso, e como ele se fazia de doente sem estar, eu tive que lhe tratar da saúde e vai daí tirei a marmelada mágica e esfreguei-lha nas costas.
Ao princípio escorregava bem mas para o fim já estava difícel devido ao facto de ele ter muito pêlo nas costas... Bom, ele lá foi evacuado para dentro mas disse-lhe para no dia seguinte ir ao médico.
Pelos vistos, não foi. O Dr. Moita, ao saberque tinha vindo um doente, quis saber quem era e lá vai o Alf Mil Médico à tabanca ver o doente... Perguntou-lhe se ele estava melhor e ele disse que sim, que tinha menos dores... A seguir, o médico, claro, perguntou quem é que tinha tratado dele e ele disse que tinha sido o Salvador, com uma pomada que tinha no saco da enfermagem.
É óbvio que o médico sabia perfeitamente que nós não tínhamos nada disso e mandou o rapaz voltar-se na cama e viu o que se passava: o que lá estava era a tal marmelada, já meia desfeita...
O que aconteceu a seguir foi o médico ir à minha procura porque isto tinha sido um dia antes, à noite, e no outro dia de manhã já nós tínhamos vindo do mato. Lá estava eu ainda na cama e o Dr. Moita, com aquele seu ar calmo, perguntou-me o que tinha eu feito ao doente... Eu a rir-me, comentei que não me passaria pela cabeça que o Dr. Moita fosse expressamente à tabanca ver o ocorrido... Enfim, avisou-me que aquilo não se fazia e que o rapaz podia não gostar do que eu lhe tinha feito...

Ele, o doente, nunca soube se era pomada ou marmelada... O amigo Moreira - era o seu apelido - só soube qual era o produto uns dias antes de a gente embarcar para os Açores, na viagem de regresso... A resposta dele:
- Eu queria era ir para dentro, não queria dar de comer ao mosquito...

E foi assim que se passou esa estória... Daqui envio um forte abraco a todos os camaradas da CCAÇ 4740, os Leões de Cufar (1972/74), bem como a todos os tertulianos do blogue, com viotso de que tenham um Feliz Natal e um Ano Novo melhor!
São os votos sinceros do Salvador e Família.

_________

Notas dos editores:

Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

Hugo Guerra, ex-Alf Mil, hoje Coronel DFA, Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)


1. Mensagem do nosso camarada Hugo Guerra, em 24 de Novembro de 2007, para Luís Graça

Ainda e sempre Gandembel


Caro camarada e, desde já amigo, Luís Graça

Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em Abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964.

Em Agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [, Gandembel/Balana, 1968/69].

Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em Agosto, em Gandembel.

Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969 (1).

Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à minha odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra.

A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 50 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma anti-pessoal, salvo erro a 13 de Março de 1970.

Sou hoje DFA e Coronel.

Este é o meu primeiro contacto para ser admitido na tertúlia que acompanho há bastante tempo, mas sempre de longe porque os fantasmas ainda me provocam grandes pesadelos.

Qualquer dia farei uns relatos complementares aos do [Idálio] Reis sobre o inferno do Corredor de Guiledge onde fiz algumas incursões com uma Companhia de Páras que aceitaram levar o periquito para ver como era.

As fotos que junto foram tiradas nos seguintes locais:


(i) à esquerda, com uma granada ao cinto e toalha ao
ombro e sabonete na mão, ia tomar banho num regato
perto de Gandembel;

(ii à direita, junto ao paiol onde dormíamos em Ponte Balana;





(iii) à esquerda estou na Chamarra com um Alferes
que fui substituir;

(iv) à direita, em S.Domingos, com o 1º Cabo Seleiro
que ficou gravemente ferido no mesmo rebentamento que eu.

Por agora é tudo.

Se não tiver muitos pesadelos, esta noite prometo voltar. Moro em Lisboa e o meu contacto de email é: guerra68@tele2.pt e o Telemóvel 960085289.

Talvez nos encontremos em Março com o Pepito, de quem sou amigo e que me convidou; vamos ver se consigo ir.

Um abraço do
Hugo Guerra

2. Comentário de Carlos Vinhal:

Caro Hugo Guerra

Em nome do Luís Graça, Virgínio Briote, meu e de todos os tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, quero dar-te as boas vindas à Tabanca Grande.

Pelo que nos contas, foste um dos companheiros bafejados pela pouca sorte, ao seres apanhado pela arma mais traiçoeira que qualquer um dos lados de uma guerra pode utilizar, uma mina, contra o seu antagonista.

Estás connosco, o que é pelo menos um sinal de que estarás bem, neste momento, e pronto para nos dar a conhecer as tuas experiências. De um modo geral todos temos recordações mais ou menos pesadas, em termos psicológicos, dependendo do que cada viu, viveu e sofreu, mas se é verdade que falar nelas contribui para uma certa descarga emocional, falemos pois então.

Ninguém, a não ser outro camarada, pode entender e compreender o que vai no nosso interior. Para isso existe este blogue, para que cada um, à sua maneira, faça a sua catarse ao mesmo tempo que contribui com o seu testemunho para a História da Guerra Colonial que queremos deixar aos nossos vindouros.

A partir de agora estás mais acompanhado. Participa.

Recebe um abraço de boas vindas de todos os tertulianos.

___________

Nota de CV:

(1) Vd. post de 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2311: Vamos expor o Álbum Fotográfico dos homens-toupeiras de Gandembel ? (António Almeida / Idálio Reis / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: A antiaérea que era pressuposto proteger o pessoal contra eventuais ataques ... dos Migs russos da República da Guiné-Conacri.


Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: Depois do duro trabalho de pá e pica, um banho reconfortante... nos bidões de gasóleo.


Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: Gosse, gosse, tica a erguer a casa que se faz noite...


Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: Vista da porta de armas.

Guiné > Região de Tombali > Gandembel / Balana >CCAÇ 2317 (1968/69) > Gandembel: vista geral do aquartelamento; ao fundo os abrigos dos homens-toupeiras...

Fotos cedidos pelo António Almeida, o interpetre do Hino de Gandembel, soldado da CCAÇ 2317 (Gandembel/Balana, 1968/69) (1). Enviadas pelo Zé Teixeira, também conhecido, entre os escuteiros de Matosinhos, como o Esquilo Sorridente (2). Legendas: AA/LG.

1. Mensagem do editor L.G., de 13 de Novembro de 2007:

Idálio, querido amigo e camarada:

Em conversa ontem com o Dr. Alfredo Caldeira, marido da Diana Andringa e responsável pelos arquivos da Fundação Mário Soares, ele mostrou-se muito receptivo à minha sugestão de se poder realizar outras exposições a partir do espólio fotográfico de alguns membros da nossa tertúlia: falei-lhe em especial do teu álbum - que eu considero fabuloso - sobre Gandembel / Balana (1)… Eles têm equipamento sofisticado, recuperam-te as fotos (a partir de negativos ou de cópias), fazem ampliações / posters, montam-te uma belíssima exposição… Ficarás sempre com os originais… Ganharíamos todos… Que dizes à ideia ?

Como já leste, seguramente, no nosso blogue ontem foi inaugurada a exposição do Américo Estanqueiro, um ex-Fur Mil da CCAÇ 2700, Dulombi/Galomaro (1970/72)… O Estanqueiro era, na época, um fotógrafo de casamentos e baptizados – sem desprimor… Ganhou uns cobres a bater chapas para o pessoal da companhia… Mas a guerra deles não teve nada a ver com tua… Além disso, mandou destruir os cerca de 6 mil negativos que fez na Guiné… Ficou só com cópias, algumas em mau estado…

Já agora, que máquina usavas, onde mandavas revelar as fotos ? Tens negativos ? …

Para ti, e para a malta da tua companhia, também era bom… Que me dizes ? Pondera essa hipótese.

2. Resposta do Idálio Reis, com data de 27 de Novembro:

Meu caro Luís:

Um efémero hiato, resultante de tratamento termal em S. Pedro do Sul, afastou-me do outlook express. Tenho de começar a fazer uma remodelação no meu equipamento informático, pois sinto que o que possuo começa a ficar bastante restritivo.

Quanto à questão que me afloras, as fotos que fui endereçando para o Blogue, também teve a colaboração especial de 2 companheiros, ainda que a alíquota maior seja a minha. Consegui dar-lhes alguns retoques a todas as que te enviei. Mas procurei as que melhor se integram, e foram quase todas.

Entretanto, muitas se perderam. Sabes que no buraco de Gandembel, até as revelações se tornavam complicadas. E tinha (ainda a tenho) uma bela máquina KONICA, que um antigo companheiro de Coimbra, que encontrei em Bissau (eu estava chegando, ele regressava), ma ven(deu) por um resto de moeda portuguesa. Tinha sido o comandante de um pelotão de auto-metralhadoras.

Há cerca de 2 anos, um cancro na laringe vitimou-o, quando estava prestes a acabar o seu exercício de juiz de direito. Grande homem este António José Pires Condesso, de Fermentelos - Águeda.

Quanto às fotos, o essencial está no Blogue, restando muitas poucas para preparar convenientemente, e que te farei enviar.

Agradecimentos pela tua lembrança, que não obsta a que se escolham algumas para figurarem, eventualmente, na Fundação Mário Soares. Dia 4 de Dezembro, lá estarei na minha cidade[, Coimbra], para ver o filme do Flora Gomes/Diana Andringa (3).

Um cordial abraço do Idálio Reis
____________

Notas de L.G.:



(2) Vd. post de 22 de Novembro de 2007 < Guiné 63/74 - P2295: Hino de Gandembel, cantado no almoço da mini-tertúlia de Matosinhos (A. Marques Lopes / Carlos Vinhal)

(3) Vd. post de 13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2262: Exibição do filme As Duas Faces da Guerra (1): Castro Verde (16/11) e Coimbra (4/12) (Diana Andringa / Fernando Barata)

Guiné 63/74 - P2310: Encontro internacional em Lisboa, em 2010: Nós e os que combateram com e contra nós (Nuno Rubim / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Ilhéu de Infanda > CCAÇ 1621 (1966/68)> Progressão das NT > Foto cedida, ao Moura Ferreira, por pessoal da CCAÇ 1621, por ocasião do último convívio da unidade (Junho de 2006)...

E a propósito que é feito deste nosso camarada e amigo, o Hugo Moura Ferreira, funcionário (refiormado) do Ministério dos Negócios Estrangeiros, ex-Alf Mil (que esteve na Guiné, entre 1966 e 1968, em Cufar, na CCAÇ 1621, e depois e em Bedanda, na CCAÇ 6), e que eu não eu vejo desde as provas públicas de doutoramento do nosso Leopoldo Amado, na Universidade Clássica de Lisboa ? (1)

Foto: © Hugo Moura Ferreira (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Nuno Rubim, coronel de artilharia na reforma, duas comissões na Guiné, membro da nossa Tabanca Grande, coração maior, especialista em dioramas, reputado historiógrafo, etc.:

Caro amigo Luís

Nesta tua citação no blogue em 27 /11/ 2007 - e passo a transcrever :

"3. Comentário de L.G.:

'Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau'... É com regozijo que o nosso blogue se associa a esta bela iniciativa e sauda fraternalmente a sua comissão organizadora... Este simpósio internacional, que também podia ser realizado em Portugal, não celebra a derrota de ninguém, mas
sim a vitória de dois povos que continuam ligados por laços históricos, afectivos, culturais e linguísticos... Como de um lado e de outro temos dito, esta iniciativa faz parte de um projecto mais vasto de desenvolvimento integrado e sustendo - o 'projecto Guiledje' -, e no essencial representa o
triunfo da vida sobre a morte, a vitória da paz sobre a guerra, a primazia da memória (viva) sobre o esquecimento e o branqueamento da história, a afirmação da esperança no futuro, o reforço da amizade e da solidariedade entre os nossos povos"(...)

sintestizaste de uma forma extraordinariamente feliz e objectiva os sentimentos que nos animam a todos neste projecto. Bem hajas por o teres feito !

E realmente, porque não ser realizada, um dia, uma réplica aqui em
Portugal ?

Um grande abraço
Nuno Rubim

2. Comentário de L.G.:

Fica aqui a minha tímida sugestão e o enérgico desafio do artilheiro Nuno para, em 2010, realizarmos, aqui, na nossa terra, um encontro internacional sobre a Guerra da Guiné... Sob os auspícios do nosso blogue...se ele ainda existir, e nós estivermos no pleno uso das nossas faculdades, físicas e mentais...

Pode ser que tenhamos a coragem de nos metermos numa aventura dessas, convidando, para partilhar connosco estórias e emoções , os velhos combatentes que lutaram com e contra nós, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Cuba... Mais, o paisano do Pepito, é claro, que nunca foi combatentes de armas na mão, mas é um homem que ama a sua terra e quer pôr a memória (ainda viva...) da guerra colonial/luta de libertação ao serviço da construção do futuro.
___________

Nota de L.G.:

(1) Vd.post de 29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1794: Blogoterapia (21): Falar da guerra, com pudor... e com alegria do novo Doutor, Leopoldo Amado (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2309: Blogoterapia (36): Parabéns, Mário Vicente, pelo teu talento, coragem e sensibilidade (Santos Oliveira)

1. Mensagem do nosso novo tertuliano, Santos Oliveira ( 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf, Como, Cufar e Tite, 1964/66) (1):

Honorável Chefe da Tabanca Grande:

Não quero quebrar a expectativa que está a ser criada pela publicação, em Capítulos, da PAMI NA DONDO (2). Antes transcrevo o Mail que enviei ao meu querido amigo e camarada, Mário Vicente, após a sua leitura. Não faço outros comentários, porque o que sinto e senti, ainda não está totalmente digerido. Está em movimento dentro de mim, crê.
______________

Para: Mário Fitas
Data: 12/08/2007

Assunto: PAMI NA DONDO – A GUERRILHEIRA

Caríssimo amigo Vicente

Conforme o prometido, depois de digerir e ver com o olho crítico, cá vai, sinteticamente, o meu comentário:

1) - Não sou especialista literário, pelo que acerca disso vou abster-me de fazer comentários.

2) - No que respeita ao Tema e à Narração, procurei 'entrar', seriamente, em ambos os lados e 'vivê-los' como se estivesse dentro de cada personagem. Como te referi anteriormente, revelaste um espírito de observação fora do comum, raro, mesmo, porque a profundidade e personalidade de cada um dos 'lados' está tão marcada que bem poderia ser um Relatório Real e pormenorizado da situação vivida.

Por outras palavras, posso garantir-te que não se descobre bem o que distingue a Realidade da Ficção (que me parece ter sido diminuta [, desculpa-me]).

Quero dar-te os Merecidos Parabéns pelo contributo histórico. Não há muitos Documentos que possam atestar quanto se passou realmente. Existe muita Ordem Verbal, que não consta dos Arquivos Oficiais (porque não pode constar).

Felicito-te pela coragem de mostrares o que foi e vai dentro de ti. Admiro-te.

Um sincero e fraterno abraço, do

Santos Oliveira


________________

As melhores e fraternais saudações para toda a Aldeia, do

Santos Oliveira

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Notas dos editores:

(1) Vd. posts de:

24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf.ª (Como, Cufar e Tite, 1964/66)

(2) Vd. posts de:




Guiné 63/74 - P2308: Notas de leitura (3): Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, de Manuel Amaro Bernardo (Jorge Santos)

Capa do último livro de Manuel Amaro Bernardo. Imagem: O General António de Spínola passa revista às tropas do Batalhão de Comandos da Guiné, acompanhado do seu comandante, Major Almeida Bruno (Fonte: Editora Prefácio).


1. O nosso camarada Jorge Santos, autor do sítio Guerra Colonial Portuguesa (onde pode ser consultada a mais completa e sempre actualizada lista bibliográfica sobre a guerra colonial, de A a Z, a par de uma valiosa filmografaa) mandou-nos, em 23 de Novembro, a seguinte nota, para conhecimento da Tertúlia:

Será lançado no dia 29 (quinta-feira), pelas 18 horas, no Palácio da Independência, Largo de São Domingos, nº 11, em Lisboa, o livro Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné, da autoria de Manuel Amaro Bernardo, editado pela Editora Prefácio.

A apresentação será efectuada pelo General Ricardo Durão. O livro aborda a guerra na Guiné, e as sequelas do pós-independência, através de diversos testemunhos. O autor não conheceu o TO da Guiné.

Do Prefácio: (…) O livro de Manuel Bernardo narra, através de diversos testemunhos, a guerra da Guiné. Foi um dos teatros onde, porventura, a luta foi mais intensa e dura; contudo, em todo o momento podíamos, desde que com o planeamento adequado e os efectivos necessários, estar presentes em qualquer ponto do território, o que não podia ser conseguido pelo inimigo. Isto não origina que o esforço militar se pudesse prolongar indefinidamente; havia que procurar solução política, inteligente e condigna, que não foi tentada atempadamente. (…).

Cumprimentos e bom fim de semana
Jorge Santos


2. Manuel Amaro Bernardo > Nota biobliográfica:

(i) Nasceu em Faro;

(ii) Foi promovido a alferes em 1960;

(iii) É Coronel do Exército (Infantaria), na reforma;

(iv) Cumpriu quatro comissões no Ultramar (Angola e Moçambique);

(v) No 25 de Abril estava colocado na Academia Militar, "onde existia um núcleo importante de oficiais contestatários ao regime anterior";

(vi) Estave no Regimento de Comandos, na Amadora, no 25 de Novembro de 1975, no Posto de Comando, dirigido por Ramalho Eanes;

(vii) Desempenhou funções de comando no Batalhão n.º2/GNR (1979/85);

(viii) Foi promotor de justiça e juiz nos Tribunais Militares de Lisboa (1987/95);

(ix) É diplomado com o Curso de Ciências da Informação da Universidade Católica (1990/93);

(x) É autor dos seguintes livros (além de outros, em co-autoria):

Os Comandos no Eixo da Revolução; Crise Permanente do PREC; Portugal 1975/76 (1977);

Marcelo e Spínola, a Ruptura; as Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo; Portugal 1973-74. (1994 e 2. edição em 1996, Ed. Estampa).

Equívocos e Realidades - Portugal 1974-75. (2 volumes 1999).

Combater em Moçambique – Guerra e Descolonização, 1964-1975 (2003, Ed. Prefácio) (1).

Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975 (2004, Ed. Prefácio) (2).


Fonte: Passa-Palavra, jornal dos Comandos de Portugal (com a devida vénia...)

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Notas dos editores:

(1) Do blogue do nosso camararada e amigo João Tunes:

Bota Acima > 8 de Julho de 2004 > Africando

(...) Voltei a ler mais um livro do Coronel reformado Manuel Amaro Bernardo. Desta vez, dedicado a Moçambique [ “Combater em Moçambique – Guerra e Descolonização – 1974/1975”, Manuel Amaro Bernardo, Ed. Prefácio]. É uma miscelânea de memórias da sua experiência em campanha, narrativas sobre os processos da guerra e da independência, colecta de depoimentos de vários camaradas de armas, uns intervenientes activos na resistência à independência, outros, pelo menos, críticos radicais da descolonização. A ideia regeneradora é uma constante sem falhas. A guerra foi heróica, a descolonização foi um crime. Frelimo e independência foram, são e serão a desgraça dos moçambicanos (depois de ter sido a nossa).

(...) "Nada tenho contra a proliferação desta literatura. Era inevitável. Até lhes compro os livros e os leio.O problema, quanto a mim, reside apenas no seu peso relativamente desproporcionado no panorama editorial. Bem sei que lhes 'chegou a hora'. Mas, sem contraponto, corre-se o risco de haver fixação num estereótipo bem marcado (extremado) que não permite a incorporação do fenómeno em termos de memória colectiva. E, assim, corre-se o risco de os portugueses, perante África, continuarem na sua ancestral incapacidade de olhar e entender o Outro. E se esta incapacidade, grande tragédia nossa, serviu para 'alguma coisa' (pelo menos serviu para uns tantos) no passado, hoje, sem colónias, só nos separa do mundo, impedindo-nos de termos história. E não há negócio que ganhe com o negócio. (...).

(2) Vd. recensão crítica do João Tunes > Bota Acima > 18 de Junho de 2004 > Leitura cruzada

(...) Terminada a leitura do livro da historiadora Dalila Cabrita Mateus [ “A Pide/DGS na Guerra Colonial – 1961-1974”, Dalila Cabrita Mateus, Ed Terramar ] aqui referido, entrou-me nas mãos um outro livro volumoso (750 pgs!) do Coronel reformado Manuel Amaro Bernardo [“Memórias da Revolução – 1974/1975”, Manuel Amaro Bernardo, Ed Prefácio] .

Acabei por terminar a leitura do segundo antes de trazer para aqui a apreciação sobre o primeiro. Aparentemente, os dois livros não se cruzam.Os factos abordados no livro de Dalila Mateus terminam quando começam os que são tratados no livro do Coronel reformado.

Dalila Mateus concentra-se nas actividades da Pide/DGS nas antigas colónias. O Coronel, abordando a descolonização, transborda para o campo da revolução e da contra-revolução, sobretudo em termos das movimentações golpistas dos militares de direita até ao 25 de Novembro de 1975.

Enquanto o livro sobre a Pide/DGS é obra de historiadora que usa as ferramentas e a metodologia do ofício (foi adaptado de uma tese de doutoramento), o Coronel utiliza os seus conhecimentos, amizades e cumplicidades (ele próprio navegou nas águas da contra-revolução), para construir uma completíssima recolha de depoimentos sobretudo dos militares que se opuseram à descolonização, que lutaram contra o MFA e contra o rumo revolucionário (com alguns depoimentos esparsos de pides, civis envolvidos no golpismo de direita e um (!) depoimento, entre dezenas de entrevistas, de um (!) militar do MFA).

Nota-se que a perspectiva da historiadora parte de um enfoque de 'esquerda' sobre a guerra colonial, enquanto o Coronel reformado partilha com os seus depoentes a rejeição do processo de descolonização e constrói e reconstrói os conhecidos lugares comuns da visão dos militares desconsolados com o 25 de Abril, logo nesse dia ou no dia seguinte. E é aqui que, a meu ver, os livros sempre acabam por se cruzarem (simetricamente). (...)

Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Fevereirto de 1968 > Pista de Cufar, Allouette III, equipado com canhão de 20 m/m. (Operação Ciclone I)

Foto e legendas: © Vítor Condeço (2007). Direitos reservados.


Guiné > Região de Tombali > Zona de intervenção da CCAÇ 763 e localidades por onde efectuou operações.

Foto: © Mário Fitas (2007). Direitos reservados.


A CCAÇ 763, comandada pelo então capitão Costa Campos, foi mobilizada para o CTIG, tendo embarcado em Lisboa no N/M Timor em 11 de Fevereiro de 1965 e desembarcado em Bissau a 17 do mesmo mês. Ficou instalada no BCAÇ 600, em Santa Luzia, para os procedimentos administrativos e logísticos habituais. À medida que ia recebendo o material, os grupos de combate foram sendo deslocados para Cufar por lanchas de Fuzileiros Navais, rendendo a CCAV 703.

Em 17 de Março de 1965, estava colocada, em quadrícula, em Cufar, adida ao BCAÇ 619, onde permaneceu até 10 de Novembro de 1966, data em que foi transferida para Catió para aguardar o embarque de regresso a Lisboa no Niassa. À data da sua chegada a Cufar, era formada por 5 Oficiais, 17 Sargentos, 144 praças e... 8 cães de guerra, pastores alemães.

Da actividade operacional que desenvolveu no Sul da Guiné, é de destacar a construção do aquartelamento de Cufar e de todas as suas infra-estruturas. A CCAÇ 763 levou a cabo 34 operações com apoio aéreo e naval, 17 das quais com contacto com o PAIGC. Nas acções desenvolvidas contra o então IN, a CCAÇ 763 destruiu os acampamentos de Cufar Nalu, Cabolol (duas vezes), Flaque Injã (duas vezes) e Caboxanque.

Para além desta actividade, há ainda que referir a realização de 415 patrulhas apeadas, 136 patrulhas-auto, 24 escoltas, 53 emboscadas, 10 golpes de mão, 13 operações de cerco e limpeza, 28 batidas e 3 nomadizações.

De toda esta actividade, estima-se que a CCAÇ 763 tenha percorrido aproximadamente 16 mil quilómetros a pé, 6 mil de viatura e mil de LDM. Durante este período a companhia teve 10 baixas (mortais), sendo 7 em combate e 3 por doença. Sofreu 53 feridos. Fez 45 prisioneiros e terá causado 40 feridos e 107 mortos ao então IN.

No romance de Mário Vicente, os principais protagonistas são a guerrilheira e professora do PAIGC Pami Na Dondo e os militares da CCAÇ 763, os temíveis Lassas...

PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)

por Mário Vicente

Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor:
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112

Edição no blogue: Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.

Resumo do episódio anterior (1):

A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)… No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa.

Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano. O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto).

Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa. É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.


Parte II - A formação político-militar (pp. 22-29)


(i) Uma das primeiras mulheres na guerrilha do PAIGC


De pé, na canoa que o transporta e à sua família, [Pan Na Ufna] relembra e medita as palavras de Luís Ramos: Para se ser livre batalha-se muito, e morre-se por vezes antes de a Liberdade chegar.

Pami Na Dondo com perfeito entendimento e, inteligentemente - apesar de ainda adolescente-, verifica que, embora o sortilégio dos encontros e desencontros da vida, o seu caminhar será trilhado de forma idêntica ao de seu pai.

Com catorze anos apenas mas já madura, Pami inscreve o seu nome, como das primeiras mulheres a tornar-se guerrilheira do PAIGC.

A menina que estaria predestinada para ser transmissora da palavra celeste, fonte da Natureza, encontra caminhos similares mas de linguagem diferente. Criança ainda, não entende a Teologia da Libertação. Mas, tendo bebido da Fonte de Jacob, compreende que a hora de mudança chegou.

É chegado o momento de dizer basta! É hora de encontrar a força e inteligência possíveis para esmagar a escravidão! Liberdade!...

Nesta palavra mágica, a criança encontra o conceito que vai revolucionar toda a sua condição humana e de mulher.

Com a plenitude do entendimento, da responsabilidade que lhe advém de se tornar numa defensora do seu Povo, emprega toda a sua capacidade para enriquecer e dar vida a este grande projecto revolucionário. Apesar da sua condição feminina, e fragilidade física, prepara-se psiquicamente para enfrentar os duros caminhos que terá pela frente. Desperta-lhe o desejo da Cultura e do Saber!

Aportam, no tarrafe junto do cais de Cadique (2), e retiram os parcos haveres das canoas. Pan Na Ufna e sua família estão em zona libertada. Aguardam o romper do dia para entrarem na tabanca. Aqui, são reconhecidos por muitos elementos do formigueiro. Como anteriormente delineado, dirigem-se para a casa do chefe da Tabanca. Esse, lhes transmitirá os passos seguintes.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Pedras que falam da CCAÇ 4540 - Somos um Caso Sério - que por aqui passou e montou a tenda, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973.

Foto: Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.



Refrescam-se com água de coco e comem um pouco de arroz. São informados que o seu destino será o Cafal, onde cada elemento da família será verificado e lhe será comunicado o local da residência na zona libertada. Aí lhes serão fornecidas também as respectivas guias de marcha, elemento utilizado para controlo dos elementos combatentes e da população.

No mesmo dia, picada fora, trouxas à cabeça, descem até Cafine e daqui para Cafal Balanta, onde são recebidos e atendidos pelo comité de Tabanca e, posteriormente, pelo Comité Político das Forças Armadas Revolucionárias Populares da Zona 11 (FARP).

Fica determinado que a família ficará sediada na Tabanca de Cadique Iála. Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Fica com pleno conhecimento de que a única riqueza que tem é a roupa que veste, e a arma que lhe é entregue. Da forma como souber utilizar estes bens, assim contribuirá ou não para a criação e progresso da sua desejada Pátria.


(ii) A formação político-militar de Pami, na base de Sambise, na República da Guiné-Conacri


Pami, integrada num grupo de jovens, rapazes e raparigas, tem de partir para a República da Guiné onde irá receber instrução específica sobre a guerrilha.

Voluntariosa como sempre, mostra grande interesse e tem uma entrega total ao trabalho. Em pouco tempo estará integrada na orgânica do Partido e da Guerrilha: sabe que é o Comité Revolucionário, chefiado por Amílcar Cabral que, do exterior (República da Guiné), dirige a subversão; que esta já atingiu a 4ª fase (criação de Bases e de Forças Regulares); toma conhecimentos das redes e mecanismos da Guerrilha; fica também a saber que, através da República da Guiné, é feito todo o reabastecimento para as regiões e zonas do Centro e Sul, sendo o seu responsável militar o camarada João Bernardo Vieira Nino, o qual frequentou escolas de vários países onde aprendeu a doutrina da subversão, havendo a salientar a frequência do Instituto Popular de Política Estrangeira na República Popular da China, local em que estudou e aprendeu as teorias de Mao Zedong sobre técnicas da guerra subversiva (3).

Aprendeu também que o elemento de defesa local e vigilância das populações são as milícias; que as FARP, são formadas pelo Exército Popular (EP), força militar regular, pela Guerrilha Popular (GP), e pelas Milícias Populares (MP), onde foi integrado seu pai. Nas zonas libertadas, cada povoação tem o seu Comité de Tabanca, que é constituído por dois homens e duas mulheres. Nas bases é feita a doutrinação dos jovens e uma intensa alfabetização de massas. A guerrilha é a fonte de recrutamento para o EP, bem como para a MP, actuando a nível regional como o seu apoio.

Aprende a estrutura de uma Secção do EP, formada pela sua divisão em duas subsecções, as quais têm como efectivos noventa e cinco homens cada. Estas são por sua vez constituídas por cinco grupos, sendo um deles dotado de um morteiro, uma lança granadas-foguete (RPG), uma metralhadora pesada (MP), e quatro metralhadoras ligeiras (ML). Os restantes quatro grupos são dotados de seis pistolas-metralhadoras e doze espingardas automáticas, semi-automáticas ou de repetição cada.

Os combatentes, consoante a sua colocação, têm a designação de Militantes, Guerrilheiros ou Milicianos, em consonância com a estrutura em que se encontram: EP, GP ou MP, respectivamente. As principais bases existentes na zona Sul são: Antuane, Cansalá, Curcó, Cacaque e Cafal cujos responsáveis são, respectivamente, os camaradas Sambiche Na Ledé, Joãozinho Guade, Sadjá Bamba e o próprio responsável da zona, Nino. Todo o abastecimento desta zona é feito pelo corredor de Guileje e pelo rio Cacine. Tanto material, como pessoal, fazem também a sua transição por Salancaur, Antuane, Jemberem ou Ponta Canabem.

Na base em Sambise, algures na República da Guiné, Pami não aprende só a orgânica do Partido e o seu funcionamento: aprende o francês; inicia-se na tarefa reflexiva da razão, iniciação à filosofia. Consegue ter acesso a escritos, em que lhe são inoculadas as noções primárias da aptidão e competência particular para a compreensão dos seus problemas e dos outros, o conhecimento dos fenómenos sociais e explicação dos mesmos. Simples introdução básica à psicologia e sociologia. Aos poucos torna-se adulta.

A par de tudo isto, é conjugada a instrução de guerrilha: técnicas e tácticas são-lhe ministradas, e começa a ter contacto com o armamento e a forma como utilizá-lo. Assim, intensivamente, aprende a manobrar granadas de mão; montar, desmontar, e a utilizar pistolas CESCA 7,65 mm, pistolas-metralhadoras PPSH 7,62 mm, até aos lança granadas-foguetes RPG2 e RPG7, passando pelas metralhadoras ligeiras DEGTYAREV 7,62 mm e pesadas DEGTYAREV-SHPAGIM 12,7 mm (4).

Assim se vai transformando em guerrilheira a menina de Pan Na Ufna, enquanto ele passa para a GP, tornando-se nómada por força das circunstâncias ao subir na hierarquia da Guerrilha.


(iii) Pai e filha reencontram-se; a mãe Sanhá Na Cunhema está muito doente

Numa noite de luar, na picada Salancaur/Mejo, pai e filha reencontram-se. Ele fazendo parte da força de segurança, e ela da coluna de reabastecimento. Momentos altos para o homem forte e duro em que se tornou Pan. A sua sensibilidade leva-o a afagar novamente a cabeça de sua filha, como nos velhos tempos, transforma-a criança, não se apercebendo, da mulher - força vontade - em que a sua pequena Pami se transformou.

Enquanto fazem um momento de repouso, introduzem-se na mata, e falam sobre tudo o que os envolve. Bastante preocupado, Pan informa a filha sobre o estado de saúde em que se encontra a sua mãe Sanhá Na Cunhema. Não come praticamente nada, tossindo muito, com hemoptises por vezes. Informa a filha de que na próxima oportunidade levá-la-á ao enfermeiro do seu grupo, ou arranjará maneira de, clandestinamente, ter uma consulta em Catió, o que se tornaria um pouco mais perigoso. Mas é extremamente urgente. Pami fala na hipótese de a mãe ser vista na República da Guiné, mas a coluna tem de retomar o seu caminho, e nada fica delineado. Pami regressa à sua base de treino, preocupada com a situação de doença de sua mãe, mas, ao mesmo tempo, sonhando com o dia em que se tornará companheira de seu pai.


(iii) Pami perde a mão esquerda num acidente com arma de fogo e conhece o guerrilheiro Malan Cassamá no hospital


Mas o destino não o permite. A existência, indefinido caminho em que o homem não determina o princípio nem o fim, é muitas vezes transmutada, indiferentemente ao nosso desejo.

Um estúpido acidente transforma a vida e destino da guerrilheira. Durante a instrução de tiro, o cano da velha arma com que Pami treina a pontaria ao alvo rebenta e a rapariga que sonhava ser guerrilheira, vai para o hospital, com o antebraço esfacelado, e a mão esquerda decepada.

Momentos duros para Pami que, estoicamente, aguenta o sofrimento da dor. Mas a recuperação psíquica será dolorosa. O enfermeiro Go Na Iála torna-se um amigo extraordinário e ajuda-a a levantar a moral.

Entretanto, encontra um jovem companheiro de seu pai, que também recupera de um estilhaço de morteiro na perna direita, sofrido na operação desencadeada pelas forças portuguesas contra a Região do Como, em Janeiro de 1964 (5). Malan Cassamá narra a Pami as aventuras, a coragem e bravura com que seu pai se bateu em combate, enfrentando as forças inimigas em situação tão desesperada, pela libertação da sua terra, nas ilhas de Caim e Como, durante mais de dois meses. Pami sente-se orgulhosa.

A guerrilheira abolida é chamada ao comando de instrução. É uma conversa dura para Pami, mas esta não irá mais ser combatente. É-lhe destinada outra função dentro da Organização. A jovem passará a fazer parte dos quadros de alfabetização do Partido. Resultante da sua cultura, tem de se preparar, para seguir para o Cantanhês e começar a dar aulas ao pessoal do EP e MP.


(iv) Pami e Malan apaixonam-se; Pami é colocada como professora em Flaque Injã


Debaixo da enorme mafumeira do Centro de Instrução da Guerrilha em Sambise, na festa de fim de curso do contingente que regressará à sua terra para fazer a guerrilha, assiste com o enfermeiro, e o recuperado Malan, ao desfile dos seus companheiros. Emocionada, quando os jovens desfilam cantando o hino do Partido, os olhos enchem-se-lhe de lágrimas, mas entoa também: Esta é a Nossa Pátria Amada, Hino do PAIGC, Hino do Povo (6). Voz embargada, mas bem timbrada, entoa:


Sol, suor, o verde e o mar,
Séculos de dor e esperança!
Esta é a terra dos nossos Avós!
Fruto das nossas mãos
Da flor do nosso sangue:
Esta é a Nossa Pátria Amada!

[Refrão]


Viva a Pátria Gloriosa!
Floriu nos céus a Bandeira da Luta!
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir na Pátria Imortal
A Paz e o progresso
Nós vamos construir na Pátria Imortal
A Paz e o Progresso.

Ramos do mesmo tronco
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou!

[Refrão]

Viva a Pátria Gloriosa! (...)


Orvalho salgado, escorrendo pelo fino rosto, Pami olha para Malan e os olhares fixam-se profundamente. Num momento ficam encabulados ao repararem que estão de mãos dadas. É o princípio de algo lindo que nasce fora dos usos e costumes da sua Raça.

Pami é colocada como professora em Flaque Injã. Uma experiência riquíssima para a jovem. Desde meninos, blufos, até homens grandes, serão seus alunos, mas a grande prioridade é, de facto, ensinar as milícias e o pessoal do EP.

Malan Cassamá, no regresso à guerrilha, ainda em recuperação, instala-se em Caboxanque. Todos os dias visita a professora de Flaque Injã. Passam largos momentos junto ao rio, ouvindo o murmúrio cantar das águas, nesse louco esvair para jusante ou montante, do mar ou para este nessa dualidade encantadora destes rios de maré, enchendo em tempos de preia-mar ou vazando em horas de baixa-mar. Os ruídos da selva são sons maravilhosos de sussurrantes instrumentos musicais. O arrulhar dos pombos verdes nos altos poilões são melodias de embalar. Sem o saberem, eles estão vivendo um momento belo da transformação da sua própria sociedade e cultura. Na procura do amor, na voluptuosidade dos seus beijos, na doce embriaguez, subindo do coração aos lábios, enleiam-se na máxima plenitude recíproca; a sua dualidade transforma-se num só querer, que se completa na concretização da mútua posse. Embora essa posse seja já de facto uma realidade, planeiam a sua união, aceitando ambos seguir as tradições da sua etnia. Assim, fica determinado que Malan falará com Pan Na Ufna.

Malan, de regresso a Cansalá, acerta todos os pormenores com Pan Na Ufna, que aceita, e a jovem professora de Flaque Injã e o guerrilheiro Malan, passam a ser marido e mulher.

(Continua)

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

23 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2293: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (1): Os bastidores de um romance (Luís Graça / Mário Fitas)

(2) Vd. posts de:

11 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2257: Convívios (34): CCAÇ 763 (Cufar 1965/67) (Mário Fitas)

27 de Junho de 2007 >Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1891: O Cantanhez (Cadique, Caboxanque, Cafine...) e os paraquedistas do BCP 12 (1972/74) (Victor Tavares, CCP 121)

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito)

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

(3) Vd. posts de:

22 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2124: PAIGC - Instrução, táctica e logística (1): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (I Parte) (A. Marques Lopes)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2126: PAIGC - Instrução, táctica e logística (2): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (II Parte) (A. Marques Lopes)

(4) Vd. post de post de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1890: PAIGC: Gíria revolucionária... ou como os guerrilheiros designavam o seu armamento (A. Marques Lopes)

(5) Operação Tridente: vd. os textos que publicámos em primeira mão do nosso camarada Mário Dias, sargento comando, que esteve na batalha do Como, do primeiro ao último dia:

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

(6) É o hino da República da Guiné-Bissau. Letra e música de Amílcar Cabral. Pode ser ouvido aqui.