quinta-feira, 2 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4129: Estórias cabralianas (47): A minha mobilização: o galo dos Cabrais... (Jorge Cabral)

1. Mais uma estória cabraliana (desculpem os puristas da língua, mas o autor faz questão...). Só faltam três para as 50... O Jorge prometeu não se passar dos carretos sem chegar à meia centena (*)...

Não cometo uma inconfidência - imprescindível para se compreender o título e a moral da história - ao dizer que o Cabral é um homem de linhagem ilustre... e que o progenitor , ao que sei, era militar... de carreira. E a verdade é que, quem sai aos seus, não degenera...

Posso garantir que nunca o vi, nas terras de Badora e do Cuor, cantar de galo... Mas que sempre prezou a sua linhagem, isso é indesmentível e eu sou testemunha: costumava garantir, a quem o queria ouvir, que "na Guiné, Cabral só havia um, o de Missirá e mais nenhum"...


Fanfarronice ou não, a coisa deve ter chegado aos ouvidos do Corca Só, o chefe da 'barraca' de Madina / Belel, que nunca mais voltou a meter-se com Missirá...(LG)


Estórias cabralianas > A Minha Mobilização. Trauma?

por Jorge Cabral


Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.

Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama.

Por volta do meio dia, vestia-se com a farda de passeio e comparecia ao obrigatório almoço. Finalizado este, já elas o esperavam no Café. Conversa, Poesia, Estórias e um pouco de loucura animavam as tardes, até ao toque de ordem. Regressado ao Quartel, desfardava-se e com os amigos, partia com destino às jantaradas, Montemor-o-Novo, Évora, Setúbal...

De volta ainda havia lugar para a lerpa, onde alinhavam também alguns jovens tenentes. Perdia sempre (era o galo dos Cabrais, segundo se dizia...).

Pois foi numa dessas noites. Eram três da manhã. A sala fumarenta, as garrafas vazias. Eis que chega o Capitão, Oficial de Dia, com um papel na mão. Vem divertido, e dirige-se ao Cabral:
– Calcule que em Leiria no RAL 4 (** já pensavam que tinha desertado (O Aspirante pertencia aquela unidade onde nunca fora, pois se encontrava em diligência na EPA) (**).
- ...
-Olhe, foi mobilizado em rendição individual para a Guiné.

Continuaram a jogatana. Beberam mais um copo e o Aspirante ainda brincou:
- Porra que não é só no jogo, o galo dos Cabrais!.

No outro dia já elas sabiam. Foi apaparicado e mimado. Tanto que acabou na cama com uma e na noite seguinte com outra e ainda havia uma terceira mas teve de entrar de licença.

Trauma da Mobilização?

Tem pensado nisso. Já tentou várias vezes “ser de novo mobilizado” para informar umas damas. E nada...

Jorge Cabral

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série:

31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].

Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)

(**) Abreviaturas

RAL = Regimento de Artilharia Ligeira

EPA = Escola Prática de Artilharia

Guiné 63/74 - P4128: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (8): Uma opinião de um leitor atento do nosso Blogue (João Miguel Almeida)

1. Mensagem de João Miguel Almeida, um nosso atento leitor, com data de 2 de Abril de 2009:

Exmo. Sr. Luís Graça,

No que respeita ao assunto Sr. General Almeida Bruno penso que os bloguistas se estão, talvez, a precipitar um pouco. Já dei voltas e voltas na internet, tentando encontrar o vídeo, mas o mesmo ainda não se encontra disponível on-line. E penso que tão cedo não estará.

Efectivamente as palavras da polémica foram ditas, mas se forem analizadas no contexto em que foram proferidas, o Sr. General está do lado dos operacionais, de alferes para baixo, e critica alguma da chefia, de Capitão para cima.

Tenho quase a certeza de que foi isto, mais ou menos, que vi e ouvi:

... devido a alguma chefia inútil, que conseguiu transformar as tropas em bandos aquartelados dentro do arame farpado ...

... e com a chegada do Sr. General Spinola toda essa chefia inútil foi recambiada para a metropole ...

... alguma dessa chefia inútil, logo na chegada do Sr. General Spinola, no dia seguinte já estavam na metropole ...


Tenho quase a certeza que foi isto que foi dito. Atenção que posso estar enganado, mas penso que não. Deus queira que esteja certo para o bem de todos. Apesar de ser muito novo, 41 anos, também tinha e ainda tenho, por enquanto, o Sr. General em muito boa conta.

Para finalizar, note Sr. Luis Graça, que o Sr. Virgínio Briote, aquando do início desta polémica, publicou muito oportunamente um poste (P4102), acerca de uma operação efectuada pelo Sr. General, na altura Major, com o Sr. Amadu Djaló. Eu penso que o Sr. Virgínio quis demonstrar que o Sr. Almeida Bruno não era de se ficar pelo ar condicionado. E ao publicar o poste, na altura em que o publicou, também deveria ter as mesmas dúvidas que eu. Tentou amenizar a coisa.


Nota:
Uma mentira dita repetidamente torna-se em verdade e depois já é tarde... não tem reparo. Vamos esperar que o vídeo fique on-line.

A RTP, tem disponível on-line alguns vídeos anteriores, este ainda não tem. Poderiam talvez fazer um apelo aos bloguistas, e alguém com conhecimentos na RTP conseguisse o vídeo.

Atentamente,
João Miguel Almeida


2. Comentário de CV:

Caros camaradas, aqui está uma opinião sensata e desapaixonada de quem viu o programa e se foi apercebendo da nossa reacção.

Temos publicado tudo o que nos chega dos camaradas tertulianos que se sentiram ofendidos com as palavras do Gen Almeida Bruno, porque é essa a nossa obrigação. Não fazemos qualquer tipo de censura, poderíamos antes pedir algum cometimento se entrássemos na ofensa grosseira. Mas atrevo-me a perguntar, quantos dos camaradas que emitiram as suas opiniões e desabafos ouviram directamente o Gen Almeida Bruno? Confesso que não ouvi, porque estava a gravar o programa, aproveitando a ocasião para trabalhar para o Blogue. E se alguém se propusesse a ouvir de novo e com calma as polémicas frases, tirando as respectivas ilações, apresentando-as depois?

Confesso que tenho as gravações guardadas de forma desordenada em vários DVDs e só depois de editar todo os episódios e localizar as imagens, é que teria hipótese de ouvir melhor as palavras do Gen Almeida Bruno. Este mês não antevejo tempo para isso, porque como sabem vou ficar mais desamcopanhado na edição do nosso Blogue.

À vossa consideração
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P4126: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (7): Os Bravos da Tropa Macaca (Eduardo Magalhães Ribeiro)

Guiné 63/74 - P4127: O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande (1): 4 anos, um milhão de páginas visitadas... (Luís Graça / Carlos Vinhal)


Lisboa > 22 de Março de 2009 > Cais de Alcântara, visto da Ponte 25 de Abril... > Foi durante a guerra colonial, o nosso cais de partida ...

Foto: © Luís Graça (2009). Direitos reservados


1. Texto do editor L.G.:

Como já transmiti pelo correio interno da Tabanca Grande, vou triar umas férias sabáticas do nosso blogue, como editor principal, justamente no mês em que (i) fazemos 4 anos; e (ii) vamos atingir o milhão de páginas visitadas...

O Carlos Vinhal, co-editor, desde há 2 anos, aceitou, com estoicismo, galhardia, valentia, patriotismo, sangue frio, determinação, companheirismo e sentido do dever a tarefa de me substituir como editor-mor... Ou não fosse ele um homem das Minas & Armadilhas... e do Norte!!! Estarei por perto, mas menos envolvido.

O Virgínio Briote, por sua vez, está com outra tarefa em mãos, a edição das memórias do nosso camarada guineense que foi dos Velhos Comandos (Brá, 1965/66)e depois dos Comandos Africanos (1970/72) e da CCAÇ 21 (1973/74), o Amadu Djaló, um homem que atravessou, quase incólume, toda a guerra, de 1963 a 1974, e conheceu também o antes (1958/62) e o depois (1975/80)... Português da Guiné, é português de 2ª em Portugal... Temos a obrigação de lhe prestar homenagem e chamar a atenção par o seu caso, doloroso, que é também o de muitos outros antigos combatentes guineenses que estiveram ao nosso lado, escolheram estar ao nosso lado, sofreram ao nosso lado, transportaram às costas os nossos mortos e feridos, guardaram as nossas costas, deram o melhor da sua juventude... e a quem fomos ingratos.

Tudo para explicar que o nosso VB está menos disponível para as tarefas bloguísticas. Razão também por que ando, desde há tempos, à procura de um quarto editor. O blogue cresceu muito, a Tabanca é já um batalhão...

Como já dizemos, entre nós, na brincadeira, e sem qualquer ponta de vaidade, o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande... Há solicitações de todo o lado, para as quais já não temos capacidade de resposta: escolas, turistas, cooperantes, investigadores, iniciativas da sociedade civil, pedidos de informação e apoio(e cada vez mais da Guiné-Bissau!)...

Ainda há dias fui contactado - em português ! - por um por tenente coronel piloto aviador da Força Aérea Norte-Americana (USAF) que queria o contacto do nosso Coronel 'strelado' Miguel Pessoa, por que está fazer um trabalho de investigação, académico - imaginem! - sobre a história da guerra dos céus na 'nossa' Guiné (1963/74) (*)...

Por outro lado, acaba de ser aprovado o relatório de actividades de 2008, da AD- Acção para o Desenvolvimento, a ONG guineense que elegemos como parceiro privilegiado para acções de solidariedade, cooperação e salvaguarda da memória da guerra, e que faz na Guiné, em vários pontos do território, o trabalho, dedicado, competente, entusiástico, em prol do desenvolvimento sustentado e integrado das populações que infelizmente a administração pública guineense ainda não faz ou ainda não pode fazer (Lá chegaremos, que a gente acredita no futuro da Guiné-Bissau!)...

Pois, pela terceira vez consecutiva, os nossos amigoss da AD fazem-nos um voto de louvor, ao nosso blogue, que eu agradeço em nome de todos nós. (Haveremos de falar com mais detalhe desse relatório, que já disponível em linha, em pdf, no sítio da AD).

Para o 4º co-editor, estou a fazer sondagens mas também aceito sugestões... Por outro lado, vou pedir ao Carlos Vinhal que pense no nosso IV Encontro Nacional da Nosssa Tabanca Grande... A malta, sondada, inclinou-se para Junho ou Outubro... E é importantre receber sugestões sobre o local: Região Centro, equidistante do Norte e do Sul ? Novamente em Monte Real, como no ano passado ? Vamos ter que discutir isto e arranjar uma pequena equipa organizadora... Voluntários, precisam-se.

Temos novos camaradas para conhecer: somos já 315 ou coisa parecida... Temos algumas decisões importantes para tomar, em relação ao futuro, e que passam por um maior grau de formalização e estruturação da nossa Tabanca Grande... Termos que nos proteger (por exemplo,em termos de propriedade intelectual...). Temos que arranjar dinheiro. Temos que mudar de instalações. Temos livros e outras iniciativas para lançar... Queremos ser mais solidários, etc., etc. E sobretudo queremos estar juntos, de vez em quando, beber um copo, conhecermo-nos melhor, pessoalmente, etc.

Contamos com a vossa amizade, compreensão e camaradagem.

Assinado: Luís Graça (mas seguramente com o apoio tácito, dos meus camaradas de equipa, Carlos Vinhal e Virgínio Briote)

2. Do nosso camarada Vasco da Gama, um Tigre de Cumbijã, que participou na Conferência Internacional sobre a Poesia da Guerra Colonial, em Coimbra, no passado dia 30 de Março, juntamente com o nosso poeta Josema, o Zé Manel Lopes, da Régua (e de Mampatá):

(...) Vocês não imaginam...O Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné é do conhecimento de quase todos os professores presentes no colóquio a que assisti com o meu querido Josema na Universidade de Coimbra.

Estava também uma doutoranda do Porto que está a fazer uma tese sobre a situação dos militares oriundos da Guiné que combateram ao nosso lado e que diz ser visita diária da nossa Tabanca. Quando me sentir melhor escreverei sobre a reunião. (...)


Cuida da tua saúde, Vasco!... Por mor dela, estás dispensado da viagem e do almoço em Matosinhos, no Milho Rei, 4ª feira, dia 8! Eu, estarei, em princípio, para dar um abraço à malta da Tabanca de Matosinhos. L.G.


3. Do nosso camarado Beja Santos, recebemos a seguinte missiva:

Luis, Querido Amigo, Sei o que é isso de mergulhar num tsunami de silêncio sepulcral. Eu cá estou na minha gostosa prisão literária, ando a escrever sobre o consumo sustentável e a «Mindjer Garandi», mesmo sujeita aos tropeções da vida profissional, prossegue, e vou enviar-te o que já está escrito. Como se fala da Guiné dos anos 50 e 60, se lá encontrares prosa sugestiva que queiras publicar em 1ª mão no blogue, escolhe umas páginas.

Partilho das tuas preocupações quanto ao futuro e sustentabilidade do blogue, mas para isso tens de criar condições para um debate interno sem inibições. Um grande abraço e votos de bom trabalho, Mário



4. Por sua vez, o editor principal em funções este mês acaba de mandar um pedido à Tabanca Grande, juntamente com a lista, actualizada, de nomes, endereços e contactos:

Caros Camaradas Tertulianos

Estamos a proceder à actualização dos dados pessoais dos atabancados. Quem ainda não nos disse qual era o seu antigo posto militar, Especialidade, a sua Unidade, locais por onde andou, e muito mais grave, quem ainda não nos enviou as fotos da praxe, fica intimado desde já a fazê-lo o mais breve possível.

Facultativamente poderão dizer-nos a localidade onde moram e o número de telefone de contacto, que poderá ou não de acordo com o indicado, fazer parte da lista fornecida à tertúlia.

Já agora digam-nos a vossa data de nascimento, isto é verdade também para os que já cá têm os seus dados militares e repectivas fotos.

Quando alterarem o vosso endereço de email ou se preferirem que utilizemos outro para vosso contacto, avisem-nos, indicando os alternativos.

Há camaradas cujos endereços rejeitam as mensagens. Desconhecemos os motivos, mas não será por se terem zangado connosco.

Ajudem-nos a servi-los melhor.

Fico a aguardar as vossas respostas.

Como entraram alguns camaradas recentemente para a tabanca, envio-vos nova listagem com a indicação das alterações. Podem completá-la/corrigi-la e devolvê-la à procedência.

Obrigado pela vossa colaboração.

Vosso camarada ao dispor

Carlos Vinhal


__________


Nota dos editores:

(*) Reprodução do mail (que foi reencaminhado para o Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref:


Exmo. Senhor Luís Graça, Chamo-me Matthew Hurley e sou Ten Cor na USAF. Estou neste momento a fazer uma dissertação em história sobre a guerra aérea na Guiné no período de 1963-1974.

Sobre um post a respeito de uma comunicação de Miguel Pessoa será que me podia facultar o e-mail dele de forma a eu pedir autorização ao visado para reproduzir as suas declarações na minha tese? Ou então será que podia dirigir o meu pedido ao próprio?

Obrigado por tudo fico a aguardar uma resposta.

Lt Col Matt 'Liz' Hurley, USAF

"Those whom the gods would destroy, they first make proud"


O nosso Miguel respondeu-lhe logo de seguida:

Caro Matt:

Recebi através do blogmaster Luís Graça o seu pedido para reproduzir os textos que publiquei em www.blogforanadaevaotres.blogspot.com .

Não vejo qualquer inconveniente em que o faça, apenas lhe peço que mencione o local de onde retirou o texto. Suponho que terá solicitado o apoio de alguém para traduzir o seu pedido para a língua portuguesa. Se pretender contactar-me no futuro, "feel free to do it in american english", ou continue em português, se for do seu agrado.

Best regards
Miguel Pessoa

Guiné 63/74 - P4126: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (7): Os Bravos da Tropa Macaca (Eduardo Magalhães Ribeiro)

1. Mensagem de Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil de Operações Especiais, CCS do BCAÇ 4612/74, Cumuré, Mansoa e Brá (1974), com data de 30 de Março de 2009:

Boa noite Amigos,
Quero a presentar-vos as minhas desculpas por 2 erros:
- enviei-vos inadvertidamente o mail anterior "Para:", e,
- o texto foi muito incompleto faltando-lhe os útlimos parágrafos, o que completo agora.
Obrigado a todos com um abraço amigo do M.R.


Os Bravos da Tropa Macaca

Além do que o Jorge Canhão muito bem descreveu no post: Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão), há coisas que eu jamais esqueci e que acho conveniente contar agora, enquanto não me esqueço, fundamentalmente para elucidar as pessoas que se interessam, ou possam a qualquer momento vir a interessar, sobre aquilo que foi designado como S.M.O. (Serviço Militar Obrigatório), especialmente no período 1973/1974 de que eu sou testemunha viva, sem derrapagens nem distorções de qualquer tipo, confinado à lealdade e verdade dos factos.
Falo por experiência própria e prática do dia a dia, com a memória bem fresca, como se tivesse sido ontem, pois tendo pertencido a uma tropa de elite; Operações Especiais/RANGER, apenas convivi 100% com especiais durante 3 meses, tendo prestado o restante tempo com a tropa normal, designava pelo pessoal, na gíria dos quartéis, como tropa macaca ou fandanga.

Todos nós sabíamos que salvo raríssimas excepções (não interessa aqui os motivos destas excepções), mais mês menos mês, íamos parar ao Ultramar, com maior ou menor dose de sorte e, em consequência, com maior ou menor intervenção operacional nas 3 frentes de guerra.
Uma coisa eu sabia quando me apresentei no R.I.5 para a recruta, é que quem queria sentir-se minimamente preparado para a guerra, tinha que passar pelas tropas especiais, entre elas os RANGERS, pelo que achei melhor voluntariar-me para o C.I.O.E. e, após as provas da praxe, segui para Lamego.
Meus amigos, digo-vos que apesar da extrema dureza, psíquica e física, que a especialidade RANGER continha, a alimentação (salvo durante as chamadas provas de resistência à fome) era do mais alto nível, fazendo inveja aos melhores restaurantes do país. Mais vos digo que no C.I.O.E. quer o Comandante de Instrução, quer os instrutores, quer os instruendos e cadetes comiam no mesmo refeitório da mesma comida.
As munições de todos os calibres eram ao desbarato, e só para terem uma ideia (se bem me recordo), dizia-se em Penude (quartel de instrução), que cada RANGER só em munições custava, em 1973, ao Estado português cerca de 130 contos (moeda antiga).
Assim, pessimamente habituado após concluir a especialidade, fui destacado como 1º Cabo Miliciano para o R.I.16 onde fui mobilizado para a Guiné, tendo recebido guia de marcha para Tomar - RI15 -, e foi nesta unidade que começou a minha constatação/visão/assimilação/choque pessoal da realidade, que era a vida na generalidade dos quartéis.

Fui chamado para prestar instrução na 1ª C.ia de Instrução - 3º pelotão -, cujo alferes Alcides sofreu, logo nos primeiros dias, um esgotamento cerebral, ficando a instrução à responsabilidade dos dois 1º Cabos Milicianos; eu e o Marinho - Atirador de infantaria.
As ordens que o capitão nos deu eram claras, treinar o pessoal o melhor possível e transmitir-lhes o espírito RANGER, essencialmente nas componentes vitais – preparação física e disciplina de técnica de combate.
Ora como eu estava bem preparado fisicamente comecei a exigir aos soldados grandes esforços, quer nas marchas forçadas, quer nos crosses, nas acções de simulação de técnica de combate, nas técnicas de defesa pessoal, etc.
A minha desconfiança de que algo não estava bem naquele pelotão, foi surgindo ao ouvir alguns lamentos dos soldados, que iam desabafando aqui a ali, que o rancho era mau e intragável e, pior ainda, quando comecei a constatar que mesmo os mais fortes mostravam evidentes sinais de fraqueza espelhados num anormal estado de cansaço, que aos poucos vinha aumentando os já de si degradados sentimentos de desalento e desmotivação.

Reparem bem que estou a falar do ano de 1973, ano este em que as notícias chegadas aos quartéis eram, mais ou menos palavra, assim: anteontem morreram 3 em combate na Guiné, ontem faleceram 2 em Moçambique, hoje 1 em Angola e só este mês já morreram ao todo 60 camaradas nossos no Ultramar.
A confirmação de que os rumores da incomestível qualidade do rancho, eram pura verdade tive-a uns dias depois, quando fui escalado para mais um serviço de sargento de dia à companhia.
Decorria o almoço dos praças, quando dei uma volta pelo refeitório e fui convidado pelo pessoal a juntar-me a eles, o que eu fiz como é lógico, tendo ficado revoltado, angustiado e agoniado.
Se até aqui já os cenários eram pouco tranquilizantes, mais grave a coisa se tornou quando passada uma semana fomos dar tiro. Uma boa parte dos soldados começou logo por dizer que na recruta apenas haviam dado 10 (dez estão a ler bem) tiros e outros um carregador (20 tiros).
As instruções que tínhamos era que cada soldado podia disparar 1 carregador e os que demonstrassem menor aptidão mais um carregador adicional, para melhorarem a pontaria.
Um dado adquirido, como mais tarde vim a confirmar alarmado, era que a quase totalidade daqueles homens estava destinada ao Batalhão 4612/74, que estava mobilizado para a Guiné.

Agora quero registar aqui, pelo que acabei de descrever e pelo que já foi dito pelo Jorge Canhão, um ex- Combatente que eu muito estimo e admiro por várias razões, valha o que valer este meu depoimento, os maiores elogios à sacrificada desgraçada tropa normal, macaca ou fandanga, que após receberem tais recrutas e especialidades seguiam para as frentes de guerra e cumpriam, como podiam e sabiam sabe Deus em que circunstâncias, cabalmente as suas missões.

A pergunta que se impõe é: - O que é que seria dos operacionais, sem os homens que na retaguarda lhes asseguravam o indispensável e permanente fornecimento de equipamentos de toda a ordem, alimentação, munições, combustíveis, etc.?
Propositadamente, não me vou referir a outra componente que muito influía no comportamento dos batalhões, companhias, pelotões, etc. que dia respeito aos modos irresponsáveis e incompetentes como muitos eram comandados, em alguns casos ridícula e incrivelmente, porque muita gente haverá que o faça melhor do que eu.
Por tudo isto, a minha opinião é que um tropa macaca ou fandanga na verdadeira acepção das palavras, é todo aquele que não se respeita a si próprio seja porque motivo for, e, ou, não respeita os outros proferindo adjectivação insultuosa, desclassificativa e, ou, pejorativa.

Assim, poderíamos perdoar a qualquer outra pessoa que tivesse proferido aquelas, no mínimo infelizes, palavras Sr. General Almeida Bruno, chamando-lhe simplesmente mal-intencionado, burro, néscio ou ignorante.
Mas não! Tais palavras que o Jorge Canhão nos descreveu textualmente, foram mesmo ditas tranquila e compassadamente pelo Sr. General.
Sr. General, eu e muitos de nós ex-Combatentes tínhamo-lo na nossa conta de brilhante militar, competente e amigo do soldado.

Não quero acreditar sinceramente que nos enganou a todos, os que o admirávamos durante estes últimos 35 anos que passaram sobre a conclusão da guerra, e como não acredito só lhe peço que nos diga, clara e francamente, o que se passa com o senhor!
É que as palavras que proferiu no programa televisivo denota, no mínimo, ou um já grande esquecimento e, ou, distorção/deturpação da realidade de então.
O Sr. não acha que já bastam os anti-patriotas, os traidores, os desertores e outras corjas afins, para hostilizarem e rebaixarem os ex-Combatentes?
Se o Sr. Marechal António Spínola fosse vivo, imagine como que é que ele reagiria ao ouvir o Sr. a chamar bandos aos seus homens - dos diversos batalhões e companhias, milícias, etc. -, que ele superiormente comandou?
Já reparou que com esta brincadeira que ficou gravada em filme, o que é mais grave, pois poderá passar sempre que as TV.s o entenderem, o Sr. ofendeu não só milhares de ex-Combatentes vivos, como a memória de inúmeros mortos em combate e inúmeros deficientes da guerra?

Sou Vice-Presidente da Delegação do Porto da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra (40.000 associados), Vice-Presidente da Assembleia Geral da Liga dos Amigos do Museu Militar do Porto e Membro dos Corpos Directivos da Associação de Operações Especiais (1500 associados), lidando por isso com centenas/milhares de ex-Combatentes de todas as especialidades, que contactam e conversam entre si com o maior respeito e admiração, convivem e trocam experiências e ideias nos diversos seminários e colóquios a que tenho assistido em diversos pontos do país, ao longo destes últimos 35 anos, e nunca ouvi nada sequer parecido com a blasfémia que o Sr. proferiu.

Até aqui falei sempre no presente do indicativo, o que o podia levar a pensar que: - É mais um gajo que me quer chatear, mas tenho que acrescentar, que mais umas boas dezenas de outros RANGERS e outros ex-Combatentes amigos, com quem eu conversei e, ou, me telefonaram, que se sentem ofendidos e indignados com as suas declarações.

Magalhães Ribeiro
Ex-Fur. Milº Op.Esp./RANGER
C.C.S. do B.Caç. 4612/74
Cumeré/Mansoa/Brá

(Título da responsabilidade do editor)
__________

Notas de CV:

Vd. último poste de Magalhães Ribeiro de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4095: O trauma da notícia da mobilização (5): Quatro depoimentos (Magalhães Ribeiro)

Vd. último poste da série de 30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4110: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (6): 'No melhor pano cai a nódoa' (Amílcar Mendes / Pereira da Costa)

Guiné 63/74 - P4125: O trauma da notícia da mobilização (7): Não se pode mudar o destino (Pedro Neves)

1. Mensagem de Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Esp da CCaç 4745/73 - Águias de Binta, Binta, 1973/74, com data de 30 de Março de 2009:

Camarada Luís Graça

Já refeito sobre as palavras do Sr. Gen. graças ao que despejei ontem no mail que enviei para a Nossa Tabanca Grande, aqui estou para contar como foi o meu percurso desde a inspecção, até à minha mobilização para a Guiné.

Não se pode mudar o destino

Fui aconselhado pelo meu padrinho (de baptismo), que era Oficial da nossa Marinha de Guerra, para quando fosse dar o nome para a tropa, não dizer quais eram as minhas habilitações literárias, porque depois ele tratava de manobrar as coisas, para ir para Paço de Arcos. Eu estava ligado ao ramo do Ar Condicionado e Refrigeração e era mais fácil, se fosse soldado ou cabo, a minha colocação e assim livrar-me do terror dos nossos tempos de jovens, que era a ida para a guerra. Mal sabia eu o que me esperava!!!

Apresentei-me no dia 9 de Outubro de 1972 no R.I.7, em Leiria, no Contingente Geral e aí iniciei a minha vida militar, com as primeiras fascinas, nunca me oferecendo para nada, seguindo os conselhos dos mais velhos e levando a minha vidinha descansada.

Passados cerca de 15 dias, durante a formatura, fomos informados que os nomes de fulano e Sicrano (e o meu também), se deveriam apresentar após o destroçar na secretaria do Comando. Lá fomos, eu e mais três camaradas, intrigados e com algum receio, sobre a convocatória e o que estaria por detrás da mesma.
Fomos recebidos por um Major, que de rajada nos disse, que era crime, punível com prisão militar, a omissão das habilitações literárias e que teríamos de declarar imediatamente as mesmas, sob pena de que se não correspondessem às verdadeiras, esperava-nos a prisão. Estão a ver este vosso camarada, a declarar tudo e mais alguma coisa, faltando apenas os nomes dos meus professores, desde a instrução primária. Era sexta-feira e nesse mesmo dia recebemos as Guias de Marcha para nos apresentarmos na segunda-feira no R.I.5, nas Caldas da Rainha.
Fomos recebidos pelo terror de todos os recrutas que nesse tempo passaram pelo R.I.5, o famoso Ten. Varela que nos dias em que estava de Oficial de Dia, durante a inspecção para a dispensa do recolher, entre dezenas que tinham nota nos testes, só saíam meia dúzia ou menos. Nos dias em que ele estava de Oficial de Dia, eu não pedia dispensa de recolher!

Adaptado à minha nova vida de Instruendo, os dias iam correndo, até que um dia fomos informados que os nomes afixados na secretaria da Companhia iriam prestar provas para o C.O.M. e Comandos. O meu estava lá!!!
Depois de algumas provas físicas, que um Capitão dos Comandos de óculos Ray-Ban e blusão de cabedal verde, do qual não me lembro o nome (Almeida Bruno?), nos ministrou, mandou-nos subir ao pórtico. Eu que não estava minimamente interessado em ir para os Comandos, nem para qualquer tipo de tropa especial, disse que não era capaz, porque tinha vertigens, mas obrigou- me a subir e eu fiquei sentado lá em cima, a dizer que não era capaz!
Mentira, porque era um dos meus exercícios favoritos. Mandou-me descer e chamou-me tudo o que lhe veio à cabeça, que me ia lixar, porque tinha cara de homem destemido e não queria ir para os Comandos.
Quando saíram as especialidades, o meu destino era o C.I.O.E., em Lamego e logo pensei no que o gajo disse e lixou-me mesmo.
Puro engano meu, porque apesar da dureza do Curso de Operações Especiais, hoje tenho o prazer e a honra de ter pertencido aos Rangers e uma vez Ranger, Ranger para sempre!
Depois de concluir o meu curso Ranger, fiquei em Penude, como instrutor do 1.º Grupo de Cadetes e hoje tenho o prazer de ter alguns no meu lote de amigos.

Soube que estava mobilizado para a Guiné quando tinha um caso de namorisco com uma natural de Lamego. Corria o boato que quem andasse com ela, e fosse mobilizado para a Guiné não sobreviveria, porque o 1.º namorado dela tinha morrido na Guiné e todos os outros teriam o mesmo destino. Aí, fiquei acagaçado, mas foram só os primeiros dias ou quando as coisas lá na Guiné não corriam pelo melhor, (não era dentro do arame) é que me lembrava do tal boato, mas nunca passou disso, porque regressei vivo para contar o que foi o tormento da nossa juventude em terras da Guiné, pela qual tenho uma paixão enorme.

Cumprimentos para toda a tabanca grande do
José Pedro Neves
Ex-Fur Mil Op Esp
CCaç 4745 Águias de Binta

(Título da responsabilidade do editor)
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4101: O trauma da notícia da mobilização (6): Trata de arranjar o caixão, disse-me o pobre do Zé... (Manuel Maia)

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4124: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (5): Ainda o Bando do Arame (Luís Faria)

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 29 de Março de 2009:

Caro Vinhal
Pensei, repensei... tinha que mandar para publicar se achares(em) que daí não vem eventual prejuízo para a Tabanca/blogue

Um abraço
Luis Faria



O Bando do arame

Oh sr. general… claro que sei que as Verdades são subjectivas.

Confesso, na Instituição Castrense na Guiné e posteriormente, entre outros, era para mim uma referência.

Confesso que fiquei de certo modo um pouco preocupado com a (des) apreciação que o sr. general (não é lixo) fez à Valorosa e Esquecida Tropa Macaca da Guiné, que sofreu na pele talvez mais do que nenhuma outra, as agruras de uma Guerra que aguentaram e em que combateram, dentro e fora dos arames, com os escassos meios postos à disposição e piores condições.

Fiquei um pouco preocupado, disse, porque exaltou os Paras e Fuzos (e muito bem) e esqueceu-se dos Comandos, ou será que também eram Bandos do arame? E os seus Comandos Africanos? E os outros? Também eram?

Dei por mim a pensar que o sr. general, já que tendo trabalhado e acompanhado com o Sr. Gen. Spínola, também esqueceu todos os Louvores e Prémios Governador ganhos (não por sorteio) por muitíssimos componentes desses Bandos do arame, que para os obter não actuaram sozinhos e só dentro do arame farpado!

Dei por mim a pensar que tinha esquecido as Cruzes de Guerra que tantos e tantos elementos desses Bandos receberam, muitas delas a Título Póstumo recebidas pelas Famílias, infelizmente.

Dei por mim a pensar se as minas que tantos e tantos mortos e estropiados fizeram estariam plantadas dentro dos arames farpados onde também estavam plantados os ditos Bandos.

Dei por mim a pensar que esqueceu os milhares de membros dos Bandos do arame que foram evacuados pela valorosa FA e não só, com destino a Bissau e à Metrópole por andarem a apanhar flores nas matas Guineenses, quantas vezes para vossa segurança!

Dei por mim a pensar que também foi um camarada (de referência) da Guiné, mesmo que não pertencesse aos Bandos.

Dei por mim a pensar que tendo tão alta patente não deveria transmitir essas INVERDADES.

Dei por mim a pensar que um medalhado de tão alta patente tem obrigação de ser fiel à Verdade por inteiro e não a deturpar, tomando a eventual excepção pela regra

Dei por mim a pensar na Injustiça que faz a Muitos Milhares de Jovens à altura, hoje próximos da sua idade - entre os quais me incluo - , que têm Dignidade e Consciência do Dever Cumprido, com boa memória, que não se deixam abater nem se calam quando se sentem Ofendidos e não gostam que nos desrespeitem publicamente e aos Camaradas Mortos ou feridos, dentro ou fora do arame, membros ou não dos ditos Bandos.

Dei comigo a pensar e como disse fiquei um pouco preocupado, pois pelo que me parece, com o avançar da idade a memória deverá estar a pregar-lhe partidas (acontece) e talvez precise de apoio, quem sabe até da nossa Tabanca (se os Editores o permitirem) para a reavivar ?!

Para contribuir na recuperação, não leve a mal , copio e expresso algumas Verdades do Bando da 2791 (FORÇA) de que tanto me orgulho de ter feito parte. Mas certamente vai considerar que pertencíamos à excepção !

Vá lá, seja o Sr. General, troque as grandes maiorias, considere a regra e não a eventual excepção e peça desculpa pelo engano, como deve. Só lhe ficará bem.

Luís Faria


Nota: Acima-Louvor dado pelo Cor R Durão (Pára)

Louvores Individuais
COM CHEFE (Gen Spínola): 5 (cinco)
CTIG: 1 ( um )
de CAOP 1 dados Pelo Cor Durão(Pára): 7 ( sete)
Cruz Guerra: 1 ( uma)

Nota: Não entram aqui os Louvores dados pelo Batalhão e pela Companhia pois podiam ser considerados sorteados pelo Bando!!
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Notas de CV:

Vd. último poste de Luís Faria > 16 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4040: Quando o apreço se transforma em apresso, por causa das pressas (Luís Faria)

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4113: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (4): Humilhados e ofendidos (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P4123: Ser solidário (33): Ajudem na construção da Escola de Samba Culo (Carlos Silva)

1. Mensagem de Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2584/BCAÇ 2879, Presidente da Assembleia Geral da Associação Ajuda Amiga, com data de 28 de Março de 2009, enviada ao Blogue e ao nosso camarada A. Marques Lopes, ex-Alf Mil da CART 1690, hoje Cor DFA Reformado:

Amigos
Luís, Virgínio e Carlos Vinhal
Aqui vai outro artigo sobre Samba Culo, há mais para seguir em lista de espera.

Marques Lopes,
Reli o teu episódio de Samba Culo sobre a morte da professora, mas não falas nos alunos (*).
Havia de facto alunos, tal como diz o Prof Calabus Arreta?

Com um abraço para todos vós
Carlos Silva


2. Resposta de A. Marques Lopes a Carlos Silva, em mensagem do mesmo dia

Amigo Carlos Silva

Foram, de facto, mortos vários guerrilheiros que resistiram de arma na mão,
como a professora. Se eram alunos não sei, não constatei. Mas admito que
fossem, dado que nessas escolas tanto estavam adultos como crianças. No
entanto, garanto-te que não foi morta nenhuma criança! Se as havia, tiveram
tempo de as afastar para reajir contra o nosso ataque. Há uma grande
diferença. Fizeste bem em denunciar a falsidade, pois se corre que eram
crianças é mentira.

Abraço
A. Marques Lopes


3. Guiné-Bissau

Samba Culo, 18-03-2009

Ser Solidário – Ajudem na construção da Escola de SAMBA CULO


No âmbito de mais uma visita de natureza humanitária à Guiné-Bissau para onde a nossa ONGD Ajuda-Amiga Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento enviou um contentor de bens para distribuir pela população guineense e por algumas instituições.

Feita a divisão dos donativos nas instalações do Banco da Cooperação, no dia seguinte, seguimos para o Sector de Farim com algumas caixas que nos foram distribuídas.

Dado que, não havia jangada para atravessar o rio Cacheu do K3 para Farim, tivemos de atravessar a mata do OIO, para chegar aos antigos aquartelamentos de Canjambari, Jumbembem, Cuntima e Farim tendo de percorrer uma picada quase virgem de 50 kms.

Este ano não partimos de Mansabá>Simbor, pois este percurso fizemos no regresso no dia seguinte.

Partimos, então, pela picada que segue de Saliquinhedim-K3 para Biribão; Ionfarim; Câ Samina; Tambico; Samba Culo até Canjambari.

Em Samba Culo, tabanca já conhecida dos Bloguistas, face aos comoventes artigos do nosso camarada A Marques Lopes publicados no Blogue, devido à situação com que se defrontou numa operação ali realizada, quando se fica num dilema “ ou se mata, ou morre-se”, fizemos a alegria dos alunos e do professor Calabus Arreta, apenas com 2 gramáticas, uns cadernos e uma pasta, na medida em que, não possuímos muito material para distribuir, embora ficasse a promessa de talvez se conseguir alguma ajuda no futuro.

Além da troca de impressões sobre as necessidades da escola e dos alunos, pois falta tudo, aliás, como em todas as escolas do interior profundo, o professor informou-nos que iriam construir uma escola com adobes de terra, cimento e telhado de zinco com a ajuda do Padre Carlo Andolfi da Missão Católica de Farim, o qual, em conversa posterior, porque pernoitámos na Missão, me confirmou que efectivamente vai ajudar na construção da escola.

Aliás, já na altura havia a visita de Pastoral, pois A Marques Lopes diz: - Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico!

Como não podia deixar fantasmas para trás, durante o nosso curto convívio, chamei à colação o “caso da morte da professora” naquele acampamento de casas de mato dos guerrilheiros existente algures naquele local desterrado durante a guerra colonial.

Perguntei, então, ao jovem Prof Calabus Arreta, se tinha conhecimento de tal caso, o qual me respondeu de imediato que efectivamente sabia do triste episódio, que tem sido transmitido às sucessivas gerações, pois tinha sido naquela aldeia que os “tugas” mataram uma professora e os alunos da escola, sendo esta a versão que corre desde há 40 anos.

Tive então, a oportunidade de lhe explicar que de facto mataram a professora, numa situação extrema, isto é, quando se está perante o dilema “ ou se mata, ou morre-se” e foi isso que tinha acontecido, porquanto, a malograda professora tinha agarrado na “Klas” para disparar contra o nosso camarada e que era falso no que se refere à morte dos alunos, pelo que, deveria passar a mensagem de tamanha falsidade e de tal “mito”.

Seguem algumas fotos do nosso fraterno convívio.

Tabanca de Samba Culo

Escola de Samba Culo com o nosso camarada A Seik DFA

WC da Escola ao ar livre

Da dta p/ esqª: A Seik – DFA; Carlos Silva; Prof Calabus e Zé Pereira – DFA CArtª 3360 Cuntima

Prof Calabus Ferreta, e o seu meio de transporte, bicicleta, espelhando a sua alegria apenas com uma gramática

Um livro de ensino na bagagem do Prof Calabus Ferreta

Os cumprimentos da Amizade, uma gramática, uns cadernos e uma pasta

Aspecto da escola

Neste âmbito, recordo ainda, que ano passado, quando um grupo de camaradas durante o Simpósio de Guileje foi recebido em audiência pelo falecido Presidente Nino Vieira, este pediu-nos para transmitir aos nossos governantes para que auxiliassem a Guiné na educação, enviando livros e professores.

Acresce sugerir que quem estiver interessado em ajudar pecuniariamente na construção da escola, pois é necessário comprar o cimento e as chapas de zinco no Senegal e transportá-las para a respectiva tabanca, o que não é fácil, poderá depositar o montante na conta com o NIB 0036 0133 9910 0025 1382 6, da Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento, indicando que o depósito tem por objecto essa finalidade, que por sua vez será remetida através de uma instituição parabancária, para o Padre Carlo Andolfi da Missão Católica de Farim, o qual poderá levantar na hora o mencionado donativo.

Site da Ajuda Amiga: http://ajudaamiga.com.sapo.pt/index.html

Massamá, 27-03-2009
Carlos Silva
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Notas de CV

(*) Vd. poste de 29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P4122: PAIGC, 1º Congresso, 13-17 Fev 64: Onde fica(va) Cassacá ? Não na Ilha do Como, mas a sul de Cacine (Luís Graça)

Excerto de um infografia, relativa à Operação Tridente. Reproduzida com a devida vénia. In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os Anos da Guerra Colonial, Volumne 5: 1964 - Três teatros de operações.Lisboa Quidnovi. 2009. 17.


1. Os autores, os nossos estimados Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso, colocam, erradamente, a realização do 1º Congresso do PAIGC, em Cassaca, na Ilha do Como, entre S. Nicolau (a sul) e Cachil (a norte) (Vd. bandeirinha vermelha)...

Esta localização está errada: era impossível, ao jovem PAIGC, por razões materiais - logística, segurança, comunicações, etc. - reunir os seus dirigentes e quadros no coração do Como, em pleno auge da Op Tridente... Seria um suicídio!... Já discutimos este ponto, internamente, através de troca de mails - eu, o José Colaço, o Mário Dias, o Santos Oliveira, o Abreu dos Santos...

Acontece que há várias povoações com este topónimo: além de Cassacá (ou Cassaca) na Ilha do Como (vd. carta da Ilha de Caiar), há outra Cassaca na ilha de Pecixe (vd. carta de Caió, ainda não disponível 'on line')) e uma terceira, pelo menos, a sul de Cacine, entre a margem esquerda do Rio Cacine e a fronteira com a Guiné-Conacri, na picada que vai de Cacine a Campeane, entre Cabonepo (a norte) e Campo (a sul) (vd. carta de Cacine).

Agradeço ao José Colaço ter-me chamado a atenção para este erro que vem reproduzido na infografia acima reproduzida, e que me provocou, pelo menos a mim, uma grande confusão... O Congresso do PAIGC, a realizar-se em Cassaca, na Ilha do Como, entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964, só poderia ser pura propaganda, para consumo externo, por parte do PAIGC e do seu líder máximo, Amílcar Cabral...

Guiné 63/74 - P4121: Ser solidário (32): O nosso camarada António Rodrigues Soares da CART 1689 precisa dos seus amigos (Jorge Teixeira)

António Rodrigues Soares da CART 1689

1. Mensagem de Jorge Teixeira, com data de 29 de Março de 2009:

Amigo Carlos
Gostava de publicar este pequeno texto com a foto junta.


Camaradas da Cart 1689/Bart 1913,

Sábado passado, em convívio com ex-camaradas da Guiné da Tabanca Pequena de Matosinhos em Medas, Gondomar, fui encontrar o António Rodrigues Soares, que me disse ter pertencido à CART 1689. Senti uma certa alegria, pois embora não nos lembremos um do outro, provavelmente encontrámo-nos em Catió em 1968, onde foi certo ter atabancado.

Infelizmente fiquei chocado, pois ele encontra-se debilitado fisicamente, mas com uma óptima memória.

Se algum ex-camarada quiser contactar com ele, far-lhe-emos chegar a sua mensagem através do nosso camarada António Carvalho da Tabanca de Matosinhos, seu conterrâneo.

Um abraço de amizade para toda a Tabanca Grande
Jorge Teixeira


2. Comentário de CV

Aqui fica esta referência ao nosso camarada António Rodrigues Soares da CART 1689, a quem desejamos as melhoras já que está a passar menos bem de saúde neste momento.

Como diz Jorge Teixeira, os camaradas que queiram fazer-lhe chegar alguma palavra de conforto, têm como elo de ligação o António Carvalho da Tabanca de Matosinhos.
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Nota de CV

Vd. último poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4116: Ser solidário (31): Vamos continuar com a campanha de sementes para a Guiné-Bissau (Zé Teixeira)

Guiné 63/74 - P4120: Convívios (105): Pessoal de Bambadinca 1969/71: BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52, 54 e 63... Castro Daire, 30/5/2009

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Espectacular vista aérea do aquartelamento e posto administrativo, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Outra vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido noroeste-sudeste. Em primeiro plano, a pista de aviação, o perímetro em L de arame farpado, o campo de futebol, a antena das transmissões...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano, a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá. Ao fundo, o Rio Geba Estreito. São visíveis as instalações do Pelotão de Intendência.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Entrada principal, pelo lado leste (sentido Bafatá), do aquartelamento... Uma rampa difícil e poeirenta, de terra vermelha...

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.






1. Mensagem que nos chegou atravcés do nosso camarada Beja Santos:


Luís e Carlos, Recebi esta informação do Adélio Gonçalves Monteiro (Telef 232381392 / TM 917507595), condutor da CCAÇ12. Ele pede divulgação no blogue.

Um abraço, Mário


2. Reproduz-se acima a convocatória do 15º Convívio da malta (*) que passou por Bambadinca entre 1968 e 1971, ao tempo do BCAÇ 2852 e da CCAÇ 12 (1969/71) (**) e onde se incluem, entre outras as seguintes subunidades (***):

CCS / BCAÇ 2852 (1968/70)
CCAÇ 12 (1969/71)
Pel Caç Nat 52 (1968/70)
Pel Caç Nat 54 (1969/70)
Pel Caç Nat 63 (1969/71)
Pel Mort 2106 (1969/70)
Pel Mort 2268 (1970/72)
Pel Rec 2046 (1968/70)
Pel Rec 2206 (1970/71)
CCS / BART 2917 (1970/72)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes relativos a anteriores convívios:

20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca (Luís Graça)

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1742: Convívios (2): Lisboa, Casa do Alentejo, 26 de Maio de 2007: Bambadinca 68/71, BCAÇ 2852, CCAÇ 12, etc. (Fernando Calado)

13 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1843: Convívios (16): O 1º encontro da CCS do BART 2917, em Setúbal, 9 de Junho de 2007 (Jorge Cabral)




(**) Vd. postes de:

30 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3545: Memória dos lugares (14): Bambadinca, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, 1969/71 (Gabriel Gonçalves)

29 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - IX: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (1) (Luís Graça)

(***) Vd. postes de

21 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

24 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1545: Lista do pessoal de Bambadinca (1968/71) (Letras A/B) (Humberto Reis)

21 de Maio de 2007 >Guiné 63/74 - P1773: Lista do pessoal de Bambadinca (1968/71) (Letras C / Z) (Humberto Reis)

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1527: Lista de ex-militares da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) e unidades adidas (Benjamim Durães)

27 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3151: Unidades sediadas em Bambadinca entre 1962 e 1974 (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P4119: FAP (21): Os meus sentimentos contraditórios no 'verão quente' de 1973 ... (Miguel Pessoa)

1. Texto que nos foi enviado, pelo Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de 22 de Março do corrente (última versão, corrigida):


QUATRO MESES DE... NADA
por Miguel Pessoa

[Titulo do poste, bold e cor, da responsabilidade do editor L.G.]

Pensei seriamente em não escrever sobre este assunto. Não parece ser "politicamente correcto" e pode merecer da parte de alguns uma certa incompreensão; mas a verdade é que, embora nunca tendo gostado de dar nas vistas, nunca me eximi a mostrar as diferenças na minha maneira de ser relativamente ao que é considerado o comportamento padrão, dito "normal".

Considero-me um narrador razoável quando se trata de descrever factos palpáveis; mas é para mim uma experiência nova quando toca a descrever sentimentos, afectos e outros quejandos. Para isso existem nesta panóplia de "escrevinhadores" exímios narradores do que nos vai na alma. Na vida militar estamos habituados a relatar factos ocorridos, enumerar as razões por que eles aconteceram, propor medidas com base em racionais que justifiquem a tomada de decisão; no que se refere aos sentimentos que sentimos em relação a um determinado problema, esses não são por norma apresentados. Por isso o meu desconforto ao abordar este tema.

Tem isto a ver com a troca de correspondência que tenho tido com o editor e co-editores do blog e que, na prática, tem resultado na apresentação a todos os seus leitores do meu ponto de vista sobre este e aquele assunto, relatando factos e tentando esclarecer (de acordo com o meu ponto de vista) o porquê da posição que em cada caso acabou por ser tomada pela Força Aérea.

Analisando detalhadamente o que se tem passado nestes últimos meses, vejo que os resultados desta exposição perante tantos interlocutores (sim, que todos podem comentar o que cada um diz - a comunicação é bidireccional) terão produzido em mim resultados mais significativos que umas tantas sessões de terapia com um psicólogo ou um psiquiatra (que, verdade seja, nunca utilizei, por não achar necessário - Seria?).

Vejo hoje que, expurgados alguns fantasmas que me habitavam, subsistiam alguns traumas que eu nem sabia estarem presentes no meu subconsciente. E um deles prende-se com quatro meses da minha vida que, sendo dos mais pacíficos, relaxantes e descontraídos que vivi, deixaram em mim uma sensação de vazio que tenho ainda hoje dificuldade em preencher.

Já tive a oportunidade de referir neste blog os factos que levaram a um interregno na minha comissão na Guiné por um período de quatro meses, o tempo que passei em Lisboa a recuperar das mazelas sofridas no decorrer de uma missão naquele Teatro de Operações.

Lembro-me que, no dia em que embarquei em Bissau com destino a Lisboa, para iniciar a minha recuperação, ainda na ressaca dos acontecimentos da véspera, em que a Força Aérea tinha perdido três pilotos e três aviões(+), tive um desabafo sincero mas que os meus camaradas não mereceriam:
- Desculpem lá mas, de certo modo, neste momento sinto-me satisfeito por não estar em condições de voar.

Tive oportunidade de me arrepender várias vezes destas palavras, pois nem eles as mereciam, pela solidariedade que lhes devia, nem as merecia eu, que sempre assumi as minhas responsabilidades e não tenho por hábito virar a cara a nenhum desafio, por mais que isso me custe... E tive também a oportunidade para tentar redimir-me desse momento ao longo do ano que ainda passei na Guiné, depois de recuperado fisicamente. Mas nunca consegui recuperar os quatro meses que estive afastado do Teatro de Operações.

Não podemos prever o futuro, por isso não sei o que me poderia ter sucedido naquele período, se lá tivesse estado (como diria o outro, prognósticos, só no fim do jogo...). O que sei é que foi uma "traição" que o PAIGC me fez ao limpar-me estes quatro meses de Guiné - e ao mesmo tempo, uma involuntária "traição" minha por não ter podido apoiar os meus camaradas de luta, num momento tão difícil para todos nós, que levou inclusive a alterações significativas da Força Aérea no modo de fazer a guerra.

É que é nos momentos difíceis que pomos à prova as nossas maiores qualidades e que sobressaem os nossos maiores defeitos ou limitações. Embora tenha tido oportunidade de testar posteriormente as minhas capacidades e de sair de lá com a minha dignidade intacta, não pude partilhar, naquele verão conturbado de 1973, todas as agruras, apreensões e dificuldades sofridas pelo pessoal da FA naquele período difícil, bem como a satisfação do dever cumprido que todos terão sentido no dia-a-dia e a solidariedade e camaradagem que tiveram oportunidade de partilhar, que lhes permitiu afinal ultrapassar essas dificuldades e prosseguir a sua acção no TO da Guiné.

Por isso, lamentando não ter podido estar presente, daqui lhes tiro o meu chapéu, por terem conseguido, pese embora todos os constrangimentos existentes, cumprir a sua missão nesse verão quente de 1973.

Miguel Pessoa

(+) Eu embarquei para Lisboa em 7 de Abril de 1973, os acontecimentos a que me refiro ocorreram em 6 de Abril. (**)

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Notas de L.G.:

(*) Vd.último poste da série FAP > 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4088: FAP (20): Efemérides: 36 anos após a morte do Ten Cor Pilav Almeida Brito, abatido por um Strela em Madina do Boé (Miguel Pessoa)

(**) Vd. poste de 9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

terça-feira, 31 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4118: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (5): Finalmente chegados a Mampatá

1. Fotos e texto enviados pelo nosso camarada e amigo José Manuel Lopes, ex- Fur Mil, CART 6250, Os Unidos de Mampatá, (Mampatá, 1972/74), que ilustram e narra a sua recente viagem à Guiné com visita particularmente sentida a Mampatá (continuação).

Finalmente chegados a Mampatá

Após uma viagem de quase 6000Kms, havia que recuperar, e o local perfeito era mesmo João Landim, perto de Bissau na estrada para Bula, bangalôs de 2, 3 ou 4 quartos, com ar condicionado e casa de banho. A preços que variavam entre 20 a 25€ por hóspede, discutíveis como tudo na Guiné. Quatro quilómetros na estrada para Bula existe uma nova ponte, a ponte Amílcar Cabral, construída por uma empresa espanhola, depois de Bula a travessia do Rio Cacheu ainda se faz de jangada, mas por pouco tempo mais, pois a Empresa Soares da Costa está quase a finalizar uma ponte que vai facilitar muito o acesso a S. Domingos, Susana, Varela e à fronteira com o Senegal, por S. Domingos.

Os dois primeiros dias foram preenchidos a rever Bissau, que não conhecia muito bem, pois só lá havia estado de passagem quando da chegada da Companhia à Guiné em Junho de 1972, por mais duas vezes para vir de férias e no fim da comissão em Agosto de 1974 cerca de três semanas.

A cidade cresceu imenso, mas o seu aspecto não é muito agradável, muitas ruas quase sem alcatrão, as casas a precisar de cuidados. O antigo Palácio do Governador, edifício bonito, está muito degradado e quase sem telhado. Um aspecto positivo, o estado de conservação da Catedral, que se encontra limpa e asseada. Existem alguns edifícios novos, o Banco, um bom hotel no caminho do Aeroporto e a cidade está cheia de um comércio intenso espalhado pelas ruas do centro da cidade. Há um restaurante muito agradável, na rua da Pensão Coimbra, uma esplanada onde se pode comer desde um bom cozido à portuguesa, uma substancial feijoada ou um chabéu de frango para quem quiser um prato tradicional.

No terceiro dia o grupo estava a organizar uma ida às ostras, mas para os Unidos de Mampatá o destino era o Sul para a Região do Quebo (Aldeia Formosa), mais precisamente Mampatá, onde tinham chegado em 1972 e saído em 1974, 25 meses depois. A ansiedade era muita, rever os nossos companheiros de armas, o Amadu, o More, as lavadeiras que nos tratavam da roupa, rever o local da horta onde os Eng,s Agrícolas Zé Pedro Rosa e José Manuel Miranda Lopes cultivaram as alfaces e tomates, que tanto jeito fizeram para a nossa dieta alimentar. Rever o laranjal de Colibuia, o Fonte de Ieroiel onde nos abastecíamos de àgua, o corredor de Uane, o corredor da morte para Guiledje, a estrada construída de Aldeia Formosa, Mampata, Ieroiel, Cumbijã, Nhacuba, mas que nunca chegou a Salencaur pois o 25 de Abril entretanto chegou. E partimos logo de manhã, pois a vontade de chegar era mais que muita. A viagem era longa o Jeep Maverick, onde seguiam o Nina, ex-Furriel Mecânico, o António Carvalho, ex-Furriel Enfermeiro, o José Manuel ex-Furriel de Armas Pesadas, o Lobo do Batalhão de Aldeia Formosa, que nos precedeu um ano, era de 1971. No Mercedes ia um condutor da nossa Companhia, o José Eduardo dos Santos Alves e a corajosa esposa, no outro Jeep seguia outro casal, o Santos e a não menos decidida companheira. Este um veterano que esteve em Guiledje e Empada também no Sul, Guiledje junto à fronteira da Guiné Conakry e Empada junto a um braço do Grande Rio de Buba.

Acompanhados pelo António, que vive em Coimbra e tem a família em Buba, lá partimos na direcção de Mansoa, depois Porto Gole e em seguida Bambadinca. Cinquenta e sete quilómetros depois de Bambadinca chegamos ao Xitole, sempre a andar sem parar, apesar de passarmos em locais que eram novidade para todos nós, pois o nosso objectivo há muito estava definido. Chegamos ao Saltinho, local belíssimo e de paragem obrigatória com um rio de águas frescas, uns rápidos espectaculares e uma estância de caça nas instalações do antigo quartel. Local aprazível onde se encontravam alguns amantes da caça. Não resisti em dar um mergulho, o local convidava e eu estava mesmo a precisar. Quebo (Aldeia Formosa) apenas a 18Kms, Mampatá Forreá a 25, mas ninguém da minha Companhia conhecia o local, pois ficava fora da nossa zona operacional. A beleza do sítio e a frescura das águas do Corubal bem teriam merecido várias visitas de 72 a 74, mas nunca nos foram distribuídos panfletos com propaganda daquela estância!!! Os militares do Saltinho guardavam aquela preciosidade em exclusivo para eles. Uns invejosos!!!

Chegamos a Quebo (Aldeia Formosa), terra do Lobo, que no ano anterior já lá tinha estado. Agora percebo, porque ele regressa logo no ano seguinte. Três amigos à espera, o Puto Reguila, que 38 anos depois continua a ser o Puto Reguila, com quem o Lobo partilhava as refeições no tempo da guerra e mais dois habitantes de Quebo, com quem criou fortes laços de amizade. A recepção é dum calor humano intenso, a alegria daqueles homens em se reverem é notória. O Lobo fica na Aldeia que o recebe em grande, irá mais tarde ter connosco a Buba onde vamos ficar de motorizada de boleia com um dos filhos de uns dos amigos que fez em Quebo. Chegamos a Mampatá, a aldeia tem menos população. Naquele tempo as populações devido à guerra, haviam abandonado os campos de cultivo e aldeias de origem fixando-se nos aldeamentos controlados pelo nosso exercito, era mais fácil concentrar as populações nos locais onde houvesse tropa, assim muitas aldeias foram abandonadas. Acabada a guerra era tempo de regressar às origens e assim ficarem mais perto dos locais onde fazem as suas plantações. Hoje existe gente em Uane, Nhacuba, Cumbijã e ao longo de quase toda a estrada que liga Quebo a Buba.

A estrada de Bissau a Buba (240Kms) está em muito bom estado é há transportes regulares todos os dias. Saímos da estrada e entramos em Mampatá, o primeiro edifício continua a ser a escola primária, o alcatrão da estrada para Nhacubá quase não existe, lá está a Sala do Soldado, o depósito de viveres o chão do Fur. Vagomestre Martins. O encantador bar dos graduados já não existe, era uma sala rectangular ligada a uma Tabanca redonda com o telhado em colmo, do antro de tantas bebedeiras e jogos de Lerpa e King, nada resta. O Carvalho corre à procura da sua enfermaria e seu lar durante mais de dois anos. O Nina procura a sua primeira oficina, dá conta que o Mangueiro grande no centro da aldeia já não existe e aponta o local onde se estacionavam as viaturas à sua responsabilidade. Eu olho em volta à procura do Heliporto, junto ao qual se encontrava o paiol de munições da minha responsabilidade de 72 a 74. Mas nada encontro, nada reconheço, o mato tudo cobriu. Procuro com a ajuda de habitante local e lá descubro as ruínas do depósito de munições, mais à frente o cimento do heliporto. Vêem-me à memória coisas que me fazem estremecer. Parece que ouço o ruído do Héli a chegar para levar o Arnaldo, Furriel da CCAÇ 18 que havia sido gravemente ferido. O Arnaldo Pinto Teixeira, havia sido transferido de Teixeira Pinto para Aldeia Formosa no dia 3 de Janeiro de 1973, integrado num grupo de combate da CCaÇ 18, tinham naquela altura por missão juntamente com a minha Companhia, a Companhia de Cavalaria do Capitão Vasco da Gama, fazer a protecção na construção da nova estrada. Pensei nunca mais o ver, senti que lhe estava a mentir ao apertar-lhe a mão e dizer: - Tiveste sorte isso não é nada e vais tirar umas férias, esta merda para ti acabou. Encontrei-o mais tarde numas Festas do Socorro, já recuperado. Hoje este meu conterrâneo vive no mesmo Concelho que eu, em Santa Marta de Penaguião.

Há muito para ver, trouxe muitas fotos para recordar e mostrar às gentes daquele tempo, mas se faz tarde e temos de chegar a Buba antes do anoitecer. Prometemos voltar no dia seguinte para distribuir a prendas que trouxemos de Portugal. Os tugas voltaram gritavam alguns. Soube que More morrera.

Amadu outro dos milícias da minha Companhia vivia agora em Uane, sua terra natal e no caminho para Buba. Ao passarmos em Uane não resisti e pedi ao Nina que parasse, mostrei a foto de Amadú e logo o reconheceram, não estava, fora para a bolanha trabalhar e ainda não regressara. Um miúdo diz - é meu pai, eu vou chama-lo. Esperamos ainda um bocado, mas a bolanha devia ser longe, tínhamos de ir para Buba a fim de procurar onde ficar. Prometemos voltar no outro dia.

Buba está enorme, cresceu para fora do antigo Quartel e ao longo da estrada. Lá esta o Cais com ar de abandonado, como o barco que lá se encontra ancorado. Nas margens do Rio Grande existem 4 estalagens, 3 no braço para o lado direito e 1 do braço do lado esquerdo. Fomos parar a uma bem agradável mesmo junto ao rio, com uma casas com quartos duplos e casa de banho privada, só que o banho era de balde, à fula. Local simpático explorado por uma cidadã romena casada com um guineense. Servia refeições e podíamos cozinhar. O jantar foi nessa estalagem e as senhoras do Santos e do Leça prometeram no dia seguinte ir comprar peixe para o almoço.

Logo de manhã ao acordar fomos surpreendidos com as notícias vindas de Bissau. Havia morrido num atentado no QG o Chefe das Forças Armadas e de madrugada o Presidente da Republica fora assassinado em sua casa. Aguardavam-se problemas e ficamos preocupados com os nossos camaradas que ficaram em Bissau. Os telemóveis entraram em serviço e a calma regressou, tudo estava em paz e fiquei surpreendido com a indiferença mostrada pelas populações. Estava tudo calmo como nada tivesse acontecido. As personagens em causa não deviam ter muita credibilidade e estima.

Mas havia muito a fazer, muitas emoções para viver e Amadú estava de certeza à espera de nós.

Em Uane uma multidão nos aguardava, Amadu quase na mesma, magro alguns cabelos a branquear e rodeado das mulheres e dos filhos. Um abraço aguardado à trinta e cinco anos. Apresenta-me os filhos um a um. Pergunta pelo Carvalho, o Capitão Marcelino, o Furriel das minas e armadilhas (Vilas Boas), lembra-se de imensa gente. Faz imensas perguntas e está na altura de distribuir sapatos, camisolas, lapiseiras. Mas esta não é a nossa terra e todos estão desejosos de voltar a Mampáta mesmo ali ao lado.

Em Mampatá a escola está cheia, muita gente fica de fora e o material que levamos vai ser entregue aos professores pois não chega para as encomendas. As lapiseiras devem chegar para todos, o outro material é que não e nos causa uma certa frustração. Falamos com os professores e um deles me entrega um mapa estatístico do inicio do ano lectivo.

Existem duas escolas em Mampatá. Uma oficial que funciona na antiga escola à entrada da Aldeia com 417 alunos e outra privada com cerca de 40 alunos a funcionar numas antigas instalações do exército.

O Professor da escola oficial 8208 é Saído Candé com o BI 10541-22 Código de vencimento nas Finanças 3723 Tm 6643300 e Nº. Conta Bancária Banco da União S.A. 26501006397-90


Mapa Estatístico da Escola da Região do Tombali-Sector do Quebo Mampatá Forreá

1.ª Classe... 62 rapazes - 45 meninas - Total.. 107 alunos
2.ª Classe... 34 rapazes - 33 meninas - Total... 67 alunos
3.ª Classe... 36 rapazes - 28 meninas - Total... 64 alunos
4.ª Classe... 36 rapazes - 26 meninas - Total... 62 alunos
5.ª Classe... 40 rapazes - 35 meninas - Total... 75 alunos
6.ª Classe... 30 rapazes - 12 meninas - Total... 42 alunos
Totais...... 238 rapazes -179 meninas - Total.. 417 alunos

Há falta de tudo, menos salários em atraso dos professores. Livros, cadernos, lapiseiras, lápis, gramáticas, dicionários.

Não deve ser difícil organizar uma recolha de material e faze-lo chegar por uma transportadora. O António que vive em Coimbra poderá dar uma ajuda na maneira como fazer chegar o material até Mampatá. O primeiro dia em Mampatá foi intenso, contudo havia muito ainda para fazer, muitos locais para visitar. Os dias seguintes iriam ser pequenos para reviver 26 meses de emoções à força esquecidas, tanto tempo afogadas, reprimidas, como a querer branquear uma culpa que não tem razão de existir.

Saltinho

Saltinho

Mampatá > Homens grandes

Residencial em Buba

Buba

Quebo

Entrada de Mampata com aquele que se disse filho de branco

Encontro com Amadu

Infantario de Buba

Fotos: © José Manuel Lopes (2009). Direitos reservados

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Nota de CV

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4081: De regresso a Mampatá (Zé Manel Lopes) (4): Senegal e Guiné-Bissau

Guiné 63/74 - P4117: A tragédia do Quirafo: 37 anos para fazer o luto pelo António Ferreira (Paulo Santiago / Cátia Félix)

Cópia do Bilhete de Identidade Militar do malogrado António Ferreira, ex-1º Cabo de Trms da CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), do BCAÇ 3872 (Galomaro, 1972/74), morto na emboscada da picada do Quirafo, em 17 de Abril de 1972.

Foto: © Cátia Félix / Paulo Santiago (2009). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > REgião de Bafatá > Saltinho > Novembro de 2000 > Restos de uma pedra onde se lê a seguinte inscrição, gravada: ... cozinheiros da 3490. A esta unidade, a CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74) , do Batalhão 3872 (com sede em Galomaro), pertenceu o António Ferreira, um dos mortos da emboscada do Quirafo. O nosso camarada Albano Costa, de Guifões, Matosinhos, visitou o Saltinho em Novembro de 2000.

Foto: © Albano Costa (2005). Direitos reservados

Maia > Moreira > Cemitério local > Foto do Jornal de Notícias, edição de 18 de Setembro de 1974, mostrando o soldado António da Silva Batista, a visitar a sua própria campa. A notícia do jornal era: "Morto-vivo depôs flores na sua campa". Na lápide pode ler-se: Em memória de António da Silva Batista. Falecido em combate na província da Guiné em 17-4-1972".

A foto, de má qualidade, foi feita pelo nosso camarada Álvaro Basto, com o seu telemóvel, na Biblioteca Pública Municipal do Porto, e remetida ao Paulo Santiago. O Álvaro Basto, ex-FurMil Enf da CART 3492 (Xitole, 1971/74) constatou, pessoalmente, no Saltinho, a impossibilidade de reconhcer os cadáveres dos nossos camaradas, da CCAÇ 3490, que morreram na emboscada do Quirafo, inckuindo o Antonio Ferreira, . O Batista, dado como morto, foi afinal o único desaparecido: foi feito prisioneiro pelo PAIGC e só libertado em Setembro de 1974.

Foto: © Álvaro Basto (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Paulo Santiago:

Camarada Vinhal:

Após ter estado no Sábado, juntamente com o Santos Oliveira, com a Cidália, viúva do 1º Cabo Radiotelegrafista António Ferreira, e com a Cátia, pensei em escrever um post mais ou menos longo. Hoje, recebido o mail que reencaminho, acho que terei muito poucas palavras a dizer. O mail da Cátia tem lá tudo.

Em todo o caso, tenho algo que deverá ser dito agora. Começo pela Cátia, que nos encantou, a mim e ao Santos Oliveira. Esta jovem, também bonita, dá uma lição de Solidariedade que fascina. Ela não tem ligações familiares com a Guerra Colonial, não é uma estudante de História ( frequenta Ciências Farmacêuticas ) que tivesse vindo ao nosso blogue para se documentar para os seus estudos, não, ela vem ao blogue porque está Solidária connosco, ex-combatentes na Guiné, vive as nossas angústias e também as nossas alegrias. Ela tem uma relação fraternal com a Cidália e foi ela que desencadeou toda esta acção em que nos envolvemos.

A Cidália, uma pessoa sofrida, mas serena, ouviu-nos, deixou-nos falar TUDO sobre o Quirafo, viu as fotos da GMC, no fim da conversa disse-nos:
- Este ano o dia 17/04 vai ser diferente, agora tenho CERTEZAS.

E no dia 17 lá estarei com outros camaradas, e o António Ferreira, lá onde estiver, gostará de nos ver.

Paulo Santiago

P.S. – Em anexo a foto do Ferreira, poderás publicar outras se quiseres (Saltinho, GMC, por ex)


2. Mensagem da Cátia Félix:


Caro Paulo Santiago e Santos Oliveira

Como prometido junto envio em anexo a foto do Ferreira (à esquerda).

Mais uma vez o nosso muito obrigado por toda a dedicação e principalmente amizade que tiveram em toda esta história.

Foi muito importante terem esclarecido a dúvida de 37 anos da Cidália, ela está muito grata por isso (*).

Possivelmente no dia 17 de Abril vai realizar-se uma missa em honra do António Ferreira, e onde teríamos todo o gosto de vos ter presente. Era para ser no Mosteiro de Águas Santas mas este encontra-se em obras, por isso será numa outra igreja a combinar. Caso queiram estar presentes depois dou mais pormenores.

O luto começou a ser feito passado todos estes anos e a muito se deve a vocês. Vejo que a Cidália está determinada em fazê-lo e, como não poderia deixar de ser, com atitudes muito nobres que tanto a caracterizam.

Espero receber notícias vossas em breve, pois estarão sempre no meu coração "jovem".

Cumprimentos

Cátia Félix
___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4050: (Ex)citações (21): A esperança de que o António Ferreira ainda esteja vivo...(Cátia Félix)

18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)

Guiné 63/74 - P4116: Ser solidário (31): Vamos continuar com a campanha de sementes para a Guiné-Bissau (Zé Teixeira)

Guiné-Bissau > Região do Tombali > Cabedu > Março de 2008 > Eu bebi água fresca da torneira... E que bem me soube!

Guiné-Bissau > Região do Tombali > Cabedu, 11-03-2009 > Uma das associadas regando a alface

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Sector de Bedanda > Cabedu > Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > O Zé Carioca, um dos Gringos de Guileje, também esteve aqui, emocionado e solidário, na inauguração da rede de distribuição de água potável à população. 

Fotos: © José Teixeira, Carlos Silva e Zé Carioca (2009). Direitos reservados.


 1. Mensagem de José Teixeira com data de 29 de Março de 2009: 

Assunto: Sementes para a Guiné Camaradas amigos 

Li o texto que o Carlos Silva (*) escreveu na sequência da sua visita a Cabedú e apreciei com muita emoção as fotos da "quintinha" que as "mindgers" da terra deram vida, graças à água que conseguiram através do furo artesiano e do motor alimentado por energia solar que suga a água do seio da terra. Escrevi um comentário no mesmo que gostava que fosse transcrito no blogue para que a "obra" não ficasse por umas sementinhas que enviamos e tanta fome já mataram. 

É um desafio a todos os tertulianos e todos os leitores e apreciadores do blogue. 

CAMPANHA DE SEMENTES PARA A GUINÉ 

Agora há que dar continuidade ao projecto. Nós sabemos que é possivel, através de furos artesianos, captar água potável no solo da Guiné. 
Nós sabemos que através da energia solar é possível pôr motores a puxá-la para o exterior e montar fontenários. 
Nós temos provas de que as mulheres e os homens da Guiné são capazes de criar, através do suor das suas mãos, meios de subsistência pela exploração da terra. 
Quantas vidas não temos possibilidade de salvar, pela qualidade da água e pela produção agricola? 

É altura de darmos as mãos e fazermos uma campanha de angariação de fundos para a A.D. - Associção para o Desenvolvimento da Guiné - poder dar seguimento ao seu sonho, alimentado e gerido pelo querido Pepito, como se conseguiu provar com este pequeno empreendimento que o Zé Carioca lançou. Obrigado Zé. 

Somos muitos os tertulianos e muitos mais os que nos lêem e vibram com o que transmitimos. 

Uma pequena verba que a nós pouca ou nenhuma falta nos faz, poderá ser um grande tesouro para quem nada tem. Ouso pedir para se fazer uma campanha de recolha de dinheiro - mínimo 20.00€ por pessoa. Campanha que gostava que fosse gerida pelo Zé Carioca, como iniciador deste projecto, que eu vi chorar e chorei com ele, ao ouvir o grito das mulheres de Cabedú. Basta que cada um deposite numa conta bancária a verba que entende oferecer. Depois, é comprar as sementes de acordo com as orientações do Pepito, bem como os equipamentos. 

O blogue poderá ir dando contas do envolvimento. 

Aqui fica a sugestão. 

Vou tomar a iniciativa na Tabanca de Matosinhos e fico a aguardar a disponibilidade dos Camaradas. 

José Teixeira 
Esquilo Sorridente
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Guiné 63/74 - P4115: Os Bu...rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes)

1. As imagens, sem legenda, que se seguem são de Alfredo Reis(*), ex-Alf Mil da CART 1690. Mostram um pouco do quotidiano em Banjara, famosa estância de férias, localizada algures na estrada Bissau/Bafatá. Podem consultar qualquer prospeto turístico. O texto é de António Moreira(*), também ex-Alf Mil da CART 1690. Este trabalho foi enviado há já algum tempo pelo nosso camarada A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1968/69, actualmente Cor DFA Reformado. Achamos por bem recuperá-lo nesta altura. CV Localização de Banjara no Google Fotos: © Alfredo Reis (2009). Direitos reservados. 2. A vida em Banjara (I) Este texto é do meu camarada António Moreira, ex-alferes miliciano da CART1690. Entre parênteses rectos alguns comentários meus. O Moreira esteve dois meses seguidos em Banjara depois de eu ter sido ferido. O que sucedia é que era eu que, na altura, fazia os abastecimentos aos destacamentos da companhia. Nessses dois meses ninguém lá foi. Comeram o que conseguiam caçar, até cobras e macacos... O nosso camarada Fernando Chapouto sabe também como era Banjara. «Banjara fica situada a cerca de 40 Km de Geba e a cerca de 20 Km de Mansabá, na estrada Bissau/Bafatá. Fica no coração da mata do Oio, e teve, antes da guerra colonial, uma unidade industrial de serração de madeiras. Pertencia, durante a guerra, à área de actuação da Companhia de Geba, do Batalhão de Bafatá. [Cabe aqui um parêntesis para dizer que aquela serração em Banjara pertenceu ao português Fausto Teixeira: "Antifascista desde a sua juventude, via-se no comportamento de Fausto Teixeira toda a história de um velho democrata que amou profundamente a liberdade, lutou por ela e acbou por ser vencido pelas forças da repressão e do mal. No entusiasmo e dedicação que pôs no cumprimento desta arriscada missão, sentia-se todo o seu orgulho em poder participar na luta que então travávamos, também pela liberdade, contra os mesmos inimigos". Isto diz Luís Cabral no seu livro Crónica da Libertação, aí referindo também que a missão do Fausto Teixeira foi ajudá-lo na sua fuga para o Senegal, em 1960, levando-o no seu "Peugeot 203 pintado de cor azul forte" desde as Oficinas Navais do porto de Bissau até perto da sua serração, de onde Luís Cabral seguiu a pé até a uma aldeia senegalesa, passando por Fajonquito.] Banjara gozava da fama, e do proveito, de ser o segundo pior destacamento da Guiné, a seguir a Beli, na zona de Madina do Boé. Não apenas pelos ataques mas, sobretudo, pelo perigo que representava, por estar muito isolado da Companhia, e por estar cercado por uma cintura de destacamentos IN, que vigiavam de fora do arame farpado e do alto das gigantescas árvores que o envolviam todos os movimentos da nossa tropa [tinha Sinchã Jobel do lado sul e Samba Culo do lado norte]. O destacamento era constituído por uma caserna, quatro abrigos subterrâneos e um posto de comando, que era uma casa abarracada, sem portas nem janelas, por onde os sardões e as cobras vagueavam livremente, sem nenhum obstáculo que lhes barrasse a passagem, a não ser a presença humana. Tinha ainda outros abrigos à superfície. A envolver este destacamento, que no essencial era uma clareira circular com cerca de mil metros de diâmetro, duas fiadas de arame farpado paralelas e em círculo. O capim era necessário cortá-lo de dois em dois meses, para evitar a aproximação camuflada do IN. As casas de banho, como é de calcular, eram a céu aberto. A guarnição deste destacamento, comandado por um Alferes, variava entre 60 a 80 homens, normalmente (houve alturas em que tinha só um pelotão), bem armados e disciplinados, capazes de aguentar debaixo de fogo uma boas dezenas de horas. O seu comando era rotativo e por lá passámos os mais longos meses da nossa juventude, então com 23 anos, e responsabilidades tremendas em cima dos galões de Alferes. A paisagem envolvente era de uma beleza indescritível, com dezenas de cajueiros, mangueiras, árvores gigantes, capim e as célebres lianas. O barulho ensurdecedor dos milhares de pássaros e a vozearia nocturna da mais variada bicharada, desde macacos a hienas, tornavam aquele ambiente um mistério todos os dias renovado. O dia, em Banjara, iniciava-se naqueles anos (1967/1968), por volta das 18 horas. A essa hora o Comandante mandava distribuir a 3ª refeição, e as sentinelas avançadas ocupavam os seus postos. Toda a gente vestia então o seu camuflado, calçava as botas e recarregava as armas. Não é que de dia estivessem todos a dormir, mas durante a noite entrava-se em alerta máximo. Durante a noite era rigorosamente proibido acender luzes, fazer fogo e fumar à vista desarmada para não denunciar a presença e a localização de ninguém. Tomada a 3ª refeição e colocadas as sentinelas, que eram sempre dobradas, iniciava-se toda uma série de rondas de posto a posto, podendo os soldados que estavam de folga, e só nos abrigos subterrâneos, jogar cartas, conviver e confraternizar, pôr a correspondência em dia, etc. De vez em quando dormia-se uma hora ou duas mas sempre em sobressalto, e sem a mínima tranquilidade. Posso dizer que durante o tempo que passei neste destacamento não dormi uma única noite descansado. Durante a noite, de vez em quando, uma sentinela nossa dava um tiro, à aproximação do arame farpado de um macaco ou qualquer outro bicho (podia não ser...). Logo todos corriam para as armas pesadas e, normalmente, o IN respondia com dois tiros ao longe. Então a nossa sentinela, aquela ou outra, respondia passado algum tempo com três tiros. A seguir a resposta de novo do IN, então com 4 tiros. Era um jogo macabro, que nos mantinha constantementevivos e despertos. O dia amanhecia, então, e, pelas 7 da manhã, iniciava-se a distribuição da 1ª refeição. As horas mortas do pessoal eram gastas, durante o dia, à caça, quando isso era possível e o capim estava seco e caído no chão, a jogar cartas, pôr a correspondência em dia e jogar futebol. O jogo de futebol era normalmente diário, mas sempre a horas diferentes, para não se cair na rotina, e sempre com os abrigos guarnecidos de atiradores. Terminada a 1ª refeição iniciavam-se os trabalhos de rotina, para o que o efectivo estava dividido em 4 grupos, cada um deles composto por 15 ou 20 homens, comandados por um sargento.Um grupo estava de serviço à água e à lenha para as refeições. Os banhos eram tomados na bolanha a um quilómetro do arame farpado, e sempre com 10 ou 12 homens armados em vigia. Outro dos grupos era o piquete que realizava, normalmente, uma patrulha de reconhecimento nas imediações do aquartelamento. O terceiro grupo estava de prevenção rigorosa e o quarto estava de folga. Este destacamento tinha apenas uma coluna de reabastecimento por mês, no máximo, mas chegava a estar mais de 2 meses sem alimentos frescos e sem correio. Não havia população civil, apenas militares. [Em Outubro de 1969, quando a CART1690 saíu de Geba, a CCAÇ2406, que estava em Mansabá, colocou um pelotão em Banjara. No entanto, saíu de lá em Janeiro de 1970, sendo o destacamento desactivado] 3. Nota dos Editores: Nem sequer tínhamos bunkers, a sério, de luxo, de cinco estrelas. Construídos pela Engenharia Militar à prova de canhão sem recuo, morteiro 120, foguetões 122, etc. Fala-se da ‘bunkerização’ da guerra da Guiné… Mas isso é um eufemismo, se não mesmo um insulto. Bunkers ? Buracos, valas, bidões cheios de areia, placas de zinco… Guileje era um pequeno luxo (que nos perdoem os camaradas que lá penaram, sofreram e morreram) comparado com Banjara e outros Bu…rakos onde vivemos, dormimos, lutámos, gritámos, respirámos, sangrámos, suámos, chorámos… Camaradas e amigos: Estas foram as ‘estâncias turísticas’ onde passámos as melhores ‘férias’ do mundo, pagas com o dinheiro dos contribuintes portugueses… A sério, queremos aqui falar dos piores Bu…rakos da Guiné do nosso tempo. Das estações do nosso calvário. Da geografia da fome, da dor, da guerra, da alienação. Para que a memória, volátil, chegue até à geração dos nossos filhos e netos. Não queremos estátuas nas nossas vilas e cidades, de estética kitsch, queremos apenas não sermos ofendidos e humilhados pelos nossos contemporâneos e pelos nossos descendentes, do Governo à comunicação social. A pior ofensa e humilhação, para um ex-combatente que deu o melhor à sua Pátria, é a indiferença, o cinismo, o esquecimento, a desvalorização do seu sacrifício. Ironia à parte, queremos mostrar e documentar aqui alguns dos sítios por onde passámos e que as nossas mãezinhas nunca sonharam. Rapazes, toca a trabalhar. Os editores, LG/CV/VB __________ Nota de CV: (*) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2424: Álbum das Glórias (37): Os alferes da CART 1690 ou uma estória de amizade e camaradagem a toda a prova (A. Marques Lopes)