segunda-feira, 16 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2951: (Ex)citações (3): A guerra de África acrescentou 15 anos ao regime de Salazar (André Gonçalves Pereira)

Lisboa > Um dos derradeiros símbolos do Estado Novo: a Ponte Salazar, inaugurada em 1966, rebaptizada Ponte 25 de Abril, em 1974 > Vista sobre o porto de Lisboa > 16 de Março de 2008 > Foto tirada por Luís Graça, no decurso da travessia da ponte, por ocasião da 18ª Meia/Mini-Maratona de Lisboa. Sob esta ponte e partindo do Porto de Lisboa, passaram várias centenas de milhares de homens em armas a caminho de África.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


Excerto da entrevista a André Gonçalves Pereira (*), por Christina Martins e Isabel Vicente. Expresso nº 1859, de 13 de Junho de 2008. Revista Única, pp. 62-74.


Pergunta - Fez tropa ?

Resposta - Sim, felizmente, logo após na licenciatura [em Direito]. Se tivesse demorado mais um ano, teria sido chamado para a guerra.

Pergunta – Que marcas deixou a guerra [do Ultramar] na sociedade portuguesa ?


Resposta – Muitas. Salazar tinha momentos de grande perspicácia, e a guerra de África acrescentou 15 anos ao regime. Admito que ele tenha compreendido que, depois da campanha do general Humberto Delgado, em 1958, era a maneira de reencontrar alguma unidade. Nos primeiros anos, pode dizer-se que a guerra era encarada de forma patriótica. Mas, à medida que se foi percebendo que não tinha solução, a opinião foi mudando.

Pergunta – E isso aconteceu quando ?

Resposta – Num dia de Abril de 1962, quando 18 estudantes da Universidade de Lisboa – entre os quais o Presidente Joaquim Chissano, de Moçambique, que cursava Medicina – desapareceram. Assim como vários alunos meus da Faculdade de Direito, que também fugiram. Tornou-se-me evidente que Portugal não tinha conseguido conquistar as elites (…).

Como visitava muito as colónias, verificava que a vida lá não era nem de longe o sonho que pintavam em Portugal. A discriminação racial era um facto evidente… Sobretudo quando estive nas Nações Unidas em 1960, em que a África se tornou independente. A partir daí, comecei a compreender que era inevitável a descolonização (…)
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Nota de L.G.:

(*) André Gonçalves Pereira, nascido em 1936, filho de mãe francesa e de pai de origem goesa, advogado desde 1959, professor de direito, assistente de Marcelo Caetano, doutorado aos 25 anos, professor catedrático aos 32, sócio sénior do mais antigo escritório de negócios em Portugal, constituído em 1928 (Gonçalves Pereira, Castelo Branco & Associados, Sociedade de Advogados, RL), amigo de Pinto Balsemão e de Sá Carmeiro, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros nos VII (1981) e VIII Governos Constitucionais (1981/83), como independente …

Durante o Estado Novo, foi representante de Portugal na Comissão Jurídica da Assembleia Geral das Nações Unidas (1959/66). Ficou célebre a sua boutade sobre o miserável vencimento dos ministros portugueses que, no caso dele, nem dava para os charutos...


Vd. postes anteriores desta série, (Ex)citações:


Guiné 63/74 - P2950: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (4): Opiniões (Carlos Silva / Nuno Almeida)

1. Mensagem, com data de 4 de Junho, do Carlos Silva, ex-Fur Mil At Armas Pesada, CCAÇ 2548 (Jumbembem, 1969/71):

Luís:

Aqui vão as Capas e badanas dos 2 livros que tenho do Carmo Vicente (1).

 Li o Poste sobre o livro Gadamael. Dizes que o Carmo faz críticas aos seus superiores e que desconheces o seu paradeiro.

(i) Ele é DFA, talvez consigas saber alguma coisa dele através da Associação [AFDA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas]

(ii) Quanto ao livro, é acutilante e não tem floreados, ele escreve o que lhe vai na alma, as críticas que ele faz, não sei se são ou não justas e não é a mim que compete julgá-las, são da responsabilidade dele e são públicas através do livro.

No entanto, estou de acordo com elas, porque, aliás, estou a lembrar-me de uma situação que ele descreve e por que passou em determinada operação, tendo eu e milhares de camaradas passado por situações semelhantes.

Estou a lembrar-me no caso de operações em que participei, com a avioneta PCV, com um indíviduo OPER DO AR, lá dentro, a fazer círculos por cima de nós, a denunciar ao IN a nossa posição. Por tal motivo, eu pensei, tal como o próprio Carmo refere, Aquele FP Operacional do ar condicionado merecia que se mandasse aquela merda abaixo. Aliás, também tenho este desabafo e corroboro os desabafos do Carmo.

Gostaste das fotos [da viagem à Guiné-Bissau, finais de Fevereiro e princípios de Março de 2008]? Na sua maioria estão espectaculares. O meu site está de vento em popa.

Recebe um abraço, Carlos Silva.
















Imagens digitalizadas: Cortesia de Carlos Silva (2008).



Lourenço: Outro livro de Carmo Vicente (Ed. A Chave, 1989), onde se conta o drama de um cabo pára-quedista desaparecido em combate.


2. Mensagem do Nuno Almeida, de 5 de Junho de 2008


Boa tarde, amigo Graça:

Ao consultar o nosso espaço guineense verifiquei que o camarada Leopoldo Amado (1) diz lamentar não conhecer o Carmo Vicente.

Caso possa ser útil, informo que o mesmo é sócio da ADFA e que quase diariamente aí almoça.

Poderá tentar contactá-lo através do nº telemovel da ADFA (917365219) ou pelo fixo (217512600).

A ADFA fica na Av Padre Cruz em Lisboa (quem vai do estádio de Alvalade para a Calçada de Carriche) logo a seguir ao Instituto [ Nacional de Saúde Ricardo Jorge vira à direita na Av. Rainha D. Amélia e entra e contorna 3/4 da 1ª praceta à esquerda, passa por baixo do prédio, segue em frente e à sua direita fica a ADFA.

Espero ter contribuído para o encontro de mais uma tertúlia guineense.

um abraço do Nuno Almeida (também sócio da ADFA)
Nuno
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Nota de L.G.:

(1) Vd. postes anteriores desta série:

4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname

5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante

Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)



O emblema da CCAV 8350 (Piratas de Guileje)
com o signo da morte por mote,
concebido pelo Casimiro(1) em 1972





XIV ALMOÇO/CONVÍVIO DOS PIRATAS DE GUILEJE
7 de Junho de 2008, na cidade da Trofa




Foto 1> Este convívio teve mais um momento alto quando o Casimiro em conversa meramente casual com o Borges (O Chaves), descobriu 36 anos depois que, numa mortífera emboscada, se protegeram mutuamente debaixo de fogo, já com 4 mortos 1 ferido (O Pica), prostrados no terreno à sua frente.


Foto 2> Casimiro, Gonzaga, Ramos, Reis, Brás, Primo e Coronel Art Ref Coutinho de Lima


Foto 3> Os cerca de 40 Piratas de Guileje que este ano confraternizaram na Trofa, vendo-se em em baixo, à direita, de cócoras o Casimiro Carvalho.


Foto 4> O capitão Abel Quintas

Foto 5> O Coronel Santos Vieira.


Foto 6> Aspecto geral do repasto.

Almoço/Convívio

Dia 7 de Junho, 11h00 da manhã, eu e o Casimiro Carvalho acompanhados das nossas esposas Fernanda e Ana, acabamos de chegar ao centro da Trofa, junto à Capela da Nossa Senhora das Dores, onde decorria uma das partes do programa do convívio do corrente ano dos PIRATAS DE GUILEJE 72/74, uma missa pelos companheiros já falecidos.

Finda a missa, os piratas e familiares que saíam da capela, foram-se juntando outros tantos, provindos das mais diversas direcções e sentidos deste nosso Portugal.
É sempre comovente e tocante presenciar os abraços e as palavras trocadas entre estes velhos camaradas, fundindo-se em grande cumplicidade efusiva e amistosa, diria mesmo irmã.
Estes Homens duros e marcados pela guerra e pela vida, ora riem, ora choram, conforme recordam momentos hilariantes ou dramáticos, em que as suas memórias se orientam para as patuscadas e partidas próprias de jovens então com os seus 21, 22 ou 23 anos de idade, ou para os seus mortos e feridos nos ferozes e mortíferos combates que travaram, naquela longínqua e estranha Guiné com o IN.
É impossível ficar-se indiferente, especialmente quando se trata destes soldados que, para quem conhece minimamente, a sua história de sangue, suor e lágrimas, sabe que tão sacrificados e traumatizados foram

À missa seguiu-se um farto, delicioso e longo almoço no Restaurante local, de nome, Os Braguinhas, onde o pessoal entre garfadas de boa comida e uns copos de bom vinho, lá voltou a pôr as recordações em dia e tentou, mais uma vez, que os familiares e amigos presentes, entendessem mais um pouco daquilo que foi o suplício da sua terrível comissão na Guiné.

Como um simples periquito convidado que não foi além de Mansoa, e de RANGER para RANGER, não posso deixar de dizer que foi com enorme satisfação, honra e orgulho pessoal que aceitei este duplo convite do RANGER Casimiro Carvalho, quer para participar no convívio destes maravilhosos seres humanos, que tão bem me trataram e acolheram, quer para escrever estas palavras para o blogue.

Acabo esta minha narração desejando que para o ano, o 15.º Encontro, se possível, se volte a repetir ainda com maior sucesso.












Os mesmos 3 “piratas” passados 36 anos, o Casimiro (sem a tenda), o Silva (Pedra) e o Bilhau.





Texto, Fotos e respectivas legendas, enviados por E. Magalhães Ribeiro © (2008). Direitos reservados.
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Nota de CV:

(1) - Vd. Postes de José Casimiro Carvalho de:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

domingo, 15 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2948: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Manuel dos Santos, 'Manecas', um dos últimos históricos do PAIGC


Vídeo (4' 18''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Painel 1 > Guiledje e a Guerra Colonial/Guerra de Libertação > Dia 4 de Março > Moderador: João José Monteiro (Universidade Colinas de Boé) > Excerto da comunicação de Manuel Santos (guineense, ex-comandante militar do PAIGC) (*): "Amílcar Cabral e a componente militar do PAIGC: achegas para a compreensão dos meandros estratégicos e tácticos da guerra de libertação nacional".

Sinopse: Neste microfilme, Manuel dos Santos começa por referir a difíceis condições em que arrancou a luta pela independência, liderada por Amílcar Cabral e o PAIGC: um país de 600 mil habitantes, com um território plano, sem montanhas, recortadado por inúmeros cursos de água, sem vias de comunicação terrestre, com uma multiplicidade de etnias, com uma população 99% analfabeta, sem consciência nacionalista, não permitia predizer o sucesso que a luta de guerrilha rapidamente alcançou a partir de 1963... Mais, diz taxativamente que "nenhuma guerra revolucionária foi iniciada em condições tão difíceis"...

Evoca a seguir o início da preparação da luta, com a instalação em Conacri do secretariado do PAIGC, em 1960, e o envio para a China, para formação política e militar, de uma primeira leva de jovens quadros dirigentes (entre eles, o 'Nino' Vieira). A luta armada começa no início de 1963, conduzind0 rapidamente à libertação de 15% do território (segundo a própria imprensa portuguesa, de 1964 - creio que o autor cita o jornal República, que não era propriamente um orgão de comunicaçãop social afecto ao regime de Salazar, pelo contrário estava ligado a alguns fracções da oposição).

Depois da mobilização dos indispensáveis recursos humanos, técnicos e fianceiros (o dinheiro, as armas e as munições vieram de fora; os homens foram recrutados, em condições difíceis, no interior...), o PAIGC é confrontado com os primeiros sucessos no campo militar, no sul e a na zona leste, ultrapassando as expectativas e as próprias estruturas organizativas do PAIGC, cujos dirigentes se viram desautorizados, nalguns casos e em certas zopnas, por pequenos senhores da guerra, transformados em déspotas, actuando por sua conta e risco, e que foram autores de abusos e até de "crimes abomináveis" contra a população sob o seu controlo...

O PAIGC vê-se assim obrigado a organizar o seu primeiro Congresso, em Fevereiro de 1964, em Cassacá, no sul, na região de Tombali. É aqui se definem as estruturas político-militares e a administração civil, subordinando-se os militares aos políticos. É também nesta altura que se criam as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Os abusos e crimes são severamente julgados e punidos. Manuel dos Santos não o diz, mas terá havido julgamentos revolucionários e fuzilamentos em Cassacá...

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Nota de L.G.:

(*) Nota biográfica: Manuel dos Santos (Manecas), nasceu em 1942 em Cabo Verde. Recebeu formação militar em Cuba e na URSS. Foi o primeiro a aprender a manobrar os poderosos mísseis Strella, a arma que tantos problemas trouxe às NT. Um dos primeiros disparos ocorreu em 25 de Março de 1973 e resultou no abate do Fiat G91. A partir dessa data, a guerra nunca mais foi a mesma. A aviação deixou de bombardear a guerrilha com tanta regularidade e as evacuações passaram a ser mais difíceis. Depois da Independência foi ministro da Informação, dos Transportes e do Equipamento Social.

Fonte: Guiné, Ir e voltar - Tantas vidas, blogue de Virgínio Briote > 03/02/08 > PAIGC: Alguns dos protagonistas conhecidos > Manuel dos Santos

Vd. também poste de 14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74)

(...) "1 de Julho de 1974 – Encontro na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3.
"EM 011000JUL74, CMDT CE 199/E/70 QUECUTA MANÉ E SEUS COMISSÁRIOS POLÍTICOS DUKE DJASSY E MANUEL DOS SANTOS (MANECAS) ACOMPANHADOS DE ELEMENTOS ARMADOS DO PAIGC ENCONTRARAM-SE COM O CMDT, OFICIAIS E SARGENTOS DO COP3, NA REG. DA BOLANHA DE NENECÓ, ONDE FORAM DEFINIDOS NOS SEGUINTES TERMOS A SUA LINHA DE CONDUTA": (...)

Guiné 63/74 - P2947: O Nosso Livro de Visitas (17): Henrique Martins de Castro, CART 3521 (Piche, Bafatá e Safim, 1971/74)

1. No dia 14 de Junho de 2008, recebemos uma mensagem do nosso novo camarada Henrique Martins de Castro:

Caro amigo,

Estive na luta da Guiné de 1971 a 1974, sou da CART 3521 e amigo e companheiro de luta do Sá Fernandes que já pertence à tertúlia. Estive em Piche (11 meses), Bafatá e Safim. Sou o principal organizador dos convívios da Companhia. Vivo em Vila Nova de Famalião (telefone 252 932 774).

Sou o organizador de todos os convívios da CART 3521. Tenho um filme que fiz na Guiné em 1995, pois fui lá passar 28 dias de férias. Sou um periquito a trabalhar com um computador, mas gostaria de entrar para os tertulianos e nao sei como o hei-de fazer... por favor (...) manda um email a explicar-me, eu mais tarde te agradecerei.

Não deixo desde já de te dar os meus sinceros parabéns por teres criado este blogue pois sinto bastantes saudades daquelas terras e daqueles povos, por quem tenho muita amizade.

Através do teu blogue tenho descoberto muitas coisas que me emocionam a pontos de me arrepiar. Já fiz alguns comentários. Tenho o livro com a história da CART 3521 que retrata tudo que a Companhia passou na Guiné.

Um forte abraço


2. Em 15 de Junho foi enviado este mail ao Henrique Martins de Castro:

Caro Henrique

Obrigado por teres comunicado connosco.

Será um prazer receber-te na nossa, também tua, Tabanca Grande. Para seres admitido formalmente na nossa Tertúlia, envia uma foto do teu tempo de tropa e outra actual, em tipo passe de preferência (se não vier assim, cá nos arranjaremos) e conta-nos mais umas coisas sobre ti.

O teu posto militar, a tua especialidade, por onde andaste, onde vives actualmente, etc.

Se quiseres podes adiantar algo sobre a tua experiência na guerra da Guiné e porque não, as tuas impressões do que viste quando regressaste à Guiné-Bissau, depois da sua independência.

Aconselho-te a que leias as Nossas normas de conduta e O que nós (não) somos, no lado esquerdo da nossa página do Blogue, para assim te familiarizares com os nossos conceitos.

Se tiveres estórias que nos queiras enviar, fá-las acompanhar das fotos que tenhas guardadas e que julgavas que nunca mais veriam a luz do dia.

O endereço a usares é: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com só para assuntos do blogue.
Poderás usar também os endereços pessoais dos editores Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote.

Recebe um abraço de boas vindas da tertúlia.
Em nome dos editores
Carlos Vinhal

Guiné 63/74 - P2946: Poemário do José Manuel (17): A Companhia dos Unidos

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) >

"Foi uma Companhia Unida, esta dos Unidos... Os tempos eram preenchidos, além do futebol, com as mais diversas iniciativas. O Capitão, o Alferes Farinha, o Alferes Esteves e outros ocupavam-se a realizar as mais diferentes acções para preencherem o vazio e ocuparem a mente.

"Foto acima: Um grande jogo, a foto não é minha pois estava a jogar. Sei que esmágamos uma das Companhias do batalhão que estava em Aldeia Formosa, uma goleada das antigas apesar do árbitro ter sido um nativo do Quebo" (JML)



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Teatro era outra das ocupações, e digam lá se o Furriel Martins, o vagomestre, não era uma brasa? Que por momentos deslumbrou o Pinheiro, soldado de transmissões do 1º. grupo de combate" (JML).

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Exposição de trabalhos em fósforos , feitos pelos soldados" (JML).


Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "Cartas... todo o tipo de jogos, sueca, etc. em que eu quase sempre perdia, torneios de King, nos quais me saía melhor, mas raramente era o rei. Os furriéis José Manuel, Jose Manuel Miranda Lopes de frente, o escondido é o Polónia e de costas o alferes Farinha, comandante do 1º Grupo de combate e quem comandava a Companhia na ausência do Capitão Luis Marcelino" (JML).

Fotos, poema e legendas: ©
José Manuel (2008). Direitos reservados.




Tudo é tão diferentenão se ouvem os sinos
nas manhãs de domingo
nem nessas tardes
há futebol para ver
me ensinaram que
a Pátria era a mesma
não parece...
a história a religião
os costumes os heróis
que lhes diz Aljubarrota?
a batalha de S. Mamede?
D. Nuno ou D. Afonso?
estes são os meus heróis
os deles andam na mata
a lutar pela liberdade.

Mampatá 1974
josema


__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. último poste da série > 2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2911: Poemário do José Manuel (16): Saudades do Douro e do Marão...

Guiné 63/74 - P2945: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (34): Presentes de casamento

"A Cristina em Bissau... A Cristina chegou a 15 de Abril [de 1970],vivemos em Bissau cerca de três semanas, incluindo a minha baixa à neuropsiquiatria, no HM241.Passeámos, fomos muito bem acolhidos, jantámos em todos os tasquinhos da Península. Bissau,confirmo por estas fotografias,tinha um cosmopolitismo de guerra,era um crescimento articial de bem-estar em torno da presença das tropas" (BS).


"Abdul Injai é uma das figuras lendárias da pacificação do Oio, na 1ª campanha de Teixeira Pinto. Valente cabo de guerra de origem senegalesa, comandou fulas, futa-fulas e mandingas. Como prémio, foi nomeado régulo do Oio e do Cuor. Terá cometido excessos e confrontado a administração portuguesa. Em 1918 foi demitido de régulo do Cuor, terá pilhado armas da população, recusou-se a prestar contas a Bolama[, capital da colónia], segue-se uma campanha a partir de Farim, em 1919 que levou a sua prisão e partida para o exílio. O capitão-tenente João Quadros chamou-lhe «rebelde ardiloso que não merece quartel».




Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 5 e 10 de Março de 2008:


Luís, junto mais um episódio, se tudo correr bem ainda haverá mais quatro em Março. Seguirão ilustrações referentes a Abdul Indjai e o livro do Ellery Queen. Recordo-te que tens aí muitas imagens de Bissau, tais como a Catedral e a Praça do Império. Uma outra possibilidade era a imagem do reordenamento dos Nhabijões. Estou ansioso que voltes da Guiné e nos contes o que viveste. Um abraço do Mário.



Operação Macaréu à vista > Episódio XXXIV > TOCCATA E FUGA BWV 565, em ré menor, de Johann Sebastian Bach

por Beja Santos
´


(i) Os presentes de Bambadinca

Num ápice, vou a Bafatá buscar os presentes destinados à Cristina: uma pulseira e um anel em filigrana de prata que encomendara ao ourives, passei pela casa Teixeira e trouxe La Traviata, cantada por Joan Sutherland, Miti Truccato Pace, Carlo Bergonzi e Robert Merrill, orquestra e coro do Maggio Musicale Fiorentino, conduzida por Sir John Pritchard, e o 5º Concerto de Beethoven, executado por Wilhelm Backhaus, Hans Schmidt-Isserstedt dirige a Filarmónica de Viena.

No regresso a Bambadinca, acompanho aos Nhabijões uma delegação que vem de Bissau com um jornalista que me é apresentado como o príncipe Xisto Bourbon-Parma. Príncipe ou não, é um jovem gentil, traja uma fatiota de caqui, de vez em quando estaca, surpreso, perante uma situação dispara umas fotografias, faz perguntas, toma notas. O visitante, ao que consta, pretende visitar a Guiné, conhecer todos os recantos possíveis e avaliar a fundo o projecto da Guiné Melhor. Terá sido ele quem escolheu o reordenamento dos Nhabijões, nessa altura em franco desenvolvimento, erguem-se dezenas e dezenas de moranças alinhadas substituindo a espontaneidade dos aldeamentos Cau, Bedinca, Imbume, Bulobate, Mancanha e Mandinga.

É um reordenamento ousado, e dispendioso, envolve o batalhão de engenharia com muitos meios, muita negociação com os homens grandes dos Nhabijões, os patrulhamentos ficam a cargo da CCaç 12, da CCS e do Pel Caç Nat 52. A experiência dirá que as gentes de Madina-Belel, bem como as do Baio-Buruntoni não foram dissuadidas, continuaram a vir abastecer-se e a obter informações junto da sede do batalhão. Aliás, quem vinha do mato não precisava de grandes exercícios de estilo: perto do reordenamento, tivessem cambado o Geba, vindo a pé por Samba Silate ou cambado o Udunduma, escondiam as armas, punham um pano a tapar o tronco, a partir daí deixava de haver qualquer interpelação militar, a denúncia civil estava praticamente interdita.

A 14 de Abril [de 1970], reuno pela última vez com o Pires (em breve vai trabalhar na CCS / BCAÇ 2852), com o Cascalheira e com o Ocante, as folhas dos pagamentos estão prontas, já se efectuou a troca do fardamento, para a semana chegarão botas novas, mosquiteiros, bem como cantis e cartucheiras, todo o equipamento estava por um fio.

Fomos ainda ao paiol ver o estado as munições, o Pel Caç Nat 52, foi-me garantido pelo major de operações, durante as duas próximas semanas ficará no posto avançado de Udunduma, fará patrulhamentos no Cossé e Badora, apoiará uma coluna ao Xitole, e haverá outras actividades congéneres, mas operações de grande porte não. O sargento Cascalheira dá-me a sua palavra que não haverá desmandos nem se envolverá em desacatos. Despeço-me de todos, há uma enorme risada para aquele alferes que vai comprar a bajuda a Bissau... Benjamim Lopes da Costa, Domingos Silva, Barbosa e Teixeira irão representar o pelotão no meu casamento. Pedi ao Queirós, com a maior discrição, que ficasse, o diabo tece-as, um apontador de morteiro 81, um de 60 e dos bazuqueiros são especialistas indispensáveis. Cherno marcou férias, vai para Bissau, pois claro, mas Seco e Tunca garantirão o apoio aos morteiros 60.

É quando me vou fardar e acabar de arrumar as minhas coisas que a professora Violete me acena à porta de casa. Convida-me a entrar na sala e na presença de D. Ema, silenciosa mas com um sorriso beatifico, entrega-me um embrulho: ´
- É um presente insignificante. É uma peça de biscuit, apercebi-me que o Sr. alferes gosta destes objectos. Não tenho herdeiros directos, é uma arte europeia que não é aqui muito apreciada. A nossa casa, nos bons tempos, estava aberta aos convidados do administrador Aires. Agora somos duas mulheres sós, ninguém olha para estes objectos. Com sinceridade, faço votos para que tenha uma longa e feliz vida matrimonial.

E entregou-me, pedindo todas as cautelas, um embrulho em papel lustroso com um lindo laçarote, sem deixar de me anunciar:
- Quando vier, vamos continuar com as nossas leituras. Se tiver tempo, não se esqueça de passar pelo Centro de Estudos da Guiné e trazer aqueles boletins de que lhe falei.

Subo para o Unimog, os camaradas do batalhão acenam, é um contentamento sincero que me comove. Mas a emoção maior é o Pel Caç Nat 52 me rodear em circulo fechado, pela primeira vez toda a gente me vem abraçar, a minha mão direita é segura com firmeza por uma outra mão direita, vai apoiar-se no corações de todos os meus soldados. É a maior prova de consideração que um guineense presta a um amigo. Parto contrito, esmagado pela grandeza da hospitalidade destes fulas e mandingas.


(ii) Em Bissau, recebo ordens dos meus padrinhos

De Bissalanca a Brá é um pulo, quem me dá boleia larga-me no interior do BENG 447, atravesso as barracas mague, vejo por toda a parte longos corredores de cimento ensacado, nunca se construiu tanto como agora, entro numa estrutura metálica com tecto de lusalite e vou cumprimentar o meu padrinho. O Emílio Rosa está investido da sua responsabilidade de monitor espiritual e mestre de cerimónias, dá-me as informações mais frescas: hoje durmo lá em casa, amanhã também, a noiva fica amanhã em casa dos Payne, o melhor é aproveitar a tarde de hoje e ir tratar das coisas da alma, o padre Afonso pretende falar comigo, se possível amanhã com os nubentes. Alargo o meu sorriso face à seriedade da declaração e ao anúncio das medidas protocolares.

Entretanto, chega o Rui Gamito, não vem por acaso, quer saber qual o tipo de prenda que nos faz falta, eu não tinha resposta a dar, muito superficialmente a Cristina e eu tínhamos abordado o aluguer da casa a partir do seu regresso, em Maio, estando os electrodomésticos, postos de parte, por razões de transporte, e sendo eu um noivo sui generis, que oferecia à noiva discos como prenda de casamento, era impossível dar uma resposta sobre as nossas necessidades quanto ao recheio da casa. Deixei a minha mala e sacos entregues ao Emílio Rosa e parti de jeep para o centro de Bissau. Apanhei o padre Afonso, ele ia dar catequese, acordámos que conversaria comigo depois da missa das 18h30.



"Capa do romance policial Dez Dias de Mistério, de Ellery Queen. Nº 73 da Colecção Vampiro,tradução de Elisa Lopes Ribeiro, capa de Cândido da Costa Pinto. Indiscutivelmente uma obra-prima do romance policial dos anos 40,inscreve-se no ciclo de Wrightsville,uma imaginária povoação não muito longe de Nova Iorque que será o palco de outros romances imaginosos de Queen. Desta feita, uma mente cruel urde uma vingança que leva à destruição um jovem casal amoroso. Queen trabalha com anagramas e os 10 Mandamentos para chegar à verdade. O desfecho clarificador, no final, é esmagador, os Van Horn desaparecem, depois de 10 dias de mistério" (BS)...


Entrei na 5ª Rep, um dos cafés mais buliçosos de Bissau, àquela hora todos bramavam aos gritos sobre histórias havidas com minas e emboscadas, a um cantinho andei a vasculhar por livros e tirei dois, um policial de Ellery Queen e chamou-me a atenção um livro de Doris Lessing, com um título assombroso, A Erva Canta. O primeiro, intitulado Dez dias de mistério, li-o sofregamente nas minhas duas últimas noites de solteiro. Ellery Queen volta a Wrightsville, desta vez para ajudar Howard Van Horn, que conheceu há dez anos em Paris. Howard é escultor, parece que sofre de amnésia, está num grande sofrimento, Ellery aceita acompanhá-lo até Wrightsville. Começa aqui um policial gigantesco, cheio de anagramas num enredo onde a tragédia grega se insinua. Existe Diedrich Van Horn, o pai de Howard, e Sally, a jovem madrasta de Howard, bem como Wolfert, o tio de Howard e irmão de Diedrich. É à volta deste quarteto que se desenvolve uma tragédia genialmente urdida por uma mente vingativa, em dez dias desenvolve-se um projecto de ódio que gira à volta dos Dez Mandamentos. Ellery Queen em poucos momentos terá alcançado no romance policial uma construção tão poderosa com um desfecho que se vai descodificando como uma espiral de angústia, de modo a que o criminoso vai deixando cair as suas guardas, ficando nu perante a ruína e destruição que provocara de premeio, num projecto diabólico que conduzira dois jovens apaixonados à morte.

Nunca resisto ao fascínio do cais do Pidjiguiti, as fainas do embarque e do desembarque, a estiva, a gritaria dos pescadores, o ilhéu do Rei como pano de fundo. Olho à direita, para o edifício do Comando Naval, sou assaltado pela saudade do comandante Teixeira da Mota.

Regresso à catedral, e depois da missa procuro o padre Afonso. Imprevistamente, sem nenhuma preparação aparente, ajoelho-me e confesso-me. Levanto-me depois da absolvição, chegou a minha vez de reclamar o que venho pedir à Igreja para a minha festa. Existe órgão mas não sei se existe organista. O padre Afonso diz que sim, posso contar com música de órgão. Pergunto se é possível casar ao som da Toccata e Fuga BWV 565, de Johann Sebastian Bach. É uma peça magnificente, é um céu que se rasga, na minha imaginação Deus Todo Poderoso tem os braços abertos para receber os seus filhos, é um triunfo do Juízo Final. Isto na Toccata, e na minha imaginação. A fuga é um passeio por este mundo, um calcorrear até chegar a Deus, obter a Sua misericórdia, ao som das trombetas. Claro, tudo na minha imaginação, depois do piano e do violino nada me sacia mais na música que o órgão, ali encontro sempre imagens, ali alcanço alguma serenidade. Está prometido, casarei ao som da Toccata e Fuga BWV 565.

Prevê-se que a Cristina chegue ao princípio da tarde de amanhã, há algumas compras a fazer, prometo que voltaremos a seguir à missa das 18h30. E vou para casa dos meus padrinhos. Ao jantar, volto a receber directivas: o Emílio e o David acompanhar-me-ão a Bissalanca; a noiva desloca-se para casa dos Payne, a Isabel sairá connosco, nesse dia jantaremos no Solmar, iremos a seguir ao Quartel General tomar uma bebida, depois deitar cedo e cedo erguer, os padrinhos trabalham, os nubentes que passeiem, desfiando as suas promessas e juras de amor.


(iii) Recordações do último passeio de um oficial só


Tenho a manhã do dia 15 por minha conta, a leitura do Ellery Queen está a encher-me as medidas, sinto necessidade de me passear no meio da sublime arte africana e vasculhar papéis. Despeço-me da Elzira e do Emílio, estou de regresso antes da uma da tarde, para seguirmos para Bissalanca. Desço o bairro, em minutos estou na Praça do Império, olho sempre intrigado para aquele monumento que comemora a pacificação da Guiné, em 1936, uma viga colossal de pedra que parece vigiar o Geba ao fundo; e entro no Centro de Estudos, uma casa onde já me sinto bem. Compro os boletins que D. Violete me pediu e começo a cirandar, ocioso, à volta das estantes. Por puro acaso, encontro uma fotografia de Abdul Indjai, em pose de estado, magnífico, quase luxurioso.
A obra intitula-se Memória da Província da Guiné destinada à Exposição Inter-Alliada, de Paris, por Armando Augusto Gonçalves de Moraes e Castro, Bolama, Imprensa Nacional,1925.Encontrei aqui um parágrafo assombroso:«A Guiné é, de facto, a mais rica das nossas Províncias africanas nas possibilidades de produção agrícola.Quem for activo e inteligente,quem tiver na vida o grande sonho de vir a ser rico pelo esforço próprio-aqui encontrará o El-Dorado das suas legítimas ambições.»Esta fotografia mostra-nos o Bissau Velho, confirmo o que anotei nos meus cadernos e escrevi nos aerogramos: é a arquitectura que se encontrava em Mortágua, Mangualde ou Penalva do Castelo. Tenho saudades de me passear no Bissau Velho,onde comprei livros, música e alguma roupa (BS).


Depois sento-me a ler um relatório de 1890, escrito pelo então governador interino Joaquim da Graça Correia e Lança. Passo para o meu caderninho viajante o seguinte: “Ainda recentemente em Geba terminou uma luta que nos convence que não podemos contar com a afeição dos fulas pretos. Mussá Muló praticou tais violências que Ambucu, régulo de Ganadu, os expulsou dos seus territórios. Corrae, irmão de Ambucu, que via em Mussá Muló o verdadeiro senhor do território fula de Geba, sonhava com a independência deste presídio, sob a autoridade daquele régulo. Corrae pretendia declarar guerra ao presídio de Geba e o pretexto que encontrou foi a protecção dada pelo Governo aos mandingas e beafadas, que recentemente tinham fundado duas tabancas em São Belchior e Sambel Nhantá. Na sequência, o chefe de Geba convocou os régulos aliados a pegar em armas contra o rebelde Corrae. Este foi derrotado e deportado para Moçambique”.

Arrumo este relatório e logo me desperta a atenção dois artigos, um sobre a Guiné em 1893 e outro referente ao período 1907-1908, ambos publicados na Revista Militar, em 1946. O tenente-coronel José Augusto Velez. Falando de 1893 escreve que a guarnição militar era constituída por três companhias de polícia, sediadas em Bolama, Bissau e Geba e que havia três postos militares, um no chão dos mandingas, nas margens do Geba, Sambel Nhantá; outro no chão dos beafadas, em Sambel Chior; e mais um outro no chão dos fulas, o de Bula.

É bem curioso o artigo do brigadeiro Nunes da Ponte sobre a Guiné de 1907-1908. Escreve ele, e eu registo metodicamente: “A ilha de Bissau, com 35 km de comprido e 10 de largura não era suficientemente conhecida porque nunca tinha sido explorada. Nem mesmo se sabia ao certo qual a sua população, então avaliada em oito mil homens, distribuídos por grande número de tabancas, das quais as principais eram Intim, Bandim, Safim, Contume e Antula, todas impenetráveis ao branco”. E, mais adiante: “Não havia uma carta regular da ilha. A Praça de São José de Bissau era insignificante como povoação. Era triste, lúgubre, soturno o aspecto daquele pequeno aglomerado populacional. A vista esbarrava-se contra a muralha escura, de traçado rectangular, com um baluarte em cada ângulo, que cercava a Praça em toda a extensão, contornada por fosso largo e profundo”. Olho para o relógio, está na hora de regressar.



Despedi-me da Cristina no cais da Rocha do Conde de Óbidos em 24 de Julho de 1968. Espero vê-la dentro de uma hora. Neste momento nem me ocorre pensar que a lua de mel vai desaguar no internamento da neuropsiquiatria. O importante é que tudo vai mudar, espero em Agosto regressar a Lisboa e aos estudos. Caminho pensativo com a sorte que está reservada aos meus soldados, de quem me irei separar e muito provavelmente perder-lhes o rasto. Vou pensativo, é injusto viver-se, partilhar-se tanto sofrimento em conjunto e depois afastarmo-nos.

E lá vamos os três a conversar em voz alta, a caminho de Bissalanca. O padrinho Emílio não deixa de observar:
- Sê gentil, já não estás na guerra. Que a Cristina não se aperceba da guerra durante este tempo.
___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2902: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (33): A correspondência epistolar na véspera do meu casamento

Por razões de viagem ao estrangeiro do editor L.G., que tem esta série a seu cargo, não se publicou, na semana passada, o episódio nº 34. As nossas desculpas ao Mário e aos seus fãs.

sábado, 14 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2944: Convívios (66): Pessoal da CCAÇ 2382, no dia 3 de Maio de 2008 na Vila de Óbidos (Manuel Batista Traquina)



Manuel Traquina
ex-Fur Mil
CCAÇ 2382
Buba
1968/70



Fotografia de família dos ex-militares que compareceram ao Encontro da CCAÇ 2382, dia 3 de Maio de 2008 na lindíssima Vila de Óbidos. Com orgulho empunham o seu estandarte

Foto: © Manuel Traquina (2008). Direitos reservados.

1. Companhia de Caçadores 2382
Guiné 1968/70


Realizou-se no passado dia 3 de Maio na bonita e histórica Vila de Óbidos o habitual Almoço de Convívio da CCAÇ 2382. Lamenta-se a falta de alguns dos elementos desta Companhia, no entanto entre os presentes reinou a alegria e boa disposição.

De um dos participantes partiu a ideia de uma viagem à Guiné, procedeu-se a uma recolha dos nomes dos interessados, ao que parece todos querem ir…

Na igreja local foi rezada uma missa por todos os ex-combatentes que já não estão entre nós, e benzida uma bandeira com o distintivo da Companhia.

No próximo ano o convívio terá lugar na cidade de Abrantes juntamente com a CCAÇ 2381, onde será organizada uma visita ao aquartelamento mobilizador, na época Regimento de Infantaria 2, actualmente Regimento de Cavalaria de Abrantes.

Manuel Batista Traquina

Guiné 63/74 - P2943: Convívios (65): Pessoal da CCAÇ 4740, dia 21 de Junho em Fátima (António Graça de Abreu)




António Graça de Abreu
Alf Mil
CAOP 1
Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar
1972/74.


1. Hoje, 14 de Junho de 2008, recebemos uma mensagem, com pedido de publicação urgente, do nosso camarada António Graça Abreu

Meus caros Luis Graça, Briote e Vinhal
Peço-vos que publiquem este texto com alguma urgência, o Encontro da CCAÇ 4740 é já no próximo sábado, dia 21.

Quanto às quadras em anexo, poderão ser incluidas em qualquer outra altura no blog.

Um abraço,
António Graça de Abreu


2. Caríssimos tertulianos

No próximo sábado, 21 de Junho, o pessoal da CCAÇ 4740, mais uns tantos cufarianos (homens de Cufar, Guiné- Bissau, 1972-74), estaremos em Fátima para o encontro anual da Companhia. Bem podemos agradecer à Senhora de Fátima, à sorte, ao engenho das NT, ao real poder das forças militares em confronto, o facto de, numa situação extrema de uma dura guerra de guerrilha, no Tombali/Cantanhez, Guiné 1974-74, cento e oitenta homens que tinham à sua guarda um importante aeroporto militar, populações guineenses nas aldeias de Cufar e Mato Farroba, a acção psicológica, o apoio logístico a quase todo o Sul da Guiné, a participação com outras unidades em operações militares, enfim as emboscadas, a defesa do aquartelamento face às muitas flagelações a que fomos sujeitos, dizia eu que bem podemos agradecer o facto real de uma Companhia de Caçadores nestas condições não ter tido um único morto em combate.

O meu amigo, Cap Mil João Dias da Silva, levou todos os seus homens vivos para a Guiné e trouxe-os todos vivos, para Portugal.

Não sou capaz de entender o colapso militar da tropas portuguesas na Guiné, em 1973/74, não sou capaz de entender a guerra militarmente perdida.

E o capitão Dias da Silva sabia, como já então muitos de nós, que aquela guerra estava politicamente perdida (por amor de Deus, não façam mais confusões!) há muitos anos, que a solução da guerra na Guiné era política e não militar.

Defendemo-nos honestamente, entendemos as forças em disputa, lutámos a contragosto, mas tinha de ser. Ideologicamente estávamos certamente mais do lado dos guerrilheiros do PAIGC do que de Marcello Caetano, de Spínola, de Costa Gomes e quejandos. E temos muito que contar.

Não nos apelidem de cobardes, não fomos derrotados, não perdemos militarmente a guerra.

Também por isso vamos estar todos em Fátima, para um abraço do fundo do melhor dos nossos corações.

Saudações a todos os tertulianos.
António Graça de Abreu

Guiné 63/74 - P2942: O Nosso Livro de Visitas (16): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Guiné 1972/74)

1. No dia 8 de Junho, recebemos esta mensagem de Belarmino Sardinha

Camaradas, Companheiros, Amigos,
Já tinha estabelecido contacto dia 04, mas a precipitação ou não sei o quê, vocês compreendem, levou-me a escrever para o e-mail do Luís Graça.

Só agora tomei conhecimento deste blogue que me parece muito bem elaborado, mas mesmo que o não estivesse, merecia o meu apreço pelo esforço feito por quem se dedica a procurar juntar-nos e a reunir já tanta, mas ainda tão pouca informação.

Irei ao meu baú, ao sótão ao que necessário for para ver se lá encontro alguma coisa, talvez umas fotos.

Darei notícias logo que consiga descobrir o que os anos vão apagando ou vai ficando esquecido com o nascer de novas vidas e as preocupações do dia-a-dia.

Pode ser que ajude a incentivar outros a aparecerem ou a falarem daquilo que conhecem melhor do que eu. Tenho umas fotos que tirei no encontro do BCAÇ 3832, reunido em almoço no dia 31 de Maio de 2008. Será que interessa?

Fui 1.º Cabo Radiotelegrafista STM - 036858/71 - e estive colocado em Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau nos anos de 1972/74.

Curiosamente estava de serviço no Posto Director de Bissau e em contacto com o operador de Gadamael no dia e hora em que capitulou.

Não tenho história, estivemos em contacto no máximo de uma hora, mas por breves minutos, tais as interrupções constantes pedidas por causa de (AT) até deixar de receber qualquer sinal.
Esse camarada, eu e mais 14, tínhamos ido para a Guiné em 17 de Junho de 1972.

Vi que consta da lista da Tabanca um elemento da 38.ª de Comandos.
Estive com eles em Mansoa. Ele tem por certo conhecimento de factos interessantes, pelo menos de alguns que ajudam a lembrar camaradas que já não estão connosco, como o Barreiros e o "velho" ex-legião estrangeira cujo nome não me ocorre.
Chamados para darem apoio a uma situação, salvo erro em Nova Lamego, ao saltarem das viaturas encaixaram os cintos e despoletaram as granadas.
Não só foram vítimas como fizeram 14 feridos. Mas melhor do que eu poderá ele contar esse e muitos outros casos, se o entender.

Falo deste por ter sido um companheiro que muito estimava, não só por ser alentejano como eu, outros havia como o Pateiro, ou o Silva cujo destino também o devolveu num caixão, mas porque privava em copos e tertúlias com ele.

Para quem estava em rendição individual e não pertencia a nenhum Batalhão ou Companhia, perdi amigos demais.

Independentemente de tudo, um grande abraço para todos, em especial para os autores desta iniciativa.
Belarmino Sardinha

2. No dia 14 foi enviada mensagem ao Belarmino

Caro Belarmino

Fizeste muito bem em comunicar connosco, pois cada camarada que aparece de novo é o renovar deste grupo de ex-militares que querem deixar escrita a história da guerra da Guiné.

Terás concerteza experiências vividas para partilhar com os restantes camaradas.

Se atravessaste na Guiné o pós vinte e cinco de Abril, podes ajudar a escrever essa parte da história nosso blogue, porque não temos muitas narrativas desse período de fim de guerra e transição do poder para o PAIGC.

Se tiveres fotos desses tempos, podes enviar (devidamente legendadas)e ao mesmo tempo contares as estórias subjacentes.

Para seres admitido formalmente na Tabanca Grande, envia uma foto do teu tempo de Guiné e outra actualizada, de preferência tipo passe, e conta algo mais de ti, como por exemplo, datas de ida para a Guiné e regresso. Locais por onde andaste, Unidades que integraste, etc.

Na nossa Página, do lado esquerdo poderás tomar conhecimento das nossas normas de conduta e dos fins a que se destina o nosso Blogue.

Deixo-te um abraço em nome dos editores da Tertúlia e esperamos notícias tuas.
Carlos Vinhal

Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro

Guiné - Vitória ou Derrota?


Eduardo José Magalhães Ribeiro
Ex-Furriel Miliciano de Operações Especiais (Ranger)
da CCS do BCAÇ 4612/74 (Mansoa)


Da esquerda para a direita, os rangers Capitão Sampedro e os Furriéis Chapouto, Ribeiro, Reis e Casimiro. Montemor-o-Novo > Ameira >Hotel da Ameira > 14 de Outubro de 2006 > 1ª reunião da tertúlia Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Uma questão polémica que se levanta nas conversas, de vez em quando, entre aqueles que de algum modo se interessam pelo tema -"Guerra do Ultramar: rente da Guiné", é se a tínhamos perdido militarmente no terreno, ou não.

Felizmente, são vários os intervenientes neste conflito que têm vindo a participar com as suas experiências e os seus testemunhos, escritos e fotográficos, com o estudo e análise literária de relatos, estórias, fotos, etc., na catarse desta face da guerra que atravessámos em África.

Na minha modesta opinião pessoal, atrevo-me a dizer que qualquer esboço de uma resposta a esta dúvida permanecerá eternamente inconclusiva. Felizmente para mim, por motivos óbvios (caso a guerra continuasse eu estava condenado a estar na Guiné pelo menos nos anos de 1974 e 1975), já que, como todos sabemos, todas as hostilidades, naquela pequena parcela de terra, terminaram com o 25 de Abril de 1974.


Cópias do jornal O Diabo, de data não referenciada. Entrevista ao Comandante da Marinha Rebordão de Brito.


Para basear a afirmação contida no parágrafo anterior, junto cópias de um documento que faz parte da diversa documentação que eu possuo no meu arquivo pessoal, sobre este famoso, mítico e inconclusivo capítulo da recente História de Portugal.

Muito agradecido ficava que me comunicassem, se alguém conhece algum desmentido oficial e escrito, sobre as afirmações contidas no dito documento, pelas entidades máximas da Guiné pós-libertação.

Deixo, à análise e conclusão pessoal de cada um, a evidência histórica dos factos relatados, pouco ou nada explorados nos debates, colóquios e seminários a que tenho assistido.

O artigo foi publicado no jornal O Diabo.
___________

Nota de vb:


Vd. artigos relacionados em:
13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)
12 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.
31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.
^
29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

Guiné 63/74 - P2940: FLING, mito ou realidade ? (3). Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa.

F.L.I.N.G., MITO OU REALIDADE? (2)
Eduardo José Magalhães RibeiroEx-Furriel Miliciano de Operações Especiais (RANGER)
da C.C.S. do B. Caç. 4612/74 (Mansoa)

No postado P2818 onde descrevi aquilo que sei sobre os rumores que corriam em Bissau, de uma eventual ameaça de boicote pela F.L.I.N.G às cerimónias oficiais da entrega unilateral ao P.A.I.G.C., da soberania territorial da Guiné em 9 de Setembro de 1974, tendo este facto originado a sua transferência para Mansoa, faltaram-me mencionar 2 factos que vou agora acrescentar e que, creio eu, reforçam sobremodo as ideias que então ali exprimi de uma séria tomada de consideração (nomeadamente por parte do P.A.I.G.C.), dos ditos rumores.

1 - Foto histórica
Na foto abaixo pode ver-se, inequivocamente, um furriel da C.C.S. do Batalhão 4612/74, a entregar nas mãos de um guerrilheiro do PAIGC, se bem me lembro, uma metralhadora HK-21. Esta arma portuguesa, foi uma das diversas armas cedidas a elementos do P.A.I.G.C., nos momentos imediatamente anteriores ao início das mencionadas cerimónias, para montarem um sistema defensivo no quartel, que se espalhou por vários pontos estrategicamente seleccionados conjuntamente.


Um Furriel do BCaç 4612 a ceder uma HK-21 (?) a um elemento das FARPs (?). Foto: © Magalhães Ribeiro (2008). Direitos reservados.

2 - Tropas da Guiné Conakry

Outro facto de que me recordo perfeitamente, pela espanto que me provocou, foi que, ao contactar com vários dos guerrilheiros do P.A.I.G.C., que faziam parte da guarda de honra nesse dia, verifiquei que um grande número deles não entendiam nada de português, e nada ou quase nada de crioulo.
Só entendiam e falavam francês!

De onde são vocês? - perguntei eu.
- Somos da Guiné Conakry!

Afinal, após quase cinco meses sobre o 25 de Abril, onde estavam as forças do P.A.I.G.C.?

Termino agradecendo um precioso e importante esclarecimento do J.C. Abreu dos Santos, que num oportuno comentário inserido no postado P2818, sobre a minha dúvida, em relação ao que eu ali dissera que; com o embarque do meu batalhão no navio UÍGE, apenas ficara no terreno um pequeno destacamento da Marinha, acrescentou o seguinte: "Aqui chegado, e de memória, adito que: além do citado destacamento da Marinha de Guerra, ficou também na (já então) Guiné-Bissau um destacamento da Força Aérea Portuguesa, salvo erro, com helicópteros AL-III.
__________

Notas:
1. Adaptação do texto da responsabilidade de vb.
2. Artigos relacionados em

9 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2826: FLING, mito ou realidade ? (2): Africanos contra africanos... (A. Marques Lopes)
7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2818: FLING, mito ou realidade ? (1) (Magalhães Ribeiro, Fur Mil Op Esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa)

Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (3): Guidage (João Dias da Silva, ex-alf mil op esp,, CCAÇ 4150, 1973/74)

Damos início a uma nova série (No 25 de Abril eu estava em...). Apelamos à contribuição de todos os que quiserem e puderem dar o seu testemunho, directo, pessoal, de como os acontecimentos foram vividos em 25 de Abril de 1974, na Guiné (vb).


O 25 de Abril em Guidage


Mensagem de João Dias da Silva (1) , de 27 de Maio último:

Meus caros,

O prometido é devido e aqui estou a dar sinal de vida.

Comemorámos há pouco mais de um mês o 34.º aniversário do 25 de Abril de 1974. Propositadamente utilizei a forma verbal comemorámos em vez de comemorou-se. É que este é muito impessoal, é sinónimo de algo que outros fizeram ou organizaram, enquanto que comemorámos significa que cada um se empenhou em comemorar aquele acontecimento da forma que melhor entendeu e pelas mais variadas razões, sejam elas quais forem, pela positiva ou pela negativa, pois cada um, desde aquela data, é livre de o fazer em obediência aos ditames das suas convicções e opiniões.

E refiro este aspecto porque me tenho apercebido que têm sido expressas no nosso blogue opiniões bem diferentes, antagónicas mesmo, acerca de diversos assuntos, por vezes de uma forma bastante apaixonada que, pensava eu, um período de 34 anos já teria moderado.

Os historiadores é que sabem quando afirmam que é necessário deixar passar sobre os factos o tempo suficiente para que haja um distanciamento tal que permita à razão sobrepor-se à emoção, ou seja, pensar mais com a cabeça do que com o coração.

De todo o modo, mesmo que se esgotem todos os motivos para comemorar o 25 de Abril, eu terei sempre pelo menos um para o comemorar – a minha comissão durou apenas um ano porque, entretanto, ocorreu a queda do regime.

É frequente ouvir-se ou fazer-se a pergunta: onde estavas no 25 de Abril? Eu estava em Guidaje.

O 25 de Abril em Guidaje e primeiras consequências

Respigando uma ou outra das minhas poucas notas pessoais e consultando alguns documentos (apenas as transcrições manuais feitas na altura, mantendo as pontuações e os erros ortográficos, porque os originais ficaram nas pastas de arquivo respectivas) os ecos do 25 de Abril chegaram a Guidage titubeantes, mas logo começaram a produzir efeitos.

Para nos situarmos, será bom relembrar que nesta altura a guarnição de Guidage era composta por duas companhias – a CCaç 19 (africana) e a CCaç 4150 – e um pelotão de artilharia.

25 de Abril de 1974 – Parece que hoje houve um GOLPE DE ESTADO MILITAR, em Lisboa.
Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do COM-CHEFE (Brig Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos, com o seguinte texto:





Mensagem vinda do Com-Chefe

AGÊNCIAS NOTICIOSAS INFORMAM QUE GOVERNO PROFESSOR MARCELO CAETANO FOI DERRUBADO POR MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS. NÃO RECEBIDA QUALQUER COMUNICAÇÃO OFICIAL. ADMITINDO QUE IN POSSA TENTAR EXPLORAR SITUAÇÃO INCREMENTO SUA ACTIVIDADE SUBVERSIVA. TODOS OS COMANDOS DEVEM ADOPTAR MÁXIMA VIGILÂNCIA E GARANTIR PRONTA CAPACIDADE REACÇÃO. COMANDANTES UNIDADES SÓ DEVEM RESPEITAR ORDENS QUE RECEBAM APÓS RIGOROSA AUTENTICAÇÃO SUA ORDEM. AUTENTICADO.
Transcrição manual da mensagem original, em impresso normalizado

26 de Abril de 1974 – Farim embrulhou às 6H00.

Continuámos a aguardar com certa ansiedade notícias daquilo que se está a passar na Metrópole quer no RCP (emissor do Movimento das Forças Armadas – é agora a emissora oficial), quer na BBC.

O Gen. Spínola deu uma entrevista sintética. Saiu o 1.º COMUNICADO oficial com o programa. É sensacional, se for cumprido integralmente. A situação ainda não está bem definida. Aguardemos. Recebemos uma MSG do COMCHEFE interino da Guiné (o Gen B. Rodrigues foi-se...).

27 de Abril de 1974 – É dia de descanso.

Saíram comunicados do Instituto Superior Técnico e da Conferência Episcopal dos Bispos reunidos em Fátima. Tudo parece encaminhado no melhor sentido e sem vítimas.

Ontem de manhã (soube-se hoje) o Batalhão de de Pára-quedistas de Bissau cercou discretamente o Palácio do Com-Chefe enquanto a PM mantinha a ordem no seu interior.

Entrou uma comissão pró-Movimento das Forças Armadas que obrigou o Gen B. Rodrigues a demitir-se. À tarde, acompanhado por um Brigadeiro e dois Coronéis (entre eles Vaz Antunes), que não aderiram ao movimento, embarcou escoltado por Páras para Cabo Verde onde todos estão exilados.
 
O Comodoro Almeida Brandão é o actual CMDT interino da Guiné e o Ten Cor Eng de TRMS Mateus da Silva o representante do Novo Governo na Guiné.

4 de Maio de 1974 – Fomos flagelados com armas pesadas.

Algum grupo de guerrilheiros do PAIGC, em deslocação do interior da Guiné, pelo corredor de Sambuaiá, para a sua base do Kumbamori (Senegal), provavelmente desconhecedor dos últimos acontecimentos políticos, aliviou-se do peso das granadas, até porque já estavam perto da fronteira, descarregando-as sobre nós.

26 de Maio de 1974 – A FORMAÇÃO da CCaç 19 entregou ao Cap Carvalho um comunicado que se encontra no "Dossier – GUINÉ".

Ex.mo CAPITÃO
Excelência

Com o maior respeito e compreensão, nós todos aqui presentes, que acabamos por compreender a situação indigna em que nos encontramos, e que queremos fazer tudo que seja natural para nos desembaraçarmos da mesma, pelo futuro melhor do nosso povo e do próprio povo português, decidimos desde então abandonar as Armas e ir participar na mobilização das massas populares da nossa terra.

Visto que é mesmo necessário fazer o nosso povo conhecer a realidade, a qual, foi-lhe sempre escondida e disfarçada durante longos anos de dominação fascista e colonialista. Queremos a Paz e para que haja tal é preciso uma independência da nossa terra. Aliás a independência é a maior aspiração do nosso povo, isto sabe-se mesmo na forma como eles têm lutado nos tempos presentes da Liberdade. E se tal é a vontade do nosso povo, nós não temos nenhuma razão de lutar conta quem a defende. Queremos pelo contrário, facilitar a obtenção de tais direitos de todos os povos do mundo.

Em nome do povo português e de todas as forças amantes da Paz, pedimos a Sua Ex.ª, a maior colaboração para atingirmos o nosso desejo pacífico. Esperamos com maior certeza que as autoridades competentes nos compreenderão.
Para terminar damos os nossos gritos de:

Viva o povo português
Viva a Paz
Viva a Junta de Salvação Nacional
Viva a Liberdade
Viva Portugal progressista
Glória ao imortal herói do nosso povo e de África:
Camarada AMÍLCAR CABRAL


O referido documento, segundo a transcrição manual que fiz na altura

28 de Maio de 1974 – Houve festa em Guidage.
Desde 1968 que não havia batuque devido à guerrilha, pois quando se fazia batuque havia, geralmente, um ataque, por isso...

31 de Maio de 1974 – Carta ao Cap Carvalho de DUKE DJASSY. Encontra-se no "Dossier –GUINÉ".

FRENTE S. DOMINGOS – SAMBUAIÁ

COMBANG'HOR, 31 MAIO 1974

Ex.mo Senhor
CMTE FORÇAS PORTUGUESAS
Em GUIDAGE

Em primeiro lugar os nossos mais sinceros votos de boa disponibilidade na recepção desta carta intrépida.

Tendo escutado, hoje, atentamente o vosso interlocutor, tomei conhecimento, e em nome do Comando Militar da nossa região, decidi rabiscar, no interesse de ambas as partes, as possibilidades que facilitarão o nosso eventual encontro. A vossa iniciativa desfruta grande admiração por nossa parte, que a única razão de nos estarmos batendo foi sempre e sempre será pela conquista da nossa dignidade e liberdade.

Nesta luta que escolhemos como única saída possível naquele momento de desespero, nela se encontra bem definida os interesses que nos identificam com o grande Povo Português, que aliás era vítima da mesma fera "o Colonialismo Fascista". Por isso ele, o Povo de Portugal, é o nosso primeiro aliado e hoje então é uma realidade.

Se o Sr. Comandante faz parte deste bom povo, é por certo que tecemos dos dois lados uma participação franca e de amizade neste contacto no futuro próximo.

Podíamos naturalmente, fazer os demais pormenores concernentes a este convite mas, claro está, não queremos que o mensageiro explore com astúcias as posições de ideias que nos unem e por isso preferimos fazê-lo depois de recebida a vossa resposta.

Sr. Comandante! Nós que não fazemos a guerra pela guerra, nós que nunca confundimos nem confundiremos povo com regime dum governo, nós que temos um critério eloquente entre o indivíduo e sistema político, a nossa participação nesta nova situação regional que ensaiamos criar, como aquele que no topo, em Londres, se desenrola.

A nossa parte não tem poupança de esforços no que se vai construir a Paz, que tudo ao nosso alcance será metido em acção.
Enfim, tudo depende do vosso lado, na espera duma resposta de confirmação e afirmativa.

VIVA PORTUGAL LIVRE!
VIVA O PAIGC!
QUE A VITÓRIA FINAL SERÁ DOS POVOS!
Obrigado prévio
Do camarada franco

a) DUKE DJASSY
Comissário Político Militar
CE 199 e 70

N.B. – Este, DUKE DJASSY, é a minha alcunha, porque o meu nome é Leopoldo António Luís Alfama


Carta-resposta a uma mensagem a solicitar um encontro (ou coisa do género, se bem me recordo, mas cujo conteúdo já não tenho presente, nem possuo qualquer documento), que o Cap. Carvalho (António Eduardo Gouveia Carvalho, Comandante da CCaç 19) fez chegar, através de um mensageiro, a DUKE DJASSY, Comissário Político do PAIGC.

1 de Junho de 1974 – Resposta do Cap. Carvalho. Encontra-se no "Dossier - GUINÉ".

GUIDAGE
1 Junho de 1974

CAMARADA DUKE DJASSY

Começo por pedir desculpa do tratamento que lhe dou no cabeçalho. Poderá parecer incongruente da minha parte tratá-lo por camarada, a si, que com todos esses bravos combatentes durante anos e anos consecutivos, no meio das maiores privações e sacrifícios, lutaram para conseguir a liberdade deste povo oprimido e explorado por todos os camaleões do antigo regime "Colonialista fascista" que no momento mais alto da história do meu povo, foi derrubado pela união das Forças Armadas – Povo.

Dizia eu, portanto, que não me sinto com a força moral necessária e suficiente de o tratar por "camarada", mas sinceramente é assim que me dá prazer tratá-lo. Era assim que eu gostaria de o ter tratado ao lutar na mesma causa comum, infelizmente as minhas afinidades familiares sobrepuseram-se aos meus ideais políticos e eis a razão porque me encontro num exército que durante anos serviu um governo opressor dos povos africanos que lutaram pela sua liberdade, LIBERDADE essa prestes a ser atingida.

Tentei, portanto, integrado num exército, lutar com palavras, palavras de mentalização aos homens que me estão confiados, tentando informá-los da verdade e da justiça duma guerra em que eles estão inseridos, única e simplesmente, pela falta de informação, que nunca lhes foi confiada e prestada, e o que é ainda mais desumano, comprados à custa de dinheiro.
Como concerteza está informado, é esse dinheiro com que o governo deposto comprou a consciência de milhares de guinéus, que faz com que alguns deles, mesmo agora, tenham uma certa relutância em aceitar a LIBERDADE e a INDEPENDÊNCIA pela qual os vossos valorosos combatentes se bateram.

Será que eles são culpados? Não, só esse governo odioso, poderá abarcar com todas as responsabilidades, pois esse mesmo governo, que montou toda a máquina económico-política para deformar e comprar a consciência humana. É por isso que eu admiro todos os homens que se conseguiram libertar das algemas que os acorrentavam.
Ao ver tão próxima a liberdade por nós desejada continuo na minha mentalização a esses homens enganados, estando convencido que estou a lutar por uma causa comum e é a única causa justa. Tentando dissipar possíveis animosidades criadas durante estes anos entre homens do meu povo que deveriam ter lutado em comum, e só o não fizeram pelo facto de terem sido levados por esses agressores dos povos.
Deve, portanto, camarada deduzir que é uma honra incalculável se conhecer e falar com um dos bravos combatentes desse glorioso Partido que é o vosso. Devido, portanto, à situação especial de Guidage, ter sob o meu comando uma Companhia Armada por homens do vosso Povo, acharia conveniente, se o camarada concordar, encontrarmo-nos, nesta primeira fase, em território senegalês, num local por vós escolhido.

Estando certo que sempre nos uniu a mesma causa, apesar das situações antagónicas em que nos encontramos, espero esse encontro com a maior ansiedade e a maior brevidade possível.

VIVA A REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU!
Viva o glorioso PAIGC!
VIVA PORTUGAL LIVRE!
VIVA A LIBERDADE ADQUIRIDA PELOS DOIS POVOS OPRIMIDOS!

Do camarada que sempre admirou a causa por que vos lutastes.

a) António Eduardo Gouveia Carvalho
Capitão Miliciano de Infantaria


2 de Junho de 1974 – Veio hoje a Guidage um carro civil de Carlos Vieira (irmão do Nino Vieira, que se encontra estabelecido em Binta com negócios diversos) vender/trazer mantimentos à população, o que não acontecia desde o início da guerra.

Proposta de Duke Djassy. Encontra-se no "Dossier – GUINÉ".

2 Junho de 1974

CAMARADA ANTÓNIO EDUARDO

Saudações fraternais

Acuso ter recebido ontem carta sua, a qual, causou grande emoção, tanto a mim pessoalmente, como a todos aqueles que tiveram a possibilidade de a ler.
Mas espero que o mais importante ainda será o dia da nossa entrevista.
Por isso, quero previamente prevenir-lhe, que estarei acompanhado com mais dois ou três camaradas responsáveis, os quais, não foram, todavia, indicados pela direcção do Partido.
Gostaria que esse encontro tivesse lugar no dia 5 do corrente mês a partir das 17.00 hora TMG (quer dizer, 4.00 horas da tarde na Guiné).
Mas caso o Sr. achar qualquer inconveniente no tempo e lugar escolhidos, convém assinalar logo.
O local será entre as tabancas senegalesas de BEILAN e SECONAIA.
Aceite um abraço do camarada amigo

a) DUKE DJASSY

Seguiu oralmente, através de mensageiro, a resposta do Cap Carvalho a solicitar que tal encontro se efectuasse junto à tabanca senegalesa de MARIÁ, pois aquelas estão muito longe, e a informar que ia acompanhado por mais colegas.

4 de Junho de 1974 – O Carlos Vieira quase todos os dias tem mandado uma camioneta para reabastecer o comércio civil.

5 de Junho de 1974 – À tarde lá foram (Dossier – GUINÉ) ao encontro, na tabanca senegalesa de MARIÁ:

- Cap António Eduardo Gouveia Carvalho – CMDT CCaç 19
- Alf Vítor Manuel Pereira Abreu – CMDT 3.º GR da CCaç 4150
- Alf Luís Socorro Almeida – CMDT 4.º Gr da CCaç 19
- Fur Lopes Pereira – Agente PIM em Guidage
- PATRÃO SONCO
- ANCHEU (FG 12) – Mensageiro, habitante de Mariá

com os elementos do PAIGC:

- DUKE DJASSY (Leopoldo António Luís Alfama, cabo-verdiano) – Comissário Político da Região S. Domingos – Sambuaiá
- MANUEL DOS SANTOS (MANECAS, cabo-verdiano) – Comissário Político da Zona Norte
- BRAIMA DJALÓ (Natural de Bolama) – Cap do Exército e membro do C.E.L.
- 2 CMDT DE BIGRUPO

Não possuo qualquer documento ou referência ao resultado deste encontro, nem me recordo de termos falado o que quer que fosse. Recordo, no entanto, que passados poucos dias o Comissário Duke Djassy veio ao Aquartelamento de Guidage, provavelmente para novo encontro. Nada sei da evolução destes contactos, até porque fomos para Bissau (COMBIS) no dia 4 de Julho de 1974.

15 de Junho de 1974 – À tarde houve um jogo de futebol entre os moços (12/13 anos) de Guidage e do Senegal. É de salientar o contraste: enquanto os de cá falavam mandinga (só falam português connosco e nem todos), os do Senegal falavam francês, correctamente. É sintomático...

1 de Julho de 1974 – Encontro na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3.

EM 011000JUL74, CMDT CE 199/E/70 QUECUTA MANÉ E SEUS COMISSÁRIOS POLÍTICOS DUKE DJASSY E MANUEL DOS SANTOS (MANECAS) ACOMPANHADOS DE ELEMENTOS ARMADOS DO PAIGC ENCONTRARAM-SE COM O CMDT, OFICIAIS E SARGENTOS DO COP3, NA REG. DA BOLANHA DE NENECÓ, ONDE FORAM DEFINIDOS NOS SEGUINTES TERMOS A SUA LINHA DE CONDUTA:

- Que se o Gen. Spínola visitar a Guiné dará origem ao reinício da luta.

- Que o cessar-fogo por parte do PAIGC é da responsabilidade dos combatentes, dado não terem recebido directivas do S. G. nesse sentido, pelo que poderão recomeçar a luta quando o entenderem.

- Pretendem estabelecer contactos permanentes com metropolitanos, tropas africanas e Pop., pelo que solicitam autorização para enviar equipas de Com. Pol. para GANTURÉ – BIGENE – BARRO e BINTA – GUIDAGE.

- Que consideram a guerra como último argumento e que condenam a violência.

- Que não reiniciarão a luta armada sem aviso prévio e com antecedência às NT.

- Não têm grande esperança em que o diferendo seja resolvido entre o Governo Provisório e o PAIGC pelo que a solução final deverá ser forçada pelas NT que prestam serviço na Guiné.

- Que inicialmente pretendiam apenas contactar quadros metropolitanos, mas que agora pretendem também contactar Tropas Africanas, no sentido de as mesmas entregarem as armas, deixando de colaborar com as NT.

- Não querem voltar à guerra mas que têm um objectivo a conseguir, pelo que serão novamente guerrilheiros se essa for a última solução para conseguir o seu objectivo.

Não sei o que foi tratado neste encontro, mas tive acesso a este documento, que parece ser, pelo seu conteúdo, um memorando de ideias/convicções apresentado pelos dirigentes do PAIGC presentes no encontro com pessoal do COP3 (Bigene), cujos nomes não recordo, mas que era comandado pelo Major Carlos Alberto da Costa Campos.

4 de Julho de 1974 – Deixámos Guidage e fomos para Bissau (COMBIS).

Não fora o 25 de Abril e certamente que esta viagem só teria ocorrido um ano, no mínimo, mais tarde.

E hoje fico-me por aqui. Voltaremos a encontrar-nos.

Um abraço do
JOÃO DIAS DA SILVA.
__________

Notas de vb:
Adaptação do texto da responsabilidade de vb;

(1) Artigo relacionado em
6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2812: Tabanca Grande (66): João Dias da Silva, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 4150 (Guiné 1973/74)

Guiné 63/74 - P2938: Estórias do Juvenal Amado (11): Galomaro, Bambadinca, Cancolim e Gabu (Juvenal Amado)

Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro
1972/74


1. Em 9 de Junho recebemos do nosso camarada Juvenal Amado mais uma das suas estórias.

Caro Carlos e restante Tabanca Grande
Fiquei impressionado com o relato das condições em que se encontra o nosso camarada Rodrigues.

Pelo o que eu me lembro dele, já naquele tempo era uma pessoa muito instável. Nunca deveria ter sido exposto às situações que passou na Guiné.

Não acredito que se vá a tempo de fazer algo por ele, mas bem haja o camarada que o foi ver e tentar ajudar.

Um abraço para toda a Tabanca
Juvenal Amado


2. Galomaro, Bambadinca, Cancolim e Gabu.
Por Juvenal Amado

A coluna vinda de Cancolim está parada do lado de fora do nosso destacamento. Em cima das viaturas, os homens daquela Companhia aguardam, já estão cheios de pó e suor.

Eu e o Borges já estávamos avisados de que seguiríamos integrados na coluna para Bambadinca, a fim de fazermos o reabastecimento.

Ao anoitecer do dia anterior, o Furriel Claudino, avisou-me para estar preparado com a minha viatura e que levantasse ração de combate para um dia.

Depois de carregarmos géneros alimentares em Bambadinca, seguiríamos para Cancolim.
Regressaremos quando o destacamento voltar a fazer coluna a Galomaro.
Desta vez, no regresso, traríamos dois grupos de pára-quedistas que ali tinham estado de reforço à Companhia.

A Companhia de Cancolim foi daquelas que não foram felizes. O número de ataques, mortos, feridos, doenças várias, bem como o desaparecimento do seu capitão(*), logo no início da Comissão, tinham tornado o destacamento praticamente inoperacional, com pouco mais de dez meses de comissão.
O moral era baixo.

Chegámos já praticamente de noite. Estacionei a minha Berliet com a traseira para a porta do Depósito de Géneros. O meu amigo Correia, apontador de morteiro 81, era o responsável pelo Depósito. Descarregámos e a seguir tomámos um banho de latão, ou banho fula, (**) como lhe chamámos.

A guarnição do morteiro faz turno até à meia noite e é no respectivo abrigo que petisco o resto da ração de combate. De alguma coisa serve ser amigo do Correia, é que ele arranja um pouco de vinho fresco para acompanhar.
Essa noite não ia ser tão calma como desejaríamos.

No posto havia sempre um pequeno rádio que servia, em caso de ataque, para o tiro do morteiro ser coordenado pelo comando.

Nisto ouvem-se vozes vindas do rádio. Não se percebe nada do que dizem, mas o que nos preocupa é que o aparelho é muito limitado na sua captação. Para se estar a ouvir é porque estão muito perto.
Todos os camaradas vão para as valas. As minhas mãos no punho da G3 estão suadas, aliás o suor corre-me pela cara, costas e peito. É da tensão.
Está calor e humidade, é o tempo das chuvas.

Nada se passa de extraordinário e as horas vão passando, até que o estado de alerta é suspenso e nós, a pouco e pouco, vamo-nos deitando.
Eu sou dos últimos e não estou nada descansado.

Começou a chover. É aquela chuva tropical, que mais parece um imenso balde de água que alguém despeja de uma vez. As valas rapidamente enchem de água até aos bordos. Troveja e nisto coincide um relâmpago, com uma explosão fortíssima. Saltámos para as valas e é bom ver em que estado ficámos, todos encharcados de água barrenta. Os páras, embora sendo tropa especial, molharam-se como nós. A chuva não escolhe elites.

Tinha sido um fornilho a rebentar com a trovoada. Fartámos de rir uns dos outros e com umas tolhas, lá resolvemos o assunto.

No dia seguinte os pára-quedistas saíram em patrulha e deparam-se com um grupo de guerrilheiros. Quando estão a posicionar-se para os atacar, apercebem-se que há mais dois grupos, sendo um de artilharia. O IN é numeroso e bem armado demais para aqueles vinte homens.

Contactam o quartel, vamos todos para as valas novamente. São talvez nove horas da manhã, mas já está um calor terrível. Os pára-quedistas recuam e é pedido apoio aéreo. Passado uma hora ou mais, lá aparece um FIAT que dá umas voltas por cima do objectivo e por fim dispara os roquetes na direcção da mata. Regressa a Bissau e nós lá ficámos, mas mais nada acontece. O morteiro 81 faz batimento de zona. Cinco ou seis granadas a espaços.
Parece ser uma coisa sem importância, tal foi a atenção que o Comando da Zona Leste lhe deu.

O almoço é feijoada.
Cancolim não tem refeitório, ou pelo menos ninguém o usa.
O cozinheiro costuma bater numa jante velha e cada um vai com a marmita buscar a refeição, indo comer para onde lhe der mais jeito. Hoje nem toque na jante se ouve, não vão os turras enviarem a sobremesa.

O comer estava intragável, os carneiros (larvas do feijão) dão um aspecto terrível ao molho, tal é a quantidade. Praticamente ninguém come.
Foi distribuída ração de combate para o dia.

No dia seguinte de manhã bem cedo, já nós vamos na picada com os pára-quedistas que levaremos para Nova Lamego (Gabu).

Nessa mesma noite o PAIGC atacou Bafatá com vários foguetões 120 e embora não tenha provocado mortes, o impacto psicológico foi muito mau para nós. Um dos foguetões caiu perto do hospital onde prestava serviço o nosso ex médico(***), não tendo explodido felizmente.

O grupo que efectuou o ataque, foi o mesmo que nós deixámos passar perto de Cancolim um dia antes.

O facto trouxe muitos dissabores ao comandante da Força Pára-quedista que por se encontrar em desvantagem, se furtou ao confronto. Ele entendeu que a vida dos homens dele era mais importante naquele momento e tendo em vista, o fraco apoio aéreo que nos enviaram, eu até estou de acordo com o que ele decidiu.
Seria um sacrifício praticamente inútil, tendo em conta a disparidade das forças.

Já depois do nosso regresso, em conversa com um amigo meu que foi pára-quedista na mesma altura na Guiné, vim a saber que o 2.º sargento que comandava a força em questão, estava ainda a responder por acto de cobardia perante o inimigo.

Faziam de nós carne para canhão, não prestavam o auxilio necessário e ainda à boa ordem Salazarista, exigiam o que nós nos deixássemos matar.

Já na Índia, tinham tentado fazer o mesmo com os camaradas que lá prestavam serviço. O regime queria heróis, nem que fossem mortos.

Juvenal Amado

Notas do autor:
(*) O capitão desta Companhia, após ter sido ferido no pescoço, num ataque talvez três semanas depois de terem chegado a Cancolim, veio à Metrópole e aproveitou para dar o salto para um pais do Norte da Europa, que não o entregou às autoridades portuguesas.

(**) O banho fula consistia num bidão donde nós com uma lata íamos retirando porções de água que derramávamos pela cabeça e assim retirávamos o sabão. Normalmente fazíamos isso atrás da caserna.

(**) O Dr. Pereira Coelho foi com o Batalhão logo de início. Para o final da comissão foi destacado como Director do Hospital de Bafatá. Juntamente com a sua esposa, médica também, que entretanto se juntou a ele, desenvolveu um trabalho meritório a favor das populações civis. Aliás, foi o seguimento do trabalho desenvolvido por ele já em Galomaro. Nunca se cansou de apoiar toda a população. Esteve sempre atento aos nossos problemas, chegando a fazer pequenas cirurgias. É um grande especialista na área da fecundação assistida. Foi mesmo o responsável pelo êxito do primeiro bebé proveta nascido em Portugal há mais de vinte anos. Foi uma honra da qual a o BCAÇ 3872 se pode gabar. Ter privado com ele durante tanto tempo, fez de nós homens melhores.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2910: Estórias de Juvenal Amado (10): A patrulha nocturna (Juvenal Amado)