terça-feira, 14 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4186: O Nosso IV Encontro Nacional, Ortigosa, Monte Real, 6 de Junho de 2009 (1): Abertura das hostilidades (Editores)

IV ENCONTRO DA TERTÚLIA DO BLOGUE LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ

DIA 6 DE JUNHO DE 2009 EM ORTIGOSA, MONTE REAL, LEIRIA


Caros Companheiros

Como vos foi dito por mail, não apareceu nenhum voluntário para organizar o IV Encontro da Tertúlia. Compreendo, porque colaboro na organização de pelo menos dois por ano, o nosso e o dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos e sei o trabalho que dá. Que o digam o Paulo Raposo, o Vitor Junqueira e o Joaquim Mexia Alves, homens que tomaram em ombros a organização dos três primeiros. E muito bem, diga-se.

Como nestas coisas há sempre um sacrificado, com pézinhos de lã, não fosse ele zangar-se comigo por tal atrevimento, auscultei o camarada Joaquim Mexia Alves, que se prontificou a organizar de novo este ano o nosso convívio, com a condição de não ser em Outubro, como era a inclinação de alguns camaradas.

Assim, consultando o calendário, achamos que o dia 6 de Junho não é má data. Dias grandes, solarengos e quentinhos. Ser véspera de eleições, julgo não ter inconveniente, porque mesmo quem ficar para o outro dia, ainda vai a tempo de cumprir o seu dever cívico de escolher os nossos representantes na Europa.

Já temos algumas inscrições confirmadas, pelo que apelo aos meus camaradas e amigos que ainda não se inscreveram, que vão pensando no assunto e comunicando a vossa intenção, para que o camarada Joaquim se possa ir organizando. Como se fez o ano passado, convém que as inscrições sejam simultaneamente envidas para mim e para ele. Como em princípio vou secretariar a organização (aceito voluntário(s) para esta missão), se me enviarem só para mim, Carlos Vinhal, encaminharei para o Joaquim.

Quem necessitar de alojamento para pernoitar deverá fazer menção no acto de inscrição.

Oportunamente serão divulgados os pormenores de ementa e preço do almoço, assim como da pernoita.

Quem ficou o ano passada na Pensão Santa Rita não deverá ter tido razão de queixa e o preço foi simpático.

Qualquer um dos nossos tertulianos pode fazer parte do nosso almoço. Nunca tivemos o prazer da presença de um(a) não ex-combatente. Por que não este ano? Seria bem-vindo(a).

Como é costume, também podemos levar convidados.

Acho que o essencial ficou dito.

Lembro que este convívio é fundamental, porque conhecendo-nos pessoalmente, também ajuda a que nos compreendamos melhor. Aos camaradas que este ano se juntaram a nós dou um conselho, não percam o próximo Encontro.

Deixo-vos três recordações dos Encontros anteriores:

Ameira, Montemor-o-Novo, 14 de Outubro de 2006. Houve magia. Se não há amor como o primeiro, nunca mais esqueceremos este nosso primeiro Encontro.

Pombal, 28 de Abril de 2007. Foi um marco na quantidade, mais de 80 participantes

Ortigosa, 17 de Maio de 2008. Quase, quase 90 participantes, mas este ano vamos atingir os 100. Pena que ninguém se tivesse lembrado da foto de família.

Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral



Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 6 de Março de 2008 > Excerto da audiência que o Presidente João Bernardo 'Nino' Vieira (1939-2009) deu, por volta das 12h, a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008). O grupo incluía 3 cubanos, Oscar Oramas (antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, ao tempo da morte de Amílcar Cabral, um homem culto, hoje doutorado e biógrafo do líder histórico do PAIGC), Ulises Estrada (antigo 'combatente internacionalista', companheiro de 'Che' Guevara na Bolívia) e o actual embaixador de Cuba na Guiné-Bissau, e ainda três ou quatro guineenses. Mas a maioria dos presentes era portugueses, ex-combatentes da guerra colonial, incluindo, entre outros, o antigo comandante do COP 5, o ex-major Coutinho e Lima, e três Gringos de Guileje (O Abílio, o Sérgo e o Zé Carioca), sem esquecer o Zé Rocha, outro homem de Guileje.

Estiveram também presentes o Dr. Alfredo Caldeira, da Fundação Mário Soares, a Diana Andringa (a co-ealizadora do filme As Duas Faces da Guerra), e o José Carlos Marques, jornalista do Correio da Manhã. Também o francês Prof Doutor Patrick Chabal, o melhor biógrafo de Amílcar Cabral, esteve presente. Ao todo, na sala, estariam cerca de duas dezenas de pessoas.

A audiência foi decidida à última hora, por vontade expressa do 'Nino' Vieira, na qualidade de histórico comandante da guerrilha do PAIGC e um dos seus mais destacados militantes (o último dos 'dez magníficos' mandados por Cabral para a China antes do início da guerra).

A audiência não estava prevista no programa do Simpósio. Uma hora antes, o grupo fora também recebidos pelo então 1º Ministro, Martinho N'Dafa Cabi. Não estava prevista, de resto, qualquer intervenção no Simpósio, por parte do Presidente da República - presumo que por razões de segurança - embora ele fizesse parte da comissão de honra.

Vídeo (5' 57''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em You Tube > Nhabijoes

Continuação da conversa de Nino com a sua audiência (*):

Nino conta aqui como é que, em Conacri, na embaixada de Cuba, na presença do embaixador Oscar Oramas, após a morte de Amílcar Cabral, a cúpula político-militar do PAIGC, reunida em 'conselho de guerra' (sic) (ele próprio, Xico Tê, Pedro Pires, Luís Cabral, e mais alguns comandantes da guerrilha que estavam por ali perto...), decidiu avançar com a Op Amílcar Cabral, uma acção conjunta contra Guidaje, no norte, e Guileje, no sul...

Tratava-se sobretudo de reforçar a 'força anímica' (Pedro Pires) dos guerrilheiros, seriamente abalada com a notícia brutal do desaparecimento do líder... Era preciso mostrar, interna e externamenete, que o PAIGC conseguia sobreviver ao desaparecimento (físico) de Cabral...

'Nino' explica, a seguir, por que é que as operações sobre Guidaje não puderam ser devidamente coordenadas com as de Guileje, conforme o planeado. Quando a guerrilha concentrava forças na região, apareceu a aviação e faz bombardeamentos. Os combatentes do PAIGC ripostaram e a operação começou... Precipitadamente.

Esta e outras fahas de informação e coordenação não reconhecidas e comentadas por 'Nino' que evoca aqui também o derrube por um Strela, em 25 de Março de 1973, do Fiat G-91, pilotado pelo então Ten Pilav Miguel Pessoa, sob os céus de Guileje...

Segundo ele (e essa versão é também corroborada por Pedro Pires, no seu depoimento, na II Parte do filme de Diana Andrnga e Flora Gomes, As Duas Faces da Guerra), a "operação de Guileje" começou com uma espécie de armadilha, montada à nossa Força Aérea. Os guerrilheiros sabiam que, após um ataque a Guileje, era pedido apoio de fogo a Bissalanca. Dez minutos depois, eram sobrevoados e bombardeados pelos Fiat. Daquela vez, havia o Strela, um moderno míssil terra-ar, disponibiliado pelos soviéticos, tendo em vista a escalada da guerra... O artilheiro do PAIGG, encarregue de disparar o Strela (Caba Fati, hoje major,se bem percebi o nome) daquela vez não falhou... A euforia foi tão grande, entre as hostes do PAIGC, que eles nem se deram o trabalho de procurar o piloto e de aprisioná-lo, no caso de ainda estar vivo... (Vd., a este respeito, o testemunho do antigo guerrilheiro Féfé Gomes Cofre, na II Parte do filme da Diana Andringa e do Flora Gomes)

Enfim, explica ainda sumariamente como foram desencadeadas no terreno as operações contra Guileje, entre 18 e 25 de Maio de 1973... Não esconde, pelo contrário, que o PAIGC sabia muito pouco ou nada sobre as posições das NT, os seus hábitos, as suas rotinas de abastecimento...Providencial foi a captura de um milícia local que lhes deu informações preciosas... A "operação Guileje" começaria, na madrugada de 18 de Maio de 1973, com uma grande emboscada, com uma frente de 100 metros, planeada por 'Nino', às forças (milícias) que saíam para se abastecer na fonte que ficava nas imediações do quartel... Essa operação,como se sabe, durou até 25 de Maio de 1973, com a entrada do PAIGC em Guileje, no dia em que se comemorava o 10º aniversário da criação da OUA - Organização da Unidade Africana... Depois de Guileje, 'Nino' virou-se para Gadamael... (LG)

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

17 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4045: Nino: Vídeos (3): Em Portugal, um vizinho meu, antigo combatente, reconheceu-me e tratou-me por 'comandante Nino'...

9 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4002: Nino: Vídeos (2): O amigo de Cuba... e de Portugal, que em Março de 2008 pedia mais professores de português (Luís Graça)

8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3996: Nino: Vídeos (1): Ouvindo a versão do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (*), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Reformado, dirigida a Luís Graça, com data de 5 de Abril de 2009:


O PESSOAL DA 123

Caro Luís
Embora sabendo-te num período sabático de reflexão, não quero deixar de te enviar algumas palavras. Primeiro, porque me lembrei de ti ao passar hoje (5 de Abril) por um local que te diz muito, a Lourinhã; mas foi uma passagem rápida que nem permitiu ver sequer um dinossauro (sem ser aquele que ia a guiar o meu carro - vislumbrei-o de relance no retrovisor...); em segundo lugar, mais importante, porque tinha regressado de uma festa de anos de um bom amigo da CCP123 (de Bissalanca, Guiné), o João Pedro (Pedro é o apelido), que mora em A-dos-Francos.

Para além de outras datas sagradas em que muito do pessoal da CCP 123 se reúne - O 23 de Maio, dia da Base Escola em Tancos, o jantar de Natal, o 10 de Junho em Belém) - o aniversário do Pedro é um dos momentos de convívio em que tenho tido a sorte de poder integrar-me - eu e a Giselda, claro, como antiga pára-quedista e amiga pessoal. Por isso faço todos os possíveis por estar presente.

Como habitualmente (luxo de quem está reformado) costumo aproveitar estas minhas deslocações para pernoitar na zona onde decorre a confraternização. Mais do que fazer turismo, pretendo com isso prolongar um pouco mais esses convívios e, já agora, recuperar um pouco mais do cansaço destas deslocações (que os vinte anos já se foram há uns tempos).

É habitual juntar-se neste convívio anual em A-dos-Francos um bom grupo de amigos da CCP 123 que, para além de homenagear o aniversariante, aproveitam - como é habitual nestas confraternizações - para relembrar acontecimentos do passado; muitos deles já são do conhecimento de quase todos os presentes, claro, mas surgem por vezes novos pormenores que ajudam a esclarecer os que assistem a estes diálogos ou a relembrar os mais esquecidos (ou distraídos).

É claro que no caso particular destas conversas acresce o facto de alguns destes pormenores se referirem à minha recuperação por pessoal da CCP 123, pois vários dos intervenientes costumam estar ali presentes.

Embora tenha sido parte muito pouca activa no processo (afinal limitei-me a ficar lá no mato, à espera que me fossem buscar - uma espécie de morto no jogo de bridge...) o pessoal que revejo nestas reuniões recebe-me sempre com grande cordialidade, o que me parece natural - afinal nós gostamos sempre de mostrar aos amigos um trabalho em que estivemos envolvidos e que saiu bem feito. E, neste caso particular, nada como rever o sujeito em cuja recuperação muitos tomaram parte e que ainda anda por cá a gozar esta segunda oportunidade de se manter neste mundo...

Tive a oportunidade de lembrar a alguns deles o interesse em avançarem com a descoberta deste nosso blog e de participarem nele, contando as histórias interessantes a que tenho tido acesso nestes convívios. Mas, já foi referido aqui, é difícil tirar-se deste pessoal muita informação para além da que debitam nestes convívios em família; Fez-se o que se tinha que fazer, e está tudo dito.
E é pena que isto suceda, pois tenho ouvido descrições de grande interesse para serem publicadas, juntamente com outras que provavelmente seria difícil publicar no blog, dada a crueza dos factos descritos. Embora façam parte da História.

À conta destas conversas, relembrei um episódio ocorrido durante a recuperação, relativo à recolha do meu capacete e do meu pára-quedas, abandonados no local e recuperados por elementos da CCP 123. Posteriormente o meu amigo e camarada, o então Ten Pára Norberto Bernardes - hoje General - que comandava esse grupo, tendo recolhido essas duas peças, deu-me a escolher com qual queria ficar. É claro que, tendo eu a hipótese de voltar a usar novos capacetes (e aquele até estava partido) optei por escolher o pára-quedas, ficando ele com o capacete.

Quando guardamos uma recordação, temos sempre o gosto de a partilhar com os outros. E naturalmente foi o que sucedeu com o meu amigo Norberto, que achou por bem oferecer o capacete ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola em Tancos. E, passados uns anos, o meu pára-quedas seguiu o mesmo destino pois, embrulhado num saco, na minha casa, não servia para nada, sendo muito mais interessante ficar ao lado do capacete - seu companheiro de aventuras na mesma história - e à vista de todos os visitantes, alguns deles curiosos de saber a razão da sua presença naquele local.

Embora com fraca qualidade, por ter sido digitalizada da revista Boina Verde, onde foi publicada a notícia, junto foto da entrega do pára-quedas ao Coronel Perestrelo, então Comandante da Base Escola de Pára-quedistas.

Um abraço.
Miguel Pessoa


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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4119: FAP (21): Os meus sentimentos contraditórios no 'verão quente' de 1973 ... (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P4183: Duas ou três palavras para Miguel Pessoa (José Brás)

1. Mensagem de José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68 (*), com data de 12 de Abril de 2009:

Carlos
Caríssimo amigo

Sei que estás com trabalho até aqui. Injusto, portanto, é atafulhar-te mais.

Ainda assim, ainda que passado já o aniversário de Miguel Pessoa, gostaria de lhe fazer chegar duas ou três palavras sobre o seu poste 4 meses de nada, forma pobre a minha de lhe dar os parabéns.

Parabéns, não apenas por mais este ano de vida que contou, mas por todos os outros milhões de nadas com que fez uma vida cheia e, ao que parece, solidária e ansiosa de abraço.

Por isso e porque não lhe conheço o endereço electrónico, queria pedir-te (um abuso!) a gentileza de lhe fazeres chegar o texto que enviei ao blogue no passado dia 1 de Abril e aqui junto.

As minhas desculpas, um abraço e… uma nota:

Será a minha primeira vez e a oportunidade de pessoalmente conhecer muita da gente que pensou o mesmo que eu de cada vez que fazia avançar um pé nos apertados carreiros (bem vistas as coisas, de cada vez, não, a malta habitua-se a tudo): “será agora?”. Para mim qualquer data é boa e podes, desde já, contar comigo.

Uma abraço… de novo.
José Brás


2. Texto dedicado ao aniversário de Miguel Pessoa e ao seu poste 4119 (**)

Amigo
Miguel Pessoa
“4 meses de…nada”
De nadas se faz a nossa vida.

Oitenta anos, cinquenta, vinte, três meses, o tempo de cá estar não está definido como regra geral e cada um bebe deste copo pequenos goles, pequenos nadas até ao dia que dizem ser o fim de tudo.
Às vezes é logo à nascença que se parte desta e nem ao primeiro nada se chega.
O nada!
O tempo certo de partir para o grande nada.

Aparentemente o nada é… o nada.
quer dizer não existe não tem densidade não tem massa
não tem peso nem espaço nem volume
não tem cor nem cheiro
insisto
aparentemente nada é nada.
com nada é impossível construir casas semear trigo colher
cerejas fazer um filho ir à lua
com o nada ninguém ri ninguém chora ninguém grita de
dor ou de prazer
o nada não é pão nem espada nem ternura
nada em absoluto não existe
nada é um ponto
nada é o centro imaterial arbitrariamente ocupado
pelo espaço em redor
o nada é
um território tão vasto como o infinito
um território tão vasto como o sonho
cientistas e poetas que me expliquem o nada
que me expliquem aquilo que em vão hei-de procurar
até ao último dos meus dias


Bem sei que, nascendo, é o tudo que queremos, o ideal, o belo…Deus, digamos.

Montando no cavalo do psicólogo, arrisco dizer que é disso mesmo que se faz essa tua sensação de “quatro meses de…nada”.

E ainda bem que o disseste porque, dizendo-o como o fizeste, simplesmente como num relatório, me trouxeste à memória coisas que remoía de longe em longe e sem resposta.

Vivi alguns meses no chão que se estende por debaixo do céu do teu Fiat e do teu strella.

Não posso dizer que os vivi em vão se desses meses ganhei alguma coisa do que fui depois e alguma coisa conservo ainda no que sou hoje.

Diria, sem outro fim que o de melhor se entenderem os sinais do que vou dizer, diria que daqui embarquei fardado e sem gosto. Aliás, a farda sempre me assentou mal nas Caldas, em Tavira, no BC5.

Desde os 15 anos que entendia a mais o regime que mais tarde me mandou pegar em armas.

Em Vila Franca de Xira cresci no meio de opositores organizados.

A Pátria, para mim, não era essa memória mal definida (mal contada) das glórias da reconquista aos “infiéis” e dos heróis de Aljubarrota. Das Descobertas assumia já, então, muito mais o contributo dado para o desenvolvimento do mundo do que as façanhas (reais) dos navegadores.

Não tinha grandes dúvidas sobre a razão dos povos de África que se organizavam e lutavam contra a Europa, na mira da sua liberdade.

Mas aceitei a farda. Não me sentia, apesar do resto, com qualquer direito a negar o braço aos meus irmãos que partiam todos os dias a defender a outra pátria que eu negava.

Aceitei a farda, a arma e o embarque. Chegada a hora da chamada, não senti qualquer direito para me afastar do incómodo que sofriam os meus amigos na ida a África para combater em nome da Pátria que, já viste, só era minha porque deles, e eles a minha Pátria.

Aceitei disparar.

Um aviso antes de qualquer mal entendido. Não digo isto na crença de que era melhor (ou pior) que os outros. Era diferente dos que eram diferentes de mim e igual a tantos outros. Aliás, diferente de mim próprio algumas vezes e igual aos meus diferentes outras tantas.

Como sabes, na Guiné, todos os que conseguiam reunir meios para passar um mês de férias na terra, compravam o bilhete da TAP e faziam quase sempre o seu baptismo de voo.

Cheguei à minha aldeia, creio que em Julho, de mãos queimadas das canos da G3 que no escuro da noite, soldados me passavam à vez, na boca do abrigo (preferia morrer a céu aberto) e eu despejava sobre a paliçada sobre inimigos que não via mas adivinhava pelo rastro das rastejante e pelas saídas de morteiros e canhões sem recuo.

A minha mãe era um farrapo de velha com largos anos a mais do que os que lhe sabia no dia do embarque, dez meses antes.

Fim de Julho, festa de Verão na aldeia, banda de música no coreto, bailaricos, gado bravo no cercado, o forcado que era antes da partida, estás a ver a felicidade quase sólida ali nas mãos, mesmo que faltassem apenas dois dias para voltar a Mejo.

Na Segunda-Feira da festa, entre umas imperiais e uns tremoços, o carteiro entrega-me um telegrama que havia chegado da Guiné, curto, seco, violento. “ Dias morreu em Xinxi-Dari ponto outro morto e feridos de outras secções ponto Oliveira ferido grave hospital da Estrela ponto dá apoio antes voltares ponto Loja”.

Grande murro no estômago! De repente desabou tudo sobre mim. Olhava, tanto quanto me lembro e os amigos diziam depois, olhava de olhar parado a gente à volta, falavam comigo e, nada, niqueles, perdera a palavra. O meu pai tirou-me o telegrama da mão e leu. Ficou parvo também mas não perdeu nem a fala, nem a ternura. Tirou-me da cadeira já as lágrimas me corriam abundantes. O Dias era soldado da minha secção e morrera sem mim. O Oliveira era da minha secção e jorrara o seu sangue em Xinxi-Dari sem mim. E os outros de quem não constava nome no telegrama, que eram da minha companhia, haviam morrido sem mim.

Logo ali, já em casa, o meu pai garantia “agora é que vais mesmo para fora. Já não voltas a essa terra de doidos. O Salazar que se f….”.

Naquele momento nem ripostei. No dia seguinte, bem cedo, autocarro, Lisboa, voltas e mais voltas na Estrela, um mundo de mortos vivos, até que encontrei o Oliveira. Não iria morrer, pareceu-me, embora me tivesse afiançado que alguém, na mata lhe apanhara intestinos.

De mais importante para lhe dizer foi a frase que tanto te tem afligido, mas na primeira pessoa, como a disse o Pessoa, mas na segunda.

“Olha, Oliveira, daquilo estás safo!”

À noite, de novo em casa, poucas falas para trocar, o meu pai seguro de que me poria na fronteira e eu remoía ainda os pequenos nadas da tragédia.

Antes da cama tudo ficou claro entre nós. Mejo iria continuar a ser a minha Pátria por mais alguns meses. A mala já estava feita. O meu pai ainda iniciou a argumentação mas calou-se com as lágrimas que me haviam rebentado de novo.

E nem precisei de dizer-lhe que me sentia miserável por ter deixado morrer aqueles amigos sem a minha presença de arma na mão.

Um abraço
José Brás
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 30 de Março de 2009 Guiné 63/74 - P4107: Blogpoesia (35): Tinhas no olhar / sinais seguros de esperança... (José Brás)

(**) Vd. postes de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4160: Parabéns a você (4): No dia 9 de Abril de 2009, ao camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (Editores)
e
1 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4119: FAP (21): Os meus sentimentos contraditórios no 'verão quente' de 1973 ... (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P4182: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (15): O primeiro ataque ao Olossato

1. Mensagem de Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, (, Mansabá e Olossato, 1968/70), com mais um episódio da sua CCAÇ 2402:

O primeiro ataque ao Olossato

A descrição sintética do ataque:


A 31 de Julho de 1969, pelas 19, 30 horas, deu-se o primeiro ataque ao aquartelamento do Olossato, por um grupo inimigo não avaliado. A anterior agressão ao quartel datava de 17 de Fevereiro desse mesmo ano, quando a guarnição era feita, salvo erro, pela CCaç 2403 do nosso Batalhão.

A flagelação durou cerca de 20 minutos e o inimigo utilizou no ataque os habituais (naquela altura e naquele local) Morteiros 82 e 60, Lança Granadas Foguete, Metralhadoras Pesadas e Ligeiras, Armas automáticas e Canhão S/R, causando 3 feridos ligeiros nas nossas tropas e 2 feridos ligeiros na população.

Desta vez não houve danos materiais assinaláveis no aquartelamento e na povoação. As nossas tropas reagiram com fogo de Morteiro 81 muito certeiro, como se pôde confirmar posteriormente no reconhecimento à base de fogos do inimigo. As nossas tropas, com a colaboração do Pelotão de Milícias 286, reagiram prontamente pelo fogo e manobra, pondo o inimigo em debandada e fazendo abortar o ataque que acabou por durar pouco mais de um quarto de hora.

Uma nativa apresentada no quartel poucos dias depois, referiu que o grupo inimigo que levara a cabo o ataque era proveniente do Morés e que tivera 2 mortos e 3 feridos.

Uma estratégia do IN só identificada muitos anos depois.

O que me levou a descrever este ataque, em si bastante vulgar, prende-se essencialmente com a constatação de que o inimigo procurava atacar-nos só quando o Comandante não estava presente. A excepção à regra foi o primeiro ataque à Companhia em Có, no intuito de avaliar a têmpera dos nossos homens recém-chegados à Guiné, episódio já relatado anteriormente no blogue.

Desta vez o nosso capitão Vargas Cardoso tinha partido para Bissau no dia 25 de Julho para aguardar transporte para a metrópole em gozo de férias. Já tinham acontecido coincidências semelhantes em Có (ausências) e assim continuaria no Olossato até ao fim da comissão, conforme irei descrevendo para o blogue.

Só me apercebi desta particularidade da estratégia do inimigo a partir do ano de 2003, quando iniciei a escrita do livro “Memórias de Campanha da CCaç 2402” Volume I, exclusivamente concebido para referência dos elementos desta Companhia, seus familiares e futuras gerações. Dos meus colegas de armas, incluindo o meu Comandante de Companhia, ninguém deu por nada pelo que me apercebi ao longo dos muitos convívios que já organizámos.

Este facto teve uma vertente boa e uma vertente má. A vertente boa é que o nosso desconhecimento dessa intencionalidade do IN, permitiu-nos não viver sobre uma tensão excessiva quando o Comandante se ausentava pelas várias razões inerentes à sua posição militar ou à sua saúde. De notar que eles não atacavam todas as vezes que ele saía, atacaram sim em momentos em que ele não estava.

A vertente má é que se perdeu uma oportunidade única de virar esta estratégia do IN contra ele próprio, emboscando-o em força nesses períodos de ausência que até poderiam ser simulados.

Será que isto só aconteceu com a nossa Companhia (CCaç 2402)?

Agradecia que, quem me esteja a ler, me informasse se se passou convosco alguma coincidência tão gritante como esta da qual só muito tarde me apercebi. Desconfio sempre do excesso de coincidências e não gostava de ser considerado um caso raro numa guerra tão grande como a da Guiné. É muito possível que fosse uma estratégia pessoal do comandante do grupo IN naquela região, não forçosamente utilizada pelos combatentes de outros sectores, se bem que isto verificou-se em Có e no Olossato, dois locais de comando assumido pela nossa Companhia. Seria interessante saber através de quem por lá passou, se companhias que nos antecederam ou nos sucederam nestes locais, passaram pela mesma experiência. Isto se forem capazes de se recordar e tiverem capacidade de analisar as eventuais ausências dos Comandantes de Companhia em situações de ataques aos aquartelamentos. Talvez só os próprios se consigam lembrar de semelhante coisa, mas pronto, aqui fica o meu pedido.

Imagem do aquartelamento do Olossato em 1969

Foto e legenda: © Raul Albino (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. íltimo poste da série de 11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3870: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (14): As minas e o seu poder destruidor

Guiné 63/74 - P4181: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (8): A dar ao Ambu (Giselda Pessoa)

1. Mensagem da nossa camarada Giselda Pessoa (*), ex-Sgrt Enf Pára-quedista (BA12, Bissalanca, 1972/1974), com data de 2 de Abril de 2009:

Caro Carlos
Junto segue um texto com uma historiazinha passada comigo em 1972, envolvendo uma evacuação trabalhosa de Guidage para o Hospital de Bissau.

Um beijinho.
Giselda Pessoa


A DAR AO AMBU

A actividade que nós, enfermeiras pára-quedistas, desenvolvíamos no Teatro de Operações da Guiné, proporcionava-nos por vezes momentos de grande realização profissional. As características particulares da geografia do território em parte também ajudavam. Havia bastantes aquartelamentos a menos de 30/45 minutos de voo do Hospital de Bissau, o que significava que, desde o pedido da evacuação até à entrada do evacuado no hospital poderia decorrer, nesses casos, um período máximo de duas horas, com a forte possibilidade de a evacuação ter o apoio de uma enfermeira, o que aumentava um pouco mais as hipóteses de sobrevivência do evacuado.

Também o facto de o tempo gasto numa evacuação ser mais curto que noutros territórios aumentava a disponibilidade das enfermeiras para fazerem mais evacuações e garantia assim uma maior qualidade dos serviços prestados.

Estou convencida que, comparativamente com os outros Teatros de Operações, essas características permitiam que em igualdade da gravidade do estado dos evacuados, o ferido tivesse mais hipóteses de sobreviver no território da Guiné - possibilidade de maior apoio do pessoal de enfermagem e menor distância a percorrer até à unidade hospitalar.

Assim, viu-se muitas vezes evacuar feridos em estado desesperado que, devido ao apoio rápido recebido, conseguiam sobreviver contra todas as expectativas. Essas vitórias davam às enfermeiras uma grande motivação para prosseguir o seu trabalho.

Lembro-me de uma evacuação que fiz a Guidaje, com essas características. Estávamos em 1972 e fomos chamados para uma evacuação de um ferido militar em estado muito grave. Tratava-se de um cabo enfermeiro do Hospital Militar de Bissau que, no período de férias do enfermeiro colocado em Guidaje, o tinha ido substituir no seu serviço. Estava quase a acabar este destacamento em Guidaje quando teve que ir socorrer um milícia local, o qual tinha pisado uma mina numa zona próximo do aquartelamento, de que tinha resultado a perda de uma perna. Quando ajudava o milícia na sua deslocação para o quartel, aquele teve a infelicidade de pisar uma segunda mina, o que provocou a perda da segunda perna, bem como a amputação de uma das pernas do enfermeiro.

À nossa chegada verifiquei as dificuldades em que o cabo se encontrava, pois tinha perdido bastante sangue, os camaradas não tinham conseguido ainda pôr-lhe o soro e tinha dificuldade em respirar pois encontrava-se num estado de extrema debilidade.

Coloquei os dois feridos nas macas colocadas na traseira do DO e dediquei a minha atenção ao seu estado, enquanto voávamos para a Base. Curiosamente, o milícia encontrava-se mais estável, apesar de ter tido as duas pernas amputadas. Quanto ao cabo enfermeiro, consegui finalmente colocar-lhe o soro e dada a sua dificuldade em respirar coloquei-lhe o Ambu1, que não é mais que uma bomba manual usada para aumentar o fluxo de ar para o doente e consequentemente a sua oxigenação.

Foi um voo extremamente duro - para o doente, claro, e para mim, que tive que dar permanentemente ao Ambu, que o estado do doente assim o exigia.

Em casos graves como este, podíamos decidir pela transferência do evacuado para um AL-III, que recebia o evacuado na placa da BA12 e o transportava directamente para o hospital. Assim fizemos, transferindo o ferido para o heli e dirigindo-nos para a placa do hospital, de onde o levei directamente para o bloco operatório, onde era aguardado.

Devo dizer que durante uma ou duas semanas continuei a sentir dores nos braços , devido ao esforço feito com o Ambu durante toda a evacuação. Mas o meu trabalho continuou e eu fui esquecendo este episódio.

Poucas semanas depois, quando preparava no Hospital de Bissau a evacuação dos feridos para Lisboa, a fazer no DC-6, percorria o Serviço de Recuperação do Hospital quando subitamente ouvi atrás de mim um grito estridente:
- Devo-lhe a vida!

Recuperando do susto, dirigi-me ao doente, que me confirmou ser o cabo evacuado de Guidaje, que tanto trabalho me tinha dado. Disse-me que durante a evacuação tinha conseguido abrir os olhos durante uns momentos e, tendo-me reconhecido (ele era do Hospital de Bissau), pensou: - Ao menos morro ao pé de alguém conhecido. Mas não tinha morrido e estava até bastante melhor; e pelo grito que deu naquele dia, estou convencida que terá conseguido ultrapassar totalmente esta fase má da sua vida.

Giselda Pessoa

Ambu, que não é mais que uma bomba manual usada para aumentar o fluxo de ar para o doente e consequentemente a sua oxigenação.

Parte de Carta onde Guidage aparece mesmo no topo da imagem

Fotos: © Giselda Pessoa (2009). Direitos reservados.



2. Comentário de CV:

Ao ler e editar este texto da nossa querida amiga e camarada Giselda, pensei se ela, e os outros camaradas enfermeiros e médicos, terão a mesma percepção que nós temos, de quanto importante foram os serviços de saúde militares durante a guerra. Julgo que eles enquanto profissionais desempenhavam as suas funções sem quantificar ou qualificar a sua acção.
A Giselda como enfermeira profissional que era, aplicou em campanha os seus conhecimentos, tendo para tal de receber uma preparação extra que lhe exigiu muito esforço e adaptação ao meio hostil.
Os nossos enfermeiros infantes, quantos deles formados à pressão, foram de uma abnegação desmedida, fazendo o que sabiam e o que não sabiam para nos ajudar, sempre da maneira mais eficaz e humana. A eles ainda competia, nas horas vagas, colaborar na assistência sanitária às populações, fazendo até de médicos, quando estes não existiam.
Mais que companheiros de caminhada, os enfermeiros foram verdadeiros irmãos, expondo, muitas vezes a sua vida para ajudar os feridos, enquanto os demais estavam, como se dizia, instalados, digo eu, abrigados.

Os nossos médicos, alguns jovens licenciados, outros apanhados quando já se julgavam esquecidos, desempenharam a sua missão nos Hospitais Militares sob pressão, nos momentos mais dramáticos, debaixo das maiores carências, sem nunca desanimarem.

A todos o nosso obrigado.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3916: Tabanca Grande (121): Giselda Antunes Pessoa, ex-Enfermeira Pára-quedista (Agosto de 1970 / Maio de 1974)
e
14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4029: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (6): O anjo da guarda do Zé de Guidaje (Giselda Pessoa)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4065: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (7): Os tomates do Capelão da BA 12, Bissalanca... e outras frutas (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P4180: Parabéns a você (5): No dia 14 de Abril de 2009, ao camarada Luís Faria (Editores)


Luís Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

Hoje, dia 14 de Abril de 2009, está de parabéns o nosso camarada Luís Faria, a quem desejamos um dia muito feliz, na companhia dos seus familiares e amigos.

Que comemoremos colectivamente esta data, muitas e muitas vezes, é o desejo de toda a tertúlia, seu grupo de novos amigos de há algum tempo para cá.

O camarada Luís Faria, apesar de estar connosco, , desde Outubro de 2008, tem já uma colaboração considerável no nosso Blogue, a par do seu companheiro Jorge Fontinha.

Ficam algumas fotos que consideramos dever publicar no dia de hoje e a listagem de todos os seus trabalhos publicados.


Foto 1 > Luís Faria na Parada do RI5, Caldas da Rainha, cujo Comandante era o Coronel Giacomino Mendes Ferrari

Foto 2 > Fevereiro de 1970 > Luís Faria já no Curso de Comandos, em Penude, no novo Quartel dos Comandos sob o comando do Cap Jaime Neves.

Foto 3 > A bordo do Carvalho Araújo, saída de Angra do Heroísmo, a caminho da Guiné

Foto 4 > Guiné > Marginal de Bolama

Foto 5 > Bula > Luís Faria junto à Porta de Armas

Foto 6 > Bula – rua principal – com Urbano (Fur Enf)

Foto 7 > Bula > Faria no quarto

Foto 8 > Bula > Faria junto a um baga-baga

Foto 9 > Luís Faria em Ponta Matar

Foto 10 > CCaç 2791 – 2.º GComb > Em cima: Fur Marques; Fur Castro; Alf Barros e Fur Faria

Fotos e legendas: © Luís Faria (2008). Direitos reservados

__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

22 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3343: O Nosso Livro de Visitas (39): Luís Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3388: Tabanca Grande (94): Luís Sampaio Faria, ex-Fur Mil da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto (1970/72)

3 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3397: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (1): A ida, do RI5 a Bissau

19 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3480: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (2): IAO, Bolama, Outubro de 1970

24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3508: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (3): Chegada a Bula

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3574: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria ) (4): Conhecer a realidade de Bula

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3602: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (5): Bula - Gratidão

3 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3694: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (6): Objectivo: Choquemone, 17NOV70

3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3832: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (7): Bula - Dias de calmaria

7 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3849: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (8): Bula, vésperas do Natal de 1970

10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (10): Bula-Janeiro de 1971

12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4020: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (11): Bula, foguetões e confusões no abrigo

14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4031: As abelhinhas, nossas amigas (4): Desculpem qualquer coisinha (Luís Faria)

16 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4040: Quando o apreço se transforma em apresso, por causa das pressas (Luís Faria)

1 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4124: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (5): Ainda o Bando do Arame (Luís Faria)

11 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado

Vd. último poste da série "Parabéns você" de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4160: Parabéns a você (4): No dia 9 de Abril de 2009, ao camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (Editores)

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4179: Agenda Cultural (5): Exposição Testemunhos de Guerra, Museu Municipal - Paços de Ferreira, 25 de Abril a 24 de Maio de 2009

1. Mensagem de Orlando Miguel com data de 9 de Abril de 2009:

O Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, tem o prazer de convidar V.Exa. e família a estar presente na inauguração da exposição temporária "TESTEMUNHOS DE GUERRA", integrada nas comemorações do 35º aniversário do 25 de Abril de 1974, pelas 15 horas, no dia 25 de Abril de 2009 no Museu Municipal Museu do Móvel de Paços de Ferreira.

Contamos com a sua presença





Exposição “Testemunhos de Guerra”

Uma abordagem sobre a presença de Portugal em África, qualquer que seja o prisma dessa observação, é um desafio que tem tanto de aliciante como de arriscado. São inúmeras e diversificadas as fontes de informação disponíveis, são exaustivas as investigações até hoje realizadas. Mas como em qualquer facto que envolve emoções colectivas, as conclusões quanto às razões da nossa presença, à forma humana e social que a revestiu, são divergentes ou até antagónicas.
Se isto é verdade em relação aos acontecimentos distanciados no tempo, a análise do período que decorreu entre 1961 e 1974, ainda recente nas nossas memórias, reveste-se de particular sensibilidade.

Envolvendo cerca de 1.361.596 jovens, e por consequência, todos os seus familiares, afectou um imenso universo humano que, ainda hoje, se questiona sobre as razões de tantos e tão prolongados sacrifícios. O facto é que, de uma forma ou de outra, e por muito que alguns queiram recusá-lo, foram de todos os Portugueses os dias e os longos anos da Guerra Colonial.

A Guerra que Portugal travou durante 13 anos nas nossas ex-colónias – Angola, Guiné e Moçambique, e que teve como desfecho o 25 de Abril de 1974, é o tema que nos propomos tratar nesta exposição.

Este evento é dirigido não só, a todos os que tenham alguma curiosidade em conhecer mais em pormenor o que foi a Guerra do Ultramar, nomeadamente os mais jovens, assim como àqueles que tiveram um papel activo no desenrolar deste acontecimento – os ex-combatentes, permitindo-lhes rever em fotografias alguns locais onde viveram durante a sua permanência em África.

A exposição está dividida em diversos momentos que nos retratam os mais variados aspectos da Guerra, através de uma forte componente fotográfica, apoiada igualmente por armamento e equipamentos militares.

A exposição inicia-se com um painel dedicado aos Antecedentes, onde deparamos com fotos panorâmicas das mais significativas cidades das antigas colónias. A par dessas urbes encontramos imagens em que nos surgem obras públicas de significativa dimensão. A partida das nossas tropas, as condições da viagem e os seus meios de combate perpassam noutras tantas fotos. Num segundo momento da exposição denominado As tropas, seus meios, podemos ver a chegada e o desfile das nossas tropas nas capitais das colónias, bem como a euforia e contentamento da população. Imagens há que nos revelam os meios logísticos utilizados pelos nossos militares ao longo destes 13 anos de Guerra.

O painel A Acção Social, reporta-se à cooperação dos militares com as populações autóctones, com destaque para as relações entre os soldados e as crianças, no âmbito da actividade do psicossocial, constituindo um dado relevante. As iniciativas de carácter social promovidas pelos nossos militares, traduziram-se em contribuições extremamente valiosas nos domínios da acção educativa, económica, sanitária e médica.

Num outro momento da exposição denominado O Inimigo temos a possibilidade de compreender a ideologia e os objectivos dos diferentes líderes e movimentos de libertação existentes em Angola, Moçambique e Guiné. Apresenta-se-nos um conjunto de fotografias da vivência da guerrilha africana, bem como de armamento apreendido pelas nossas tropas. Expostas em vitrines, estão algumas das principais armas usadas pelos guerrilheiros.

Em Os Aquartelamentos, emerge através das fotos o quotidiano da vida dos combatentes, as suas instalações, o seu viver diário, os seus tempos livres, as suas expectativas e os seus trabalhos no decurso de ansiedades e incertezas.

De grande riqueza fotográfica se apresenta o painel Os Combates, com fotografias de situações de combate, de ataques e emboscadas. Imagens dos corpos especiais de combate, com destaque para os Comandos, os Pára-quedistas e os Fuzileiros, têm também lugar nesta exposição. Em exposição podemos observar algumas das principais armas usadas pelas tropas portuguesas neste conflito.

A exposição termina com um sector dedicado Às Consequências desta Guerra, onde se podem apreciar alguns dos tipos de condecorações existentes, como o Colar de Torre e Espada, a Medalha de Valor Militar, a de Cruz de Guerra e a das Campanhas de África.

Também nesta zona da exposição, há lugar para a referência às consequências físicas e psíquicas da Guerra:

Os deficientes e a sua Associação (ADFA);
A listagem dos militares que faleceram: 9.749 mortos;
O 25 de Abril de 1974;
As datas da independência das colónias.
No seu conjunto a exposição “Testemunhos de Guerra” representa com critério uma visão global das fases que marcaram um período recente da história de Portugal.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4093: Agenda Cultural (5): Poetas da guerra colonial em conferência internacional, Coimbra, CES/UC, 30/3/2009 (Cristina Néry)

Guiné 63/74 - P4178: As grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (3): Operação "Gavião"

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, com data de 11 de Abril de 2009:

Um abraço, amigo:
Carlos Vinhal:

Envio em anexo mais texto (III) sobre a série que iniciei sobre as GRANDES OPERAÇÔES da CART 2339 / Mansambo.

Estes textos, que enviarei todos os meses, publicarás se entenderes.
BOA PÁSCOA.
Carlos e Teresa


OPERAÇÃO GAVIÃO
04/18.00h/Abril 1968


Com a duração de 3 dias e com a finalidade de executar uma acção ofensiva na mata de BELEL, iniciada com um Golpe de Mão ao acampamento de ENXALÉ.

Tomaram parte na OP:

Cmdt - 2.º Cmdt do BART 1904
Dest A – Cart 2338 a 4 GComb
Pel Caç Nat 52
Dest B – Cart 2339 a 4 GComb
Pel Caç Nat 53

Desenrolar da acção:

A Cart 2339 iniciou o seu movimento em meios auto, em 05.1500h de FÁ para o XIME, onde agregou o Pel Caç Nat 53. Iniciou logo de seguida a cambança do Geba, pelas 1800h, recebeu no ENXALÉ 2 guias e iniciou a marcha pelo itinerário estabelecido.

Atingiu o local previsto a Norte de MADINA onde se devia instalar em 06.0700h, após algumas hesitações dos Guias (era quase sempre assim…).
Cerca das 0900h o PCV informou que o Dest A tinha já destruído a Tabanca de BELEL e ordenou que se iniciasse a batida à zona Sul do trilho Madina-Belel.

Durante o deslocamento foi detectado o acampamento do ENXALÉ, que foi atacado e destruído, verificando-se que tinha sido abandonado pouco antes.

O objectivo tinha 8 palhotas e capturámos 1 Mauser, 2 marmitas, 1 granada de LRocket e documentos.

Entretanto os elementos do Dest instalados enquanto se procedia ao assalto, foram atacados fortemente, por abelhas. EU QUE O DIGA. DESESPERO ABSOLUTO.
Este ataque, não previsto, desorganizou a nossa acção e pôs 2 nossos homens em estado grave.

Depois de uma certa demora, reiniciou-se o regresso, tendo as NT sofrido, ainda, mais 3 flagelações, sem consequências para nós, tendo o IN sofrido 5 mortos confirmados.

Já na picada FINETE – ENXALÉ as NT sofreram mais 2 ataques de abelhas, provocando o desmaio de alguns elementos, que tiveram de ser transportados às costas.

Continuando a progressão atingiu-se S. BELCHIOR, onde fomos recolhidos em viaturas, chegando ao ENXALÉ às 18.00h.

De imediato iniciámos a travessia do rio e chegámos a FÁ às 03.00h do dia 07/04/68.
Conferido o material, à chegada, faltavam 2 G3, alguns cantis e bornais.
Comunicadas as faltas, voltámos no dia seguinte, à zona do último ataque de abelhas (foram 3 e… quem não se lembra destes ataques ?).

Recuperámos parte do material.
Regressámos a FÁ às 20.00h de 08/04/68

Note-se que logo a seguir a 10/04 montámos emboscadas e vigilância no MATO de CÃO e em 21 iniciámos a ocupação e construção de MANSAMBO (casernas-abrigo de um novo aquartelamento).

A 22 o meu GComb foi destacado para o GEBA em reforço.

Um abraço,

Notas pessoais:
Um elemento do Pel Caç Nat 53 é abatido numa das 5 emboscadas sofridas e ainda por cima com abelhas. Um homem da 2338 desapareceu no mato, mas felizmente apareceu, mais tarde, no Enxalé.

CMSantos
Mansambo 1968/69
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3927: As Grandes Operações da CART 2339 (Carlos Marques Santos) (2): Op: "Grão Mongol", "Firmes e Singulares" e "Sempre Firmes"

domingo, 12 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4177: Tabanca Grande (133): Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

1. Mensagem de Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69, com data de 11 de Abril de 2009:

Boa tarde aos Comandantes da Tabanca Grande: Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgílio Briote, toda a Família e toda a Família da Tabanca com votos de Santa Páscoa.

Hoje, dia 11 de Abril de 2009, 44 anos festejados do meu Matrimónio, envio as minhas fotografias da praxe de apresentação na Tabanca, ficando para breve o envio de algumas histórias da minha vida.

Um Abraço a TODOS


2. No mesmo dia foi enviada esta mensagem ao nosso camarada Manuel Moreira:

Caro Manuel Moreira
Os parabéns da Tertúlia pelos vossos 44 anos de matrimóno.
Para ti um abraço e para a senhora tua esposa um beijinho, com votos de que estejam juntos por muito mais tempo.

Feitas as contas, já eram casados quando tu foste para a Guiné, logo a tua esposa é nossa camarada, pois fez a guerra em casa, contando os dias um a um até ao teu definitivo regresso.
Abençoadas mães e esposas que suportaram tal martírio.

O teu camarada
Carlos Vinhal


3. Recordemos Manuel Moreira aquando da sua apresentação no P3526 (*):

Olá, Luis Graça.

Sou Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mecânico Auto da CART 1746 que esteve em Bissorã de Julho de 1967 a Janeiro de 1968 e Ponta do Inglês, onde fiz a "Canção da Fome", enviada pelo meu grande amigo e conterrâneo Paulo Santiago (somos ambos de Aguada de Cima) e Xime de Janeiro de 1968 a Junho de 1969.

Teria muito gosto em saber o endereço do nosso amigo Sousa de Castro.

Um Grande Abraço.


CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

Manuel Vieira Moreira
Xime, Ponta do Inglês,
28/01/1968


4. Caro Manuel Moreira, renovo os parabéns da Tertúlia pelos vossos 44 anos de casamento. Fantástico nos tempos que correm.

Publicadas as tuas fotos da praxe, ficas definitivamente apresentado, faltando agora começares a escrever as tuas memórias para as podermos publicar.

Recebe um abraço dos editores e da tertúlia.
CV
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3526: Tabanca Grande (99): Manuel Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1967/69

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)

Guiné 63/74 - P4176: Convívios (109): Convívio do pessoal da CCAÇ 3 em Quarteira e Vilamoura, nos dias 1 e 2 da Maio de 2009 (J. M. Félix Dias)



O nosso camarada José Manuel Félix Dias, ex-Fur Mil SAM, CCAV 2539/2540/BCAV 2876 e CCAÇ 3, Guiné, 1869/71, em mensagem de 11 de Abril de 2009, pediu para publicitar o Encontro da CCAÇ 3 que se vai realizar nos dias 1 e 2 de Maio de 2009 em Quarteira e Vilamoura.


OBS: - Para ver o programa mais ampliado, clicar nas gravuras.



__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4162: Convívios (106): Almoço convívio do pessoal do BCAÇ 3832 em Monte Real, 9 de Maio de 2009 (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P4175: Os Bu...rakos em que vivemos (5): Guileje bem se podia considerar um hotel de 5***** (Manuel Reis)

1. Mensagem de Manuel Reis (*), ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74), com data de 5 de Abril de 2009: Os BURAKOS da Guiné Poste 4115 (**) Amigos Editores: Os nossos caros editores vieram espicaçar-me um pouco, o que acaba por ser positivo, pois obriga-nos a sair da letargia e da indiferença em que por vezes caímos, no que respeita a estas histórias da Guiné. Quase todos nós sofremos, directa ou indirectamente, os horrores da guerra e não faz grande sentido estar a seleccionar os locais em que se viveram os momentos mais difíceis pela subjectividade que encerra. De qualquer modo emitirei a minha opinião, mais adiante. Em primeiro lugar quero esclarecer os nossos editores LG/CV/VB, que me vão permitir ironizar um pouco sobre Guileje, para que o tema não se torne repetitivo e maçador. De facto, Guileje bem se podia considerar um hotel de 5 estrelas cujas infraestruturais e serviços passo a citar: - Havia 20 quartos (bunkarizados), amplos, com ar condicionado e com uma suite para as visitas. Em Maio de 1973 estava a ser melhorado com a ajuda do nosso amigo Nino. (O nosso amigo Amaro está desactualizado)! - Era abundante e variado o fogo de artifício, que para gozação da malta, até à exaustão, não havia direito a folga! - Como se estava a aproximar a época das chuvas era garantido a todos, banhos abundantes de água, bem quentinha! - Estavam garantidas umas refeições, bem recheadas, de que destaco, o prato estilhaços na marmita! - Apesar de todo um apoio promocional, bem publicitado, não nos foi possível atingir os nossos objectivos. - Meus caros amigos, digo-vos com sinceridade. Visitas de cortesia a este lugar paradisíaco, no seu auge, com garantia de uma recepção apoteótica, ZERO. Antes de 18 de Maio de 1973, as únicas visitas, com direito a permanência, eram de alguns camaradas, oriundos de outros bandos, onde haviam sido proscritos. Os ditos corrécios! Ah! Recordo a visita a que fora obrigado o médico de Aldeia Formosa, que só dizia ABRIGO e donde não saiu, durante o tempo de permanência. Caros editores, desculpai-me esta ironia. Quando falam em bunkers, valas, bidões, chapas de zinco estão a falar em algo que eu e a CCAV 8350 conhecemos perfeitamente. Basta analisar o nosso trajecto por Gadamael, Cumbijã e Colibuia. Retomando o tema BURAKOS, ele será maior ou menor consoante a sua localização no tempo e no espaço territorial. A nossa capacidade de reacção à estratégia montada pelo inimigo era também determinante. Aquartelamentos que nunca foram atacados, de um momento para outro transformaram-se num inferno. Do que conheci, Gandembel, teria sido, na sua curta existência, um BURAKÃO. Nos patrulhamentos, em que participei, naquela zona, testemunhei uma grande quantidade de viaturas completamente destruídas. A picada estava cheia de crateras, indicativo da estratégia utilizada pelo inimigo. O aquartelamento estava localizado junto à linha de fronteira e em cima do mítico Corredor de Guileje. Como foi possível que tal sucedesse? Um abraço para o amigo Idálio Reis, cuja fotografia no blogue é bem sugestiva de um determinado tempo vivido na Guiné. Deixo aqui a possibilidade de um possível encontro. A minha aldeia, onde frequentemente vou, dista 12Km de Cantanhede. Um Alfa Bravo Manuel Reis Guiné > Região de Tombali >Guileje > Abril de 1973 > CCAV 8350 (1972/73), Piratas de Guileje > O Alf Mil Reis junto ao monumento erigido à memória do Alf Lourenço, dos Piratas de Guileje, morto em 5 de Abril de 1973, na explosão de uma armadilha. Foto: © Manuel Reis (2009). Direitos reservados Guiné-Bissau > Região de Tombali > Fotos tiradas em Guileje, no meu regresso a Bissau. Visita a Guileje e ao Cantanhez (1, 2 e 3 de Março de 2008), no âmbito do Seminário Internacional de Guiledje (1 a 7 de Março de 2008). Restos arqueológicos da antiga tabanca e aquartelamento de Guileje, local destinado a um futuro museu. (LG) Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados. __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 11 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4172: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (14): Desprestígio e ofensa a quem foi obrigado a combater (Manuel Reis) (**) Vd. poste de 31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4115: Os Bu... rakos em que vivemos (1): Banjara, CART 1690 (Parte I) (António Moreira/Alfredo Reis/A. Marques Lopes) Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4168: Os Bu... rakos em que vivemos (4): Acampamentos de apoio à construção da estrada Mansabá/Farim (César Dias)

sábado, 11 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 10 de Abril de 2009:

Carlos Vinhal

Há já uns tempos que não dava seguimento à Viagem à volta das minhas memórias.

Um abraço para ti, extensivo a toda a Tabanca e uma Santa Páscoa para todos.
Luís Faria

P.S. Não abusem dos doces, ok ?


Bula – um mês complicado (1)

Fevereiro foi um mês complicado para os três Grupos da Força que ficaram em Bula (o 4.º GComb tinha ido para Teixeira Pinto a 5 de Janeiro) e para mim, pois às operações acumulei a implantação de minas e a inspecção de uma parte do campo já minado, que para além desses engenhos também tinha armadilhas na lateral. Bom susto apanhei!!

Para alem do trabalho usual (emboscadas, colunas etc…) a Força faz 4 Operações tanto a nível de Grupo, como de Bi-grupo e até de Companhia a três Grupos, essencialmente em toda a zona que generalizo de Ponta Matar (Bejintim, Belibar, Braque, Pecuré, Unfote, P.Ponate, P.Matar), zona difícil quer pela morfologia do terreno, quer pela intensidade da presença IN, já que ao que sei, sem bases permanentes, era passagem de Oeste para Leste e para Sul e julgo, zona de recepção de abastecimentos.

Daí que, em três das quatro vezes que lá fomos este mês, tivéssemos recontros violentos, dos quais recordo com clareza, situações/momentos, talvez porque me tenham marcado mais, quer pela dureza, quer pelo insólito, quer até pelo próprio espectáculo.

Uma dessas situações ocorre na segunda operação (Borboleta ?) a nível de três GComb em que felizmente não tivemos feridos.

Como costume, saímos pela calada da noite rumo ao objectivo. Entrados na mata fomos seguindo, como sempre com o máximo dos cuidados, não procurando o confronto mas também não fugindo a ele. Ouvia uns tiros aqui e ali mas, sem problemas, fomos progredindo sem haver contacto e entramos numa mata de arbustos densa, à mistura com laranjeiras e cajueiros cujas copas quase se tocavam.

O meu GComb vai na frente e a dada altura, relativamente perto de uma bolanha, depara-se-me uma pequena zona, em que o chão em terra, pisado e limpo, me deu a entender ser usada pelo IN como local de reunião ou encontro, habituais.

Esta pequena clareira era ladeada pela minha esquerda e frente por vegetação arbustiva densa. Mais ou menos ao centro havia um baga-baga.

Feita a inspecção ao local, a rapaziada começa a avançar em direcção à bolanha, ficando eu e creio que o Castro, no dito espaço a finalizar a inspecção e a controlar o rearranque e passagem do pessoal.

Uma rajada soa e começa uma sinfonia intensa, só de tiros, vindos da zona arbustiva à minha esquerda, obrigando o pessoal que se encontra na zona a proteger-se o melhor que pode e a ripostar. É pedido apoio aéreo. A mata envolvente é densa.

No que me toca, corro para a protecção do baga-baga e agachado tento ver algum turra mas... nada! Ponho-me em pé, parcialmente protegido pelo baga-baga que recebe uns impactos, ouço pela primeira vez um vai no Puto (Metrópole), gritado a poucos metros.

Em simultâneo com um cabrões viro-me na direcção da voz, vejo um ramo a partir-se, continuo a não ver ninguém, disparo três ou quatro tiros (sempre utilizei o tiro a tiro e era bem rápido) nessa direcção e na sequência dos meus disparos partem-se de volta outros ramos na mesma zona e essa voz e esses tiros, deixei de os ouvir (aconteceu-me este tipo de situação três vezes na zona de Bula).

Acabada a refrega arrancamos em direcção à bolanha, a corta-mato com todas as precauções, prevendo a hipótese de novo confronto, o que viria a acontecer.

Estou a dirigir-me para o meu lugar na fila e ouço, vindo da minha frente:

- Faria, oh Faria apanharam-me.

Corri e era o Furriel Almeida que se esforçava por se soltar do turra que era... uns arbustos, que emaranhados no cinturão com cartucheiras e no cantil, não o deixavam progredir e lhe deram a sensação de estar a ser puxado para a mata!

Salvo o meu amigo, continua a progressão em direcção à bolanha, naquela mata fechada que só permitia tiro. Chegados à orla da mata inicia-se o dispositivo de segurança e observação e... começa nova sinfonia, mas desta vez com outros cantares mais pesados. Foi trovoada de pouca dura para a malta, já que esta emboscada coincide praticamente com a chegada do heli-canhão, qual Anjo alado que tinha sido pedido e começo a ouvir o tum-pum do disparo e do embate da bala de ponta explosiva(?), juntamente com gemidos e gritaria vindos da mata.

Ao som dessa melodia, a rapaziada mete–se em bicha de pirilau, sem cerimónias à travessia da bolanha, dando inclusive uns tiraços a aves passantes e espanto meu, vejo alguns dos rapazes, com a arma a tiracolo, trazendo os abafos à guisa de cestas, carregados de laranjas.

Para trás começava a ficar o som do nosso S. Gabriel e do troar da sua espada de fogo contendo e permitindo que ignorássemos nessa hora o Inimigo.

Luís Faria

2.º GComb/CCaç 2791 (FORÇA)

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4020: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (11): Bula, foguetões e confusões no abrigo

Guiné 63/74 - P4173: Humor de caserna (10): Como se caçavam Maçaricos em 1964 (Santos Oliveira)

1. Mensagem de Santos Oliveira (*), ex-2.º Srgt Mil Armas Pesadas, Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com data de 8 de Dezembro de 2008:

Caros Luís e Companhia
Cá vai uma história inocente (dum ingénuo) do que aconteceu no dia da minha apresentação em Tite (20SET64).


COMO SE CAÇAVAM MAÇARICOS EM 1964

A Guerra do Ultramar veio criar a necessidade de, aos Militares para lá deslocados, um fardamento adequado ao clima, de caqui amarelo-torrado.
Os que haviam seguido pelos anos de 1961 ainda sofreram as agruras da regulamentar farda utilizada no Contingente Metropolitano, inadequada, de fazenda cerdosa, grossa, de cor cinzenta (quentíssima cá, como seria por lá???...).

Estes foram os verdadeiros criadores do termo e apelido que nos era atribuído, pela semelhança de cores com a do MAÇARICO, um tipo de ave, muito comum na Guiné.
Com a evolução e renovação do tal fardamento inadequado, todos ficaram amarelos, pelo que somente aos novatos e inexperientes no Ultramar eram apelidados com tal epíteto.

Feito este preâmbulo para se perceber que a minha chegada (a de qualquer Maçarico) era sempre aproveitada para fazer render umas quantas cervejas fresquinhas.

Acabado de me apresentar, tive, de seguida uma calorosa recepção de uma boa dezena de prestáveis rufias, camaradas Furriéis e Sargentos, Milicianos e do Quadro, que, solidariamente, me rodearam (e eu sentia-me como que confortado com tanta atenção); perguntavam coisas de cá, queixavam-se, do calor, do sol que era tanto forte, que até fritava sardinhas dentro dum capacete.

Céptico, ia mantendo aquela conversa e referia que jamais iria colocar o capacete, porque se o usasse perderia toda a mobilidade e destreza. Eles contrapunham outros argumentos sobre regulamentos, segurança, etc.etc.

Voltavam ao calor, ao sol que até fritava sardinhas…

- Queres apostar que se em cinco minutos as sardinhas não fritarem, pagamos cerveja a todo o teu Pelotão que está lá em baixo (no Enxudé). Se fritarem, pagas tu a cada um de nós, diziam.

Lembrava-me da educação da minha Mãe quando dizia:

- Meu filho, quando tiveres certeza de alguma coisa, teima e teima; mas nada de apostas. Aposta é jogo.

Mas a juventude dos meus 23 anos...

Aceitei.
De imediato e em chusma, conduziram-me ao do Parque das viaturas onde havia muitos bidões. Retiraram a protecção interior dum capacete que colocaram em cima de um deles, apareceu, sei lá de onde, uma lata de sardinhas (das que faziam parte da Ração de Combate), lançaram o conteúdo dentro do capacete e marcaram o tempo.

Não é que o azeite borbulhava como quando se frita?

Quantos, como eu, já teriam sido caçados? Seguramente os que por lá aportaram em Rendição Individual e foram imensos.

Claro que me custou largar aqueles escudos da Metrópole para pagar a minha ingenuidade.

E eu, MAÇARICO, me confesso: fui assim caçado pelos velhinhos dos BCaç 237/599.
Santos Oliveira
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4169: O trauma da notícia da mobilização (9): Afinal, sou necessário sem me sentir voluntário (Santos Oliveira)

Vd. último poste da série de 22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4066: Humor de caserna (9): Quando os alentejanos de Jumbembem viram cair-lhes os tomates... a seus pés (Artur Conceição)

Guiné 63/74 - P4172: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (14): Desprestígio e ofensa a quem foi obrigado a combater (Manuel Reis)

1. Mensagem de Manuel Augusto Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350, (Guileje, 1972/74), com data de 29 de Março de 2009:

As declarações do General Almeida Bruno:

Amigo Luís:

Sobre declarações do senhor Almeida Bruno (General) cumpre-me dizer o seguinte:

Subscrevo, na íntegra, as intervenções do Mário Pinto e do Jorge Canhão (*).
Ninguém, até ao momento, desprestigiou e ofendeu de modo tão contundente e desrespeitoso aqueles que, de uma maneira desinteressada, foram obrigados a combater para manter o regime Colonial.

Sendo o Senhor General o braço direito do Comandante-Chefe devia, no mínimo, assumir a sua quota-parte na formação e orientação dos ditos bandos.
Num ponto estou de acordo com o senhor General: Temos de ser francos e a verdade ter de ser dita: Enquanto o Senhor, em Bissau, se confortava no ar condicionado, os bandos sofriam na alma e no corpo a tortura da guerra. Enquanto o senhor permanecia em Bissau, os bandos, gente anónima, foram aguentando no mato, durante 11 anos e o senhor General via a sua promoção militar e social foi-se tornar-se realidade.
Dada a gravidade das afirmações, que são inqualificáveis, e abrangentes da maioria dos ex-combatentes, lamento que as vozes mais críticas e/ou activas deste blogue permaneçam mudas.

Tinha visto no canal 1 da RTP uma pequena reportagem sobre a miséria que se abateu sobre muitos dos ex-combatentes: Sem abrigo, com a família desfeita e muitos deles a viveram de esmolas alheias. A minha preocupação estava direccionada para estes camaradas, quando de repente sou surpreendido por este bombástico depoimento.
Sobre este assunto nada mais direi, por agora.


A retirada de Madina do Boé

Foi um acidente triste e lamentável, que já conhecia há imensos anos, mas sobre o qual não possuo dados que me permitam fazer uma avaliação. Esta reportagem permitiu-me entender determinadas reacções do Ten Cor Aparício em 1972 (então capitão), nos Açores.

Foi meu Comandante de Companhia nos Açores, no destacamento da Castanheira, durante o período de um mês. Estava-se a formar, nos Açores, um Batalhão com destino a Moçambique, que acabei por não integrar, porque a lei da cunha entrou em acção e tive de regressar à Metrópole, enquanto outro me ia substituir.

A relação entre o Capitão Aparício e os Aspirantes era óptima. Era uma pessoa revoltada pela sua situação, tinha efectuado duas comissões em Moçambique e uma na Guiné e continuava sem ser promovido. Era miliciano e a isso atribuía a discriminação de que era alvo.

Falou-nos da comissão da Guiné, da qual nos contou alguns episódios, mas só agora o relaciono com Madina de Boé e melhor entendo a suas reacções intempestivas. Não é fácil passar por isto incólume.

Um abraço amigo.
Manuel Reis
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Vd. último poste da série de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4171: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): Emboscada na Fonte de Mansambo

1. Mensagem de Torcato Mendonça (*), ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), com data de 8 de Abril de 2009: Meu Caro Carlos Vinhal: Depois de cortes e aligeirar o texto, aí vai o meu relato da emboscada onde morreu o Humberto Vieira, amigo do nosso Camarada Ribeiro Agostinho (**). É assunto que procurei aligeirar porque foi o pior desastre da minha Companhia. A morte de dois Camaradas, saber que alguns dos feridos ainda hoje sofrem e outras recordações revoltam-me. Agradeço que lhe faças chegar o texto, conforme combinado. Quanto a publicação transcende-me. Um abração e Boa Páscoa Torcato de Mansambo ESTÓRIAS DE MANSAMBO PARTE II – (FORA DE ORDEM) EMBOSCADA NA FONTE DE MANSAMBO – 19 de Setembro de 1968) Regressou, ia Setembro a meio. A chuva caía fraca na tarde cinzenta e baça. Tarde tristonha a não destoar assim do aquartelamento, com os seus charcos de água esverdeada, a lama, o capim a sair da mata, logo ali, e a entrar, atrevido ou consentido, a afagar uma fiada e a encaminhar-se para a outra fiada de arame farpado. Nem tão pouco destoava, dos rostos cansados e tristes e de olhares vazios dos jovens que, indiferentes à chuva, olhavam a coluna acabada de chegar. Não por mera curiosidade pois, certamente, o motivo principal era o correio. Desceu do Unimog, depois de ter olhado à volta. Cumprimentou os camaradas que o olhavam como o sortudo que veio de férias. Um Furriel, do seu Grupo, indicou-lhe um local diferente do de outrora onde ia agora ficar, num outro abrigo de construção acabada depois da saída dele. Ajudaram-no a levar a pouca bagagem. Já haviam arrumado todos os seus haveres, por de baixo e ao lado da cama. Sobre a mesa-de-cabeceira, uma novidade, o telefone de campanha e um ou dois objectos pessoais. Luxo para quem vivia meio enterrado e, apesar das paredes de blocos e da austeridade do lugar, das seteiras a toda a volta, da Breda montada a um canto e do armamento bem arrumado e pronto a usar, gostou e sentiu-se em casa. Não havia, ali, diferença entre oficiais, sargentos e praças, quer no alojamento quer na alimentação. Excepções para o comando, secretaria e cripto. Depois de arrumar tudo deitou-se em cima da cama e quedou-se um pouco a pensar. De facto, encontrara mesmo sem ainda ter falado muito com eles, os militares do grupo a mostrarem quebra física e anímica. Viver naquelas condições era desgastante. Má alimentação, falta de quase tudo – da elementar luz eléctrica, água potável para beber ou tomar banho – um sem fim de carências. Acrescia ainda o esforço de construir aquele aquartelamento no meio de quase nada. Oito casernas abrigo e anexos meio enterradas. Cavar, cortar cibes, abrir bidões, erguer paredes de blocos. Como se não bastasse, ainda a actividade operacional pois eram companhia de intervenção. Assim faziam operações, colunas, montavam e sofriam emboscadas, rebentavam minas a um ou dois contos a peça, sofriam flagelações ou ataques fortes ao aquartelamento. Jovens a perderem a juventude, a normal alegria de viver, a sofrerem os efeitos de uma contenda que pouco ou nada lhes dizia. Assim iam endurecendo e precocemente envelhecendo. Meninos há menos de um ano; homens endurecidos agora. Acendeu mais um cigarro e foi tentar falar com o seu grupo. Até nisso a vida naquele lugar tinha regras diferentes. O seu grupo estava em dois abrigos, como o resto do pessoal da companhia. Por prudência não se juntavam todos. Vivia-se partido ou repartido, cerca de vinte ou vinte e cinco homens por abrigo. Reuniram-se e ouviu mais do que falou. Anotou o que para ele tinha interesse. Homens a merecerem muito, muito mesmo. Assim não e havia volta a dar. Havia. Era grupo unido. Com um pouco de tempo dar-se-ia a volta. Dias depois, após o jantar, recebeu a ordem. - Amanhã vais à Moricanhe. Vê como estão por lá os milícias e a população. De madrugada, com o Sol no seu rápido espreguiçar próprio daquelas Latitudes, ouvia-se o reboliço do pessoal na preparação de mais uma saída. Abandonaram o aquartelamento abrindo a cancela – cavalo de frisa – do lado da fonte, circundaram o arame e foram direitos à estrada. Mil olhos a entrarem mata dentro, os picadores à frente a fazerem o seu trabalho e eles, devagar, propositadamente devagar, a manterem distâncias, a não pôr a arma ao ombro, a tentarem ser eles novamente, caminhavam estrada fora até ao alto, já depois do pontão do Almami, o local das emboscadas. A partir daí foram por um trilho, conhecido dos picadores, directos à tabanca da Moricanhe. Muito perto desta, inesperadamente um ou uns centos de rebentamentos e tiros para os lados de Mansambo. - Liga o rádio. Pede informações que é Mansambo a embrulhar. - Não dá nada. A mata é fechada. Não dá. - Vamos depressa, depressa, ali perto está a Moricanhe e antes há clareiras. Estabeleceram contacto rádio. Era um ataque a Mansambo. Ordem para continuar e esperar. O ataque era forte e durou bastante. Já na Moricanhe receberam nova ordem. - Vão para a estrada e façam segurança à coluna vinda de Bambadinca. Quase em passo de corrida, acompanhados do Sargento Milícia Mádia e de uns quantos milícias, rápido estavam na estrada. De repente sentiram o barulho da aviação e pararam. Vindos dos lados de Bambadinca, seguindo a estrada, passou um e logo mais dois helicópteros. Sentem os T6. Mau, mau, há grossa bronca. - Liga para o quartel. - A resposta foi: esperem a coluna. Esperam e desesperam. Nova ordem. Venham imediato este. O mais rápido possível regressam. Entram agora pela porta principal. Sentia-se o alvoroço e a tragédia no ar. Olhando em redor parecia que um ciclone tinha passado por Mansambo. Tentou saber o que se passava. Contaram-lhe de forma sintética, olhar de desespero, voz embargada pela raiva: - O grupo que foi buscar água à fonte caiu numa emboscada forte. Montaram metralhadoras e varriam tudo de modo a não prestarmos auxílio. Os gajos atiraram nos garrafões de vidro e os estilhaços atingiram alguns da malta. Iam dezasseis homens. Tivemos onze feridos, alguns graves, um morto e um desaparecido. Foi o maior desastre da Companhia. Deu ordem para o pessoal regressar aos abrigos e foi até à saída para a fonte. Horas antes, poucas, tinha por lá passado. A fonte estava a menos de cem metros, menos. Olha em redor e tentou perceber. Passou, nada viu e já lá estavam. Ora isso indiciava que sabiam qual o objectivo, tinham disciplina táctica e de fogo, conheciam bem o local. Tentou tirar conclusões e talvez tenha tirado. Certo é que o que viu e sentiu foi determinante para o resto da comissão. Fez sinal a alguns militares que ainda limpavam o trilho e regressou. Quem antes regressara era o desaparecido. Contou que ao tentar abrigar-se numa árvore, tentaram agarrá-lo e falaram em língua estrangeira. Socou o sujeito que parecia branco e fugiu. Quando lhe disseram disse logo: - cubanos. Por isso o modo como a emboscada foi montada. Cabrões! Teve a confirmação cerca de um ano depois. Ao interrogar um prisioneiro – Malan Mané – este confirmou que viram o grupo dele sair, não atiraram e eram comandados por um ou mais cubanos. NOTA: - A emboscada na fonte de Mansambo foi a 19 de Setembro de 1968. O In causou nas NT um morto (Soldado Trms Humberto P. Vieira), cinco feridos graves e seis ligeiros. Um dos feridos graves (1.º Cabo Condutor João M.J. Figueiras veio a falecer a 25 de Setembro) e outros vieram para o Hospital Militar Principal – Lisboa. Passados meses foi aberto um poço dentro de quartel; construíram-se duches e vieram dois obuses 10.5. Num ataque ao Poidom estava um cubano. Perdeu o boné com a foto de mulher e filhos mas, infelizmente, conseguiu abandonar o local com cabeça… __________ Notas de CV: (*) Vd. poste de 18 de Janeiro de 2009 Guiné 63/74 - P3757: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (4): Férias em Janeiro de 1969... (**) Vd. poste de 29 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4098: Tabanca Grande (129): Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista, Condutor Auto e Escriturário, QG/Bissau, 1968/70