domingo, 23 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2677: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Coutinho e Lima (1): Comandante do COP 5, com 3 comissões no CTIG

Vídeo (1' 38''): Início da comunicação do Cor Art Res Coutinho e LIma, antigo comandante do COP 5, que em 22 de Maio de 1973 tomou a decisão de retirar Guileje.





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 3 de Março de 2008 > No regresso a Bissau, o jipe que me levava a mim e ao Cor Art Nuno Rubim, mais as respectivas esposas, parou aqui, em manhã de nevoeiro... Foi uma despedida nostálgica por parte de ambos, e em especial do Nuno, um homem profundamente ligado a Guileje, e além disso autor do famoso diorama de Guileje...

Vídeos, fotos e legendas: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes

1. Transcrição da comunicação do Cor Art, na situação de reserva, Coutinho e Lima, no âmbito do SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE GUILEDJE (BISSAU - 1 a 7 de MARÇO de 2008). Trata-se de uma gentileza do autor com quem tive a oportunidade de privar durante uma semana na Guiné-Bissau, de 29 de Fevereiro a 7 de Março de 2008 (1). Ele passa também a integrar a nossa Tabanca Grande, por convite meu, que aceitou.


Factores considerados para tomar a decisão da retirada das forças militares e da população, do aquartelamento de GUILEDJE . Relato histórico do Ex-Comandante do COP 5, Coronel COUTINHO E LIMA

Parte I > Comandante do COP 5, com 3 comissões no CTIG

Revisão e fixação do texto: LG

Começo por felicitar a ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, pela feliz iniciativa de organizar este Simpósio Internacional sobre GUILEDJE. Quando recebi o convite do Sr. Engenheiro CARLOS SCHWARTZ para participar neste evento, imediatamente manifestei a minha disponibilidade. A minha presença vai-me permitir apresentar, com algum detalhe e com verdade, o que se passou em Maio de 1973 e com a autoridade de ser o Comandante das forças portuguesas presentes no terreno, único responsável do que foi decidido.

Antes de analisar os diversos factores que considerei, para tomar a decisão da retirada de GUILEDJE, achei por bem fazer uma breve exposição dos antecedentes, para melhor se perceber o que ocorreu, em Maio de 1973, naquela zona.

1. Experiência das duas comissões anteriores


Em Setembro de 1972, iniciei a minha 3ª Comissão de serviço na GUINÉ.

A 1ª ocorrera no período de JUL 63 / JUL 65; como Capitão, comandei a Companhia de Artilharia nº 494 (CART 494) que inicialmente ocupou GANJOLA, pertencente ao Batalhão de CATIÓ, de 17 SET a 15 DEZ 63; em 17 Dez 63, a CART 494 ocupou GADAMAEL PORTO e em 21 FEV 64 colocou um destacamento em GANTURÉ.

Em 4 FEV 64 foi ocupado GUILEDJE, com um Pelotão da Companhia de ALDEIA FORMOSA; aberto o itinerário GUILEDJE – GADAMAEL, em 20 FEV 64, a guarnição de GUILEDJE passou a ser reabastecida via GADAMAEL; por esta razão, percorri diversas vezes aquele percurso GADAMAEL- GUILEDJE.

O Batalhão de Caçadores nº 513, com sede em BUBA, ao qual pertencia a CART 494, fez uma série de operações ao longo da estrada paralela à fronteira com a REPÚBLICA da GUINÉ CONACRI, procedendo à abertura do itinerário e instalando forças militares em SANGONHÁ, CACOCA e CAMECONDE; com a ocupação desta última localidade, ficou estabelecida a ligação, por terra, entre ALDEIA FORMOSA e CACINE.

A minha 2ª comissão ocorreu no período de JUL 68/JUL 70; com o posto de Capitão e o Curso de Observador Aéreo de Artilharia, fui colocado no Comando Chefe das Forças Armadas da GUINÉ, desempenhando as funções de Adjunto da Repartição de Operações; foi-me atribuído o Sector Sul, onde estava incluído o Batalhão de BUBA, ao qual pertenciam as guarnições de GUILEDJE, GADAMAEL e CACINE.

Nesta comissão tive oportunidade de trabalhar sob as ordens do Sr. General SPÍNOLA, já nessa altura Comandante-Chefe das Forças Armadas da GUINÉ.

2. Criação do COP 5: missão, zona de acção e meios


Iniciei a minha 3ª comissão, por imposição, na GUINÉ, em SET 72; fui colocado no Centro de Instrução Militar (CIM), em BOLAMA, como Director de Instrução; tinha o posto de Major.

Através da Directiva nº 2/73, de 8 JAN 73, do Comando Chefe das Forças Armadas da GUINÉ, foi criado o Comando Operacional nº 5 (COP 5), para o qual fui designado Comandante.

A MISSÃO do COP 5 era a seguinte:

(1) Intercepta o corredor de GUILEJE, especialmente pela implantação de minas e armadilhas e execução de fogos de interdição.

(2) Executa acções de reconhecimento na faixa fronteiriça, por forma a detectar novas linhas de infiltração In na sua ZA, com vista ao oportuno desenvolvimento de acções de contra-penetração.

(3) Acaba com o IN na sua ZA, aniquilando-o, capturando-o, ou no mínimo, expulsando-o para o exterior do TO.
(4) Procura alargar a sua área de actividade de contra-guerrilha, por acções de reconhecimento no corredor de GUILEJE em ordem a intensificar o esforço de contra-penetração e por acções de golpe de mão sobre a área do QUITAFINE.

(5) Assegura a defesa eficiente dos aglomerados populacionais ocupados pelas NT e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua ZA.

(6) Garante as condições de segurança necessárias à execução de movimentos nos itinerários do Sector, em especial GADAMAEL-GUILEJE e CACINE-CAMECONDE.

(7) Coopera com o COP 4 na realização de acções terrestres no CANTANHEZ, a pedido daquele comando.

(8) Prevê a execução de fogos de Artilharia sobre o CANTANHEZ a desencadear a pedido do COP4.

Os meios atribuídos ao COP 5 eram os que, do antecedente, estavam nas guarnições de GUILEJE, GADAMAEL e CACINE.

A Zona de Acção (ZA) do COP 5 era a que estava atribuída àquelas três guarnições.

Refere-se que um dos considerandos da Directiva que criou o COP 5 era:

“…que, com a criação do COP4 e o desenvolvimento da respectiva manobra no CANTANHEZ, é de admitir que o In reforce os seus efectivos armados naquela região com material e pessoal a partir da REP GUINÉ e, consequentemente, pressione ainda mais as nossas guarnições de GUILEJE, GADAMAEL e CACINE em virtude de a travessia das respectivas ZA constituir o itinerário mais curto entre a fronteira e o CANTANHEZ.”

Embora o Comando Chefe admitisse que o In iria pressionar ainda mais as guarnições indicadas, não foi atribuído nenhum meio de reforço ao recém-criado COP 5, tendo-me o Sr. Comandante-Chefe dito, expressamente, que não pedisse reforços e que efectuasse a adequada manobra dos meios existentes.

Era habitual, até então, a criação de um COP ser acompanhada da atribuição de meios, para o cumprimento da MISSÃO. O COP 5 foi o primeiro que não viu reforçado o seu dispositivo, com qualquer meio.

Na véspera da minha partida de BISSAU, o Sr. Comandante-Chefe disse-me que, qualquer dia, iria fazer uma visita a GUILEJE; ficou, assim, estabelecida a sede do COP 5, o que não constava na Directiva que o criou.

3. Aparecimento dos mísseis terra-ar na região de GUILEJE


No dia 25 MAR 73 (Domingo), o aquartelamento de GUILEJE foi flagelado pelo PAIGC, das 13.00 às 14.30 horas; esta flagelação, em pleno dia, não era habitual, pois que, até então, tais acções ocorriam durante a noite; esta flagelação constituiu, seguramente, um chamariz, pois que certamente o PAIGC tinha conhecimento que os aviões da Força Aérea Portuguesa não deixariam de aparecer; conforme o que estava determinado, foi feito o pedido de Apoio Aéreo; passado pouco tempo, sobrevoava o quartel um Avião FIAT G 91;o Piloto entrou em contacto rádio e depois de receber a indicação da direcção e distância estimadas donde partira o bombardeamento, voou nesse rumo, não mais tendo estabelecido qualquer comunicação; passados cerca de 15/20 minutos, apareceu um segundo Avião do mesmo tipo (era habitual virem os dois aviões ao mesmo tempo), que informado do que tinha ocorrido, sobrevoou a área indicada, verificando, ao fim de algum tempo, que o primeiro avião tinha sido abatido. O Piloto, Tenente Piloto Aviador PESSOA conseguira ejectar-se e, devido ao adiantado da hora, só foi recolhido na manhã do dia seguinte.

Foi este o primeiro Avião FIAT G 91 abatido por um míssil terra-ar, mas não a primeira acção com êxito sobre aeronaves portuguesas; de facto, em 1968, tinha sido abatido um avião do mesmo tipo, numa acção de apoio de fogo ao aquartelamento de GANDEMBEL, atingido pelo fogo de Metralhadoras Anti-Aéreas; o Piloto também conseguiu ejectar-se e foi recuperado, de imediato.

O aparecimento dos mísseis terra-ar provocou, como não podia deixar de ser, profundas alterações na actuação da Força Aérea Portuguesa. Em 27 ABR 73, a Repartição de Operações do Comando Chefe, enviou uma mensagem a todos os Comandos, determinando, no que dizia respeito ao Sector do COP 5, que eram canceladas temporariamente as evacuações por avião DORNIER (DO 27) a partir de GUILEJE e GADAMAEL; era também cancelado o avião do Sector, efectuado por DORNIER; o acompanhamento de forças por DO 27 passava a efectuar-se a altitudes superiores a 6.000 pés; o ataque ao solo, feito por aviões FIAT G 91, passava a ser efectuado somente com bombas, a altitudes acima de 6.000 pés; as evacuações por helicóptero e outras missões ficavam condicionadas ao estudo prévio do Comando de Operações Aero-Tácticas da Força Aérea.

Até 6 ABR 73, as colunas de reabastecimento eram acompanhadas, sobrevoando o itinerário, por um DO 27 armado; após esta data, as colunas passaram a ser feitas sem qualquer apoio aéreo, tendo sido determinado que, no caso de contacto com o IN, deveria ser pedido apoio imediato.

Também deixaram de ser efectuadas as evacuações; estas eram feitas através de transporte por estrada até GADAMAEL, daqui de barco até CACINE e transporte pela Força Aérea para BISSAU.

No dia 11 MAI 73.o Sr. Comandante-Chefe fez uma visita a GUILEJE, após ter realizado, em CATIÓ, uma reunião com todos os Comandantes da Zona Sul; perante formatura geral, na pista, referiu que se esperava um agravamento da situação, que a Força Aérea não podia executar as missões de rotina como até há pouco tempo atrás, mas que, numa situação difícil, apoiaria as NT, voando mais alto; afirmou ainda que, no caso de haver feridos muito graves, a Força Aérea faria a sua evacuação.

Nesse mesmo dia, tinha sido efectuada uma coluna de reabastecimento GUILEJE-GADAMAEL, sem qualquer incidente.

Durante este período, foram realizadas 9 colunas de reabastecimento, sem apoio aéreo, (documento elaborado pela 4ª Repartição do QG/CTIG), nos dias 14, 21 e 25 ABR e 1, 4, 7, 11, 14 e 16 MAI 73.

4. Diligências efectuadas no período de 18/21 MAI 73

Em 18 MAI 73, pelas 07.00 horas, as forças de segurança para a realização de mais uma coluna de reabastecimento GUILEJE-GADAMAEL, foram emboscadas a cerca de 300 metros do cruzamento de GUILEJE, com fornilhos comandados, RPG 2, RPG 7 e armas automáticas; as NT reagiram com Artilharia, Morteiro, lança granadas foguete e armas automáticas e sofreram 1 morto (Comandante do Pelotão de Milícia), 7 feridos graves e 4 feridos ligeiros.

Face ao grande poder de fogo das forças do PAIGC, as baixas foram recolhidas para GUILEJE e a coluna não se realizou.

Tendo-me apercebido da gravidade da situação, iniciei uma série de diligências, tendo em vista a sua resolução; refere-se que foi a primeira vez que não foi possível efectuar a coluna, por acção do IN.

Às 09.05 horas, enviei uma mensagem para a Repartição de Operações do Comando Chefe, (REPOPER/COMCHEFE) do seguinte teor:

“ VIRTUDE FORTE EMBOSCADA HOJE SOLICITO VINDA ESTE DELEGADO ESSA DELEGADO COAT”
Ao enviar esta mensagem, esperava que fossem feitas as evacuações, entretanto solicitadas, de acordo com o que o Sr. Comandante-Chefe tinha afirmado 8 dias antes; os Delegados poderiam utilizar os helicópteros que viessem fazer as evacuações.

Porque estas não foram efectuadas, um dos feridos graves (um Cabo da CCAV 8350) veio a falecer às 10.15 horas; após esta nefasta ocorrência, fiz nova mensagem para a REP PER, com o seguinte texto:

“NÃO SATISFAÇÃO PEDIDO APOIO FOGOS FORÇA AÉREA E EVACUAÇÕES (Y) CAUSOU GRANDE MAL ESTAR TODO PESSOAL POIS ÚLTIMA VISITA SEXA GENERAL ESTE DISSE MESMAS SERIAM EFECTUADAS QUANDO NT CONDIÇÕES DIFÍCEIS”.

Como não aparecia ninguém, nem obtinha qualquer resposta, redigi às 22.45 horas, a mensagem seguinte:

“M/703 18 MAI 73 SOLICITO RESPOSTA ESTA VIA POIS TENHO POSSIBILIDADE SEGUIR MANHÃ 19 MAI GADAMAEL PORTO”.

A mensagem 703 solicitava a vinda dos delegados.

Das 20.00 às 21.45 horas, o PAIGC iniciou uma série de flagelações, tendo-se logo, nesta primeira acção, verificado vários rebentamentos dentro da área de arame farpado. Às 03.50 horas do dia 19 MAI, enviei nova mensagem:

“CASO HAJA DIFICULDADE VINDA DELEGADOS SOLICITO AUTORIZAÇÃO IDA BISSAU E TRANSPORTE URGENTE PARA GADAMAEL PORTO FIM EXPOR SITUAÇÃO”.

Esta última mensagem somente foi respondida, pela REPOPER, às 11.11 horas desse dia 19 MAI:
“ SITUAÇÃO LOCAL NÃO ACONSELHA SUA SAÍDA DEMORADA DO SECTOR. ESTE TENTOU IR MAS FAEREA SO VAI GADAMAEL EMERGÊNCIA. EXPONHA SITUAÇÃO ESTA VIA”.

Esta mensagem apenas foi enviada para GUILEJE, onde eu já não me encontrava, só tendo tomado conhecimento dela bastante mais tarde, quando foi retransmitida para CACINE; por isso, a resposta só seguiu às 03.20 horas do dia 20 MAI:

“ CMDT COP 5 PRESENTE NESTA INFORMA NECESSITA UMA COMPANHIA TROPA ESPECIAL REFORÇO TEMPORARIO FIM EFECTUAR REABASTECIMENTO GUILEJE. NECESSARIO TAMBEM REFORÇO VIATS E ESTIVADORES. VIRTUDE SE ENCONTRAR NESTA JULGA NECESSARIO IR BISSAU REGRESSANDO IMEDIATAMENTE”.

Entretanto, em 19 MAI, pelas 06.00 horas efectuou-se a evacuação das baixas da véspera, por estrada até à foz do Rio AFIÁ (na direcção de MEJO) e daqui de barco para CACINE.

Continuando a não receber resposta de BISSAU, insisti, já em CACINE, no dia 20 MAI, às 10.00 horas, com a seguinte mensagem:

“ CMDT COP 5 SOLICITA TPT IMEDIATO BISSAU OU ALTERNATIVA VINDA CACINE HOJE SEM FALTA DELEGADO DESSA “.

Uma hora depois -11.00 horas - enviei nova mensagem:

“CMDT COP 5 INFO SITUAÇÃO GUILEJE IMPRESCINDÍVEL VINDA IMEDIATA REFORÇO PEDIDO E SOLICITA RESPOSTA ESTA VIA”.

Finalmente no final da tarde de 20 MAI (tinha chegado a CACINE na manhã de 19 MAI), fui transportado de helicóptero para BISSAU.

Compareci na reunião diária do Comando-Chefe, onde expus a situação ao Sr. Comandante-Chefe, acabando por apresentar a necessidade de reforços, já solicitada por mensagem.

O Sr. Comandante-Chefe respondeu-me que não me atribuía nenhum reforço, que deveria regressar a GUILEJE na manhã seguinte e que seria substituído no Comando do COP 5, passando eu a desempenhar as funções de 2º Comandante.

Esclarece-se que na reunião estavam presentes, além dos Senhores Comandantes dos 3 Ramos das Forças Armadas e o Sr. Comandante Adjunto Operacional, os Chefes das Repartições de Operações e de Informações, bem como os Chefes das outras Repartições do Comando-Chefe.
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aliento o teor de uma mensagem, enviada para GUILEJE pela Repartição de Informações, nesse dia às 19.00 horas, isto é, muito pouco tempo antes do início da reunião:

“NOT A2 REFERE EFECTIVOS 3º CE MATA MEJO. ADMITE-SE POSSIBILIDADE VIREM A ACTUAR SOBRE ESSA “.

Nenhum dos presentes teve qualquer intervenção, além do Sr. Comandante-Chefe. Nessa mesma noite, enviei de BISSAU (através da REPOPER), a seguinte mensagem para as Companhias de CACINE, GADAMAEL e GUILEJE:

“CMDT COP 5 PRESENTE NESTE SEGUE 21 MAI 73 SINTEX CACINE GUILEJE. SEGURANÇA MONTADA MARGENS RIO CACINE CCAÇ 4743 CCAV 8350 PARTIR 210900 MAI 73. SINTEX PRESENTE GADAMAEL AGUARDAM FOZ RIO CACONDO BARCOS CACINE.CCAÇ 3520 SOLICITA APOIO DFE DOIS BARCOS”.

A CCAV 8350 (GUILEJE) enviou no dia 21 MAI às 07.40 horas, uma mensagem referindo:

“ REF S… TOTALMENTE IMPOSSIVEL PARA ESTA”.

Perante esta informação, face à impossibilidade de a Companhia de GUILEJE montar a segurança nas margens do rio, decidi alterar o meu regresso a GUILEJE, seguindo de barco para GADAMAEL e daqui a pé para o Comando do COP 5. Nestas condições, enviei de CACINE, para a Companhia de GADAMAEL, às 09.40 horas, a seguinte mensagem:

“ CMDT COP 5 SEGUE ESSA BOTE. PREPARE CCAÇ 4743 02 GR COMB PEL MIL SEGUIR COM COMANDANTE COP 5 A PÉ GUILEJE. PERNOITAM GUILEJE”.

Durante a minha ausência, justificada pelo facto de eu considerar imprescindível o contacto pessoal com Oficiais do Comando-Chefe, GUILEJE continuou a ser flagelado, dia e noite.

Ao chegar a GADAMAEL, o Sr. Comandante de Companhia informou-me que os seus homens não estavam dispostos a seguir para GUILEJE; após uma formatura geral, em que expliquei o que se estava a passar, a necessidade de ir para GUILEJE e mais algumas diligências que tomei, foi possível organizar a coluna apeada que me escoltou, nela incluído o Sr. Comandante da Companhia; durante o trajecto, utilizando um trilho da população e que nunca sido percorrido pelas NT, tivemos a oportunidade de ouvir a flagelação que o PAIGC desencadeou sobre o aquartelamento de GUILEJE (das 14.30 às 16.30 horas).

Chegamos a GUILEJE ao fim da tarde do dia 21 MAI.

(Continua)

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Nota de L.G.:

(1)Vd. poste de 23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

Guiné 63/74 - P2676: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (2): Um abraço de ermons e (más) recordações do Comandante Manecas

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azalai > 29 de Fevereiro de 2008 > O antigo Comandante do PAIGC, Manuel dos Santos, Manecas, em conversa com o Cor Art Coutinho e Lima e com o Alfredo Caldeira...

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Azalai > 29 de Fevereiro de 2008 > O Zé Teixeira com o antigo combatente do PAIGC Mauindé Baldé que o queria apanhar à unha, no ataque a Mampatá Forreá, de 3 de Novembro de 1968...

Fotos: ©
José Teixeira (2008). Direitos reservados.



1. Continuação da crónica do Zé Teixeira, com as suas impressões sobre o Simpósio de Guileje (1):


(i) CONVÍVIO COM ANTIGOS INIMIGOS

Ao contactar com antigos combatentes do PAIGC, procurava saber a zona de acção onde estiveram envolvidos na esperança de poder olhar bem de frente, olhos nos olhos, quem em tempos idos não hesitaria em me matar, acto que eu possivelmente não cometeria, pois como enfermeiro, a minha arma era a seringa.

Um simpático velhinho perguntou-me se eu estava em Mampatá Forreá em princípios de Novembro de 1968, quando eles tentaram entrar à na tabanca. Era o Mauinde Baldé, se a memória não me falha.

Ao confirmar a minha presença nesse ataque, ele disse-me que a intenção era tentarem apanhar-nos à mão. Foi um dos que já estava dentro do arame farpado, mas teve de voltar para trás rapidamente, perante a nossa reacção.

Excerto do do meu Diário (2):

Mampatá, 3 de Novembro de 1968: O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos 'Amarelos de Mampatá' pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa para buscar na cozinha alimentação, para tentar entrar em Mampatá. De algum modo eu fui o responsável pela situação criada, pois incentivei um sentinela durante a noite a mandar um tiro na direcção de uma vaca que estava entre as duas faixas de arame farpado e tocava neste, provocando o tilintar das garrafas que lá tínhamos colocado para não sermos surpreendidos pelo IN ao tentar entrar pela calada da noite cortando o arame. Esta minha atitude passou-se durante a minha hora de ronda e o sentinela assim fez pouco depois, aparecendo de manhã uma vaca com um buraco numa coxa. Claro que o proprietário o Régulo Alfero Aliu ( Alferes da Milícia) vendeu a vaca à tropa. Há mais de um mês que não comemos carne, porque os Africanos se recusam a vender qualquer animal. Assim foi fácil convencer o proprietário a vender a vaca ferida, mas ficou-nos caro. Praticamente todos os postos de sentinela ficaram abandonados à hora do almoço o que não é habitual, mas o estranho foi o turra saber exactamente o que se estava a passar e atacou. Quase todos os soldados tiveram de correr para as suas posições debaixo de fogo e durante quinze minutos a luta foi terrível com 'eles' junto ao arame com fogo cerrado. Chegámos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa capacidade de resistência e por sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva Algarvio que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar. Aliás foi ele que deu o sinal. Ao ver um grupo de africanos com armas que não eram a velha Mauser a tentarem forçar a porta em rede de arame farpado, estranhou e abriu fogo, depois. . . foi, cantinas de comida pelo ar e umas loucas correrias para os abrigos de protecção.

Seguiu-se o 'chocolate' do costume. Os assaltantes recuaram para selva e o fogo continuou.
Onze tabancas [moranças] ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque, dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN, contava ter muito que fazer com os feridos talvez mortos, atendendo a que ninguém contava com tal surpresa e os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro ( apenas 2 sacos de soro). Ainda debaixo de fogo saí do abrigo onde me protegera e corri pela Tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista susto e prejuízos materiais. Graças a Deus. Pergunto-me como que a população não foi atingida e as suas casas foram queimadas. Ataque combinado ? Notámos que o 'catequista' muçulmano saiu de manhã cedo para bolanha, o que é estranho pois costuma estar sempre na tabanca a ensinar os putos e só voltou muito depois do ataque. Temos de o trazer debaixo de olho, como disse o Alferes Belo depois de saber a sua ausência.

[O antigo guerrilheiro] não se lembrava das razões porque foram visitar-nos nesse dia. Já lá tinha ido uns dias antes, mas atacara do lado da fonte, estrada de Kumbdjá, como habitualmente faziam, ao princípio da noite

Seguiu-se um abraço de ermons, na alegria de que o passado foi esquecido. O importante agora é construir uma Guiné Bissau.

(ii) O COMANDANTE QUE NÃO QUER FALAR

- Então, comandante, aquele ataque a Buba!... Em Setembro de 1969, não correu bem !
- Não quero falar desse ataque. Não fui apanhado por muita sorte.

Conversa encerrada com o comandante Manecas, o homens dos mísseis Strela.

Relendo o meu Diário:

Empada, 16 de Outubro de 1969: Do pelotão que está em Buba chegam novidades. Há dias houve por lá um terrível ataque com tentativa de assalto. Atacaram do sítio habitual do lado do rio com 10 Canhões, enquanto do lado da pista fazia o desenvolvimento do assalto, procurando apanhar a tropa desprevenida. Segundo dizem os meus colegas eram mais de duzentos, a avançarem em arco para que, se as nossas forças saíssem, as envolverem. Felizmente estava emboscado um Pelotão que os detectou.

Parece que foi um tremendo fogachal, enquanto os Fuzas perseguiam os que atacaram do lado do rio que pretendiam reforçar as forças de assalto. Ao fazer-se o reconhecimento, foi encontrado um rádio, sinal de que o ataque foi bem comandado e o fogo controlado por sentinelas avançadas. Foram descobertas e desenterradas 180 granadas de canhão sem recuo. Foi também ouvido ruído de viaturas.


Quando os Fuzas voltaram ao quartel, foram seguidos pelo IN que os atacou muito perto de Buba. Assim caíram entre dois fogos, o do IN e o de Buba que reagiu a um possível ataque sem saber que o fogo era destinado ao grupo de fuzas.
No dia anterior tinha havido uma coluna a Nhala ,onde apenas foi encontrada uma A/P com dispositivo anti-levantamento eléctrico que felizmente não funcionou por ter as pilhas gastas. Nesta minha havia uma mensagem escrita; Esta é para Alferes Gonçalves. Infelizmente este furriel e não alferes, já está em Lisboa devido a um estilhaço que apanhou noutro ataque a Buba.

Insisto:
- Mas, comandante, vocês queriam mesmo entrar. O quartel e povoação foi cercado do lado da pista, como já o tinham feito em uns meses antes.
- Essa missão competia à infantaria. Eu estava no posto de controlo da artilharia. Tudo estava a correr mal. O levantamento do local tinha sido feito com a maré cheia e atacamos com maré vasa. Não foi possível colocar as armas nos locais previstos. Por outro lado a terra estava mole, os canhões enterraram-se e as granadas caíram quase todas no Rio. Preocupado com a orientação do fogo, não reparei e não fui apanhado por pouco. Foi um dia para esquecer.

E mais não disse o comandante.

Zé Teixeira (2)

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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 21 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2669: Simpósio de Guileje: Notas Soltas (José Teixeira) (1): Desta vez fui voluntário e estou em paz comigo próprio

(2) Recorde-se que José Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro, na CCAÇ 2381( Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70). E deixou-nos um notável documento, escrito, com as notas do seu diário, já publicadas na 1ª Série do nosso blogue: vd. poste de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi.

Guiné 63/74 - P2675: As novas emoções daquela terra vermelha, Fevereiro/Março de 2008 (Paulo Santiago) (1): Este ano foi uma festa, fui um felizardo

Contabane > Sinchã Sambel > 3 Março de 2008 > Eu, o Pedro Lauret com o régulo Suleimane Baldé, régulo de Contabane, e outros habitantes da tabanca


Guiné-Bissau > Bissau > Eu e o coronel Paulo Malu.

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palce > 3 de Março de 2008 > Abertura do Simpósio,tendo ao meu lado esquerdo, o jornalista do Correio da Manhã, José Carlos Marques; à direiota, um dos
ex-militares de Guiledje, o Sérgio Sousa; à minha frente, pelado como eu, o cubano Ulisses Estrada.

Conversando com a senhora Isabel Buscardini, Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, que nos acompanho na visita ao sul da Guiné-Bissau.

Fotos: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem do Paulo Santiago (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), que voltà Guiné, em Fevereiro e Março de 2008, tendo partiicpado no Simpósio Internacionald e Guiledje (1 a 7 de Março de 2008):


Luís, Briote e Vinhal

Ainda ando a digerir a viagem à Guiné. Contrariamente,ao acontecido em 2005 (1), este ano foi mais soft,não fui em romagem àquela GMC, transformada em túmulo (2). O ex-quartel, agora estalagem, no Saltinho com o Memorial da CCAÇ 2406, já não mexeu com o meu saco lacrimal. Mas, há sempre novas emoções naquela terra.

Há três anos conheci alguns antigos guerrilheiros,estive no quartel de Bambadinca, convivi com militares, nunca escondendo a minha condição de ex-combatente, nunca tendo sido hostilizado, sempre recebido com prazer e cordialidade. O meu filho,meu único acompanhante, português, ficou também apanhado por aquelas gentes e aquela terra vermelha.

Este ano foi diferente. Este ano era oficial, era único. Ex-combatentes Portugueses, Guineenses e Cubanos, que há quarenta anos,nas matas e tarrafos,lutavam em campos opostos,encontrarem-se em Bissau,em Guiledje, em Jemberem, na presença da Ministra dos Antigos Combatentes, Senhora Isabel Buscardini, foi uma Festa. Foi um grande Ronco. E, nas tabancas, não eram só ex-guerrilheiros, também lá estavam ex-milícias e ex-militares que combateram ao nosso lado.

No porto de Canamine, estava o Régulo da zona, ex-fuzileiro do Destacamento 22 e em Cacine ouvimos, grande lucidez, um antigo militar de uma Bateria de Artilharia, mobilizado para Angola, regressado à Guiné em 74 e escolhido pelas autoridades Portuguesas, no fim das hostilidades, para servir de elo de ligação entre aquelas e o PAIGC. Na altura, dizia-nos na presença de
militares guineenses, a sua situação ficou algo complicada, hoje está perfeitamente integrado, lamentando apenas nunca ter recebido qualquer compensação de Portugal.

No regresso a Bissau, 2ª feira, dia 3 de Março, parei em Sinchã Sambel, já lá parara no sábado, mas não encontrara o Régulo de Contabane, Suleimane Baldé, meu amigo e meu ex-Cabo no Pel Caç Nat 53. Mais uma festa. No Domingo telefonara para o Cor Carlos Clemente, em Lisboa, dizendo "o Santiago já cá passou ontem, volta a passar amanhã, vocês da [CCAÇ] 2701 é que nunca mais cá voltam"...

O bom do Suleimane queria dar-me uma cabra, tive de argumentar que não podia trazer o animal para Bissau, então queria matá-la e esfolá-la para a meter-mos no jipe, desculpei-me com o tempo que era escasso para chegar-mos a Bissau à abertura do Simpósio.

O Pedro Lauret, meu acompanhante no jipe, encontrara,entretanto,dois civis, agora residentes em Sinchã Sambel,e em 73, milícias em Guiledje. Tinham sido transportados para Cacine no Orion naqueles dias tumultuosos [, sendo o Pedro Lauret o imediato do navio].

Por falar no jipe, mais um agradecimento a um amigo. Na 6ª feira, no Aeroporto, o Pepito quando lhe perguntei qual era o meu transporte para Guiledje, informou-me que já não havia lugar nos carros, pensava que eu ía no carro que me transportara desde Portugal. Acontece que os amigos de Coimbra com quem fora, não iam ao Simpósio, estava apeado. Valeu-me o Sado Baldé, grande amigo, que me disse de imediato "levas o meu jipe e vou arranjar-te um condutor"... O condutor foi um jovem, o Papé, mandinga, filho do Cor do EMGFA, Braima Sanhá, que conheci depois em Bissau, muito culto,e antigo comandante na Frente Sul. Foi um condutor excelente, o Papé, para mim e para o Pedro.

Voltando a Sinchã Sambel, lá me despedi do Suleimane,dizendo-lhe,se tivesse oportunidade, voltaria na 5ªfeira para levar a cabra. Arrancámos com destino a Bissau. Logo à frente,ao passarmos ao lado da estalagem do Saltinho, fazem-nos sinal para parar. Era o Xico Allen, o Pimentel e o João Rocha que estavam bebendo uns copos com uns militares. Um destes, Major, comandante do Sector de Contabane, balanta, exprimia-se com grande fluência, parecendo ter nascido e vivido em Portugal, e, como bom balanta, bebia bem. Diz-me a mim e ao Pedro chamar-se Alfama.
- Sabes porque tenho este nome ? Quando era puto,em Tite, o Fabião,Capitão naquele tempo,levou-me para o quartel,e como morava em Alfama deu-me esse nome. Ainda hoje, depois dos anos da guerrilha, considero que foi o meu pai.

Já atrasados seguimos para Bissau sem mais paragens.

À tarde foi a Abertura Oficial do Simpósio no Bissau Palace, onde não gostei da postura do Embaixador de Portugal.Parece que na audiência concedida pelo Presidente Nino,o mesmo senhor, não teve comportamento adequado [para com os seus compatriotas].

Gostei do que ouvi e aprendi nas intervenções e nos debates. Foi uma semana vivida intensamente.

Tive tempo para falar com o Paulo Malu (2), mas é conversa para outra altura. Não precisei de ficar num hotel em Bissau, fiquei em casa do meu irmão mais negro, Domingos Pereira, meu colega da Escola Agrícola, director de produção da Cicer, [a fábrica de cerveja] que reabre em Maio. Sou um felizardo.

Abraço

Paulo Santiago
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Notas de L.G.

(1) Sobre a viagem do Paulo e do João Santiago, em 2005, vd. posts de:

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P914: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (1): Bissau

29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca

30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane

5 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P938: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (4): branco com coração negro no Rio Corubal

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972

13 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P957: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (6): De volta ao Saltinho, Bambadinca e Bissau

20 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P975: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (7): ainda as trágicas recordações do dia 17 de Abril de 1972

2) Paulo Malú, hoje coronel, e quadro superior das alfândegas, em Bissau; em 1972, era o comandante ou chefe do bigrupo que emboscou, no Quirafo, forças da CART 3490 (Saltinho, 1972/74), causando mais de duas dezenas de mortos e um prisioneiro (o nosso António da Silva Batista, só libertado em depois do 25 de Abril de 1974)

Vd. poste de 12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago).

Sobre a tragédia do Quirafo, vd. também os seguintes postes de:

17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)

26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P2674: Recortes de imprensa (3): José Carlos Marques, do Correio da Manhã, em Gandembel e Guileje, embeded nas NT







Guiné-Bissau <> Cananime > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > 2 de Março de 2008 > Depois de um excelente almoço, de carne e peixe, na praia de Cananime, alguns de nós quiseram dar um salto, de barco, à outra margem do Rio Cacine, justamente para visitar a povoação de Cacine. O jornalista do Correio da Manhã, José Carlos Marques, foi um dos privilegiados turistas... Foi de Lisboa para Bissau, connosco, de avião. Andou connosco. Regressou connosco. Sempre discreto e afável. Só foi pena o jornal tê-lo posto da Residencial Coimbra... Podia ter ficado connosco no Hotel Azalai...


Fotos e legendas: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Em 15 de Abril de 2007, demos início a uma nova série, Recortes de imprensa, de que se publica agora o nº 3 (*)... O jornalista José Carlos Marques foi o único jornalista da imprensa escrita, diária, portuguesa, a acompanhar-nos durante a semana em que decorreu o Simpósio Internacional de Guiledje (de 1 a 7 de Março de 2008).

Eis o que ele escreveu sobre Gandembel e Guileje, bem como sobre a inauguração do Simpósio, que contou com a presença do Chefe de Estado guineense, João Bernardo Vieira 'Nino'.


2. Recortes de imprensa (*) > Guiné-Bissau: Recordar a Guerra do Ultramar
Regresso ao corredor da morte


José Carlos Marques

Correio da Manhã, 4 de Março de 2008


Há uma multidão à espera dos jipes que desafiam as estradas de terra batida do sul da Guiné. Os portugueses são esperados com expectativa, sobretudo um deles: Alexandre da Costa Coutinho e Lima, o último comandante do quartel de Guiledje, o homem que, a 22 de Maio de 1973, após cinco dias de cerco e bombardeamento do PAIGC, decidiu evacuar militares, população e abandonar o quartel.

O régulo, líder tradicional da aldeia, abraça-o. O papel que Umaru Jaló tem na mão mostra o apreço pelos portugueses: ali estão os nomes de todos os comandantes militares de Guiledje desde 1964. Coutinho e Lima é engolido pela multidão. Todos o querem cumprimentar. Emocionado, o antigo comandante do quartel retribui.

Em 1973, o então major desrespeitou as ordens do general Spínola, comandante-chefe militar da Guiné, que lhe ordenou que resistisse ao cerco. Coutinho e Lima escolheu retirar-se. Seiscentos militares e civis fugiram para Gadamael Porto, a guarnição mais próxima. Foi preso e teve de enfrentar processo disciplinar, que acabou arquivado.
- Não me arrependo de nada. Tomei a decisão de abandonar Guiledje para poupar as vidas dos meus homens e a da população. Voltava a fazer tudo outra vez - explica ao CM.

Pouco depois, numa cerimónia simples mas cheia de significado, recebeu do régulo de Guiledje uma túnica branca – cor dos mais velhos e sábios.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Três homens felizes, fotografados com a estatueta, em metal, da santa protectora dos Gringos de Guileje, encontrada nas escavações arqueológcias do antigo aquartelamento de Guileje... Da esquerda para a direita: José Carioca, Abílio Delgado e Sérgio Sousa...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


O regresso a Guiledje é um momento sentido por outros três ex-combatentes. Abílio Delgado, Sérgio Sousa e José Carioca cumpriram ali serviço militar entre Setembro de 1971 e Julho de 1973. Com 21 anos, Abílio Delgado, o mais jovem capitão do Exército português, comandava a companhia dos Gringos de Guiledje. 150 homens habituaram-se a viver sob ameaça permanente:
-O período mais longo que estivemos sem ser bombardeados não passou de 15 dias. Havia sempre morteiros a cair e passávamos a vida escondidos nos abrigos - lembra.

A companhia teve duas baixas em combate, mas conseguiu aguentar o quartel até ao fim da comissão. Foram a última companhia a consegui-lo. Os militares que os substituíram, os Piratas de Guiledje, comandados por Coutinho e Lima (**), abandonaram.

O que hoje é um amontoado de ruínas e restos de munições era o ponto nevrálgico da guerra na Guiné. O corredor de Guiledje – a que os portugueses chamavam corredor da morte e o PAIGC corredor do povo – era a zona por onde a guerrilha fazia entrar todos os reabastecimentos oriundos das bases na Guiné-Conacri.
- A perda de Guiledje foi um ponto de viragem. Tornou-se claro que o exército português nunca conseguiria ganhar a guerra - diz o historiador guineense Leopoldo Amado, um dos participantes no Simpósio Internacional que começou ontem em Bissau, e que junta ex-combatentes dos dois lados do conflito e investigadores para debater a mais violenta guerra que os portugueses travaram em África.


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Antigo aquartelamento de Guileje > 1 de Março de 2008 > O Cor Art, na situação de reserva, Coutinho e Lima, antigo comandante do COP 5, e o historiador guineense Leopoldo Amado.

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


COMANDANTES APERTAM AS MÃOS

O presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira, inaugurou ontem na capital do país o Simpósio Internacional sobre o Guiledje. Até sexta-feira, ex-combatentes guineenses, portugueses, cabo-verdianos e cubanos, e investigadores de várias nacionalidade, vão debater o momento crucial da guerra na Guiné, quando o PAIGC começou a ganhar supremacia militar sobre o exército português.

Nino Vieira era, há 35 anos, o comandante das forças guerrilheiras no sul, e foi ele quem comandou o ataque ao quartel de Guiledje. Recordou que “foi uma oportunidade de demonstrar a vitalidade dos valores da luta e a unidade do PAIGC”. Na altura teve a oportunidade de apertar a mão a Coutinho e Lima, o oficial que comandava o quartel de Guiledje.

VIAGEM DE EMOÇÕES

Durante dois dias, uma extensa comitiva percorreu os lugares mais marcantes da guerra no sul da Guiné. Uma das paragens mais emotivas aconteceu em Gandembel, o aquartelamento que os portugueses abandonaram em Janeiro de 1969, após terem sofrido cerca de 370 ataques em 9 meses. O cabo enfermeiro José Teixeira, que fez serviço militar nesta zona, deixou no local uma planta com uma mensagem inscrita: “Guineenses e portugueses, dois passos um rumo: paz”

AQUARTELAMENTO DO PAIGC

Os ex-combatentes portugueses tiveram este domingo a oportunidade de perceber como é que o inimigo vivia na mata. A visita ao Acampamento Osvaldo Vieira, nome de um combatente do PAIGC caído em combate, deu a conhecer a forma como a guerrilha se organizava e como executava as suas acções. Mulheres como Ulé Nabila, hoje com 60 anos, asseguravam a alimentação e a logística dos homens que viviam no mato.

A SANTA DE GUILEDJE

Na semana passada, a equipa que está a fazer o levantamento das ruínas do quartel de Guiledje encontrou uma figura metálica de Nossa Senhora. O achado foi imediatamente identificado pelos três elementos dos Gringos de Guiledje:
- É a Virgem que os açorianos da nossa companhia esculpiram e que nos servia de protectora - lembra José Carioca.

A peça vai fazer parte do espólio do futuro museu de Guiledje.

José Carlos Marques, Enviado Especial (Guiné-Bissau)

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Notas de L.G.:

(*) Vd.postes anteriores:


15 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1663: Recortes de imprensa (1): As nossas mulheres e o stresse pós-traumático de guerra (Zé Teixeira)

1 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2599: Recortes de imprensa (2): O Simpósio de Guileje visto hoje pelo Diário de Notícias (Virgínio Briote)

(**) O então major Coutinho e Lima era o comandante do COP 5... O comandante dos Piratas de Guileje, a CCAV 8350, era o capitão miliciano Abel Quintas... Vd. poste de 30 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P2007: Três homens de Guileje: Nuno Rubim, J. Casimiro Carvalho e Abel Quintas

Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima


As autoridades civis e relgiosas locais acabam de chegar para a cerimónia de homenagem a Coutinho e Lima. Aqui posam para a fotografia....

Os homens grandes da região, represantando a população de Guileje....


















Diz-me o Pepito que "quem doou, em nome da população, o chabadora (nome do tal fato) foi o régulo de Medje (Mejo), Umarú Djaló. Logo atrás dele, com um lenço à volta da cabeça está o filho do famoso Tcherno Rachid, de seu nome Aladje Tcherno Aliu Djaló, responsável religioso de Quebo. À esquerda deste, com a cabeça empinada para a frente é o Aladje Mamudu Baldé, régulo de Foreá-Quebo".. Tenho pena de não poder identificar todos estes rostos...

O Pepito e a senhora Isabel Buscardini... Em segundo oalno, Isabel Miranda.

A senhora Ministra dos Antigos Combatentes da Liberdade da Pátria, Isabel Buscardini...


Uma antiga combatente, hoje deputada do PAIGC... Em segundo plano, vê-se o antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, Oscar Oramas...

A Francisca Quessangue... Em segundo plano, uma professora universitária guineense que vive hoje no Brasil....

A Maria Alice Ferreira Carneiro, esposa do Luís Graça....

O representante da Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, o nº 2 na hierarquia... (Não fixei o nome.)

Roberto Quessangue, presidente da Assembleia Geral da AD - Acção para o Desenvolvimento, e que desempenhou nesta cerimónia o papel de interface entre a comissão organizadora do Simpósio e a comunidade local de Guiledje.
Na primeira fila, com direito a cadeira, o Cor Art Coutinho e Lima, envergando já o chabadora, que Umaru Jaló, régulo de Mejo, lhe impôs, como sinal de gratidão e de homenagem da população local.




















Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Antigo aquartelamento e tabanca de Guiledje, abandonado pelas NT em 22 de Maio de 1973. A decisão do então major Coutinho e Lima, comandante do COP 5, de abandonar Guileje, fortemente cercado pelas forças de artilharia e de infantaria do PAIGC, é hoje reconhecida pela população local (maioritariamente fula) como um acto de bom senso e de humanidade, que permitiu salvar muitas centenas de vida, de um lado e de outro. Neste vídeo, vemos o Cor Art, na situação de reserva, Coutinho e Lima, receber as homenagens da população local. Umaru Jaló, o régulo de Mejo, veste-lhe a tradicional chabadora, uma distinção que só pode ser conferida a homens santos e sábios... Coutinho e Lima é aqui descrito como "um grande homem que nos salvou"... A cerimónia, singela, termina com vivas aos dois povos, português e guineense... As autoridades civis e religiosas da região assistiram è cerimónia. Para mim, foi um regresso ao passado, ao chão fula que eu conheci na zona leste, há 40 anos atrás, um retorno ao mundo patriarcal, fortemente hierarquizado dos fulas, donde as mulheres são apartadas da vida pública...

Vídeo (1' 35'): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Coutinho e Lima, que diz ser um homem mais de acção do que de palavras, agradece emocionado a distinção que acaba de receber. Segundo ele me confidenciou, a população de Guileje não queria abandonar os seus haveres, a sua tabanca, as suas moranças... A verdade é que, ao fim de cinco dias a viver nos abrigos, a população local e os militares portugueses, sem água, sem transmissões, sem apoio aéreo, com um morto, e com a artilharia a acertar em cheio nas instalações de superfície, dificilmente poderia resistir muito mais tenpo... Na época, o comportamento de Coutinho e Lima foi considerado como insólito e dificilmente aceitável pelos seus próprios camaradas... É sabido que foi imediatamente detido à sua chegada a Gadamael, por ordem de Spínola...

Vídeo (3' 05'): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes

(Continua)
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Nota do editor:

Vd. postes de:

8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois...

9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez

11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje

17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I)

17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II)

19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2667: Uma semana memorável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (9): O grande ronco de Guiledje

sábado, 22 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2672: De Guidaje para Bissau, trinta e cinco anos depois (Diário de Coimbra / Carlos Marques dos Santos)

Os restos mortais dos nossos Camaradas enterrados em Guidage

Enviado pelo Carlos Marques dos Santos


Diário de Coimbra, edição de 22 de Março de 2008.
Antropóloga de Coimbra chefiou exumação de restos mortais de militares portugueses

A antropóloga forense Eugénia Cunha, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, coordenou a missão técnica que terça-feira exumou os restos mortais de dez militares portugueses enterrados há trinta e cinco anos em Guidaje, na Guiné-Bissau, na sequência de violentos confrontos.

Na quarta-feira e depois de duas semanas de trabalho, chegaram a Bissau os restos mortais de dez antigos militares numa operação financiada pela Liga de Combatentes de Portugal no âmbito do programa Conservação de Memórias, que prevê sepultar com dignidade antigos combatentes portugueses sepultados fora do país.
Na Guiné-Bissau, mais de setecentos ex-militares portugueses estão sepultados pelo território, tendo a operação em Guidage a primeira fase desta operação de recolha e identificação de restos mortais de antigos combatentes no país.
A iniciativa que colocou no terreno quatro antropólogos, um geofísico e uma arqueóloga (irmã de um dos soldados exumados) conta com o apoio do Ministério da Defesa, da Universidade de Coimbra e do Instituto Nacional de Medicina Legal. Os resultados dos exames efectuados para ajudar a identificar os antigos combatentes serão conhecidos dentro de um mês.
A antropóloga Eugénia Cunha, conhecida também por ter pedido em 2006 para levantar o túmulo do Rei D. Afonso Henriques para fins científicos, explicou que o próximo passo, depois de exumados os restos mortais dos antigos militares, passa por uma “análise antropológica laboratorial e a realização dos relatórios e possível identificação das ossadas”. “Da parte antropológica dentro de um mês podemos ter resultados, da parte da genética é mais demorado”, sublinhou.
Questionada sobre a relativa rapidez com que decorreu o processo, em duas semanas, Eugénia Cunha comentou que “cada caso é um caso”, observando no entanto que a operação não foi rápida. “Conseguimos conjugar na mesma equipa competências diversas da geofísica, da antropologia e da arqueologia e tivemos uma equipa da missão que foi para o terreno uma semana antes e que preparou tudo, ou seja, em termos logísticos nós não nos preocupámos com nada”, explicou.
Sobre o processo de exumação de restos mortais, a antropóloga da Universidade de Coimbra referiu que decorre em três fases, sendo que a primeira é a detecção dos restos humanos, feita pelo geofísico com um radar, que aponta um local. “Depois entra a parte da arqueologia que consegue encontrar os limites das sepulturas e depois de delimitadas e definidas as áreas onde as pessoas estão enterradas, o antropólogo faz a escavação, que pode ser mais ou menos difícil, dependendo do tipo de solo, do terreno, humidade, temperatura, estado de conservação do corpo”, disse.
Sobre as dificuldades encontradas no terreno, Eugénia Cunha afirmou que foram “muitas, a começar pelo clima da Guiné-Bissau”. “Facilidades não houve nenhumas. Encontrámos foi uma equipa de missão que nos conseguiu proporcionar o melhor que conseguiram mas, obviamente, foi bastante complicado”, concluiu.
Os dez antigos militares portugueses serão sepultados no cemitério de Bissau. O vice-presidente da Liga dos Combatentes anunciou entretanto que a exumação de restos mortais de ex-combatentes portugueses na Guiné-Bissau vai continuar e que a próxima missão será na localidade de Farim, onde estão sepultados vinte e um militares.
Questionado sobre a eventual trasladação de corpos para Portugal, o general Lopes Camilo explicou que o que está “definido politicamente, e com que a Liga concorda, é que devemos recuperar e manter com dignidade os locais onde se encontram sepultados os combatentes que tombaram no estrangeiro”.
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Notas: A nossa homenagem a quem teve a ideia e a quem a está a pôr em prática.

Sublinhados da responsabilidade de vb. Sobre este assunto ver artigos de
1 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2600: Os Mortos de Guidaje nas Notícias Lusófonas. Rui Fernandes.

28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

25 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1212: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (1): A morte do Lourenço, do Victoriano e do Peixoto
9 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1260: Guidaje, de má memória para os paraquedistas (Victor Tavares, CCP 121) (2): o dia mais triste da minha vida

2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1488: Vídeos (1): Reportagem da RTP sobre os talhões e cemitérios militares no Ultramar (Jorge Santos)

28 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1468: Mortos que o Império teceu e não contabilizou (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2671: Ser solidário (8): O regresso da expedição humanitária a Bissau (Diário de Coimbra)


Coimbra, Taveiro > 21 de Fevereiro de 2008 > A caravana larga, às 9h da amanhã, a caminho de Bissau, aonde espera chegar a 29, depois de fazer quase 5 mil quilómetros... Esta expedição humanitária irá entregar a diversas escolas e instituições materiais didácticos e desportivos, livros, vestuário, calçado, e bens de primeira necessidade para unidades de saúde (soro, desinfectantes, ligaduras, compressas e medicamentos), que foram recolhidos até 8 de Fevereiro. O volume mais importante deste material já tinha seguido por via marítima, num contentor de 20 toneladas. Ao todo são cerca de dois mil caixotes recolhidos. Luís Graça. 23 Fevereiro 2008.

Missão regressa à Guiné no próximo ano


A expedição humanitária à Guiné-Bissau que partiu há um mês de Coimbra já terminou, devendo os últimos voluntários chegar este fim-de-semana. Gravados na memória trazem os sorrisos de agradecimento de um povo a quem falta quase tudo.
Missão cumprida, pelo menos até à próxima expedição humanitária, já no ano que vem. O grupo de 25 voluntários que partiu de Coimbra a 21 de Fevereiro, levando 21,5 toneladas de donativos (roupa, equipamento médico e material didáctico, etc.) e uma enorme vontade de ajudar Guiné-Bissau, está de regresso.
Fernando Ferreira foi um dos primeiros a regressar – outros só chegarão a casa este fim-de-semana – e contou ao Diário de Coimbra como decorreu a campanha, dos percalços na alfândega aos sorrisos e manifestações de agradecimento de todos a quem levaram ajuda, ainda que pouca para as grande necessidades do país.

A expedição, formada, essencialmente, por membros da Associação Humanitária Memória e Gentes, partiu de Coimbra no dia 21 de Fevereiro. Ao todo, foram 25 voluntários, com cinco jipes e mais dois carros de apoio, viajando por terra, uma vez que a maior parte dos donativos seguiram por mar, num contentor de 40 pés, o dobro do conseguido no ano anterior.
Segundo Fernando Ferreira, por terra, a comitiva foi deixando algum material em escolas e instituições já referenciadas, até chegar a Bissau. Aí, a Casa Emanuel, que acolhe crianças órfãs e filhas de seropositivos, a AD, uma ONG que aloja 400 crianças, e a missão católica de Quinhamel, que presta apoio médico e formação a crianças, foram algumas das instituições beneficiadas.
Temos de entregar o material a quem dele faz o melhor uso, lembra o membro da equipa, justificando a escolha de missões religiosas, de professores e projectos de cooperação com interlocutores portugueses.
A Bissorã, uma povoação do interior, levámos equipamento para uma biblioteca que estava a ser construída e material didáctico para as escolas da zona.

Fernando Ferreira recorda os acessos difíceis e as grandes carências da população. No que se refere a equipamento médico (cadeiras de rodas, canadianas, medicamentos, etc.) além da missão da Associação Saúde em Português (parceira da expedição) em Bafatá, foram apoiadas três associações de ex--combatentes.
Houve inclusive alguns reencontros, já que muitos tinham combatido ao lado de Portugal na guerra, adianta Fernando Ferreira, salientando, todavia, o abandono a que estão hoje votados por parte das entidades oficiais.

Travão da burocracia

O contentor com o material oferecido por empresas (Ambar e Babu, por exemplo), pelo Governo Civil de Coimbra e ainda com os donativos recolhidos durante dois meses e meio em Coimbra e no Norte do país - verificados, peça por peça, para que seguissem apenas coisas úteis e com mínimo de qualidade - chegaria a Bissau no dia 2 Março, mas só a 12 o grupo conseguiu retirá-lo da alfândega.


Mais do que os responsáveis políticos ou os superiores hierárquicos dos serviços, Fernando Ferreira aponta os níveis intermédios, que burocratizam ao máximo os procedimentos.
Há sempre que ajeitar algum dinheiro, para desbloquear as coisas, diz, lembrando outras passagens em zonas de controlo e verificação de documentos, com esperas que atingiam as sete horas.
O material do contentor foi descarregado em território da Cooperação Portuguesa, encarregando-se as diversas instituições de o ir buscar, mas outro material destinado a escolas foi distribuído pelos próprios voluntários da expedição.

Os sorrisos e até as lágrimas de agradecimento dos que receberam o nosso apoio pagam o esforço e o sacrifício da viagem – nomeadamente financeiro, uma vez que cada voluntário vai às suas expensas e que todos os valores recebidos são convertidos em material para levar, resume Fernando Ferreira.
Enquanto mostra ao Diário de Coimbra algumas das imagens registadas durante a expedição humanitária, o voluntário não deixa de manifestar o seu descontentamento, pelo facto de existir ainda – e sempre - uma imensidão de necessidades.

Sentimo-nos impotentes, desabafa. Ainda assim, foram colmatadas algumas, pequenas, carências e colocados sorrisos nos rostos de tantas pessoas. O voluntário destaca as crianças. Queremos divulgar a língua portuguesa, mas queremos sobretudo ajudar a inverter um ciclo, apoiar o ensino e criar nas crianças objectivos de vida e de construção de um futuro, explica, considerando que o Estado português deveria permitir a ida de mais professores para a Guiné-Bissau.
Porque não 150, como em Timor, em vez dos cerca de 30 que lá estão, questiona.
De um passeio a uma associação

Tudo começou com um passeio informal, um regresso de ex-combatentes da Guerra do Ultramar à Guiné-Bissau, há cinco anos atrás. Segundo Fernando Ferreira, regressados a Taveiro, os ex-combatentes relataram as grandes diferenças entre o que os portugueses por lá deixaram e o que agora existia, o abandono, as grandes carências, a ausência de lusofonia.


Decidiram voltar daí a dois anos, levando medicamentos, material escolar e outros donativos à população de Saltinho, nas margens do Rio Corubal. Mas, quando lá chegámos era pouco. Seguiu-se então nova viagem, já no ano passado, com um apoio mais amplo e organizado, um contentor com cerca de 20 pés, novamente composto por material escolar e didáctico, roupa e equipamento médico.
Fernando Ferreira recorda os costumeiros problemas na alfândega e as três noites passadas no porto de Bissau, até conseguir retirar o contentor.

Este ano, o grupo de voluntários – de Coimbra e de outras regiões do Norte e Centro do país – partiu a 21 de Fevereiro e esteve um mês na Guiné-Bissau. Em mente estão já outras missões aquele país, mas não só.
A Associação Humanitária Memória e Gentes, entretanto criada, veio oficializar a actividade solidária do grupo, permitindo uma organização capaz de intervir em diversas situações de carência e catástrofe, diz Fernando Ferreira, presidente do Conselho Fiscal.
A Associação foi criada em Novembro do ano passado, como parceira especializada da Liga dos Combatentes.
José Moreira é o presidente da Direcção e Maló de Abreu o presidente da Assembleia-geral.
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Nota de vb: Transcrição do texto da notícia do Diário de Coimbra. Com a vénia devida.

ver artigos de
16 de Março de 2008 Guiné 63/74 - P2648: Notícias da Associação Humanitária Memórias e Gente (Rui Fernandes/Carlos Marques dos Santos)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2576: Ser solidário (7): Vinte e tal amigos e camaradas, do Porto e de Coimbra, a caminho de Bissau (Luís Graça / A. Marques Lopes)

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2567: Ser solidário (6): Pimentel, Álvaro Basto e Xico Allen: Juntos a caminho de Bissau, na rota do Porto-Dakar (A. Marques Lopes)

17 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2548: Ser Solidário (5): Ainda a Expedição à Guiné-Bissau (Carlos M. Santos)

13 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2531: Ser solidário (4): Coimbra encaixotou o maior contentor de apoio humanitário à Guiné-Bissau

sexta-feira, 21 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2670: Fez-se História em Guileje (Nelson Herbert)

Mário Soares, Presidente da República de então, presta a Homenagem de Portugal aos Militares do Exército Português caídos no solo guineense.

Foto: © Nelson Herbert (2008). Direitos reservados.

É de facto no culto dos seus mortos que as sociedades humanas, procuram tradicionalmente os mais delicados símbolos da sua coesão e identidade. Era assim entre os antigos gregos. Nas sociedades tradicionais africanas, a homenagem aos entes e antepassados mortos assume igualmente um notável destaque nas práticas rituais. A convicção de que os antepassados podem ter influência sobre a vida de gerações, constitui uma arreigada tradição nessas sociedades.


Cícero dizia que os antepassados quiseram que os homens que tivessem deixado esta vida fossem contados no número dos Deuses. Nesta perspectiva seria de facto natural que nas relações Estado-a-Estado, a maturidade dos homens, dos outrora inimigos, pudesse incluir com toda a dignidade, o culto dos respectivos mortos. Mas alguns episódios demonstram o quão de facto ínvio e difícil foram, por vezes, os trilhos dessa desejável catarse.


Mário Soares recebido à porta do cemitério de Bissau por uma manifestação pacífica e silenciosa de antigos combatentes da luta pela libertação da Guiné e integrada por outras igualmente vítimas dessa guerra, nomeadamente antigos soldados nativos que combateram sob a bandeira portuguesa.

Foto: © Nelson Herbert (2008). Direitos reservados.


Estes últimos, o mesmo grupo cujos direitos os governos portugueses teimam há décadas, a ignorar. "Render Homenagem aos criminosos da guerra colonial é ofender a dignidade dos Heróis guineenses e portugueses”, lê-se no cartaz.

Na foto é visivel o jornalista Nelson Herbert, a escassos passos da retaguarda da comitiva.



Ladeado pelo então secretário de Estado da Cooperação Durão Barroso e por representantes dos principais partidos portugueses, Mário Soares quis na altura dignificar esse capítulo da História comum, que alguns sectores, de um e outro lado das outroras diametralmente opostas trincheiras, teimavam em fazer calar na Memória colectiva dos dois Povos.

De facto, quando em 1953 Felicien Challaye escrevia "a colonização talvez seja a instituição que mais lágrimas fez correr", vinha ainda longe a Guerra na Guiné.

A guerra colonial ou de libertação teve no caso concreto da Guiné (eu catraio, na altura, indiferente e inocente aos acontecimentos) um dos seus cenários mais brutais e que acabou por deixar cicatrizes e, provavelmente, algumas cravadas na alma que só o tempo e a maturidade dos homens acabariam decerto por enjeitar.

E hoje, praticamente concluída que está a primeira fase do processo de exumação dos restos mortais dos militares portugueses de Guidaje (que consistia na definição dos limites das sepulturas, na identificação e exumação das ossadas com o apoio de técnicas geofisicas) e perante o eloquente sucesso que foi o Simpósio de Guiledje...de trincheiras irmanadas (a globalização estendendo também por aí os seus tentáculos?) curvo-me em reverência, para louvar a maturidade dos outrora inimigos.

E assim fez-se História!

Quartel da Amura, em Bissau > 7 de Março de 2008 > Guarda de honra a apresentar armas na homenagem dos antigos combatentes portugueses aos Heróis Nacionais da República da Guiné-Bissau, junto ao mausoléu de Amílcar Cabral.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

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Notas de vb:

Texto de Nelson Herbert

Voice of America
Washington, DC

1. Notícia do Vítor Tavares:

Hoje regressam os técnicos que estiveram em Guidage, na exumação dos restos mortais dos nossos camaradas, que já se encontram em Bissau onde aguardam os exames periciais. Pelas escassas imformações que tenho correu tudo bem.

2. ver artigos de

16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2639: O Simpósio de Guiledge na Voz da América (Virgínio Briote)

14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2639: O Simpósio de Guiledge na Voz da América. (Virgínio Briote)