quinta-feira, 5 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3987: Recortes de Imprensa (14): Soldados mortos na guerra colonial terão memorial no Porto, JN de 5/3/2009 (Jorge Teixeira)

1. Mensagem de Jorge Teixeira com data de 5 de Março de 2009:

Caros amigos
Leiam esta notícia. Pelo menos a minha cidade vai ter um Memorial recordando os nossos mortos.

Ao Carlos Vinhal, se achar por bem, pode colocar lá na Tabanca Grande um poste.
Na nossa de Matosinhos já lá está.

Um abraço de amizade para todos.


2. Com a devida vénia, transcrevemos uma notícia inserida no Jornal de Notícias de hoje, 5 de Março de 2009




Porto

Soldados mortos na guerra colonial terão memorial no Porto.
Os 167 militares do Porto que morreram em combate nas ex-províncias ultramarinas portuguesas vão ser recordados num Memorial que será construído nas imediações do Castelo de S. João da Foz, revelou Miguel Lencastre, um dos promotores da iniciativa.

"Na cidade do Porto não há nenhum memorial que recorde os combatentes que nasceram neste concelho", frisou Miguel Lencastre, acrescentando que "alguns camaradas de armas desses combatentes não se conformaram com a situação e propuseram-se a reparar a omissão",

Nesse sentido, em meados de 2008, foi criada a Associação para o Monumento de Homenagem aos Militares do Porto que Combateram no Ultramar, cujo único objectivo é a construção do Memorial.

O projecto deste monumento, da autoria do arquitecto Rodrigo Brito, vai ser apresentado publicamente a 12 de Março, numa cerimónia que terá lugar no Castelo de S. João da Foz.

"O monumento não será majestático nem sumptuoso, mas será digno", salientou Miguel Lencastre, da direcção da associação promotora da iniciativa.

O Memorial, basicamente constituído por placas de bronze onde serão gravados os nomes dos militares portuenses que morreram em combate nas antigas colónias portuguesas, será instalado num local situado no exterior das muralhas daquele castelo, situado junto à Foz do Douro.

Segundo dados oficiais do Estado-Maior General das Forças Armadas, são 167 os militares naturais do Porto que perderam a vida na guerra colonial.

Miguel Lencastre salientou que a associação não recebeu qualquer promessa de apoio das entidades oficiais que contactou, pelo que vai contar com a solidariedade dos portuenses para reunir os fundos necessários para a construção do monumento.

"Acreditamos que será uma questão de honra para os portuenses contribuir para este memorial, que pretende homenagear os que se sacrificaram pela Pátria", afirmou.

A Associação para o Monumento de Homenagem aos Militares do Porto que Combateram no Ultramar conta como membros dos órgãos sociais, entre outros, o coronel António Feijó de Andrade Gomes, que é o presidente da direcção, e o tenente-general Carlos de Azeredo, que preside à mesa da assembleia-geral.


3. Comentário de CV

Ainda bem que o concelho do Porto vai perpetuar a memória dos seus ex-combatentes da guerra do ultramar.

Esperamos (espero) que este exemplo se multiplique pelos concelhos do País onde ainda não existe um memorial lembrando o esforço da nossa geração.

Espero que os autarcas do Concelho de Matosinhos resolvam a curto prazo homenagear os seus munícipes ex-combatentes, enquanto ainda vivos, porque já são volvidos 35 anos após o fim da guerra e nós não duraremos muitos mais.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3738: Recortes de Imprensa (13): A minha Guerra - José Paulo Pestana, Correio da Manhã, de 4/1/ 2009 (José Martins)

Guiné 63/74 - P3986: O Nosso Livro de Visitas (57): Tony Grilo, Canadá: Artilheiro, apontador de obus 8,8 (Bissau, Cabedu, Cacine, Cameconde,1966/68)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cantanhez > Cabedu > Restos (arqueológicos...) do antigo destacamento de Cabedu... Por aqui passaram, em 1963/56, os valorosos e esforçados militares portgueses da CCAÇ 555, comandados pelo Cap Inf António Ritto e de que fazia parte o Fur Mil At Inf Norberto Gomes da Costa, hoje mestre em história, e que passa a integrar a nossa Tabanca Grande.

Foto: © José Teixeira(2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de Tony Grilo com data de 26 de Fevereiro de 2009 dirigida ao nosso Blogue

Amigo Graça:

Desculpa o meu começo Pois eu sigo os teus conselhos. Na tabanca todos nos tratamos por tu, e aí vai.

Caro amigo Graça, primeiro que tudo quero felicitar-te pela tua obra.

Agora se me dás licença, vou-me apresentar: O meu nome é Tony Grilo, cumpri o serviço militar, um ano e meio, em Portugal, e em 1966 fui mobilizado para a Guiné.

Saímos, no dia 31 de Maio de 1966, do cais de Alcântara no navio Alfredo da Silva. A viagem demorou 6 dias, percorremos 3666 milhas marítimas e chegámos no dia 6 de Junho de 1966.

O navio ficou ao largo, à espera do capitão de porto para o rebocar para o cais. E ali também vinham 6 pessoas.

Isto é apenas uma pequena história que sucedeu.

Agora vou contar-te algo mais sobre a minha pessoa!

Estive 24 meses na Guiné, era Apontador do obus 8,8 e a nossa Bateria, estava situada no QG em Bissau.

Estive ali só 2 semanas, pois fui enviado logo para o mato, Cabedu, ao Sul da Guiné, na célebre mata do Cantanhez.

Estive lá longos 18 meses, onde a vida era difícil, muita fome aí passávamos.

Ao fim desse tempo regressei a Bissau.

Como era bom rapaz e o capitão engraçou comigo, disse logo ao Primeiro para me marcar viagem para o mato. O motivo foi por me desenfiar do quartel. Não havendo sítio melhor, fui logo para Cacine e Cameconde, também ao Sul, na área do Cantanhez.

Graça, isto é só um pequeno apontamento, pois agora que tenho o vosso E-Mail, já é mais fácil contar as minhas histórias da passagem pela Guiné.

Actualmente vivo no Canadá, já há 38 anos, estou reformado e estou a pensar regressar ao nosso lindo Portugal em fins de Maio deste ano.

Graça, em breve vou-te enviar as minhas fotos.

Queria pedir-te um especial favor: gostaria de saber como contactar com camaradas da [CCAÇ] 1427, [CART] 1614 e da BAC que estiveram nos anos 1966 a 1968.

Um grande abraço a todos os camaradas da Tabanca Grande.

Para o Graça um forte abraço, deste teu camarada que terá muito gosto em conhecer-te pessoalmente.

Talvez em breve aquando do meu regresso a Portugal!

Até breve, caro AMIGO!

Tony Grilo

2. Mensagem de Luís Graça para Tony Grilo, com data de 27 de Fevereiro de 2009:

Tony:

Sê bem-vindo. Vou publicar (eu ou o Carlos Vinhal) a tua mensagem. Presumo que queiras figurar no nosso blogue (e na nossa Tabanca Grande) com as fotos da praxe (pelo menos uma antiga, do teu tempo de artilheiro) e outra actual.

Então vives no Canadá... Em que sítio? Toronto? E já agora, em que terra nasceste ou aonde costumas vir, de férias?

Olha, tenho ideia que me mandaste mais dois mails, a seguir a este. Pode ter acontecido eu tê-los eliminado sem querer, pensando tratar-se de Spam... Podes fazer o favor de os reencaminhar de novo para mim ?

Um bom fim de semana, camarada e amigo Tony. Vai gozando a tua reforma com saúde.
Recebe um abração do Luís


3. Comentário de CV

Caro Tony, esperamos as tuas notícias e as fotos da praxe.

Suponho que foste em rendição individual para seres colocado na Artlharia (BAC]em Bissau.

Hás-de contar-nos mais pormenores das tuas aventuras durante a tua estadia no mato, disparando aquelas velhas, mas eficazes peças.

Como diz o Luís Graça, gostaríamos de saber mais de ti, como por exemplo, o teu antigo posto militar, onde é a tua terra natal e outras coisas mais que nos possas contar.

Recebe um abraço em nome da tertúlia.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3792: O Nosso Livro de Visitas (56): Paulo Botelho procura fotos da CCAÇ 2789, Guiné, 1970/72

Guiné 63/74 - P3985: Da Suécia com saudade (9) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (9): Por que não fui desertor

Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente na Região de Tombali, no Cantanhez > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas (leia-se: sob controlo do PAIGC) > Novembro de 1970 > Foto nº 45 > Trabalhadores (inevitavelmente balantas) no cultivo do arroz. (Como é sabido, o sul da Guiné era tradicionalmente, e ainda é, o grande celeiro do país).
Sabemos hoje que parte da população controlada pelo PAIGC vivendo dentro do território da Guiné, nas chamadas regiões libertadas (estimada em 80 mil pelas autortidades portuguesas) tinha que ser reabastecida, em arroz, alimentação-base, por não ser autosuficiente. A Inter-Região Sul (à excepção da Frente Bafatá/Gabú Sul) era auto-suficiente na produção de arroz, enquanto a Inter-Região Norte era deficitária.
O fotógrafo norueguês Knut Andreasson e antiga deputada e ex-Presidente do Parlamento sueco, Birgitta Dahl, juntamente com uma delegação sueca, visitaram, a convite do PAIGC, as regiões libertadas na Guiné-Bissau, em Novembro de 1970. Nessa visita tiveram a oportunidade de falar com Amílcar Cabral, na sua casa, entre a sua gente, e obter um conhecimento mais aprofundado da luta pela independência.

Andreasson e Dahl fizeram mais tarde um livro, em sueco, sobre a sua histórica viagem. O Andreasson, por sua vez, fez uma exposição fotográfica com o objectivo de informar a opinião pública dos países nórdicos sobre a luta do PAIGC.

Não só a exposição, mas como a maioria das fotos deste período foram, posteriormente, doadas ao INA - Instituto Nórdico para a África [NAI - Nordic Africa Institute] pela viúva de Andreasson, entretanto falecido . A exposição foi doada à Fundação Amílcar Cabral pelo INA e apresentada por Birgitta Dahl, ex-presidente do parlamento sueco, por ocasião da celebração do 80º aniversário do nascimento do Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

As fotografias tiradas por Knut Andreasson mostram a vida do dia-a-dia das populações e dos guerrilheiros do PAIGC, nas chamadas regiões libertadas. No sítio do NAI, diz-se expressamente que, sendo a Guiné um intrincada rede rios e braços de mar, "a canoa é um importante meio de transporte nestas regiões, tanto mais que os portugueses fizeram explodir (sic) a maior parte das pontes existentes"...

Não há, contrariamente às fotos do húngaro Bara, qualquer alusão à utilização de napalm contra as populações civis, por parte da Força Aérea Portuguesa.

Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. (Hoje é um vulgaríssimo fotógrafo comercial). Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se os efeitos do napalm. É difícil provar ou negar a sua autenticidade. Presume-se que seja uma vítima dos nossos bombardeamentos.

(A foto ilustra um dos poemas do nosso José Manuel Lopes, que está neste momento a atrevessar a Gâmbia, de regresso a casa, com mais malta da Expedição Humanitária 2009 que foi á Guiné-Bissau). Não se diz exactamente onde foi tirada. A legenda (em húngaro) é a seguinte: Bara István: Napalm áldozata [vítima de napalm, traduzindo para em português].Guinea-Bissau, 1969. Julgamos tratar-se de uma imagem copyleft... De qualquer modo, reproduzimo-la com a devida vénia e agradecimento ao autor e citando a sua página (comercial). Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)
Retomando o sítio do INA - Instituto Nórdico para a África, faz-se igualmente referência à histórica taxa de analfabetismo ("mais de 99% da população era analfabeta, quando a luta começou em 1963"), daí a importância atribuída pelo PAIGC à educação. Várias fotografias mostram escolas no mato, tanto para crianças como para adultos adultos.
É referida então "a existência de 75 dessas escolas, sendo uma das primeiras a Escola Piloto em Conacri". É referido também o novo manual escolar, financiado por estudantes noruegueses e impresso na Suécia (*). As imagens, disponíveis no sítio da NAI, mostram também aspectos da organização sanitária do PAIGC e da vida comunitária, de resto em maior núemro do que as fotos de guerra...

Recorde-se que o
Nordic Africa Institute é uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala.

Fonte:
Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI ou INA,. dada por escrito ao editor) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda) (LG)

1. Mensagem do José Belo, ex-Alf Mil, CCaç 2381, Guiné/68-70/, Ingoré-Buba-Aldeia Formosa-Mampatá-Empada, hoje Cap Inf Ref, na diáspora, na Suécia (**) [Não possuímos infelizmente qualquer foto do José Belo]

(Peço desculpas aos camaradas por erros ortográficos resultantes de dislexia, que, aparentemente, se vai agravando com o passar doa anos, não tendo o meu computador sueco possibilidades de correcção automática da língua portuguesa).
[Revisão e fixaçãop do texto, bem como bold, a cor: Editor L.G.]

Surpreendeu-me que um senhor jornalista português necessite de esclarecimentos quando descreve a guerra colonial em generalidades incorrectas e falaciosas. Não sei a idade ou experiências de vida do sr. jornalista (***), e tenho que reconhecer que, afastado há já muitas décadas do meu querido Portugal, talvez me seja difícil de compreender determinadas "evoluções" descritivas.

Sou um, entre milhares, dos que combateram na Guiné ao lado de Camaradas de todos os recantos de Portugal, e sem nunca esquecer os Guineenses que envergavam com orgulho fardas portuguesas (estes não só ao nosso lado, mas muitas das vezes, literalmente à nossa frente!).

Como tão bem escreveu, na Tabanca Grande, Diana Andringa, não se deve ferver em pouca água, ou perder perspectivas de fundo. Mas não é fácil perante o simplismo do sr. jornalista. Na guerra colonial, como infelizmente em todas as guerras, existiram massacres. De ambos os lados. E que se não esqueça Angola/61! (****). E, apesar de qualquer massacre ser sempre um massacre a mais(!), se tivermos em conta os três teatros de operacões, o número de forças em presença e a duração do conflito, foram miraculosamente poucos!

A esmagadora maioria de nós, os que sacrificaram a juventude em guerra de antemão politicamente perdida, procurou ajudar de alma e coração as populações locais. Como felizmente muitos ainda estamos "vivos", os srs. jornalistas que não saibam...tenham a humildade de perguntar!

Se me desculparem o "pessoalismo", recordo o ano de 1980, quando ainda havia um relativamente grande interesse por parte da sociedade sueca para com os acontecimentos relacionados com Portugal da guerra colonial e de Abril.

Fui procurado por um grupo de jornalistas suecos que, sabendo ter eu sido o Oficial de Segurança e representante do MFA no Depósito Geral de Material de Guerra de Beirolas, procuravam alguns detalhes de histórias relacionadas com acontecimentos dos anos 74/75 passados...do outro lado dos espelhos!

Um deles, representante de um conhecido jornal de esquerda do Norte da Suécia, Norlandsk Flamma, perguntou-me com ironia evidente:
- Se eram assim tão contra a política governamental porque é que cumpriam o serviço militar em África e não desertavam em números substanciais?

Confesso que, no momento, senti vontade de lhe explicar que tendo passado todo o PREC numa guarnição em plena cintura industrial de Lisboa, tinha mais do que um curso completo em grupos, grupelhos e tudo o que de esquerdalhada se tratava quanto a perguntas provocadoras!
Mas como explicar-lhe o facto de, desde o nascimento, nos colocarem sobre os ombros os tais quinhentos anos passados de colonialismos épicos?

Como explicar que desde o Minho aos Açores, todos tínhamos Bisavós , Avós, Pais, Tios Irmãos, Primos, Amigos, conhecidos que cumpriram o seu servico militar algures no império?

Como explicar que o meu Avô, Republicano e anti-salazarista convicto, se orgulhava de ter defendido o Norte de Moçambique aquando dos ataques Alamães da primeira guerra mundial?

Como explicar que o meu Pai estivera voluntariamente como médico no Norte de Angola aquando dos massacres de 61?

Eu, que pretenci aos democratas do antes do 25 deAbril, … desertar? Quando todos os que conhecia com idades próximas da minha se encontravam algures em África?


Por infeliz ignorância, ou produto do nosso forçado isolamento cultural, o desertar era identificado como cobardia para com a Pátria, e não como uma legítima forma de luta política contra o regime. E, francamente, acabaram por ser bem poucos os que o fizeram… por razões extritamente políticas.

Procurando situar-me ao nível da ironia barata do jornalista sueco, nascido, criado, educado numa sociedade livre que não participa em nenhuma guerra nos últimos 360(!) anos, decidi procurar dar alguns detalhes da sociedade da minha Lisboa dos anos sessenta.

Acreditaria ele que estavam colocados polícias da segurança pública à porta dos liceus femininos de uma capital do Ocidente Europeu para afastar (menos delicadamente) os pobres dos namorados de 15/16/17 anos de idade quando as iam esperar à saída das aulas?

Acreditaria ele que a sra. Reitora do Liceu Maria Amália de Lisboa percorria os recreios com uma régua na mão medindo o comprimento moralmente adequado das saias e batas das meninas?

Compreendia ele o que lhe queria mostrar com estes ridículos exemplos de uma sociedade que hoje nos parece incrível?

Serão respostas deste tipo, e deste nível, que o sr. jornalista português necessita para melhor compreender… "enquadramentos"?

Estocolmo 1/3/09.

Um grande abraço amigo para os Camaradas
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3928: PAIGC: O Nosso Livro da 1ª Classe (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Cafal Balanta / Cafine, 1972/74)

(**) Vd. postes do nosso compatriota e camarada José (ou Joseph) Belo:

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo

6 de Agosto de 2008 >Guiné 63/74 - P3115: Blogpoesia (22): No mesmo navio, piscina e música em camarote de 1ª, suor nos porões...(José Belo).

(***) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

(****) Veja-se o comentário do Jorge Fontinha, que hoje vive na Régua, e cuja guerra começou bem cedo, aos 12 anos, em Nambuangongo (na Guiné, for Fur Mil Inf, CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, CCaç 2791, Set 1970 / Set 1972) .

Eu sou dos que criticam a política Ultramarina de Salazar. Senão fosse ele ter ignorado quem por diversas vezes o aconselhava, na resolução dos problemas Ultramarinos, antes de 1961, a Guerra nem sequer tinha começado.

Já não estou de acordo dizer-se que os militares Portugueses praticaram massacres e tenham sido os únicos.

Infelizmente tinha eu 12 anos, quando a exemplo de outras, a fazenda do meu pai em NAMBUANGONGO, foi massacrada e lá ficou o meu único irmão morto à catanada. Nove anos mais tarde fui militar na Guiné e em zonas de intensa actividade operacional.

Que tenha sido do meu conhecimento, não vi massacres nossos. Sei que houve e sobretudo em Moçambique algumas acçõess desnecessárias. Talvez na Guiné possa também ter havido algumas semelhantes. Todavia se vamos falar de massacres comecemos pelo 15 de Março de 1961!

Os meus cumprimentos à Diana Andringa, jornalista com "J" grande, que ao londo dos anos aprendi a respeitar.É um exemplo a seguir pelos seus colegas.

Jorge Fontinha

Outro combatente, que andou por Angola, Júlio Pinto, membro da nossa Tabanca Grande, também ironiza:

Li agora, no blogue, o parágrafo do artigo da Visão e fiquei convencido de que a juventude que andou na guerra do Ultramar, andou lá a fazer tiro ao alvo aos elementos das populações locais e depois, para justificar que andavam na guerra, desataram a disparar uns contra os outros.

Fizeram explodir minas só para inglês ver e espetaram com as viaturas umas contra as outras, para dizerem que foram minas.

Então de acordo com esta atitude, morreram milhares de jovens, desapareceram em combate outras dezenas deles e milhares de muitos outros são hoje deficientes das forças armadas.

Claro que o jornalista que escreveu esta aberração de artigo, no tempo em que por lá andávamos, ainda devia andar no c... dos franceses. [Ele] evia ter lá andado, como nós, e com alguns de nós, que passaram as passas do Algarve, sem ter de comer, com água da pior qualidade, muitos sem sequer terem material de guerra, para poder responder ao IN (inimigo para ele saber o que isto quer dizer).

Não há dúvida, nós fomos os maus e os outros foram os bons. No entanto são os maus da fita que organizam expedições, como esta que partiu agora de Coimbra com destino à Guiné, para levar algo útil àquele povo.

Pergunto onde estava a Visão que deste belo acto não viu nada? O que este jornalista merecia sei-o eu (...). Além de tudo, (...) só demonstrou uma enorme falta de respeito por uma geração que deu tudo à Pátria.

Júlio Pinto
Ex-Combatente em Angola
como 2º Sargento de Artilharia
pinto.jvp@gmail.com

Vd. último poste da série de: 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3512: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (8): Proposta de Bordel Móvel de Campanha...

Guiné 63/74 - P3984: Nuvens sobre Bissau (17): Curvo-me à memória do Nino, o homem que nos fez a vida negra em Gandembel/Balana (Idálio Reis)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969 > Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,] Spínola também viria cá despedir-se".

Foto e legendas: ©
Idálio Reis (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Idálio Reis (*), ex-Alf Mil
da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835, Gandembel
e Ponte Balana 1968/69), engenheiro
agrónomo reformado, residente
em Cantanhede.


Para os novos membros da Tabanca Grande,
direi só que o Idálio Reis e os seus homens deveriam figurar na lista dos recordes da guerra da Guiné: têm só à sua conta 372 ataques e falagelações contra Gandembel / Balana, entre Abril de 1968 e Janeiro de 1969 (*); destes homens pode-se dizer-se que o 'Nino' fez-lhes a vida negra, transformando Gandembel num dos maiores símbolos, na Guiné, da tenacidade, da resistência, da camaradagem, de capacidade de sofrimento de tropas portuguesas comandadas... por milicianos (O Sr capitão da companhia, oficial do QP que chegará a general, será poupado ao pesadelo de Gandembel / Balana...) (**)

Meus caros Luís, Virgínio e Carlos.

Com um caloroso abraço para todos os companheiros, alinhavo este pequeno texto, quanto aos acontecimentos de Bissau, preocupantes, e que nos deixa muito tristes.

Porventura o maior guerrilheiro dos movimentos independentistas que lutaram contra os combatentes da potência colonial portuguesa, tomba de forma assassina.

Bissau foi, mais uma vez, palco sangrento de actos hediondos e cruéis, onde morrem o Presidente da República - Nino Vieira- e o Chefe das Forças Armadas -Tagmé Na Waié-. Curvo-me respeitosamente em suas memórias.

Foram vítimas de uma luta fratricida, a fervilhar a todo o momento, onde grassa um inusitado número de homens armados, qual bando sem comando ou hierarquia, pronto a cometer as maiores atrocidades.

E este ror de funestos acontecimentos que em geral se circunscrevem nos limites da capital Bissau, vêm desprezando um pobre povo, pedinte de uma paz ansiada, e em que quase todos os requisitos mais essenciais a uma vida digna lhes continuam a ser vedados. Para além da paz, os homens, mulheres e crianças da Guiné-Bissau são carentes dos bens primários, como o pão, a saúde, a educação.

É com uma profunda mágoa que neste reconhecimento de um país à beira da agonia, haja uma população serena e digna, abandonada a si-própria, sem vislumbrar no seu limitado horizonte uma réstia de esperança.

As vidas ceifadas a 2 dos maiores dignitários do País, a forma como os crimes foram perpetrados, não são bons indicadores, para os que, como nós, se procuram inteirar dos acontecimentos que lá ocorrem quotidianamente.

No momento em que escrevo estas linhas, felizmente parecem não existir quaisquer focos de rebelião, e na cidade de Bissau há acalmia e serenidade.

Oxalá que emirjam o bom senso e a frieza bastantes para que não se agrave ainda mais o ‘status’ que prevalecia, e que a comunidade internacional manifeste toda a solidariedade possível, para que de vez as instituições singrem em busca dos seus mais nobres propósitos.

As informações dos companheiros que há dias partiram de Coimbra, alivia os nossos espíritos. Para eles que, numa altruísta manifestação de boa vontade, demandaram aquele torrão que conhecem, desejo-lhes que esta sua dádiva seja a mais frutuosa possível, e que tudo decorra à medida dos seus e nossos desejos. Bem-hajam por este enlevado exemplo.

Muito provavelmente alguns deles, se confrontaram com os grupos de guerrilha sob o comando daquelas 2 figuras, cujas acções de combate primaram pela excelência e a quem presto a minha homenagem, enquanto tal.

Relembro o que a minha Companhia sofreu com o empenho manifestado pelo bigrupo de Nino Vieira; a argúcia, o destemor, a valentia. Este brioso combatente foi um dos baluartes no caminho para a independência da sua pátria.

Não desejo tecer nenhum pronunciamento quanto às suas funções como estadista, mercê de circunstancialismos diversos, pois reconhecidamente foi ele um dos principais fautores no recrudescimento da violência do variado mosaico étnico da Guiné-Bissau.
Que a paz se assuma em definitivo, para aquele martirizado povo.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 19 de Julho de 2007 Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

Vd. último poste da série > 4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3983: Nuvens negras sobre Bissau (16): O Nino e o Luís Cabral que eu conheci, em 1979-1993 (António Rosinha)

Vd. todo o dossiê do Idálio Reis (11 postes, profusamente ilustrados) sobre Gandembel/Balana (que merecia ser publicado em livro): 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)

(...) Comentário do editor L.G.:

1. Querido amigo e camarada Idálio:

Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande.

A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue. Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.


(***) Informação do Idálio Reis:

A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos.

Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3983: Nuvens negras sobre Bissau (16): O 'Nino' e o Luís Cabral que eu conheci, em 1979-1993 (António Rosinha)

1. Mensagem do António Rosinha, nosso amigo e camarada, ex-Furriel Miliciano em Angola (1961) , topógrafo na TECNIL, na Guiné-Bissau, entre 1979/93 (*), membro da nossa Tabanca Grande desde Novembro de 2006: 

  Assunto - Nino, Luís Cabral, Amílcar Cabral, Spínola... 


 Amigos editores e bloguistas, [Bold, da responsabilidade do editor, L.G.] Só pretendo emitir uma opinião neste momento histórico para a Guiné, com a morte de NINO, pelo simples facto de tentar explicar o que me foi dado perceber o que o povo da Guiné, o povo simples, pensava dos principais obreiros da independência da Guiné e Caboverde. Isto durante 1979-1993. E só faço este esforço de análise, porque sempre achei curioso o que pensavam os nossos colonizados, angolanos e guineenses, destas figuras. Gostava era de ler algo analisado por guineenses (**). 

 Caboverdeanos que tive inúmeros como colegas e superiores profissionais, e da boémia de juventude em Luanda, nunca os tive como colonizados. A maioria estão em Portugal, como eu. A propósito, temos que lembrar que o que se passa na Guiné, tirando os fuzilamentos dos nossos comandos africanos, e nunca escrevem os fuzilados em Conakri com o assassinato de Amilcar, tudo o resto de violência é entre os grandes, uns e outros, porque noutros paises, Serra Leoa, Ruanda, Congo, e mesmo Conacri, etc., não se contam pelos dedos, como na Guiné. 

 Voltando à Guiné, conheci e cumprimentei mais que uma vez, tanto Nino como Luis Cabral. O Luis Cabral visitava constantemente obras públicas onde eu andava. E aí, como eu vivia rodeado de trabalhadores braçais, era privilegiado em informações, só precisava de compreender o crioulo. E os guineenses, quando queriam que eu compreendesse, discutiam em crioulo aberto, caso contrário falavam cerrado e eu, patavina. Eu e qualquer um. 

 E uns meses antes do golpe do Nino, no 14 de Novembro de 1980, o povo já vivia numa revolta surda, em que diziam que o Luís mandava tudo e o Nino, coitado, não mandava nada. Os bormelho mandavam tudo e os filho da terra, nada. O Spinola tinha razão, a Guiné é dos guinéus! E não havia dúvidas, para quem via os dois constantemente passar de carro (estrada do aeroporto durante 1 ano), nunca se viam os dois juntos. 

 Outra coisa que o povo detestava no Luis em favor do coitado do Nino, é que para obter pão e vianda em geral eram bichas (forma) de 24 horas e mais. E de vez em quando lá vinham frases velhas do Spínola. Mas eu só compreendia o à vontade do Luis Cabral, porque de facto ele conseguia subvenções e ajudas e financiamentos mais incríveis, de que só dou duas(2) amostrinhas: 

 (i) Uma fábrica no Cuméré, de transformação de óleo de amendoim e outros, que bombava o óleo directamente para o navio no porto de Bissau para exportação. Eu vi a fábrica, e vi a extremidade do pipe-line no cais de Bissau. (financiamento francês); 

 (ii) Uma fábrica de montagem da Citröen, em frente aos quartéis de Brá. Vi e orientei uns trabalhos da minha especialidade nessa fábrica. Até umas casas para residência de fins de semana das familias dos funcionários, eu vi o projecto (só projecto). Esta ainda chegou a produzir alguns carros...

Mas ainda mais perigoso para Luís Cabral era o à vontade com que preparava um congresso do partido em que ia ser consagrado o sonho de Amilcar, a UNIDADE GUINÉ CABO VERDE. Partido e País Único. E vinha sempre a conversa do Spínola, a Guiné dos Guinéus. E o Nino, coitado, não manda nada. Até que, uns dias antes do tal congresso, se dá o 14 de Novembro, e para o povo, foi como que um tirar a pressão a uma panela, um respirar fundo, em que constantemente se ouvia que agora eram independentes. 

 Sem estarmos em Bissau, e pondo-nos a imaginar, será que foi outra panela de pressão que se abriu para aquele povo? Mas aquela imagem que se quer dar por nós, europeus, sobre Nino, como grande militar mas politicamente pelo contrário, não é bem assim para os africanos, e até se pode considerar que internacionalmente conseguiu muitos sucessos. Copiando o que viu fazer ao Amílcar e ao Luís, conseguiu toda a cooperação que eles conseguiram, ou seja os financiamentos Suecos, Soviéticos, Franceses (com estes teve muita classe), com Portugal não nos ficou barato, TAP, agricultura, bolsas, etc.. 

Com os políticos africanos esteve sempre em casa. O nosso ponto de vista (brancos, europeus) está nos antípodas dos africanos. Por exemplo, para nós, dentro da nossa lógica, bom seria o SENGHOR, menos seria SEKOU TOURÉ, para os guineenses. Mantive discussões, principalmente com gente do partido, que bom era o Sekou Touré, pois que o Senghor era um lacaio dos franceses, e lá vinha a conversa do neocolonialismo e do paternalismo, etc. Aliás, isso era um dos tópicos do Amílcar. 

 E quando se fala entre os europeus de Mandela ou Mugabe, não é a mesma coisa que entre os africanos. Mas com a Inglaterra os africanos não brincam... Outra ideia que me ficou do povo da Guiné, é que, sem excepção, todos queriam a Independência, não eram só os membros do Partido, mas isso já eu tinha compreendido em Angola, só que o povo tem a sua sabedoria, e usaram um cepticismo à espera de qualquer coisa

 Mas uma coisa é certa, os nossos ex-colonizados não nos podem acusar de ter preparado uma elite: E aí não produzimos Mobutus, Idi Amin's, Mandelas, nem Mugabes, nem Senghors Bokassas, etc. porque se os produzíssemos não tinhamos força militar nem política para os proteger como fez a França, a Inglaterra e até América e Rússia. 

 Eu como vi milhares de sanzalas em Angola, absolutamente incrédulas quanto aos três movimentos mais as franjas, sem Salazar ou com Salazar, com comunismo ou sem, achava que não podiamos fazer o que fizeram os vizinhos Belgas, porque todos os cooperantes internacionais que vim encontrar de máquina fotográfica a tiracolo na Guiné, já os tinha visto no Congo Belga, 30 anos antes. Ainda continuam lá. Então, a ONU, em África onde aparece atrai raio! 

 Um abraço Antº Rosinha 

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 Notas de L.G.: 


Guiné 63/74 - P3982: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (7): Ferreira da Silva, ex-Capitão Comando, novo comandante do COP 5 a partir de 31/5/1973

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Junho de 1973 > Uma Lancha de Desembarque Média (LDM) com militares e populares no Rio Cacine, fugindo do inferno... Há pontos (polémicos) que o antigo Cap Comando Ferreira da Silva poderia ajudar-nos a esclarecer como: (i) a debandada de Gadamael; (ii) a alegada ordem de Spínola para 'metralhar' os desertores...

Foto: © Delgadinho Rodrigues /
Manuel Rebocho (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem de Ferreira da Silva, Cor Cmd Ref, que passa a ser um novo membro da nossa Tabanca Grande (Aguardamos que nos mande as fotografias da praxe, e que nos conte algo mais sobre os meses que passou em Gadamael entre 31 de Maio de 1973 e princípios de 1974)


Caro Luís Graça, amigos e combatentes (*)

Antes de mais os meus parabéns ao vosso blogue, e as minhas desculpas por ainda não ter participado, mas encontro-me a frequentar um curso de informática face às minhas dificuldades nestas novas tecnologias.

Em segundo lugar, quero salientar que tenho muita honra em ter sido combatente, como centenas de milhar de portugueses, que fizeram a guerra nas condições difíceis que todos conhecemos, a quem a Pátria ainda não prestou o devido reconhecimento.

Considero ainda a batalha de Gadamael, como uma das mais decisivas da nossa Guerra em África, e como estive aí colocado como comandante e adjunto durante vários meses tenho muito gosto em dar a minha opinião.

Todos os intervenientes tiveram uma actuação importante face à difícil situação verificada.

Relativamente a um artigo do jornalista Eduardo Dâmaso (**), publicado no jornal “Público”, de 26/6/2005, em que refere que no dia crítico de 1 de Junho de 2003 fiquei sem oficiais, informo que lhe enviei na altura um texto escrito, em que digo que fiquei sem capitães, o que foi verdade pois ficaram feridos e foram evacuados, o que ele confirma no desenvolvimento do artigo.

Para os mais interessados neste tema informo que o livro “Guerra Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros”, de Manuel Amaro Bernardo, contêm a minha opinião sobre Gadamael e que a intervenção dos paraquedistas consta do livro “A Geração do Fim”. (***)

Para terminar, para avivar a minha memória, gostaria de contactar com combatentes que estiveram em Gadamael em 1 de Junho de 2003. O meu contacto, para além do mail, é o 965772007.

Queria reiterar ao Luís Graça os meus parabéns e agradecimentos, e aos combatentes a minha solidariedade, respeito e admiração.

Ferreira da Silva
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Notas de L.G.:

(*) 1 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

(...) O [então capitão, hoje Coronel, ] Ferreira da Silva foi inicialmente colocado no Batalhão de Comandos da Guiné, numa operação no Morés, a sua viatura (um Unimogue) rebentou uma mina que matou os demais ocupantes, tendo ele sofrido fracturas nos dois braços e mais ferimentos, e sido obrigado a pedir a sua própria evacuação.

Evacuado para Portugal, pediu para terminar a sua comissão na Guiné, sendo colocado no CIM [Centro de Instrução Militar] de Bolama.

No dia 31 de Maio de 1973, foi recolhido de helicóptero e depositado em Cacine, seguindo-se uma viagem de sintex para Gadamael onde foi despejado ao fim da manhã, para substituir o Sr. Coronel (hoje Major General) Durão, com quem teve uma brevíssima conversa, onde lhe foi sugerido que o Sector estava calmo e controlado.

Este último oficial, seguiu imediatamente para Cufar, via Cacine, no mesmo sintex.

O Cap Ferreira da Silva nem teve tempo para reconhecer o aquartelamento, e mal conheceu os capitães das duas Companhias [ ali estacionadas ].

Ao princípio da tarde desse mesmo dia começaram as flagelações a Gadamael, e no dia seguinte de manhã os dois capitães foram evacuados.

O Cap Ferreira da Silva não conhecia os demais oficiais e, naquela confusão, não sabia onde os encontrar.

Dito isto, o proverbial “tratamento jornalístico” encontra logo um grande motivo de interesse: “ficou sem oficiais”.

(...) O então Capitão Comando Ferreira da Silva ficou em Gadamael até 1974, e pode contar-nos coisas muito interessantes sobre aquele sector, no pós JUL 73.(...)


(**) O trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso foi publicado em dois postes:

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

Vd. também igual trabalho sobre Guileje (com erros factuais já corrigidos) > 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)


(***) Sobre a batalha de Gadamael, vd. entre outros os seguintes postes:

27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)

14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)

16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)

15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)

2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P3981: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (1): Aprender a ser solidário

1. Mensagem de Helder Sousa(*), ex-Fur Mil de Transmissões TSF (Bissau e Piche, 1970/72), com data de 21 de Fevereiro de 2009:

Caros amigos e camaradas Editor e co-Editores

Em anexo envio um texto com uma história que, se eventualmente encontrarem algum interesse, podem publicar no nosso Blogue.

Ocorreu durante a Especialidade (2.º Ciclo do CSM) e tem o mérito de, para além do anedótico da situação, revelar a capacidade que havia de se gerarem laços de solidariedade e de resistência, já prenunciadores da disposição que se ia aos poucos alastrando, e também aborda (ao de leve) um outro aspecto que já foi também aflorado num outro texto do Blogue, que é a situação de alguns elementos profissionais irem vivendo e alimentando esquemas remuneratórios alternativos resultando tal, muitas vezes, em prejuizo do pessoal comum.

Cumprimentos
Hélder Sousa


APRENDER A SER SOLIDÁRIO OU UM SALAME DE CHOCOLATE ESPECIAL

A história que quero partilhar convosco teve lugar durante o período do meu 2.º Ciclo de Instrução do CSM o qual, por ser da Especialidade TSF, foi efectuado no então Batalhão de Telegrafistas (BT) à Graça, em Lisboa, decorrendo do final de Setembro de 1969 a Janeiro de 1970.

Fui testemunha directa e parte interessada e envolvida, do acontecimento que a seguir relato, que se passou na segunda quinzena de Outubro de 1969 (em plena época de eleições, lembram-se?) e relembro-o agora principalmente para salientar e reforçar a ideia que a tomada de consciência de cada vez mais elementos da nossa juventude questionando a guerra de África foi sendo feita de modo progressivo e com base em situações com que se viam confrontados, de que o episódio que se segue é um exemplo.

Os dois personagens que acabaram por ser as vítimas desta história foram o Fernando Cruz e o Mário Miguel Rodrigues que foram Fur Mil Transmissões TSF em Nampula, Moçambique. Ambos homens do norte, o Cruz do Porto e o Mário de Barcelos, que foram músicos nos seus tempos de juventude (o Cruz confessou-me que se encontra on de road again), são dois bons amigos, que também seguem o nosso Blogue e que, por via disso, conversando sobre tempos passados, relembraram este episódio que agora passo então a relatar.

O que é que o poderá tornar interessante?

Antes do mais porque, estando eu já em Bissau, portanto em 1971 ou 1972, não sei agora precisar, acabei ouvindo a história, deturpada, como é natural, pois é sabido que quem conta um conto aumenta um ponto e quem a relatava não sabia que eu tinha sido contemporâneo e que por tal poderia fazer correcções ao seu relato, mas também não me dei ao trabalho de o desdizer, já que tenho a ideia de que estava muito mais bem composta, romanceada e bastante lisonjeira para toda a rapaziada do Curso, transformados em verdadeiros heróis, contra as arbitrariedades e desmandos da hierarquia e seus lacaios.

Além disso nem sempre havia disposição, mesmo estando em Bissau, longe do Vietnam, como o Luís Graça escreveu naquela carta dirigida ao seu amigo e que já foi publicada no Blogue, não havia disposição, dizia eu, para grandes discussões. Assim deixei passar as deturpações naquela época e já nem me lembrava da história não fosse o Blogue e os amigos que o lêem.

Depois, porque para lá do caricato da situação, podemos encontrar muitas coisas que devem merecer reflexão e até, porque não, discussão sobre o que se perdeu ou não desde esses tempos, como sejam a solidariedade, o espírito de grupo, a unidade contra situações opressoras, bem assim como relembrar os tais desmandos que ocorriam muitas vezes em nosso prejuízo e muitas mais em benefício dos prevaricadores.

O caso em questão aconteceu, porque já vinha sendo hábito desaparecerem coisas das nossas mesas junto às camas e também dos nossos armários, sendo a vítima principal o Mário Miguel Rodrigues que tinha por norma comprar umas bolachas de chocolate que vinham em caixa metálica de formato rectangular. Andávamos todos aborrecidos com a situação, que ocorria por norma durante a nossa permanência nas aulas, num edifício distante da caserna, e as desconfianças iam, naturalmente, para quem fazia a faxina ou a supervisionava.

Deste modo, tiveram uma ideia para apanhar o ladrãozeco e resolveram passar aos actos. Mas vou deixar o Cruz relembrar os factos. Escreveu-me ele o seguinte:

“…quanto ao incidente na Graça, em Lisboa, as bolachas eram roubadas do armário metálico e eu, numa hora de inspiração intestinal, substitui as bolachas na caixa por um apropriado excremento e coloquei a mesma na parte superior e exterior do armário. Ainda mais fácil do que quando as guardava dentro dele e ao mesmo tempo evitava algum odor menos agradável que ficasse no interior. Mas foi tiro e queda. Não me lembro da marca das bolachas mas eram boas com certeza. Sei que a caixa era rectangular e do trabalho complicado que foi acertar na dita sem danificar a mesma. Obra de arte! (hoje talvez a pudesse expor em Serralves!!! ) Bem...

Nós fomos para as aulas e nessa mesma manhã perto da hora do rancho o Sargento A quis saber quem tinha colocado a caixa em cima do armário. Claro que na altura ninguém se acusou e só eu e o Mário Miguel sabíamos do facto e fomos disfarçando como podíamos.

O tipo (acho que era um Cabo RD) levantou a tampa e, sem ver o conteúdo, pois já era hábito sacar as bolachas, meteu a mão e... sujou os dedinhos. Chamou o Sargento, alegou que tinha ido lá porque cheirava mal, que andava a ver se a camarata tinha sido limpa e que nunca tinha roubado bolachas etc., etc. O Sargento leva a novidade ao Capitão. O Capitão, de que neste momento não sei o nome, quando mais tarde nos inquiriu, quis saber quem foi, começou com um ar muito sério, riu, gozou com o assunto, que nunca tinha tido um caso semelhante, de tal forma que cheguei a pensar que estava safo, mas perante a pressão do Sargento A que era um cara de pau, nos prendou com 3 dias de detenção por autoridade do Comandante Ca FT/BT (Companhia Formação Transmissões/Batalhão Telegrafistas) em 31 Outubro 1969 “por haver introduzido dejectos na camarata infringindo os n.ºs 4 e 9 do Art.º 4 do RDM”.

Esta brincadeira fez com que ficasse de faxina às latrinas pelo menos durante uma semana. Ainda hoje me lembro bem de lavar aqueles poleiros e os azulejos com ácido de baterias (o detergente da época para as pôr a brilhar) e ainda hoje me admiro como alguns gajos tem tão fraca pontaria, mesmo sendo ele cego... E o buraco não era tão pequeno assim...! Acho que o Miguel apanhou castigo igual.

O Capitão deu uma descasca no RD, acreditou que as bolachas estavam a ser repetidamente roubadas mas, perante os factos e falta de provas de roubos anteriores, só eu e o Miguel nos lixámos. O Cabo ficou conhecido pelo Cabo da merda.

Mas nós só nos acusámos como autores materiais e cúmplices do sucedido na aproximação do fim-de-semana, porque havia os camaradas casados, o Reis e o Marques, que queriam muito ir a casa e enquanto não aparecessem os infractores não havia fim-de-semana para ninguém. Todos ficavam no quartel a fazer serviços. Não me lembro bem quanto tempo durou a nossa resistência, (eu e o Miguel discutimos a situação várias vezes até chegarmos a uma decisão), mas perante o quadro que se apresentava e num espírito de camaradagem assumimos a autoria e o fim-de-semana foi radioso para todos... menos para nós. Levei tudo na maior. Afinal três dias passam depressa. E ainda nos divertimos com o truque de deixar cair as moedas no muro do Quartel que era contornado pelo passeio exterior e pela abertura na vedação ficar a ver as pessoas na parte de fora a procurar no chão pelas moedas que achavam tinham deixado cair! Por vezes não controlávamos o riso e lá vinha palavrão como moeda de troca.

Só o toque a detidos a horas inesperadas e a lenga-lenga que tínhamos de dizer ao Oficial de Dia... “apresenta-se o Soldado Miliciano n.º 18489568 que se encontra detido... blá, blá, blá...” não era música para os meus ouvidos nem a letra era agradável. O estar detido não impediu que fosse várias vezes comer qualquer coisa (o bitoque lisboeta) tomar café e beber uns copos na tasca que ficava mesmo em frente da porta de armas. Os Sargentos que estavam na porta normalmente eram compreensivos e os Oficiais eram milicianos e nós não íamos fugir. Ser TSF era outra coisa!...”

Desta história o que eu quero ressaltar são, essencialmente, duas coisas:

- a solidariedade (cumplicidade) que se conseguiu gerar entre nós, um grupo de jovens que só se conheciam há apenas 5 semanas, que, eventualmente, teriam as suas rivalidades, pois faziam-lhes crer que a posição relativa numa lista de classificação podia ser motivo para uma não mobilização (de facto isso aconteceu para os 2 primeiros classificados que eram os 2 que eram casados na altura, lá os conseguimos colocar aí) e que aguentaram sem vacilar, sem bufar, todas as pressões para que houvesse denúncia dos delinquentes;

- a situação de relativa, chamemos-lhe assim, corrupção, com o Sargento A a gerir os serviços a matar (dizia-se) e portanto com os seus homens de mão sempre prontos para o que fosse preciso e protegidos quanto bastasse, com o tal Cabo RD em serviço permanente e que obviamente mereceu todo o empenho do A em sua defesa junto do Capitão que, realmente, perante os factos, e com a impossibilidade de provar que tinham havido roubos anteriormente e que tinham sido efectuados pelo mesmo faxineiro, não tinha outra alternativa, face aos regulamentos, senão aplicar a tal porrada.

E a vida continuou, mais fortes e solidários e em plena época de eleições, as eleições de 1969!

Um abraço!
Hélder Sousa
Fur Mil Trms TSF

Miguel Rodrigues e Fernando Cruz em Nampula
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3926: Efemérides (17): Piche, 22 de Fevereiro de 1971 ou... Carnaval, nunca mais! (Helder Sousa)

Guiné 63/74 - P3980: Convívios (98): Pessoal da CCAÇ 816, Estalagem Zende, dia 9 de Maio de 2009 em Esposende (Rui Silva)

1. Mensagem de Rui Silva(*), ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 4 de Março de 2009:

Caro Luís:
Recebe um grande abraço.
Abraço extensivo ao Briote e ao Vinhal. Desejo a melhor saúde nas Vossas pessoas assim como na de todos os nossos camaradas ex-Combatentes na Guiné e que ultimamente (nós todos) foram vítimas de ofensa da parte de um pseudo-jornalista que, em minha opinião, veio à procura de protagonismo (insuficiências) mas não à minha custa.

Junto envio o programa do próximo Convívio da 816 que este ano tem como promotor o nosso camarada de luta o Carlos Salsa e que te peço o publiques no Blogue da Tabanca Grande cada vez mais abrangente cada vez mais interessante e que tu tão sabiamente sabes coordenar, sem esquecer os préstimos valiosos do Briote e do Vinhal.
Bem hajam! Parabéns.

Mais uma vez convido-te a estares presente (era um grande prazer); muita gente da 816 já sabe quem tu és.

Rui Silva
Ex-Fur Mil
CCaç 816


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés

Vd. último poste da série de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3945: Convívios (96): Pessoal da CCAÇ 2679, na Pérola do Atlântico no dia 2 de Maio de 2009 (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P3979: Nuvens negras sobre Bissau (15): Morreu o Comandante Nino (David Guimarães)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca), localizado perto da margem direita do Rio Corubal. O sector L1 era essencialmente composto pelo triângulo Xime - Bambadinca - Xitole (havia ainda o Cuor, a norte do Rio Geba). O PAIGC tinha, praticamente desde o início da guerra, uma forte presença, em homens armados e em população civil ao longo na margem direita do Rio Corubal (região rica em bolonhas e em florestas-galeria, como a Mata do Fiofioli). Nino também conheceu bem esta zona. Não sei se alguma vez terá ouvido a viola do Guimarães a gemer o fado de Coimbra... Em contrapartida, o Guimarães levantou-lhe as suas minas e armadilhas... Mas nunca as devolveu...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



Porto > Maio de 2006 > O David David Guimarães e o António Marques Lopes, dois históricos do nosso blogue, e que são também figuras conhecidas e populares da Tabanca de Matosinhos, encontrando-se regularmente, todas as semanas, ao almoço de 4ª feira, no Restaurante Milho Rei... Como eu costumo lembrar, foram os primeiros, a atabancar, logo em Maio de 2005, no nosso blogue, por mão do Sousa de Castro (se a antiguidade fosse um posto, entre nós, eles os três já hoje eram generais de muitas estrelas)... Por razões circunstanciais, não têm aparecido este ano no nosso blogue.

Foto: © David J. Guimarães (2006). Direitos reservados



1. Mensagem do camarada nº 3, em termos de antiguidade, da nossa Tabanca Grande, o David Guimarães (ex-Fur Mil At Atilharia e Minas, Xitole, sede da CART 2716 / BART 2917, 1970/73), que vive em Espinho, é funcionário da Segurança Social, reformado, e membro do Grupo de Fado de Coimbra do Choupal até à Lapa.


Assunto - Lamento (*)

Nino Vieira... Morre um Presidente de um País que afinal a nós nos é querido, um país que por força de convicções e época nós todos evitamos que se constituísse mais cedo - era assim.

Para mim hoje morre um homem que ontem lutou em favor de sua Pátria e morre às mãos de seus irmãos guineenses. Não me interessa as circunstâncias porque foi morto e se tinham ou não razão para tanto ódio, mas para matar, NÃO.

Curvo-me perante um Comandante, herói da Guiné Bissau, que, quando da minha comissão, lutou nas fileiras do PAIGC exactamente na região onde perstei serviço - a confirmação era dele... E que viveu em Vila Nova de Gaia e de que Luís Cabral faz menção no seu livro Crónica da Libertação .

Morreu, para nós, ex-combatentes, o Comandante Nino, Presidente democraticamente eleito da Guiné-Bissau, um ser humano e isso é que tem significado - NÃO HÁ DIREITO, que se acabe com ninguém nem ninguém tem o direito de matar.

Toda a argumentação de morte adivinhada, anunciada, etc., etc., não cabe nestes parágrafos sob risco de ingerência, embora eu entenda que haja essa tentação, porque também conheci outros comandantes que morreram também desta forma, mas isso é de outro capítulo que não este.

David Guimarães

Ex-Furr Mil At Artilharia e Minas
Xitole 1970/1972

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P3978: Nuvens negras sobre Bissau (14): N' cansa tchora guine (Anastacio di Djens / Luís Graça)

Guiné 63/74 - P3978: Nuvens negras sobre Bissau (14): N' cansa tchora guine (Anastacio di Djens / Luís Graça)

Video clip de Anastacio de Djens - N'cansa tchora guine - Produção: TVKlele. Um dos temas, o 4º, inseridos no álbum musical, não comercial, com video clipes da TV Klele, distribuídos juntamente com a pasta do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, Guiné-Bissau, 1 a 7 de Março de 2008). O álbum tem por título Guiné-Bissau, Terra de História e Cultura. A televisão comunitária TV Klele, do Bairro Quelélé, de Bissau, tem o apoio da AD - Acção para o Desenvolvimento.

O tema musical deste videoclipe é fortíssimo. Mesmo não entendendo a 100% toda a letra (em crioulo de Bissau), não consigo ouvi-lo e vê-lo sem deixar de me emocionar. Anastácio di Djens, que eu conheci por ocasião do Simpósio, em Março de 2008, é uma das vozes mais belas e promissoras da nova geração musical. Oxalá haja oportunidades de trabalho para ele desenvolver e dar a conhecer o seu grande talento, a sua voz, a sua sensibilidade, dentro e fora da Guiné-Bissau, país de grandes músicos e de grandes tradições musicais. Daqui de Lisboa, numa semana de luto, para todos nós, vai um grande abraço, amigo e solidário, para ti, Anastácio, e para todos os jovens da tua terra que cantam e dançam a tua música. Um abraço também para a talentosa rapaziada da TV Klele. E, claro, para o Pepito e a malta da AD... Eles são, todos eles, os melhores filhos da Guiné.

Vídeo (5' 25''): You Tube > TVKlele (2007) (com a devida vénia...)

Guiné-Bissau > Bissau > Simpósio Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008) > Capa e contracapa do álbum Guiné-Bissau, terra de história e de cultura. Bissau, TV Klele Produções, 2008. Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

Guiné, Tabanca Grande (...) Quem disse que Deus, Alá e os bons irãs não montaram morança nesta terra ? Não foi o muntu. Não foi o tucurtacar pangolim. Não foi a rapaziada do Bairro do Quelélé. Não foi o fula nem o nalu. Não foram as aves do Cantanhez. Não foram os homens grandes do Gabu. Não foi o tuga, nem foste tu nem fui eu. (...) Ah!, como está ainda bem longe, Cabral, o ideal por que lutaste e morreste, uma vez, tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria. Nada que tu não saibas, lá no Olimpo dos deuses e dos heróis, ou não soubesses já, cá na terra dos homens, que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos, de Revoluções que devoram os seus filhos... (...) Quem disse, afinal, que tu,Guiné, não tens futuro ? Se não o foi macaco fidalgo, foram os teus inimigos, os de fora e os de dentro, os teus filhos bastardos e os filhos bastardos de outras nações. Os que dizem mal de ti, que te querem comprar a preço de saldo, e que te arrastam pela lama do tarrafo. E que dizem que és um narco-Estado. E que vives da caridade internacional. E que já não tens fé, nem caridade, nem esperança, nem voz, nem lágrimas para chorar. Que já não tens alma, nem salvação, nem pudor. E que Cabral morreu e está enterrado, na antiga fortaleza colonial da Amura. (...) Como te imploram os teus filhos, não queiras chorar mais, Guiné! N ka misti tchora mas! Faz das tuas lágrimas a força do macaréu da tua revolta e do teu ânmimo que te ajudarão a abrir a Picada do Futuro, a construir o Novo Corredor do Povo, a Nova Estrada da Liberdade. Que eu só desejo que seja tão grande, larga e fecunda, como os teus rios míticos, do Cacheu ao Cumbijã, do Geba ao Cacine. Ou tão límpidos e belos e selvagens como o Corubal. E que o Nhinte-Camatchol, o grande irã, te proteja, Guiné, Tabanca Grande. Excertos de: "Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné, Tabanca Grande" por Luís Graça (*) ___________ Nota de LG. (*) Vd. poste de 31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2704: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (12): Que o Nhinte-Camatchol te proteja, Guiné-Bissau Vd. também último poste da série Núvens negras sobre Bissau > 4 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3977: Nuvens negras sobre Bissau (13): Como acabar de vez com esta espiral de violência ? (Pepito)

Guiné 63/74 - P3977: Nuvens negras sobre Bissau (13): Como acabar de vez com esta espiral de violência? (Pepito)

Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) > Fotografia do "Camarada Amílcar Cabral, Secretário Geral do Partido", pág. 107.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


1. Mail que mandei hoje ao meu amigo Pepito:

Na segunda-feira, de manhã, andávamos todos angustiados por vossa causa... Imagino também o que vos ia na alma... Falei logo com a tua mãe, sei que lhe telefonaste duas vezes... Ele acha-te um 'optimista profissional'...

De qualquer modo, foi uma tragédia shakespeariana, essa que aconteceu, aí, e que vai deixar marcas na memória e na identidade do teu povo... Há uma geração que cresceu marcada pela violência (armada) das máfias...

Os nossos tugas também devem ter apanhado o seu susto... Tive que tranquilizar um das nossas mulheres... Desta vez porém os tropas não desataram aos tiros uns aos outros, incendiando a Guiné... Vocês agora precisam de todo o apoio (diplomático e não só) da comunidade internacional e da CPLP.

O que se diz por aí, que a gente aqui não saiba? Quem era esse comando de Mansoa? Balantas, uma sociedade secreta, à margem da hierarquia militar? O Nino, apesar de tudo, era popular em Bissau, e era o "último moicano"... Aqui era apontado como um 'amigo de Portugal'...

Não sei quais são os teus sentimentos pessoais (sei que também era um arqui-inimigo teu e da AD), mas será que estas duas mortes (físicas e simbólicas) representam também um 'virar de página' ? Gostava de ter um escrito 'guineense' sobre estes acontecimentos, vistos de Bissau... Tens um quarto de hora para nós? Ou a Isabel...que é portuguesa. Tens que lhe recordar que ela é também membro da Tabanca Grande?

Um chicoração. Cuida-te. (Não tenho o teu telemóvel de Bissau).
Luís


2. Resposta do Pepito (a quem agradeço a amizade, a frontalidade, o desassombro, a reafirmação dos valores éticos e políticos que são uma herança de Amílcar Cabral e que continuam a ser inspiradores para muitos de nós, cidadãos de Portugal, da Guiné-Bissau e do mundo) (*):

Luís

Sempre ouvi aos combatentes da independência da Guiné-Bissau referir que Amílcar Cabral se opunha com todas as suas forças à morte praticada por camaradas a camaradas de luta, por razões, fossem elas qual fossem, das "mais" às "menos" justificadas.

Ele promoveu julgamentos contra camaradas que mandavam matar outros que se iam entregar nos quartéis portugueses, porque tinham momentos de fraqueza ou desistiam de lutar. Ele dizia que a luta não era para nos matarmos uns aos outros. Que se assim fosse e se assim desejassem que continuasse a ser, então ele ia embora porque não se reconhecia nessas práticas.

Durante a organização do simpósio de Guiledje voltei (re)ouvir estas histórias contadas na primeira pessoa, por aqueles que as viveram.

Cabral ensinou-nos a todos que a luta não era contra os portugueses mas sim contra o regime colonial que oprimia uns e outros. Esta lição foi bem aprendida e hoje todos podem verificar o carinho com que os ex-militares são recebidos em Bissau.

Infelizmente já a primeira lição, a de não usarmos a violência, não foi aprendida. Ele foi a primeira grande vítima e nós acabámos todos por apanhar por tabela. O assassinato dele tem implícito a conivência de camaradas de luta que o mataram duas vezes: uma fisicamente e outra, nos últimos 30 anos, ao "esquecermos" completamente a sua existência, o seu pensamento e o seu exemplo. Os que estiveram implicados na primeira morte voltaram a estar implicados na segunda.

Daí em diante foi um rol infindável de aniquilamentos, de assassinatos, de matanças. Revoltado, vi morrer o meu Ministro da Agricultura, Paulo Correia, o melhor que tive em 18 anos de técnico daquele Ministério. Ele, entre muitos outros. Todos camaradas de luta mortos por camaradas de luta.

A espiral de violência atingiu neste fim de semana o grau que nunca antes tinha atingido.

Se há um nome a quem se possa imputar a responsabilidade maior desta cultura de violência, não pode ser outro senão o de Nino Vieira.

Depois do regresso de Portugal do pós-conflito armado de 1998, veio claramente fragilizado. Não tinha o poder que antes tivera: o poder militar estava na mão daqueles que lhe tinham imposto o exílio; o poder político e partidário escapava-lhe ao seu controlo absoluto. O regresso ao país e ao poder foi permanentemente marcado por uma estratégia de reconquista desses 3 poderes (militar, governo e partido). Fez e desfez alianças. Perdeu aquilo em que no passado era um mestre: a intuição.

Falhou estrondosamente nas últimas eleições ao apostar num partido sem liderança credível e sem militantes, convencido que o seu nome e figura era o bastante.

O seu último falhanço foi no plano narco-militar. Geriu mal os interesses de uns e outros, fossem eles de poder ou narco-financeiros. A bomba que matou Tagme cheirava a Colômbia e este, que tinha conhecimento do que se estava preparar, não sabendo apenas a data e local, pediu antecipadamente aos seus camaradas: "se ele me matar de manhã, matem-no à noite". Talvez tenha sido a primeira vez que um morto mata um vivo.

Morreu de forma ultrajante, violenta e repugnante: à catanada.

Mais do que a morte deles, o que me preocupa é como é que vamos acabar com esta espiral de violência de vez.

abraço do teu amigo
pepito
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3975: Sr. jornalista da Visão, nós todos somos combatentes, não assassinos (12): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381

terça-feira, 3 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3976: (Ex)citações (18): Amílcar Cabral, todos os dias, todas as horas, estás sendo assassinado (Jorge Picado)

Selo, de 20 pfening (1 marco alemão = 100 pf) com a efígie de Amílcar Cabral (1924-1973), emitido em 1978 pelos correios da antiga RDA - República Democrática Alemã (hoje integrada na República Federal Alemã)

Fonte: sv.Wikipedia (versão em sueco) > Amilcar Cabral

1. Comentário de Jorge Picado ao poste de 2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3964: Núvens negras sobre Bissau (6): O Nino morreu vítima de si próprio (Alberto Nascimento)

Camarada Alberto Nascimento:


Quando esta semana vi o documentário na RTP, da Catarina Furtado, sobre a situação actual da saúde na Guiné-Bissau, escrevi:

"Amilcar, todos os dias, todas as horas, estás sendo continuamente assassinado." (*)

Agora, a tua última expressão, é o que igualmente desejo possa acontecer quanto antes, para melhoria daquele povo que tanto sofre.

Jorge Picado
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3970: (Ex)citações (17): Spínola e Nino, do guerreiro ao estadista (José Belo)

Guiné 63/74 - P3975: Sr. jornalista da Visão, nós todos somos combatentes, não assassinos (12): José Teixeira, ex-1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381

1. Mensagem de José Teixeira(*), ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70, com data de 26 de Fevereiro de 2009:

Camaradas amigos
Junto mais um texto, escrito com o coração nas mãos, a sangrar de revolta. Chamem-me tudo, menos assassino e . . . já que procuram esquecer-me como filho da Pátria a quem dei o melhor da minha vida - a minha juventude, ao menos respeitem a minha velhice e deixem-me acabar os dias que Deus me vai conceder em paz e sossego.

Mando também uma foto minha mais actualizada, pois a idade não perdoa.

Um fraterno abraço para todos os camaradas

José Teixeira


Aquele abraço grande Vasco

A tua revolta é a minha revolta(**). É a revolta de todos nós. Todos aqueles que sofreram na carne e no espírito, uma guerra que na sua grande maioria, se não todos, não queriam fazer. O sangue que eu vi derramar, de brancos e africanos guineenses. Os mortos, cuja vida vi fugir, como enfermeiro feito às três pancadas em quatro meses, sem soluções, no meio da mesma selva por onde andaste uns anos depois.

Os gritos de dor dos que ficaram feridos e estropiados. As lágrimas que vi escorrer pelas faces dos homens meus camaradas e de mim mesmo pelo desespero de não os conseguir "safar". As lágrimas das mães que temiam pela vida das suas crianças. Ah aquela mãe em Buba que viu a sua bebé morrer carbonizada! A angústia sentida nas picadas de Buba, nas picadas de Gandembel, nas picadas de Mampatá e Chamarra, pelo perigo de emboscadas, muito bem montadas por um adversário que nos gritava:

- Tuga, vai para a tua terra - e nos deixava mensagens do mesmo teor. O acordar sobressaltado altas horas da noite, pelo despertar prematuro provocado pela a primeira “saída” dos canhões do inimigo, nas suas investidas nocturnas sobre o Tuga a convidá-lo a partir e deixar a Guiné em paz. Um pequeno atraso, foi fatal para o meu amigo Conceição Caixeiro. Quantas corridas para a vala, salva vidas, ou abrigo, de dia ou de noite para aguentar, enquanto os camaradas da frente se batiam com garra e destemor pela sua vida, a vida das populações que carinhosamente nos recebiam e a de todos nós. Os buracos onde tive de viver para tentar salvar a pele.




Não consigo apagar estas cenas vividas e sentidas da minha memória, apesar das grandes alegrias vividas nos meus regressos recentes àquelas martirizadas terras, com a recepção das pessoas que passados quarenta anos me reconheceram, me chamaram pelo nome e se penduraram no meu pescoço para extravasarmos a alegria de um retorno em paz.



O abraço a antigos inimigos que se bateram comigo, do outro lado da barreira em situações algumas delas localizadas na data e no terreno, para como que a pedir desculpa, pedir o tal abraço e chamar “tu ermom de mim”. Sentir mágoa e dor nas suas palavras quando, um deles me pergunta se passei o campo de minas onde morreram seis camaradas da CCaç 2317 entre Chamarra e Ponte Balana (foram cerca de setenta) e depois me diz:
- Eu era sapador e fui um dos que as montei





Senti sim uma grande paz interior, porque estas reacções espontâneas que ainda hoje fazem eco na minha vida e se repetem nos telefonemas que continuo a receber (ainda na semana passada a minha "lavandera" me telefonou para saber se eu estava bem e partir mantanhas.



Não aceito. Não posso aceitar que alguém tente passar uma esponja por tudo isto que eu, tu, nós, e, tantos foram, vivemos, forçados por um sistema político ultrapassado na época, através de escritos estropiados da verdade dos factos, ou mesmo inventados por máquinas informativas que não pretendem senão calar-nos e provocar nas gerações vindouras, uma visão errada das estóicas realidades vividas, por todos nós.



Obrigado Luís e tantos outros camaradas que ousaram criar condições para podermos falar, escrever, passar à história a verdade dos factos. A verdade de quem sentiu e viveu.

Não podemos calar. Temos de gritar bem alto o que sentimos e demonstrar a esses atrasados mentais, os que não são capazes ou não querem ver e os que se servem da pena para escrever baboseiras, que a realidade foi outra, a nossa, a que nós vivemos e sentimos. As lágrimas, o suor e o sangue que lá deixamos e . . . mostrar também os seus frutos. A vontade cada vez maior e em mais quantidade de voltarmos, agora voluntários, para rever, reviver e alimentar as amizades que lá deixamos, na população. E não vamos de arma na mão bolsos vazios e coração a sofrer, como da primeira vez. Procuramos levar-lhes para além do carinho e amizade, um pouco de nós mesmos. Os contentores vão cheios com um pouco de cada um de nós, dos nossos amigos, para lá ficar e resolver situações de vida e de miséria, numa terra inóspita e agreste que pouco dá aos seus habitantes e que os sistemas políticos portugueses de outrora, pouco se preocuparam em dar às suas populações as condições de cultura que lhes permitisse tirar o melhor rendimento. O importante era “sacar” a pouca riqueza pela exploração de mão de obra barata.

Vasco, Vascos, Zés Maneis, Joaquins... aquele abraço.
Zé Teixeira
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3791: Estórias do Zé Teixeira (34): O El Gonzalez (José Teixeira)

(**) Vd. poste de 26 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3939: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (1): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

Vd. último poste da série de 3 de Março > Guiné 63/74 - P3969: Sr. Jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (11): Jorge Picado, Manuel Reis, Luís Dias

Guiné 63/74 - P3974: Por falar em solidariedade (Jorge Teixeira)

1. Mensagem de Jorge Teixeira(*), ex-Fur Mil (Guiné, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2009, dirigida ao nosso Blogue:

Caro Luís,
Vão aqui mais uns apontamentos de memórias dos tempos idos, com fotos.
Fica ao teu critério publicar.

Por falar em solidariedade

Cheguei a Bolama no dia 7 ou 8 de Maio de 1968, directamente do Niassa numa LDM ou LDG, já não lembro.

Foi uma estadia de cerca de 15 dias sem nada para fazer, enquanto esperávamos que nos levassem para Catió, o que aconteceu num batelão, numa viagem que durou cerca de 12 horas. Mas esses pormenores não interessam.

Durante a estadia em Bolama, na companhia do meu grande amigo e camarada David Santos (já falecido), que iria para Cufar, aproveitámos para conhecer a ilha e fazer amizades com o pessoal que guarnecia as várias unidades. Entre eles estavam os fuzas, em cujo aquartelamento conhecemos um menino, filho dum fuzileiro que morreu em combate, e duma senhora nativa da ilha.

Por solidariedade com o camarada morto, este menino foi criado pelos fuzas. Conhecêmo-lo já com 3 ou 4 anos. Aqui ficam as fotos dele com o David Santos e com um fuza de quem não lembro o nome. Quiçá, eles vendo o blogue se venham a reconhecer.

Um abraço de amizade

Menino Fuza com um Fuzileiro

David Santos com o menino Fuza
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3682: Os Combatentes e a responsabilidade do Estado. (Jorge Teixeira)
e
11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira / António Costa)