segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3794: Álbum das Glórias (50): Jobo Baldé, o dedicado padeiro de Missirá depois de Julho de 1969 (Beja Santos)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Julho de 1969 > Pel Caç Nat 52 > Um padeiro competente e empenhado, o Jobo Baldé.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Beja Santos, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Depois do grande incêndio de Missirá, em 19 de Março de 1969, durante a reconstrução, deu-se azo à imaginação, alguns progressos foram possíveis no nosso ameaçado bem-estar. Para substituir Sadjo Baldé, um dos falecidos durante a flagelação, veio o Jobo, natural de Galomaro.

Não tínhamos padaria, e em conversa informal perguntei tanto no Pel Caç Nat 52 e do Pel Mil 101 se havia voluntários para as tarefas da padaria. Jobo ofereceu-se logo, e, moderno e polivalente, fez-me a seguinte proposta: Faria pão para a tropa dentro do seu horário, independentemente dos reforços, idas a Mato de Cão, colunas de abastecimento, emboscadas e operações; fora do serviço queria dedicar-se ao que hoje se chama o empreendedorismo.

E assim foi, ele era bem jovem e deu conta do recado tanto na actividade independente como nas tarefas marciais. Era um regalo o cheirinho a pão, a partir de Julho de 1969. A Missirá civil deu-lhe farta clientela, todo o pão alvo era escoado sem reclamações.

O Jobo ainda resistiu quando fomos para Bambadinca, em Novembro, queria ficar, mas ninguém no Pel Caç Nat 54 quis trocar com ele. Resignado, abandonou as lides da panificação. Todos os anos me escreve a pedir para vir para Lisboa, quer trabalhar e de preferência numa padaria. Confesso que a vida foi bem madrasta com o Jobo, a viver na miséria e sem esperança em dias melhores.

Esta é a primeira fotografia do Jobo na sua padaria: ele amassa cheio de vontade o nosso primeiro pão; veio um mestre do Cossé ensinar a fazer o forno; ele amassa num cunhete de granadas de bazuca mas do que gosto mais é a determinação do seu olhar, há ali um mundo de sonhos que ninguém, parecia, iria parar. Honra ao trabalho, amassarás o teu pão com o suor do teu rosto.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3632: Álbum das Glórias (49): O meu ex-Cap Mil Abel Quintas, da CCAV 8350, os Piratas de Guileje (J. Casimiro Carvalho)

domingo, 25 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3793: Fauna & flora (16): Relações amistosas com o Macaco-cão na zona de Cufar (Mário Fitas)

Mensagem de Mário Fitas, de 12 de Janeiro de 2009


Fauna na região de Cufar em 1965/66

Quando a CCaç 763 tomou conta do sector de Cufar, existia uma enorme lagoa entre o Aquartelamento - antiga quinta do madeirense Sr. Camacho - e a tabanca de Iusse.
Era pois um ponto onde, para além do gado dos moradores daquela tabanca pastoreava e se sedentava, havia outros clientes que passo a referir: gazelas, cabras do mato, javalis, porcos-espinhos e alguns predadores, como uma espécie de gato bravo, mais parecido com o nosso furão.

Quanto a répteis desde as serpentes às mais variadas espécies de cobras, tudo por ali aparecia, até uma espécie de lagarto grande parecido com as iguanas e de que o meu amigo Alfa Nan Cabo se banqueteava.

Mas o verdadeiro espectáculo era dado pelas aves: eu, que depois da guerra fui ornitólogo, fartei-me de identificar variadíssimas espécies que frequentavam a lagoa: desde o grou coroado lá conhecido pela Ganga; pato da Berbéria cá conhecido como pato mudo. Havia diversas qualidades de patos e de todos os tamanhos, assim como rolas, onde conheci pela primeira vez a rola diamante (pequenina com os seus pontinhos nas asas) até às rolas gigantes incluindo pombos verdes.

Os massorongos (conhecidos por papagaios do Senegal) e periquitos verdes. O marabu, os jagudis (almeidas daquela terra) e protegidos por lei. Vinha depois a passarada miúda: desde os barulhentos tecelões que faziam das árvores colmeias de ninhos, até aos pequeninos bicos de lacre, degolados e sumptuosas viúvas do paraíso no seu lindo e ondulante esvoaçar.

Com tudo isto, a guerra foi acabando. Não foi só desastre humano, foi também ecológico.

Quanto aos nossos amigos Babuínos (macaco-cão), nunca houve conhecimento de matança, para comer ou por simples desporto.

Tirando os problemas das suas relações provocatórias com os nossos cães (por esse motivo tivemos de prescindir deles em determinadas operações). As relações eram amistosas e até por vezes nossos batedores, pois quando progredíamos por estrada, eles faziam a mesma coisa que nós, progredindo à nossa frente “em fila de pirilau” e houve pelo menos duas ocasiões se bem me lembro que nos foram úteis. Mas nessas alturas pareceu que fizeram mais barulho que o matraquear das armas.

Em termos que possam servir para estudo, e relativo ao tempo em que estivemos em Cufar, havia dois grupos bem definidos e localizados, e que seguramente se a memória não me falha, andariam pelos trinta e cinquenta exemplares entre todos, fêmeas, machos e é claro o manda chuva dominante, sempre no comando.

Um dos grupos, e o mais numeroso, costumava-nos acompanhar pela estrada (antiga) para Catió. Desde o começo da mata ao cimo da lala a seguir ao cruzamento de Camaiupa (Cabaceira) chegando até às proximidades de Priame.

O outro grupo aparecia na estrada Catió Cobumba, após Camaiupa já próximo da mata de Afiá.

Parece ser tudo, ficarei satisfeito, se este escrito servir para qualquer estudo.

Da esquerda para a direita: Soldado que não recordo o nome, de camuflado o Fur Mil Enf Juvenal, o Fernando que nos acompanhou desde Bissau, Mário Fitas Fur Mil Oper. Espec. e Olindo apontador de bazuca da minha secção. Foto de Mário Fitas.

Foto que me foi concedida pelo Manuel Brita condutor das Fox e que esteve em Cufar no tempo do António Graça de Abreu.
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Notas de vb:


Guiné 63/74 - P3792: O Nosso Livro de Visitas (56): Paulo Botelho procura fotos da CCAÇ 2789, Guiné, 1970/72

1. Mensagem de Paulo Botelho, com data de 26 de Outubro de 2008

Assunto: Fotos da CCAÇ 2789

Caro Sr. Luís Graça,
Antes de mais ficam os meus sinceros parabéns pelo seu trabalho no Blogger.

Estou a enviar-lhe este mail, porque gostaria se possível de perguntar ao sr. Luis
se tem em sua posse fotografias do CCAÇ 2789, ano 1970/72, que pudesse enviar-me via mail.

Agradecia-lhe imenso, visto que tenho um familiar que esteve lá, a quem gostaria de mostrar as fotos.

Obrigado. Sem outro assunto de momento
Com os Meus Melhores Cumprimentos.

Aguardo resposta.

pxemrei@gmail.com

2. No dia 18 de Dezembro de 2008 foi enviada uma mensagem ao nosso camarada Luís Moreira, pedindo ajuda.

Caro Luís Moreira:

Votos de boa saúde na linda cidade de Viana do Castelo. Podes dar uma dica a este amigo que nos contactou?

Votos de Santo Natal e bom Ano 2009.
Um abraço
Carlos Vinhal


3. No dia 19 foi enviada resposta a Paulo Botelho

Caro amigo:

As nossas desculpas por só agora estarmos a dar resposta à sua mensagem.

Contactei hoje mesmo um camarada do nosso Blogue que se chama Luís Moreira, de Viana do Castelo, e que foi Furriel de Transmissõesé na CCAÇ 2789, para ver se ele o poderá ajudar.

Vamos esperar pelas suas notícias.

Um abraço de
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


4. No mesmo dia recebíamos esta mensagem de Paulo Botelho:

Caro sr. Carlos Vinhal:

Antes de mais, fica desde já os meus Parabéns pelo Blog.

Agradeço a sua atenção e paciência dispensada. No entanto o nome do familiar que referi é João Antão e a Net mais computador são coisas que nunca lhe passaram pelos planos. Eu é que lhe tenho mostrado algumas coisas do vosso Blog.

Deixo o contacto telefónico dele caso lhe seja útil.
O numero é o 296 442 759.

Pertenceu ao CCAÇ 2789 / Vigilantes, ano 1970/72.

Abraços amigo.
Obrigado.
Ficarei a aguardar feedback

PS - Segue em anexo duas fotos mostrando o monumento em honra aos ex-combatentes de cá da ilha de São Miguel.





5. Comentário de CV

Apesar do pedido de ajuda feito ao camarada Luís Moreira, se alguém tiver em seu poder as fotos solicitadas pelo nosso amigo Paulo Botelho, faça o favor de as fazer chegar até ele para dar alegria ao nosso camarada João Antão.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3781: O Nosso Livro de Visitas (55): Carlos Figueira, ex-Fur Mil da CCAÇ 4946, Jemberem, Cacine e Bolama (1974)

Guiné 63/74 - P3791: Estórias do Zé Teixeira (36): O El Gonzalez (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Publicamos hoje a 34.ª estória de Zé Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, enviada em 2 de Janeiro de 2009.


O EL GONZALEZ

El Gonzalez, abafador de tacos de profissão (1). Estado natural, alcoolizado. Conheci-o na quinzena em que, perdidos nas Serras da Beira Baixa, nos preparavamos para partir para a guerra na Guiné. Como tudo servia para carne para canhão, El Gonzalez já marcado pelo vício do álcool, logo deu sinal de si. Num ambiente tão propício, como o de viver sobre calor escaldante, longe da família e num ambiente de guerra, a situação agudizou-se.

Como telegrafista o Pré era baixo, mas certo e sabido que no dia em que El Gonzalez andasse sóbrio era para se deitar um foguete, na certeza que poucos se gastariam nos cerca de dois terços de comissão que teve de cumprir. Como arranjava o patacão, não sei. É certo que havia sempre alguém a pagar uma cervejita, só para o ver feliz, mas não era o suficiente para o seu grau de alcoolização permanente.

Durante a visita que Marcelo Caetano fez à Guiné, coube-me a sorte de ir passar a noite na outra margem do rio de Buba, exactamente no local de que servia o PAIGC para nos vir cumprimentar à canhoada, enquanto a sua Infantaria atacava do lado oposto, junto ao cemitério ou junto à pista de aviação. Local onde o comandante Manecas - o futuro comandante do PAIGC responsável pelos Mísseis Strela, não foi apanhado à mão pelos Fuzas, porque a sua estrelinha o acompanhava, no célebre ataque a Buba em Outubro de 1969, estudado no terreno pelo Capitão Peralta (cubano) e pelo próprio Manecas. Operação que se lhes tivesse corrido de feição, Buba teria caído nas suas mãos. Era esse pelo menos o seu projecto, segundo me contou o Comandante em Março passado. Ataque que eu não vivi por ter ido uns dias antes para Empada.

Após uma penosa marcha, por Sinchã Cherno, para iludir os possíveis espiões existentes na Tabanca, como se confirmou posteriormente na sequência do referido ataque de Outubro, existirem em Buba e para ultrapassar as barreiras naturais do rio – braço de mar, que se espraiava até Buba, inundando e alagando as terras limítrofes, para recolher novamente ao sei leito na maré vasa.

Pois bem, o El Gonzalez, foi o telegrafista, que nos acompanhou nesta árdua missão.

Na nossa marcha, pudemos apreciar um belíssimo espectáculo, nunca mais visto. Caranguejos multicolores, aos milhares espalhados no tarrafo, formando um colorido tapete que mudava de forma e cor em função da nossa evolução no terreno. Ao sentirem o ruído que provocávamos na marcha, ao pôr os pés no chão, fugiam à nossa frente, procurando um buraco na lama para se esconderem, formando uma espécie de semi-circulo. Nessa deslocação precipitada mudavam de posição no terreno, modificando permanentemente as cores do tapete que formavam com os seus corpos. Espectáculo fantástico que devo ao senhor Primeiro Ministro, dado que se ele não tivesse ido à Guiné, eu possivelmente não teria ido passar a noite a tão perigoso lugar e assim perderia a esta imagem que ainda retenho no baú das minhas recordações.

O El Gonzalez, chegado ao local, pousou o rádio, encostou-se a ele e adormeceu, roncando toda a noite. Acordou no dia seguinte, à pressão, já o sol ia alto e a primeira pergunta que fez foi:
- Onde estamos ?

Certo e sabido que com o seu roncar, não havia inimigo que tivesse a coragem de se aproximar e impossibilitou que algum camarada mais despreocupado adormecesse.

Na sequência desta aventura, enviei-o para o Hospital em Bissau como alcoólico crónico, na esperança de conseguir recambiá-lo para Lisboa. Oito dias depois, apareceu em Buba como curado. Passados uns dias, face ao seu contínuo estado, foi de novo dar um passeio até Bissau, mas só à terceira tentativa, logrou ganhar o passaporte para a Capital.

Isto passado mais de ano e meio de comissão.

(1) Depois da colocação de tacos no soalho das casas. Com uma lixadeira faz o polimento dos tacos e a enceramento

Zé Teixeira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3767: Estórias do Zé Teixeira (35): O Lisboa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 63/74 - P3790: Dossiê Guileje / Gadamael (3): "Um precedente grave" (Diário, Mansoa, 28 de Maio de 1973) ... (António Graça de Abreu)

Capa do livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e ÁguiA Pura (Lisboa: Guerra e Paz. 2007. 220 pp)... O autor, António Graça de Abreu , foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar (1972/74). Dele se publica a seguinte mensagem:


Lá vai o português, lá anda. Dobrado ao peso da História, carregando-a, de facto, e que remédio - índias, naufrágios, cruzes de padrão (as mais pesadas). Labuta a côdea do sol e já nem sabe se sonha ou se recorda. Mal nasce, deixa de ser criança, fica logo com oito séculos.

José Cardoso Pires (1925-1998) em E agora, José? publicado em 1977.


Meus caros camaradas e amigos

O Luís Graça, por bem, infatigável no labor de nos unir neste seu, nosso blogue, mesmo quando desentender é também uma forma de nos entendermos, (somos gente plural), o Luís Graça pediu-me autorização para publicar o meu texto sobre Guileje escrito em Mansoa, uma semana após a retirada de Guileje.

Aí está o balanço do dia, tal como surge no meu Diário da Guiné, Lisboa, Guerra e Paz Editora, 2007, pag. 106.


Mansoa, 28 de Maio de 1973

O outro “Gui”, Guileje. O que se passou no aquartelamento do sul? Dizem-me que Guileje tem os melhores abrigos de toda a Guiné, em cimento armado, mas foi sendo sucessivamente flagelada, dias a fio, com o mais variado tipo de armas e, tanto quanto sei pela primeira vez na história recente desta guerra, as NT abandonaram um aquartelamento e retiraram-se para Gadamael, outro destacamento também junto à fronteira mas mais próximo de Cacine e do mar. Isto sem o conhecimento do Comandante-Chefe, general Spínola e dos estrategas de Bissau. Pelo menos é o que consta, estou a vender a notícia como a comprei, mas parece produto afiançado.[1]

Guileje fica a cinco quilómetros da fronteira com a Guiné-Conacry e sempre foi um dos lugares mais atingidos pela guerra. Os aquartelamentos junto à fronteira têm estes problemas, são fáceis de flagelar. Os guerrilheiros dispõem de muitos quartéis no país ao lado, Senegal ou Guiné-Conacry, caminham uns quilómetros, entram na nossa (deles!) Guiné e despejam toda a artilharia pesada e ligeira que têm à disposição sobre os aquartelamentos onde se encontra a tropa portuguesa. Depois regressam aos quartéis do outro lado da fronteira. Missão cumprida.

Guileje é um precedente grave. Diz-se por aqui que depois de Guileje outros aquartelamentos se seguirão, irão sendo abandonados, tipo bola de neve e já se fala em começarmos todos a preparar a trouxa para marcharmos para Bissau, a caminho de casa. Não acredito. É verdade que alguma coisa se alterou, as nossas tropas quase não podem contar com a força aérea, o que é muito negativo, mas ontem já ouvi dizer que Guileje ia ser reocupada pelos pára-quedistas das minhas conhecidas companhias 122 e 123.

De Lisboa, chegam bocas, deformações, notícias fantásticas: um quartel a vinte quilómetros de Bissau tomado pelo PAIGC, centenas de mortos. Valha-nos Deus! Guileje fica talvez a uns cento e cinquenta quilómetros de Bissau e dentro do aquartelamento houve quatro ou cinco mortos. Mas é verdade que naquela região continua a morrer gente, demasiada gente. As NT retiraram de Guileje porque eram constantemente flageladas, viviam dentro dos abrigos, não podiam sequer vir cá fora para se abastecerem de água, não tinham apoio aéreo, a situação era insustentável.



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[1] “Deixando as instalações (de Guileje) e o material pesado, incluindo a artilharia, nas mãos do PAIGC, o major Coutinho e Lima fez seguir a tropa para Gadamael, transportando o que podia. Em 22 de Maio chega a Bissau para ficar sob prisão no quartel da Polícia Militar, na Amura. É substituído pelo coronel pára-quedista Rafael Durão, em fim de comissão e pelo capitão Manuel Monge. E foi sobre os seus ombros jovens mas firmes que, após o regresso de Durão a Bissau, caiu a pesada responsabilidade de aguentar a tragédia de Gadamael.” Em Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, pag. 122.


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Permitam-me agora apenas um comentário (*).

Este texto foi escrito há quase trinta e cinco anos, em Mansoa, uma semana após o abandono de Guileje, com as informações de que dispunha na altura, via meu CAOP 1, através dos meus majores, etc. O último parágrafo contém algumas incorrecções factuais.

Em Guileje não “houve quatro ou cinco mortos”, como escrevi , apenas faleceu um furriel. As tropas em Guileje naqueles dias críticos, apesar dos Strella, tiveram apoio aéreo como demonstrou recentemente no nosso blogue o tenente-general António Martins de Matos, na altura um dos pilotos dos Fiats. Por último, se na altura, com 26 anos, eu afirmei que “a situação era insustentável”, hoje, com 61 anos, conhecendo melhor a distribuição das forças no terreno e todo o enquadramento militar que rodeou a retirada de Guileje, estou convencido de que a situação era sustentável. Basta recordar Guidage e Gadamael, sofreram mais do que Guileje e não houve retirada militar.

Curioso também recordar que o hoje general Manuel Monge, meu amigo, actual Governador Civil de Beja, é singularmente elogiado por Otelo Saraiva de Carvalho na nota de rodapé que acrescentei em 2007, por ter aguentado Gadamael, com os pára-quedistas e a restante tropa. Curioso recordar que o então major Manuel Monge, com o major Casanova Ferreira, encabeçou a coluna militar que, a 16 de Março de 1974, saiu das Caldas da Rainha em direcção a Lisboa, antecipando o 25 de Abril.
O problema era de natureza política.

Um abraço,

António Graça de Abreu,
(alf mil, CAOP 1, Guiné, 1972-1974)
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Nota de L.G.:

(*) vd. postes anteriores desta série (Dossiê Guileje / Gadamael 1973):

24 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

sábado, 24 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3789: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (2): Esclarecimento adicional de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

1. Mensagem, de última hora, de Manuel Reis:

Aveiro, 24/01/09

Caro Amigo:

O nome de Comandante da Logística em Dezembro de 95, que esteve presente na elaboração da reportagem de “Guilege a Gadamael- O Corredor da Morte” é o Brigadeiro Humberto Lopes.

O Major, supostamente fuzilado pelo PAIGC, não me recordo do nome. A informação foi-me fornecida por um dos Coronéis presente (não tenho presente o nome). Esta informação foi-me fornecida de modo sigiloso (tom de voz baixo de modo a que só eu ouvisse).

Outra informação que recolhi diz respeito a Aliú Bari (referido no livro do Coronel Coutinho e Lima, p.43) que terá desertado ou terá sido capturado e posteriormente veio a ser fuzilado por ocultação de elementos. A fonte de informação foi a população de Guileje a viver, na altura, em Áfia.

O plano “Cruzeiro do Sul” desconheço. Havia um plano de evacuação coordenado pelo Major Leal de Almeida, que nos foi confirmado pelo próprio, em Cacine, durante o período em que aguardávamos a vinda para Bissau, meados de Julho de 1973.

Estou disponível para colaborar convosco em tudo o que for necessário e diga respeito à Guiné.

Um abraço amigo:

Manuel Reis

P.S. Deixo, aos editores, o meu contacto (...)


2. Comentário de L.G.:

Manuel: Quando puderes (e quiseres) mandas-nos as duas fotos da praxe, que é para a gente te (re)conhecer. Vejo que aceitas, de braços abertos, o nosso convite para integrar a nossa Tabanca Grande. Da tua companhia já cá tens o ex-Fur Mil J. Casimiro Carvalho (Maia) e, espero, dentro em breve, o ex-Alf Mil João Seabra (Lisboa).

Obrigado pelo teu depoimento, em primeira mão, para o nosso blogue. Deixa-me também associar-me à tua homenagem aos nossos camaradas da FAP. Mas também não quero esquecer aqui o papel da nossa Marinha, através da LFG Orion (**), de que era imediato, na altura dos acontecimentos de Gadamael, o nosso camarada Pedro Lauret, comandante de mar e guerra, na reforma. Um Bravo para todos os bravos de Guileje e Gadamael. L.G.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)

16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)

(**) Vd. também os postes de:

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P3788: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (1): Depoimento de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCav 8350)

Mensagem de Manuel Reis
ex-Alf Mil da CCAV 8350 (1972/74)
(Esteve em Guileje e Gadamael em 1973;
vive hoje em Aveiro)

1. Comentário à análise do Tenente Aviador António Martins de Matos e alguns esclarecimentos. (*)


Caro Luís,

Não posso deixar de manifestar, por ti e pela tua equipa, o meu grande apreço e consideração. Camaradas que nunca tiveram oportunidade de libertar os seus fantasmas da Guerra têm, graças a ti, um espaço onde o podem fazer. Bem - hajas.

Não era minha intenção abordar os, já um pouco estafados, temas de Guileje e Gadamael -Porto. Participei em dois documentários televisivos sobre o tema e pouco mais gostaria de acrescentar. No entanto, após a leitura do texto de António de Matos (ex-Ten Pilav), sinto-me na obrigação moral de o fazer por, na minha perspectiva, algumas considerações que faz, não coincidirem com a realidade e muitos dos seus juízos de valor carecerem de sustentação factual.

A memória daqueles que tombaram em Guileje e Gadamael assim mo exige.

Agradar-me-ia escrever sobre o percurso da CCAV 8350 “Para além de Guileje e Gadamael -Porto”, sobre as dificuldades que tivemos de ultrapassar, no são convívio com as populações e no processo de descolonização em Cumbijã. Fica para a próxima.

Quando fui para a Guerra Colonial sabia para o que ia. O espírito de grupo formado durante a instrução e os condicionalismos familiares impediram que tomasse outra decisão. Aceitei as regras do jogo e cumpri a minha missão sem trair ninguém. Coloquei sempre como objectivo principal proteger os que de mim dependiam. A minha relação com todos assentava numa respeitosa e sã camaradagem.

2. Guilege e Gadamael-Porto “ vistos de terra”

Vivi o inferno sufocante de Guileje e a odisseia tenebrosa de Gadamael. Foram realidades distintas, mas tiveram um ponto comum: ambas foram abandonadas ao seu destino, embora Gadamael - Porto viesse a ser fortemente apoiada mais tarde, mas os estragos foram irreparáveis.

O Plano de evacuação de Gadamael chegou a ser colocado em acção sob a coordenação de Leal de Almeida (major), enviado para o local com esse objectivo e que só não se concretizou devido ao apoio massivo das forças especiais, das quais destaco o Batalhão de Pára-quedistas.

Guilege “visto de terra”, em 22 de Maio de 73, está descrito pormenorizadamente no livro de Coutinho e Lima, pp. 74-76. Perante a recusa de ajuda de Bissau, Coutinho e Lima tinha de decidir, o tempo era seu inimigo. Ou retirava ou permanecia. Qualquer decisão tinha os seus riscos. É verdade que retirar nas condições descritas poderia transformar-se no maior desastre da Guiné, como diz António de Matos, mas permanecer lá poderia transformar Guilege num aterrador cemitério.

Coutinho e Lima sabia que esperar pelo substituto nada resolveria, à medida que o tempo passava a situação agravava-se.

Pude testemunhar em Gadamael-Porto a ineficácia do novo Comandante face à situação criada (abordarei o assunto mais à frente). Coutinho e Lima, ao decidir-se pela retirada, define-se como um militar competente e corajoso.

Competente, porque soube avaliar correctamente a situação e conseguiu tirar o melhor proveito desta, aproveitando o factor surpresa. Corajoso, porque a sua vida militar terminaria ali e as consequências para a sua família seriam dolorosas. Ele sabia-o, mas optou por retirar e, deste modo, salvar as pessoas que estavam sob o seu comando (militares e civis).

É natural que para vós, ex-combatentes da Guiné, este momento da decisão nada vos diga, mas quem presenciou, sente, ainda hoje, alguma comoção.

2.1. Permito-me esclarecer o seguinte a António de Matos:
- Não é verdade que desde 6 de Maio de 73 não se efectuasse qualquer saída do aquartelamento. Coutinho e Lima refere no seu livro, pp. 32,33, saídas nos dias 1, 4, 7, 11, 14 e 16 de Maio e cita as suas fontes de informação: documento elaborado pela 4ª Repartição do CTIG.

- Guileje, no dia 21, esteve cercado. A parte norte, na direcção do Mejo (donde não se tinham registado quaisquer ataques) estava ocupada por grupos do PAIGC, pertencentes ao 3º Corpo do Exército. A população chegou a ser atacada, quando se dirigiu à bolanha para recolher água.

-Não houve qualquer debandada. A retirada foi ordenada, conforme ilustram as fotografias do livro de Coutinho e Lima, p.77. Houve, de facto, algum barulho feito pela população, que procurava transportar o máximo dos seus haveres.

Pode-se levantar aqui a questão: Porque não atacou o PAIGC? Isto, ainda hoje, após conversas havidas em Dezembro de 1995 com o Comandante Nino (Comandante da Região Militar Sul) e com o Comandante da Logística, constitui um mistério para mim.

Nino (Comandante da Operação) deixa transparecer algum desconforto com a questão e diz que nada fazia prever a nossa saída, pelo facto de durante toda a noite termos feito imenso fogo com os obuses. Já o Comandante da Logística, mostrando o mesmo desconforto, responsabiliza o Major, Comandante do Sector. Este viria posteriormente a ser fuzilado.

Estamos perante duas hipóteses: Ou os guerrilheiros do PAIGC, que permaneciam na zona, se afastam do local para outro mais afastado do aquartelamento, onde pudessem descansar mais tranquilamente e são surpreendido pela nossa saída, ou a possível existência de familiares na população inibe-os de atacar.

Parece-me, no entanto, pouco credível esta segunda hipótese. O que fica bem claro era a intenção de nos atacar, expresso no descontentamento manifestado pelos mais altos responsáveis do PAIGC. O fuzilamento do Major, Comandante do Sector, reforça esta ideia.

- Era completamente impossível desarticular a Artilharia do inimigo com a nossa Artilharia, conforme explica Coutinho e Lima no seu livro p. 78.
Devo acrescentar que não era só a Artilharia que fazia mossa, a utilização frequente dos morteiros 82 e RPGs era bastante limitadora da nossa movimentação dentro do próprio aquartelamento (o mesmo se veio mais tarde a verificar em Gadamael).

Em algumas flagelações o PAIGC utilizou todo o tipo de armamento tornando difícil verificar donde “chovia” e o quê. Aconteceu até, sermos flagelados no momento em que os FIAT – 91 nos sobrevoavam.

Desconheço o alcance da artilharia do PAIGC mas permito-me duvidar da sua inexistência no território da Guiné, nas proximidades da Guileje. O que ninguém me consegue convencer é que o fogo de RPG fosse efectuado do lado lá da fronteira e viesse atingir Guilege. A menor distância, em linha recta, é de 7 km (carta militar de Guilege, blogue de Luís Graça).

- Além de “mau gosto” foi lamentável e no mínimo infeliz a resposta que António de Matos dá ao Alfaiate (Furriel Transmissões) quando este, em situação de desespero, lhe pede auxílio. Disse-o com raiva, refere António de Matos.

Guilege “ visto do ar” era de facto outra coisa! Guilege “ visto do ar” era uma ficção. Não existiu simplesmente!

Recordo uma conversa entre dois pilotos numa das suas missões (dia 20 ou 21): “Olha que isto é mesmo a sério”. Nesse momento o aquartelamento estava em chamas.

- Durante os 6 meses que estive em Guileje até 18 de Maio de 73, fomos flagelados algumas vezes, o que aliás sucedera com as companhias anteriores, mas era muito raro que qualquer granada caísse dentro do aquartelamento.

No entanto, a partir de 18 de Maio de 73, algo mudou nos processos de actuação do PAIGC. Ataques ao aquartelamento eram feitos a qualquer hora do dia e não só ao cair da tarde, como anteriormente. O tiro era preciso e ajustado. Existiam orientadores da direcção de fogo colocados na copa das árvores e devidamente protegidos pela infantaria, que para o efeito tinha aberto valas na mata (só mais tarde em Gadamael tivemos conhecimento disto). Artilheiros estrangeiros, na sua maioria cubanos, ocupavam-se de toda a coordenação de fogo.

A guerra do bate-e-foge, porque vem aí a aviação, era assunto enterrado. A guerra de guerrilha terminara e estávamos no limiar da guerra clássica. A presença de carros de combate na fronteira, prontos para entrar em acção, era já dos assuntos mais falados.

- O Ten Pilav António de Matos demonstra um certo desconhecimento do que se passou em Guilege, no período de 18 de Maio a 22 de Maio de 73. Não me parece, por isso, que tenha o perfil ideal para julgar qualquer militar da CCav 8350 e muito menos quem, no terreno, teve de decidir: Major Coutinho e Lima.

Poderia ter ocorrido aqui uma tragédia de dimensões difíceis de imaginar: Não era só o pessoal de Guilege que estava em causa. Qualquer reforço terrestre vindo do exterior teria imensas dificuldades em chegar a Guileje. Se tentassem vir pela estrada de Gadamael (que era o mais natural e lógico), logo nas imediações de Gadamael encontravam uma forte oposição do PAIGC.

Para impedir qualquer apoio a Guilege estavam montadas 20 armadilhas, comandadas electricamente, o que, aliás, aconteceu nas imediações de Guilege. A outra hipótese seria a utilização do trilho que nos serviu na retirada, mas a probabilidade de o poderem fazer era praticamente nula, nessa altura. Só rompendo o cerco como fizeram em Guidage conseguiriam entrar em Guilege, com custos em vidas humanas difíceis de quantificar.

3. Gadamael-Porto

A CCav 8350 chega a Gadamael por volta das 12 horas. Aí já se encontra o novo Comandante do COP5. Coutinho e Lima é detido e passados 3 dias é conduzido para Bissau. Os militares da CCav 8350 passam a ser tratados de uma maneira discriminatória e até desumana.

Os grupos da CCav 8350 passam a sair diariamente para efectuar patrulhamentos à volta do aquartelamento e são vítimas de emboscadas, sem grandes consequências, enquanto as forças do PAIGC fazem protecção avançada à instalação das suas bases de fogo. Isto era evidente, exigia-se outro tipo de intervenção, para que o desastre não acontecesse. Guilege estava fresco na memória de todos.

As condições físicas e anímicas da CCav 8350 eram deploráveis. Obrigados pelo novo Comandante do COP5, todos os dias, a esforços violentos, arrastam-se pelo mato, caem de exaustão, vomitam e muitos encontram-se em estado de desidratação avançada, provocada por constantes diarreias. A tudo isto permanecem insensíveis as chefias militares.

No dia 31 de Maio, de manhã, o novo Comandante dirige-se a Cufar. Para ele, a situação de Gadamael estava controlada. Antes, porém, ordena-me que, nessa tarde, faça um patrulhamento nas imediações de Sangonhá.

O festival de morteiro 82 (deles) e 81 (nosso) começa por volta das 14.30 e as granadas transitam, nos dois sentidos, por cima das nossas cabeças. Pretendo voltar ao aquartelamento no final da tarde, o que me é recusado. Permaneço emboscado com dois grupos de combate durante toda a noite. Perante a dimensão da flagelação, tenho a percepção que algo de muito grave terá sucedido.

Regresso ao aquartelamento, por volta das 12 horas do dia 1 de Junho, sem autorização, porque não conseguia estabelecer contacto com o quartel. Sou informado pelo Seabra (Alf. Mil CCav 8350) da dimensão da tragédia humana e no aquartelamento não permanecem mais de 30 homens, dispersos pelas valas e pelos abrigos.

Entretanto, o novo Comandante, alertado para a situação, regressa no próprio dia 1 de Junho de Cufar e recebe-me junto à pista. É a primeira vez que me trata como um ser humano e indica-me os procedimentos a tomar.

A situação é incontrolável. O pânico instalara-se no aquartelamento e as NT fugiram desordenadamente. Uns refugiaram-se na mata circundante ao aquartelamento e só regressaram ao início da noite. Outros, a maioria, atravessaram o rio na direcção de Cacine e foram evacuados com a ajuda dos fuzileiros, tendo um deles morrido na travessia do rio.

Nesse dia as tropas do PAIGC dispõem da oportunidade soberana de tomar de assalto o aquartelamento sem grandes riscos. (Confessar-me-ia, em Agosto de 74, no aquartelamento de Cumbijã, um dos quadros políticos do PAIGC terem cometido aí o seu maior erro estratégico).

No dia 2 de Junho, uma flagelação atinge o abrigo das transmissões, onde se encontravam os dois Comandantes de Companhia, que são feridos e, posteriormente evacuados pelos fuzileiros.

Ainda no dia 2 de Junho, o General Spínola vai ao aquartelamento inteirar-se da situação, mas não chega a descer do helicóptero, perante os gritos desesperados de alerta dum soldado deitado à minha frente (numa das valas da enfermaria) e a corrida desenfreada do Comandante do COP 5. Salvam-se por uma fracção de segundo.

Há um espaço temporal em que não existe um único Oficial do Quadro a assumir esta situação. Só no final da tarde, o Adjunto do Comandante chega a Gadamael e assume o Comando.

O novo Comandante do COP5 não voltou a ser visto em Gadamael, pelo menos durante a permanência da CCAV 8350, meados de JULHO de 73.

No dia 4 de Junho, 11 militares mal armados, saem para o mato pressionados pelo novo Comandante da CCav 8350 e são emboscados a 500 metros do arame farpado. Resultado: 4 mortos e um ferido grave.

Ainda no dia 4 de Junho chega a 1ª Companhia de Pára-quedistas para reforço das nossas tropas. São colocados numa vala na extremidade da pista. Sou também enviado para lá com o meu grupo de combate, sem eu saber porquê e para quê.

Os Pára-quedistas sentem-se impotentes perante tal situação. Mal saem da vala para efectuar qualquer patrulhamento são de imediato flagelados e impedidos de sair. Apesar disso a sua presença é benéfica para as nossas tropas, que pela 1ª vez desde 18 de Maio, sentem alguma protecção.

Esta situação de impedimento de saída do aquartelamento acaba por ser ultrapassada, uns dias mais tarde, com a chegada das restantes companhias que integravam o Batalhão. A eles se deve a não ocupação de Gadamael pelo PAIGC.

Muito mais haveria para contar. Talvez um dia.

4-Conclusão:

Bem podíamos esperar, enterrados em Guileje, pela perspicácia deste novo Comandante e pelas ajudas que nem sequer prometeram a Coutinho e Lima.

5-Considerações finais:

Foi minha intenção, apenas e só, repor a verdade dos factos. A dignidade e o profissionalismo dos intervenientes neste conflito não foram colocados em causa. São intocáveis.

Deixo o meu sincero apreço pelos camaradas da Força Aérea que, enquanto não tiveram limitações de voo, foram inexcedíveis. Sempre soubemos reconhecê-lo.

Eram recebidos, em plena pista, pelo Comandante do COP5 e/ou Companhia, que se faziam acompanhar por uma menina, vestida a rigor, transportando numa bandeja uma garrafa de whisky, uma garrafa de água e um copo.

Um abraço amigo para todos aqueles que, de uma maneira ou doutra, combateram na Guiné.


Manuel Reis

__________


Notas de vb:
1. Sublinhados do editor.


2. Artigos relacionados em


(*) Vd. postes de:
23 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

23 de Janeiro de 2009 >
Guiné 63/74 - P3782: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (18): Obrigou-se o PAIGC a combater em Gadamael... (João Seabra)






Vd. ainda o poste de 16 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3632: Álbum das Glórias (49): O meu ex-Cap Mil Abel Quintas, da CCAV 8350, os Piratas de Guileje (J. Casimiro Carvalho)

Guiné 63/74 - P3787: Poemário do José Manuel (25): A Morte

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) >

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de 28 de Fevereiro de 2008, que o José Manuel Lopes me enviou na véspera de eu partir para Bissau, para participar no Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008)


Um abraço, camarada, uma óptima viagem até Guileje (Guiledje!). Leva um pouco
da minha saudade e nostalgia. Mas ainda hei-de um dia voltar aquela estrada.


2. Poemário do José Manuel (25) (*)

A Morte
Senti-la passar ao lado,
em forma de assobio
cruel,
com ela levando
aqueles
que nunca voltam,
sentir
o sabor amargo
de enxofre na garganta,
a angústia de despedidas
sem um acenar de mão
daquelas vidas perdidas...
e há coisas
que não se contam
e morrem no coração.

Guiné 1973
josema
_________

Nota de L.G.

(*) Vd. último poste da série > 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3468: Poemário do José Manuel (24): Sabes o que é morrer... ?

Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...






Continuação da publicação do Dicionário Fula/Português, organizado pelo nosso camarada Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72) (*).

Como ele já nos explicou, esta singela recolha de vocábulos em dialecto fula (e respectiva tradução em português) resultou de longas e pacientes conversas com o seu amigo Cherno Al Hadj Mamangari, que vivia em Cambor, a nordeste de Piche.

O título Al Hadj é dado ao crente que já foi a Meca (**).

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...

(**) 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - L: Mancarra, a semente do diabo... (Luís Graça)

(...) Excertos do diário de um tuga. L.G. > 8 de Março de 1970 > Sansancuta.

É interessante notar que na mitologia fula a mancarra (amendoím) esteja associada ao Diabo em pessoa (Iblissa). O cherno Umaru que dirige uma pequena escola nesta tabanca e que se prepara , como bom muçulmano devoto (tijanianké), para fazer no próximo ano a sua peregrinação a Meca (Iado Hadjo, em fula) e assim juntar ao seu nome o título venerando de al-hadj, contou-me , por intermédio do Suleimane (o meu braço direito, guarda-costa, intérprete, cozinheiro, secretário – é um dos nossos poucos soldados que sabe ler e escrever português, daí ser soldado arvorado e em breve 1º cabo), contou- me ele a seguinte estória:
- Um dia Iblissa (o Diabo) quis desafiar a autoridade divina de Mohamadu (o Profeta Maomé). Tinha chovido muito e o Profeta dissera que então nasceriam todas as sementes que fossem lançadas à terra. O Diabo, em vez de uma semente de milho ou de arroz, deitou leite numa cova que ele próprio tinha feito no chão. Mohamadu, intrigado e inquieto com a provocação de Iblissa, foi falar com Alá, que lhe mandou guardar uma semente. E ao fim desse tempo, não é que do leite nasceu mesmo a mancarra ?

Recordo que Amílcar Cabral, na Estação Agronómica de Fá-Mandinga, fez estudos sobre vários tipos de semente de amendoím. E já então ele denunciava o perigo que representava, para o desenvolvimento da agricultura na Guiné, a monocultura desta oleaginosa, um típico produto do imposto pelo colonialismo aos guinéus.(...)

Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...






1. Mensagem do Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922 (Piche, 1970/72) (*), com data de 17 do corrente:

Bom dia camarada e amigo Luis Graça, ainda não cumpri a segunda parte da [minha obrigação, decorrente da] inscrição na TABANCA GRANDE (que é o envio de uma história), porque me encontro doente.

Safei-me na Guiné do paludismo, mas não me safei agora da gripe.

Em relação ao Dicionário Fula/Português, como só agora comprei um PC portátil especialmente para me ligar à Tabanca, ainda ando na informática tipo galo pica no chão. Agradeço que sejam vocês a tratar de pôr o dicionário operacional no Blogue.

Também tenho histórias com os macacos cães (Babuínos), que oportunamente contarei!

Alfa Bravo

Luis Borrega

2. Comentário de L.G.:

O dicionário Fula / Português (sob a forma de uma dezena de listas de vocábulos e expressões em dialecto fula e o corresponente significado em língua portuguesa) é um trabalho de recolha feito pelo Luís Borrega. Chegou-nos todavia por mão do nosso camarada e amigo Mário Beja Santos.

Escrevi ao Mário, com conhecimento ao Luís, o seguinte:

"Posso fazer a partição e a edição da imagem, de modo a torná-la legível. Ou tentar arranjar um voluntário (entre a malta da nossa Tabanca Grande) para transcrever para word e (re)organizar o texto (por ex., ordem alfabética, fula/português e português/fula)... Recebi cinco documentos digitalizados em formato.jpg. Obrigado, aos dois".

Ao Luís Borrega mandei a seguinte mensagem:

"Sê bem vindo ao ... admirável mundo novo [da Internet] ! Mais vale um PC portátil do que... uma G3. Vamos avançar com o teu dicionário. Abraço. LG"

Como nos explica no 1º documento que se reproduz em cima, o Luís Borrega passou longas horas a conversar com o prestigiado Cherno Al Hadj Mamangari, de Cambor, um chefe religioso muçulmano com real influência em toda a região do Gabú e até além fronteiras. Morreu em 2005.

Não é (nem pretende ser) um trabalho científico, mas o nosso camarada revela aqui grande sensibilidade cultural, além de muita paciência e perseverança, qualidades essenciais em qualquer investigador.

A recolha do Luís Borrega é digna do nosso apreço e honra as nossas duas culturas, a portuguesa e a guineense. Aqui ficam as primeiras listas de vocábulos correntes, em fula, e da sua correspondência em português.

Jarama!...

(Continua)
__________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72

(...) "Ex Furriel Miliciano de Cavalaria com o curso de minas e armadilhas, mobilizado para a Guiné pelo Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz, integrando a Companhia de Cavalaria 2749 / Batalhão de Cavalaria 2922, colocado no sector L4, no leste da Guiné em Piche.

"A minha companhia tinha os destacamentos CAMBOR, Ponte de RIO CAIUM e mais tarde reocupámos o destacamento de BENTEM. A nossa área de operações era Piche, Canquelifá e Buruntuma" (...).

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3784: Tabanca Grande (109): Manuel Rodrigues, ex-Fur Mil Mec Auto Rodas da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74



Manuel Rodrigues, ex-Fur Mil Mec Auto Rodas da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74

1. Em 20 de Janeiro de 2009, Luís Graça deixou este comentário no poste Guiné 63/74 - P3762: Fauna & flora (14): O que nós comíamos sem saber (Manuel Rodrigues, ex-Fur Mec, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74) (*):

Em resposta à minha pergunta: "Este texto significa também a intenção de fazeres parte da Tabanca Grande ? Se sim, serás muito bem vindo", o Rodrigues respondeu-me o seguinte:

Ainda não estou reformado, por isso mesmo não tenho grande disponibilidade, no entanto agradeço a publicação do artigo que enviei.

As fotos, de acordo com as normas, para poder fazer parte da tabanca grande, seguirão tão breve quanto possível.

Dulombi fazia parte do Leste, era o quartel mais próximo de Madina do Boé, onde foi declarada a independência da Guiné, pelo PAIGC, muito antes do 25 de Abril.

Na história da luta armada, o primeiro grande desastre, das Tropas Portuguesas, provavelmente o mais noticiado, aconteceu na travessia do rio Corubal, na retirada para norte, de tropas estacionadas no Dulombi, também a Norte do mesmo rio, da companhia que esteve no Dulombi, antes da 2700.

A história da jangada afundada.

Parece-me, que a verdadeira história da jangada afundada foi esquecida..., embora tenha tido uma enorme importância, na comunicação social, principalmente, fora de Portugal.

A jangada era improvisada, feita de bidões, e pelo que diziam nativos, no local, quando pretendiam fazer a travessia, a corrente era muito forte, pelo que só alguns atravessaram, provavelmente a nado...

Anel
Ex Fur Mec Auto Rodas, CCAÇ 3491, Dulombi e Galamaro, 1971/74


Disse Luís Graça:

Rodrigues:

Ficamos à tua espera... A Companhia a que referes (e que eram os vossos avozinhos), era a CCAÇ 2405 (1968/70), a que atencedeu a 2700 (1970/72)... Esta subunidade perdeu 17 homens no Cheche, na trevessia do Corubal. Ao todo foram 46 militares e 1 civil.

Este desastre, que ocorreu em 6 de Fevereiro de 1969 no decurso da Op Mabecos Bravios (retirada do quartel de Madina do Boé, menos de quatro meses de eu chegar à Guiné, em finais de Maio de 1969), está amplamente documento no nosso blogue, sobretudo na I Série (que vai de Abril de 2005 a Maio de 2006).

Um Alfa Bravo.
Luís


2. No dia 21 de Janeiro de 2009 o nosso camarada Manuel Rodrigues escrevia assim para a Tabanca Grande

Junto envio fotos conforme prometido.

Sabendo que estou a comunicar, com um bom sociólogo, e sabendo que nos dias de hoje, com a ajuda da ferramenta informática é possivel irmos em termos de investigação muito mais longe que há pouco tempo.

Parece-me possível confirmarmos cientificamente que a esperança de vida dos que passaram pela Guiné é inferior à media nacional.

É um tema que gostava de desenvolver/ver desenvolvido, estando contudo consciente que preciso de muita ajuda.

Com um pequeno inquérito e utilizando o QI2, talvez possamos tirar conclusões, relevantes para todos aqueles que por lá passaram!


3. Comentário de CV:

Caro Manuel Rodrigues, bem-vindo à nossa Tabanca Grande.
Em nome dos Editores e da restante Tertúlia estou a receber-te.
Tens na tertúlia um camarada da tua CCAÇ 3491, o Luís Dias, ex-Alf Mil, que tem colaborado regularmente na reconstituição da história da nossa passagem por terras da Guiné.
Esperamos também a tua colaboração, já que todos somos poucos para que outros não tenham que fazer aquilo que a nós compete, a história da Guerra Colonial, neste caso no TO do CTI da Guiné.

Deixo-te um abraço de boas-vindas.
CV
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3762: Fauna & flora (14): O que nós comíamos sem saber (Manuel Rodrigues, ex-Fur Mec, CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro, 1971/74)

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72

Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)



O António Martins de Matos, ex-Ten Pilav (BA12, Bissalanca, 1972/74), hoje Ten Gen Pilav na reserva... Foto do blogue do nosso camarada
Victor Barata, Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74.Com a devida vénia...

O Victor reproduziu, no seu blogue (Sexta-feira, 16 de Janeiro de 2009 > 718 "A retirada de Guileje: um erro de 'casting', o comandante do COP 5"), o primeiro texto do António Matos, P3737, de 14 de Janeiro...Na introdução, o Victor Barata escreve o seguinte: "Não querendo menosprezar a opinião de cada um (julgo que para isto ainda existe democracia em Portugal...), não posso deixar de realçar aquela que na realidade classifico da mais íntegra visão dos factos relacionados com o tema, emitida pelo meu ilustre companheiro com quem partilhei algumas horas de voo nos ceús da Guiné: António Matos" (...).


Mensagem de António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res

[Subtítulos do editor vb]


Foi preciso ter sido acordado pelo livro do Cor Coutinho e Lima A retirada do Guileje, para vencer a inércia e escrever dois artigos sobre a Guiné (*).


(i) A às vezes esquecida e injustiçada Força Aérea Portuguesa (FAP) na Guiné

Não que essa vontade não se tivesse já manifestado anteriormente e por várias vezes, quase sempre por ver com que indiferença a Força Aérea é retratada, como se não existisse, como se servisse apenas para missões de apoio logístico/sanitário, para levar uns abastecimentos aqui e recolher os feridos e doentes acolá (alguns em estado grave, outros nem tanto).

E, no entanto, num cem (com c) número de vezes foi ela o fio da balança que significou a diferença entre o desastre e a segurança das forças terrestres.

Com excepção a um ou outro artigo onde se refere muito ao de leve o apoio da FAP a esta ou aquela operação, o que é comum encontrar são comentários do tipo “a aviação amordaçada”, “os aviões deixaram de voar”, “ já não nos apoiam”, “actuação interdita”...

E no entanto, nunca a FAP voou tanto como no período Abril-Setembro de 1973, por muitos reconhecido como o período mais violento da guerra da Guiné.

Faço aqui um parentesis para esclarecer que, como havia o boato de que a FAP não voava por causa do Strella, dava-nos um certo gozo passar a raspar sobre os telhados do QG e cidade de Bissau a 450 nós (850 km/h). Esta brincadeira só terminou quando foram fazer queixinhas ao Gen Spínola.

(ii) A Op Ametista Real


Exemplo da indiferença sobre o papel que a FAP desempenhou está bem patente num artigo do Gen Almeida Bruno sobre a operação Ametista Real, publicado neste blogue em 16 Agosto 2005, segundo as suas próprias palavras, “a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional” (**).

No seu texto, há apenas um parágrafo onde a FAP é referida, e que diz:

“A Força Aérea iniciou um pesado bombardeamento, a que se seguiu o assalto. Um pouco à sorte, já que não se sabia onde ficava a base. E a sorte foi decisiva”.

Fica um pouco a incerteza de quem precisava da sorte, se a FAP, se as forças de assalto, se todos nós.

Fala no “posto de comando aéreo” onde as decisões são do comandante da operação e o piloto apenas faz de “condutor da avioneta”. (Não me lembro que tal posto de comando tenha existido). A pergunta para a qual não tenho resposta é a de saber, a haver, quem estava nesse posto de comando aéreo dado que o Ten Cor Bruno, o Maj Folques, os Cap Matos Gomes e António Ramos estavam no chão.

E termina a descrição da operação referindo sobre a retirada que “Foi um movimento lento, interrompido por vários e violentos combates, até que, pelas quatro da tarde, o inimigo abandonou o terreno”. Só, sem mais.

O leitor desprevenido ficará com a ideia que a FAP fez o bombardeamento inicial e com isso terminou a sua actuação. Nada mais errado.

Vamos aos factos:

No briefing feito na véspera, na sala de operações da Base de Bissalanca, o Ten Cor Bruno afirma que, o que precisa da FAP é o bombardeamento inicial e o manter-se em alerta durante o resto do dia para um eventual mas remoto pedido de apoio.
Afirma igualmente que não deixam nada nem ninguém em território inimigo, a haver mortos, “trazem-nos às costas”.

Na cabeça deste Tenente aviador, já um pouco cafrealizado (12 meses de comissão), o pensamento deixa escapar um “Manga di ronco próprio”, antecipando desde logo que irá ter uma tarde repousada.

À alvorada do dia seguinte descolam de Bissau 6 FIAT-G91, (como disse num outro texto, só existiam 6 pilotos de Fiat), cada um com 2 bombas de 750 libras. Após a descolagem, um dos FIAT-G91 (o meu amigo Pipoca) entra em rota de colisão com um jagudi, daí resultando numa falha parcial do motor, pelo que o piloto aborta a missão, volta para Bissau, larga as bombas em segurança no rio Geba e aterra de imediato na Base de Bissalanca; os restantes 5 prosseguem a missão conforme o planeado.

O bombardeamento em Cumbamori é executado com precisão, acertando nos paióis do PAIGC; para descobrir o objectivo as forças terrestres já não precisam de sorte, só têm que seguir as colunas de fumo.

Uma vez de volta e aterrados em Bissau, os pilotos de FIAT-G91 entram em alerta (significa ter os aviões armados e prontos a descolar até ao máximo de 10 minutos após o pedido de apoio).

Nada acontece até às 13 horas (verificou-se à posteriori que esta calmia se deveu ao facto dos paióis irem explodindo, um após o outro, o que impossibilitou movimentos terrestres, nossos e do IN).

Ao início da tarde dá-se o primeiro pedido de apoio, a que se sucede um segundo, um terceiro, ..., pedidos que se vão “sucedendo sucessivamente sem cessar”. As nossas tropas estão em retirada para o Guidage.

A situação no chão torna-se critica ao ponto do Maj Folques, entretanto ferido, nos dizer no rádio “Ó Tigres, não se vão embora que estes ... querem deixar-me aqui sozinho”.

Os pilotos já não descansam entre voos, limitam-se a sair de um avião e a entrar noutro entretanto preparado; na tentativa de acelerar a prontidão dos aviões, os mecânicos carregam as bombas à força de braço (cada bomba de 750 libras pesa uns 370 kilos).

Ao fim da tarde e com a capacidade da FAP a esgotar-se, uma parelha de FIAT-G91 ao entrar em contacto com a tropa em retirada, recebe a informação de que estão a ser fortemente alvejados “da orla da mata”.

Ora, observando de cima o local onde se desenrolam os combates, o terreno é do tipo savana, nas redondezas apenas existe uma única mata, do comprimento de um campo de futebol e talvez metade da sua largura.

É aí que os FIAT-G91 largam 4 bombas de 750 libras. De imediato o ataque às nossas forças termina.

Tem razão o Gen Bruno quando diz que “às quatro da tarde o inimigo abandonou o terreno”, não disse foi o porquê.


(iii) O ataque a Bissau... e uma noite de riso

Outro ponto em que se enganou foi na data da operação, 19 Maio e não 20 como refere; a 20 e no rescaldo da operação, a FAP foi, desta vez, chamada a proteger as “barcoletas” da Marinha no rio Cacheu (os marinheiros que desculpem o termo, mas era assim que as chamávamos).

À noite, em Bissau, as conversas são em voz baixa, quase sussurradas. Perguntámos o que aconteceu:
- Bissau foi atacada esta manhã, grandes rebentamentos que ecoaram por toda a cidade.

Quase de imediato o mistério é-nos desvendado; tinham sido as bombas do avião que nessa manhã chocara com o jagudi que, apesar de largadas no rio Geba com as respectivas cavilhas de segurança, tinham mesmo assim explodido, acordando o pessoal de Bissau e arredores, oficiais do QG incluídos.

Claro que não os desapontámos, se diziam que era ataque, é porque era mesmo (também sabíamos construir os nossos boatos).

Nessa noite muito nos rimos à volta de uma garrafa de whisky.

A operação Ametista Real foi um marco importante na história da Guiné.
Pelo que fizeram, o TenCor Bruno, o Maj Folques, os meus amigos Matos Gomes e António Ramos (infelizmente já desaparecido), bem como os Comandos Africanos, merecem ser recordados (***).

Não pretendo negar uma das missões importantes que a FAP deve desempenhar (apoiar as forças que estão no terreno).

Custa-me que o esforço dos que lá do alto, quase como anjos da guarda, deram e dão para apoiar as tropas terrestres, raramente sejam referido e muito menos reconhecido.

Em 10 meses (de Abril 73 e Janeiro de 74) e em apoio às forças terrestres a Força Aérea perdeu 8 aviões, com 4 pilotos mortos em combate.

Também merece ser lembrada.

António Martins de Matos


__________


Notas de vb:


(*) Vd. postes de

[Texto de 1995, retirado de Autores vários: Os Últimos Guerreiros do Império. Lisboa: Edições Erasmos. 1995. 72-75.]

(***) Vd ainda os postes de:

Guiné 63/74 - P3782: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (18): Obrigou-se o PAIGC a combater em Gadamael... (João Seabra)

"Dispositivo do Sector Sul em Abril de 1973, pouco antes do ataque do PAIGC a Guileje. O COP 5 tinha sido activado em 22 de Janeiro de 1973, comandando as unidades instaladas em Guileje , Gadamael e Cacine. A vermelho, as zonas de intervenção do Com-Chefe " (NR).


Raio de acção do armamento do PAIGC, que cercava Guileje: Morteiro 120 (4 km); Grad (6 km); peça de 130 mm (12 km)... Reconstituição de Nuno Rubim.
Imagens : © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.

1. Mensagem do João Seabra, ex-alferes miliciano da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje):


Assunto - Guileje: para qualquer questão complexa há sempre uma resposta simples (geralmente errada) (*)

Caro Luís Graça,

Sou, há dois anos, um visitante ocasional deste blogue, no qual nunca participei, entre outras razões, porque (ainda) tenho uma vida profissional muito intensa e agitada.

Todavia, no passado Domingo [, dia 18,] o Sr. Coronel Coutinho e Lima chamou-me a atenção para o P3737 do Sr. Tenente General António Martins de Matos ("Um erro de Casting, e Comandante do COP5") (**), bem demonstrativo de que, para qualquer questão complexa há sempre uma resposta simples (geralmente errada).

Considero-me amigo do Sr. Coronel Coutinho e Lima, como amigo fui do Luís Pinto dos Santos, falecido há três anos, alferes miliciano de artilharia, comandante do 15º Pelart do Guileje, directamente visado pelo trecho "com o seu alcance os obuses de 14 cm seriam das armas aptos para contrariar o jogo inimigo...há mesmo o depoimento de alguém afirmando que o pessoal que os operava nem sequer saía dos abrigos".

Tal como o Sr. Tenente General sinto-me na obrigação de responder.

Deixarei para próximas oportunidades, o comentário mais completo ao P3737 (e aos que suscitou), designadamente no que se refere à fábula segundo a qual "Desde 6 de Maio de manhã que as GC de Guileje não efectuavam qualquer saída do quartel…" (**).

Por hoje limitar-me-ei às afirmações segundo as quais as flagelações eram feitas com "morteiro 120, canhão s/r"... e "há a confirmação de que as bases de fogo se situariam para lá da fronteira".

Considerando os alcances destas armas (5 a 5,5 Km para o morteiro 120 e 3 a 3,5 Km para o canhão s/r B10) diria que se trata de uma impossibilidade geométrica: basta ir ao Google Earth e medir.

Assim sendo, o Sr. Tenente–General tem de refazer o seu exercício: ou muda de armas, ou desloca a fronteira em benefício da Guiné-Conacri.

A única arma que nos flagelou a partir da Guiné Conacri terá sido a peça de 130 mm (com alcance provável não inferior a 12 Km).

A este propósito, pode-se consultar o interessante estudo do Coronel Nuno Rubim constante do P3058 de 13/7/2008 (***).

A minha disponibilidade para escrever textos novos é muito limitada, daí que me vá servindo de escritos de outras oportunidades, como o que hoje vai em anexo e é uma carta, dirigida ao director do jornal Público, escrita em Julho de 2005 em resposta a uma peça do jornalista Eduardo Dâmaso, sobre a Gadamael dos dias 31/5 a 3/6/73.

O resto – como os romances do século XIX – irá em folhetim.

É minha convicção que Guileje e Gadamael foram duas fases da mesma batalha.

A propaganda do PAIGC e a verdade oficial do Comando-chefe, numa insólita conjugação de esforços, sempre tentaram separar as duas situações, como episódios independentes.

Sustento que a decisão do Coronel Coutinho e Lima – abstraindo do, por assim dizer, "argumento humanitário" – foi a única que racionalmente poderia ser tomada, e negou ao PAIGC o seu campo de batalha de eleição (Guileje), transferindo-o para Gadamael.

Versa o texto em anexo principalmente sobre a situação subsequente em Gadamael (principalmente sobre o período de 22 de Maio a 3 de Junho de 1973, data do desembarque da CCP 122), articulando-a com os seus antecedentes relativos a Guileje.

Há matérias que nele deixo em dúvida atenta a informação que dispunha em 2005, por exemplo: hoje sei que a remodelação dos dispositivos de artilharia de Guileje e Gadamael foi proposta pelo Coronel Coutinho e Lima em Janeiro, mas executada em Maio.

De qualquer modo, tenho a presunção de pensar que o texto é instrutivo.

Com efeito, reza a apreciação do Comandante Chefe à actividade operacional do COP5 desde 22 de Maio 73: a actividade desenvolvida a partir de 22 reflecte uma acção de Comando de excepcional mérito e perfeitamente ajustada às circunstâncias.

Quer isto dizer que:

- Os Gr Comb de duas companhias de quadrícula (do tipo das que existiam na Guiné em 1973), "saíam do quartel", estabelecendo "segurança avançada";

- Consequentemente "sabia-se o que se passava fora do arame" e o IN era "mantido em respeito";

- A guarnição era apoiada por "potente artilharia" constituída por "armas aptas a contrariar o fogo inimigo";

- Não houve "erros de casting".

Estavam pois reunidas todas as condições para que – segundo a melhor doutrina – o IN fracassasse, ignominosamente, na sua tentativa de projectar sobre Gadamael os meios que tinha reunido para a operação sobre Guileje.

Quem quiser saber a minha versão do posteriormente sucedido (que pode ser, no essencial, corroborada por prova documental e testemunhal) pode consultar o pastelão em anexo [que será publicado oportunamente, L.G.].

Quem entender que tal excede o exigível a uma pessoa medianamente paciente, poderá consultar o breve (mas eloquente) depoimento do Sr. Coronel Araújo Sá, Comandante do BCP 12, a páginas 325 e 326 do livro A Retirada de Guileje.

Abraço do
João Seabra
Ex-alferes miliciano da CCAV 8350

2. Comentário de L.G.:

Saúdo o João Seabra, um Pirata de Guileje, e convido-o a integrar a nossa Tabanca Grande, tal como já o fez, há bastante tempo, ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho (de que publicamos acima duas fotos em tamanho pequeno, uma com o morteiro 10,7 e outra com a peça de artilharia 11,4), e mais recentemente o Cor Art Ref Alexandre Coutinho e Lima. (Peço desculpa se estou a esquecer mais alguém ligado à CCAV 8350, e que faça parte da nosso blogue; vou pedir ao Carlos Vinhal para confirmar nos assentos regimentais; e, a propósito, já aqui publicámos uma foto do vosso ex-Cap Mil Abel Quintas, em casa do J. Casimiro Carvalho, na Maia, mas ele nunca mostrou, explícita ou formalmente, interesse em fazer parte da nossa Tabanca Grande, que de resto não tem portas nem janelas...)

Ficamos todos mais ricos e confortáveis com a tua presença. Ao fim destes anos todos, Guileje, Gadamael, Guidaje e por aí fora são nomes que ainda mexem com todos nós. Não te admires que às vezes a gente ainda ande com os nervos à flor da pele, e se exceda um pouco, na expressão (verbal) de pontos de vista, nos nossos comentários, quando se debruça sobre esses complexos dossiês que são autênticas caixas de Pandora. Eu, que não estive em Guileje (a não ser recentemente, há menos de um ano), leio quase sempre com profundo respeito (e muitas vezes com emoção) todos os textos e comentários que me chegam, sobre este tópico, A retirada de Guileje...

Obrigado pelo teu depoimento, sereno. Obrigado pela tua filosofia de abordagem dos problemas. Obrigado também pelo texto que mandaste para o Público, e que eu irei publicar, dentro de dias. (É um depoimento, creio que inédito, extenso, rico de detalhas factuais, e onde é visível o esforço de contenção dramática, por parte do autor).

Como sabes, e é das nossas regras de bom viver, aqui ninguém chama nomes a ninguém. Ninguém te vai chamar herói, ninguém te chamar cobarde. Apenas duas palavras, a de amigo e camarada, são autorizadas. (Por brincadeira, chamo herói de Gadamael ao José Casimiro Carvalho: daqui para a frente vou ter que ter mais tento na língua, para não evocar em vão o nome de tantos outros camaradas, Antómios, Josés, Joões, Manéis... que foram heróis todos os dias, e mesmo em dias difíceis como o foi certamente o 22 de Maio de 1973)...

E tratamo-nos todos por tu, claro: ganhámos esse direito, por que combatemos ao lado uns dos outros, dormimos no mesmo buraco, comemos o mesmo arroz com estilhaços de frango, tivemos o mesmo medo e a mesma coragem, bebemos a água da mesma bolanha... e tínhamos (quase) todos a mesma idade.

Na volta, cá te espero. Um Alfa Bravo. Luís

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série, A retirada de Guileje... > 23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3778: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (17): O cerco que nunca existiu (António Martins de Matos)

(**) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)

(***) Vd. poste de 13 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3058: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Nuno Rubim (4): Slides (de 10 a 18): Dos Strellas à Op Amílcar Cabral

Guiné 63/74 - P3781: O Nosso Livro de Visitas (55): Carlos Figueira, ex-Fur Mil da CCAÇ 4946, Jemberem, Cacine e Bolama (1974)

1. Mensagem de Carlos Figueira, ex-Fur Mil da CCAÇ 4946/73, Jemberem, Cacine e Bolama, 1974, com data de 20 de Janeiro de 2009:

Caro Sr.
Na pesquisa para encontrar os restos mortais do falecido piloto do Paquete "Santa Maria" que faz amanha 21 de Janeiro, 48 anos. Como o piloto era meu amigo... (Eu estive para ser a 1.ª vítima conforme pode ver no blog http://somisabe.blogspot.com/)
foi quando eu encontrei o vosso blogue que muito me satisfez (Boa ideia).

Tenho pena também de desconhecer as datas em que os ex-militares da Guiné se reunem pois estou no Funchal, Ilha da Madeira. Com pena minha eu perdi os contactos com os meus colegas graduados naturais de Portugal Continental.

A título de curiosidade - a minha Companhia chegou à Guiné em 5 de Janeiro de 1974 e regressou a 16 de Agosto do mesmo ano.

Mesmo assim, fui ferido no braço direito por estilhaços a 5 de Fevereiro e transportado para o Hospital de Bissau. Não sei bem o que se passou, mas muitos dos meus documentos militares encontram-se desaparecidos dos arquivos militares, mas tenho o essencial.

Recebam todos um grande abraço pelo projecto e desejo a todos vós um Ano cheio de saúde e de amor.

Sempre ao vosso dispor
Carlos Alberto R Figueira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3777: O Nosso Livro de Visitas (54): Um camarada da diáspora, José Câmara, da açoriana CCAÇ 3327 (1971/73)

Guiné 63/74 - P3780: Fauna & flora (16): Avistamento de macaco-cão na zona de Dulombi/Galomaro (Luís Dias)

1. Mensagem de Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, com data de 19 de Janeiro de 2009:

Caros Editores

Caso queiram remeter esta pequena informação à investigadora Maria Joana Ferreira da Silva, sobre o macaco-cão no Dulombi, disponham.


Macaco cão. Foto de Herlander Simões


Avistamento de Macaco-Cão na Zona de Dulombi/Galomaro

A CCAÇ 3491, a que eu pertenci, esteve instalada, entre Janeiro de 1972 e Março de 1973, no Dulombi. Entre Março de 1973 e Março de 1974, a maior parte da Companhia esteve instalada em Galomaro, embora permanecessem 13 elementos e 2 Pelotões de Milícias no Dulombi e continuássemos a efectuar acções dentro da sua área (detínhamos a maior zona territorial de intervenção, em termos de Companhia). A zona tinha mais a sul os aquartelamentos do Saltinho e mais a norte Cancolim e Canjadude, e situava-se no Leste da Guiné.

Na primeira Operação em conjunto com a Companhia que fomos substituir - a CCAÇ 2700 - (1 de Fevereiro de 1972) e ao fim da tarde tomei pela primeira vez contacto com os babuínos e, pela forma peculiar com que se expressavam - latiam como cães - ficámos convencidos de que se tratava de cães do IN, pois ali era terra de ninguém e só nós ou os guerrilheiros por ali poderiam andar. É claro que a velhice e os milícias colocaram um riso malandro, fazendo crer, primeiramente, que eram os cães do PAIGC e só depois nos acalmando, dizendo que era um bando de macaco-cão.

Durante as operações que efectuámos na zona do Dulombi, entre esta população e o Rio Corubal, vimos muitas vezes bandos destes macacos, também chegámos a observá-los na picada (estrada) entre Dulombi e Galomaro. Quando estávamos instalados durante algum tempo atreviam-se a aproximarem-se, embora com cautelas. Havia sempre uns indivíduos maiores que ocupavam posições mais elevadas, como um morro de baga-baga ou uma árvore, parecendo ficar de vigia. Faziam por vezes um barulho ensurcedor, mas na maior parte do tempo pareciam estar sempre na brincadeira. Pareciam grupos grandes, de 40/50 indivíduos.

Quando a população do Dulombi plantava a mancarra, deixavam sempre alguém a tomar conta da plantação, seja para afastar os babuinos, seja para os dissuadir através de tiros de Mauser. Não temos conhecimento de qualquer ataque deste tipo de macacos, seja à tropa, seja à população, embora sejam aguerridos. Numa da vezes em que estávamos instalados para efectuar um descanso, um bando de babuínos surgiu e como estavam a fazer um barulho muito intenso, os meus soldados fizeram uma aposta comigo em como não era capaz de atingir um dos mais barulhentos que víamos a mexer por entre as árvores, a uma distância de perto de 80/100 metros. Como tinha a mania que tinha boa pontaria e perícia, pensei: vou apenas pregar um susto ao bicho. Rodei o diópter do aparelho de pontaria da G3 para a alça de 300m e apontei ao lado do macaco e disparei. Para minha surpresa, o animal caiu da árvore, chegando ao chão morto. Tinha-lhe acertado em cheio, apontei ao lado, mas houve qualquer desvio e o tiro foi fatal. Foi uma burrice... uma traquinice pouco ecológica e respeitadora de outros seres vivos. Raio de aposta!

Contava-se estórias de que os Fulas comiam macaco e que mesmo esse petisco havia sido provado por militares nossos, mas não sei se é verdade. No quartel não havia babuínos em cativeiro, unicamente um macaco mais pequeno que pertencia ao Escriturário da Companhia, mas que foi fuzilado por mim quando o apanhei a arrancar a cabeça dos nossos pintainhos, que criávamos para nos alimentar posteriormente.

Um abraço
Luís Dias
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3769: Fauna & flora (15): Macaco cão à mesa de Ponte Maqué e o "Buba" na Orion...(Raul Albino/M. Lema Santos)