quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5350: O Nosso Livro de Visitas (71): João Pereira, filho do nosso camarada Vitorino Dores Pereira, ex-1.º Cabo Enf no HM 241, 1965/67

1. Mensagem de João Rodrigo Pereira, com data de 23 de Novembro de 2009, filho do nosso camarada Vitorino Dores Pereira, ex-1.º Cabo Enfermeiro que prestou serviço no HM 241 de Bissau nos anos de 1965/67:

Numa visita ao vosso site, reparei que tinham muitas recordações sobre a Guiné.
Deve estar a estranhar, ser tão novo e já estar interessado nas histórias do ultramar, mas o meu interesse também é dar um pouco de lembranças ao meu pai, que tanto me fala da Guiné.
Andamos os dois na internet a tentar descobrir mais um pouco, dos colegas, das fotos, e encontramos o vosso site, acontece que como têm tanta informação, é difícil encontrar aquilo que desejamos.

O meu pai chama-se Vitorino Dores Pereira, era 1.º Cabo Enfermeiro, e esteve a trabalhar no Hospital militar da Guiné-Bissau (bloco operatório), entre 1965-1967.

Se nos puder ajudar, seria muito gratificante, e agradável o meu pai rever o que passou, encontrar colegas, e falar de tudo quer coisas boas quer coisas más.

Cumprimentos e aguardarei um mail seu.
João Rodrigo Pereira
rodrigo.pereira@arval.pt




2. Comentário de CV:

Caro João, pouco mais podemos ajudar do que publicitar os desejos de seu pai.

Se quiser ler uns quantos postes do nosso Blogue relacionados com o Hospital Militar de Bissau, deixo-lhe os respectivos endereços:

Guiné 63/74 - P3486: Tabanca Grande (98): António Paiva, ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70

Guiné 63/74 - P3511: O meu baptismo de fogo (23): Uma vacina para o enjoo... (António Paiva)

Guiné 63/74 - P3615: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (1): Corrida com triste fim

Guiné 63/74 - P3641: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (2): Aventura de Domingo

Guiné 63/74 - P3775: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (3): Ir a Mansoa, não é perigoso?

Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (4): Não cobiçar a mulher do próximo

Guiné 63/74 - P4058: Memória dos lugares (20): Hospital Militar 241 de Bissau (António Paiva)

Guiné 63/74 - P4083: Memória dos lugares (21): Hospital Militar 241 de Bissau (Carlos Cardoso)

Guiné 63/74 - P4143: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva ) (5): A Justiça Militar ou um processo... kafkiano

Guiné 63/74 - P4203: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (6): É uma alegria a notícia de que se vai ser pai

Guiné 63/74 - P4432: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (7): 4 dias de inferno em Junho de 1969

Guiné 63/74 - P4613: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (8): Pôr os pontos nos "is"

Guiné 63/74 - P4910: Os Nossos Médicos (3): Os especialistas eram poucos, e não gostavam de ir para... o mato (Armandino Alves, CCAÇ 1589, 1966/68)

Poderá encontrar outros postes que de algum modo se refiram ao HM 241 ou a saúde se uma maneira geral.

Fica aqui também o pedido de seu pai para o caso de algum camarada dele ler este poste e o queira contactar, para o fazer através do seu endereço electrónico.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5308: O Nosso Livro de Visitas (70): Daniel de Matos, ex-Fur Mil, CCAÇ 3518 (Gadamael, 1972/74)

Guiné 63/74 – P5349: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (29): O COP4 (Mário Pinto/José Teixeira/Vasco da Gama/Carlos Farinha)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos uma mensagem com o seu 29º texto, que é o complemento do poste P5322. A complexidade da matéria abordada, contou com as preciosas colaborações dos nossos Camaradas José Teixeira (1.º Cabo Enf da CCAÇ 2381 - Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), Vasco da Gama (Cap Mil da CCAV 8351 – Cumbijã -, 1972/74) e Carlos Farinha (Alf Mil da CART 6250 - Mampatá e Aldeia Formosa -, 1972/74):

ZONA DE GUERRA NO COP4 (BUBA-ALDEIA FORMOSA)

2.º Semestre de 1969


Com o abandono da construção da estrada Buba-Aldeia Formosa, a transição do COP4 para o Quebo e a deslocação de todas as forças humanas e material bélico que se encontravam naquela ZA, para outros locais do Território da Guiné, o Sector passou por uma acalmia aparente.

Durante um curto período de tempo, os Altos Comandos do Sector puderam assim planear e organizar a estratégia para o futuro.

Foi então criado o Plano de Operações do COP4, a que foi dado o nome de Orfeu Oriental, tendo a minha companhia passado a Companhia de Intervenção. A quadrícula foi aquartelada na Tabanca de Mampatá, com as seguintes ordens operacionais e ZA:

CART 2519,
Pel Caç Nat 68,
Pel Milª 137,
Esq Pel Mort 2138.

1) Impedir ou, no mínimo, dificultar ao máximo os movimentos do IN, no eixo Unal-Missirá-Uane-Portugol, para o que se orientou o esforço sobre as linhas de infiltração materializadas sobre: Baramboli-Missirá-Iero/Saldé-Sara/Dibane-Uane-Sardonha, (com especial incidência sobre esta área), efectuando constantes:

- Reconhecimentos da Região;
- Emboscadas;
- Minagem e armadilhamento;
- Patrulhas na Estrada Buba-Aldeia Formosa;
- Organização e segurança na defesa de Mampatá.

Às forças instaladas em Aldeia Formosa, foram dadas as seguintes missões integradas no Plano Operacional "Orfeu Oriental":

-Impedimento a todo o custo da fixação e da infiltração do IN, para Oeste da linha definida por Saltinho-Contabane-Bongofé (abandonada)-Fronteira, para o que procedia a:

- Patrulhamentos, Reconhecimentos na sua ZA;
- Emboscadas, Minagem e Armadilhamento dos trilhos compreendidos entre Gandembel-Gamã-Aldeia Formosa;
- Coordenação das suas acções com as outras forças: CART 2519, CCAÇ 2464 e CCAÇ 2465.

Em Aldeia Formosa:

BCAÇ 2834,
CCAÇ 2464 ( mais tarde, em Novembro, a CCAÇ.2615),
CCAÇ 1792 - Lenços azuis (que foram rendidos pela CART 2521),
Pel Fox 2022,
Pel Nat 60,
Pel Mort 1242,
Pel Obuses 14.

Em Chamarra:

Pel Nat 58,
Em Nhala,
Em Novembro, CCAÇ 2614,
Esq Pel Mort 2138.

Em Buba:

CCAÇ 2382 ( mais tarde, em Novembro, CCAÇ 2616),
Pel Milª,
Dest Fuzas 7,
Pel Mort 2138,
1 Gr Comb da 2381 (até Novembro de 1969).

Em Nhala:

2º Gr Comb da CCAÇ2382

Estas eram as forças em presença, que iriam, nos tempos que se seguiram, assegurar a estabilidade do Sector e deter a penetração do IN para a zona do XITOLE.

O IN concentrou os seus efectivos na região de Unal-Missirá-Sara Dibane, em que se empenhou ao máximo no impedimento do cumprimento das missões das NT, colocando minas, realizando emboscadas, atacando e flagelando os nossos aquartelamentos.

Foi referenciado neste período um Bi-Grupo do PAIGC, designado por “Comando de Estaline”, comandado pelo Malagueta Man, que desenvolveu intensa actividade nesta ZA.

Nos meses de Julho e Agosto de 1969, as actividades do IN enfrentadas pelas nossas tropas, foi quase nula, resumindo-se a algumas flagelações aos aquartelamentos de Mampatá, Buba, Chamarra e Aldeia Formosa, e a colocação de minas nos nossos itinerários, com maior incidência na estrada (velha) Buba-Aldeia Formosa, registando-se duas emboscadas de pouca envergadura.

As NT neste período actuaram em conformidade, com o plano operacional "Orfeu Oriental", patrulhando, emboscando e minando os habituais trilhos de infiltração do IN, conforme a sua ZA. Em 15AGO69, efectuou-se a intercepção, em Uane, de um Grupo de Combate IN de 20 elementos, que se deslocava no sentido Sul-Norte, tendo o mesmo conseguido retirar, provavelmente com várias baixas, devido aos rastos de sangue encontrados na área do combate.

Nos meses de Setembro e Outubro de 1969, registou-se um abrandamento significativo das acções do IN na ZA, devido em parte à época das chuvas e ao estado dos itinerários que se encontravam todos praticamente intransitáveis para as NT. No mesmo período, verificaram-se dois ataques a Mampatá e Chamarra, e um a Aldeia Formosa. O aquartelamento de Buba, sofreu o maior ataque da ZA.

Em 10 de Outubro de 1969, 5 Bi-Grupos, estimados em 300 elementos, comandados pelo célebre Cap. Peralta (Cubano), armados com artilharia ligeira e canhões s/ recuo atacou Buba, tendo tomado posições de tiro na margem do rio, frente a Buba. O IN foi repelido com diversas baixas, retirando para Sul.

As NT continuaram a desencadear as acções previstas no plano operacional, tendo emboscado uma coluna de abastecimento inimiga, no carreiro de Missirá, causando-lhe 2 mortos confirmados e a captura de diverso material de guerra didáctico, alimentar e logístico.

Novembro e Dezembro de 1969. No princípio do mês de Novembro foi desfeito o COP4, sendo substituído pelo Comando do BCAÇ 2892. Chegaram três Companhias de “periquitos” á ZA, as CCAÇ 2614, CCAÇ 2615 e CCAÇ 2616, ficando estas distribuídas por Aldeia Formosa, Nhala e Buba, substituindo as CCAÇ 2382, 2464 e 2465.

Com estas alterações no Sector, o Comando do BCAÇ 2892, elaborou outro plano operacional, designado por plano de operações "Galgos Ligeiros", cujo plano de acção era semelhante ao anterior, tendo mudado simplesmente as companhias intervenientes.

No mês de Novembro de 1969, a actividade foi nula, não se registando acções relevantes, muito por causa da época das chuvas, que, como é óbvio, limitava a prática de tais acções. As NT limitaram-se a patrulhar e emboscar, em itinerários de possível penetração do IN.

Houve, no entanto, fora da nossa ZA uma operação, no dia 17NOV69, denominada "Operação Jovi" que foi efectuada no corredor de Guileje e resultou na captura do Cap. Peralta, tendo Aldeia Formosa servido de base de apoio.

Em Dezembro de 1969, com a época das chuvas a terminar, o IN retomou as suas actividades de infiltração e o número de acções de combate cresceu de intensidade, terminando assim aquele breve período de acalmia, que foi a época das chuvas.

O IN neste período flagelou à distancia com armas pesadas Aldeia Formosa, Buba e Mampatá, sem qualquer consequência.

O PAIGC efectuou um ataque de grande dimensão a Chamarra, no dia 21DEZ69, sendo repelido pelas NT, e, na retirada, foi emboscado por um Grupo de Combate da CART 2519, que lhe provocou várias baixas. Na mesma acção, tinha saído um Grupo de Combate da mesma Companhia, em auxílio ao destacamento da Chamarra, que veio a confrontar o IN em debandada, junto a Colibuia, eliminando 4 dos seus homens, confirmados no terreno, e capturado material diverso. As NT sofreram nesse confronto 4 feridos ligeiros, 2 furriéis e 2 Soldados.

Também se registou neste período, no âmbito da operação “Galgos Ligeiros", no corredor de Missirá, que um Grupo de Combate da CART 2519, em Iero Salde, emboscou um grupo IN (estimado em 20 elementos), que circulava pela linha de infiltração no sentido Unal-Uane, infligindo-lhe 5 mortos confirmados e a captura de vário material de guerra.

Com o abaixamento dos caudais dos rios que atravessavam a ZA, retomaram-se as colunas entre Buba-Aldeia Formosa, vindo a registar-se neste período, o levantamento de minas anti-carro e anti-pessoal na estrada velha, nomeadamente junto a Sare Usso, Uane e Bolanha dos Passarinhos. Verificou-se o rebentamento de um fornilho, com a destruição da viatura e 2 feridos graves das NT.

Ainda houve o registo de uma flagelação à coluna de abastecimento, no dia 12DEZ69, aquando do regresso de Buba, entre Uane e Sare Usso.

Um Grupo de Combate da CCAÇ 2615, reforçado com elementos da CART 2521, sofreu 3 emboscadas dum grupo numeroso de inimigos, junto ao rio Balana, no trilho Bungofé, tendo sido feridos 2 soldados da nossa milícia. O IN retirou para junto da fronteira, perseguido pelas NT, deixando no terreno vários rastos de sangue. Há a registar o apoio de um héli-canhão, que ajudou a dispersar o IN.

Registe-se também a visita do COMCHEF nesta altura às unidades da ZA para desejar as Boas Festas.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5348: O assédio a Guidaje em Maio de 1973, algumas achegas (Miguel Pessoa)

O nosso camarada Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref, BA 12, Bissalanca, 1972/74, deixou este comentário no Poste 5300*:

Achei muito interessante a descrição dos factos de 6 de Abril, que são bastante fiéis ao que aconteceu. Não quero no entanto deixar de apresentar umas pequenas correcções e algumas achegas ao que foi dito.

- Quando se refere o Comandante da Base de Bissalanca, situado em Bigene, suponho que será o Comandante das Forças Pára-quedistas envolvidas na busca e não alguém da Base Aérea.

- O Tenente Coronel Brito foi abatido na zona de Afiá, no sul, no dia 28 de Março - a 25 de Março foi abatido o Tenente Pessoa, mas este foi recuperado no dia seguinte.

- O Major Mantovanni não era 2.º Comandante do GO1201 - aliás esse lugar não existia, era o Oficial de Operações do GO1201 (um Major) quem substituia o Cmdt Grupo na sua indisponibilidade. O Major Mantovanni era o oficial de ligação da Força Aérea no Quartel General, em Bissau; para efeitos de voo estava adido à Esquadra 121, onde voava T-6 e DO-27. Nesse dia 6 de Abril apresentou-se na Unidade e voluntariou-se para efectuar a missão em que acabou por perder a vida.

- O militar do BENG ferido no ataque da manhã (José Crespo Silva - o "Zé de Guidaje" referido num poste já publicado neste blogue) foi evacuado num DO-27 com o apoio da Enfermeira Giselda; esta ainda voltou a Guidaje num 2.º DO-27 com o Furriel Carvalho, para evacuar o civil ferido; no percurso foram alvejados por um Strela e tiveram que aterrar em Bigene. Para substituir este avião saíu então de Bissau outro DO-27 pilotado pelo Furriel Ferreira, levando o Major Mariz e o Enfermeiro (1.º Cabo Cóias) - o avião que é referido no poste - e que nunca mais foi encontrado.

Com estes comentários apenas pretendo esclarecer e/ou complementar alguns factos que estão ainda hoje bem presentes na nossa memória, não tirando qualquer mérito ao que é descrito no Poste de forma tão pormenorizada.

Abraço
Miguel Pessoa
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Notas de CV:

Vd. postes de 19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)
e
21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

Guiné 63/74 - P5347: Patronos e Padroeiros (José Martins) (1): Exército - Arma de Infantaria - D. Nuno Álvares Pereira



1. Estamos a dar início à publicação de um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Marcelino Martins* (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dedicado aos Patronos e Padroeiros das Armas do Exército Português.

Começamos pela Infantaria e pelo seu Patrono D. Nuno Álvares Pereira.




PATRONOS E PADROEIROS - I

EXÉRCITO - ARMA DE INFANTARIA – D. NUNO ÁLVARES PEREIRA


Nuno Álvares Pereira, nasceu a 24 de Junho de 1360, filho natural de D. Álvaro Gonçalves Pereira, Prior da Ordem do Hospital, e de D. Iria Gonçalves, dama da corte de D. Fernando.

Cresceu na casa paterna, tendo entrado ao serviço do Rei D. Fernando, aos treze anos, como Pajem. Aos 16 anos casa, cumprindo desejo paterno, com D. Leonor de Alvim, fidalga de entre Douro e Minho, viúva, para cujas terra se desloca o casal.

Deste casamento nasceram três filhos, mas só sobreviveu a filha, D. Beatriz Pereira de Alvim que, pelo seu casamento com D. Afonso, filho natural do Mestre de Avis D. João, veio a dar origem à Casa de Bragança, que veio a reinar em Portugal a partir de 1640.

Foi nomeado Fronteiro-Mor de Além Tejo, tendo vencido os castelhanos em 6 de Abril de 1384 na Batalha de Atoleiros, em que pela primeira vez se combateu a pé em Portugal. D. João Mestre de Avis e Defensor do Reino pela vontade do Povo, nomeia-o Condestável de Portugal e Conde de Ourém.

Com a realização das Cortes de Coimbra, realizadas em 6 de Abril de 1384, que reconhece D. João Mestre de Avis como Rei de Portugal, origina a invasão do reino pelo rei de Castela através da Beira Alta, tomando a direcção de Lisboa.

A 14 de Agosto de 1385 mostra o seu génio militar, enfrentando um exército superior e mais bem armado, em Aljubarrota, infringindo-lhe nova derrota. Perseguidos, os castelhanos, voltam a ser derrotados em Valverde.

Em 22 de Agosto de 1415, tomou parte na expedição comandada pelo Rei de Portugal, D. João I, que conquistou Ceuta, cidade islâmica no Norte de África, sendo, por isso, um dos primeiros combatentes portugueses de África.

Sendo D. Nuno Álvares Pereira Condestável de Portugal, Mordomo-mor da Corte, 2.º Conde de Arraiolos, 7.º Conde de Barcelos e 3.º Conde de Ourém, deixou todas as suas honrarias e distribuiu todos os seus bens, recolhendo ao Convento do Carmo, que tinha mandado construir, a suas expensas, como irmão donato, o mais simples dos simples dos irmãos, tomando o nome de Frei Nuno de Santa Maria, vindo a falecer em 1 de Novembro de 1431.

Logo após a sua morte e em várias outras ocasiões, foi solicitado ao Papa o reconhecimento, por parte da Igreja Católica, a sua condição de Santo, o que veio a culminar com a sua Beatificação em 23 de Janeiro de 1918, durante o decorrer da I Grande Guerra, no pontificado de Bento XV.

D. Nuno Álvares Pereira ou Frei Nuno de Santa Maria, foi proclamado Patrono da Arma de Infantaria pela Portaria n.º 11.044 de 30 de Julho e Ordem do Exército n.º 6 (1.ª Série), de 31 de Julho seguinte.

Em 26 de Abril de 2009, e após a reabertura do processo, foi proclamando Santo, tendo festividade católica em 6 de Novembro.

José Marcelino Martins – 24 de Novembro de 2009
[Organizado a partir de imagens e textos da Wikipédia]

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Nota de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5319: Em busca de... (103): Procuro informações sobre… (José Martins)

Guiné 63/74 - P5346: Não-estórias de guerra (3): A minha Escola (Manuel Amaro)

1. Mensagem de Manuel Amaro (ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615/BCAÇ 2892, Nhacra, Aldeia Formosa e Nhala, 1969/71), com data de 23 de Novembro de 2009: Caros Editores, Junto envio mais uma Não-estória de guerra, desta vez sobre a Escola. Um Abraço, Manuel Amaro 


  Não-estórias de guerra:A Escola 


 Hoje venho falar sobre sobre a Escola, a minha Escola. Que escrito assim, até pode parecer que é apenas uma. Mas, não. São duas Escolas. Uma em Aldeia Formosa. A outra em Nhala. Nem imaginam como eu gostaria de vos falar de outras Escolas. Do Colégio do Bom Sucesso. Ou do Externato da Princesa Santa Joana. Mas não. A minha Escola, a nossa Escola, é Aldeia Formosa e Nhala, nos anos lectivos de 1969/70 e 1970/71. 

 Eu cumpri estes dois anos lectivos, com um prazer enorme. O primeiro foi incompleto, porque o PAIGC atacou e era preciso travar o inimigo. Claro que o Comandante tinha uma “arma secreta”, para resolver a questão. E lá avançou o professor, mesmo em prejuízo da escola. Em Nhala fiz o ano completo. É certo que, em qualquer terra, por todo o globo, ser o Professor, é ter um estatuto social diferente, para melhor, em relação à maioria da população local. Frequentemente recebia doses de bananas, ananases, mangas, até galinhas e frangos… que o maqueiro da CCS transformava em “grambrinescos” petiscos. Mesmo em tempo de guerra, em Aldeia Formosa e Nhala. 

 No início não foi fácil. O edifício destinado à Escola ainda estava em construção. As aulas começaram numa tenda, com bancos de madeira e os alunos escreviam com o caderno apoiado nas pernas. No primeiro dia de aulas compareceram todos os alunos matriculados. Bem vestidos, lavados, alguns de sandálias, um dos mais crescidos apresentou-se mesmo com sapatos e meias, mas a maior parte “calçados” à moda de Aldeia Formosa. No entanto fiquei bem impressionado. Era quase uma Escola a sério. Passados uns dias comecei a notar algum desleixo na higiene, mas o que mais me impressionava, além da ausência de sapatos, eram os narizes sujos, tão sujos… O meu primeiro impulso foi dizer, ou gritar… não aguento… Mas depois, lembrei-me que na civilizada Metrópole também havia gente assim. Alguns, com honras de figurar em excelentes obras da literatura portuguesa. Vitorino Nemésio escreveu (e falou na RTP), sobre um seu colega de carteira na Escola Primária, na Ilha do Faial, que andava sempre ranhoso e de vez em quando limpava o nariz à manga da camisa, que utilizava meses a fio, sem ser lavada. “O Marcos”, de Miguel Torga, é apresentado de “…penugem arrebitada e com duas torcidas de ranho no nariz”. Ao ser-lhe dito para se assoar, fê-lo, de imediato, à manga do casaco. 

 Mas aquela turma, a minha turma, cheia de ranho, nem sequer tinha mangas, nem de camisa, nem de casaco. No máximo tinham fraldas de camisa. Sim, isso eles tinham. Então adoptei o sistema de, sempre que necessário, fazia o gesto na direcção do nariz, o aluno saía da aula e voltava com o nariz limpo, ou pelo menos sem ranho. Não sei como faziam e jamais tive essa curiosidade. A surpresa agradável é que aquelas crianças eram muito inteligentes. E apesar de terem entre sete e 12 anos, tinham uma boa capacidade de aprendizagem e de raciocínio. Todos? Não, mas a maioria deles, sim. 

 Um dia contei-lhes a história do aluno madeirense (que me desculpem todos os madeirenses), que, perante a imagem do tubérculo, soletrava b+a=ba… t+a=ta… t+a=ta… e depois dizia… Semelha. Perceberam perfeitamente. Riram e prometeram que não iriam cometer esse tipo de erros. Para o ensino da aritmética, comecei por requisitar, no depósito de géneros, um saco de grão de bico, de forma a que todas as operações enunciadas no quadro fossem representadas fisicamente por grãos. Aos grãos de bico, umas vezes chamávamos soldados, outras vezes ananases, outras vezes pães… 

 E apesar das condições precárias nunca deixei de completar o programa com aulas de educação física, música/canto e jogos infantis. Passados mais de 38 anos, ainda tenho saudades da minha Escola. As fotos anexas constituem prova. Nunca foram destruídas. Jamais serão arquivadas. 

  Em tempo: Porque falamos de memórias não quero deixar de referir que, enquanto Professor, eu dependia de uma hierarquia constituída por Pedro Pezzarat Correia, (major), no BCAÇ 2892 e Otelo Saraiva de Carvalho (capitão) e António Ramalho Eanes (major), ambos na REP ACAP, em Bissau. 

 Manuel Amaro


 
Posto Escolar Militar de Aldeia Formosa, Dez 1969

Aldeia Formosa, 1970 - Recreio (visita de um furriel da CArt 2521)
Nhala, 1971 - Educação Física no Campo de Futebol
Nhala, 1971 - Os melhores em acção Fotos e legendas: © Manuel Amaro (2009). Direitos reservados

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Nota de CV: 

Guiné 63/74 - P5345: Ser solidário (46): Ajuda Amiga-Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento apoia a Guiné-Bissau (Carlos Fortunato)

Ajuda Amiga - Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento


A Ajuda Amiga é uma associação que nasceu oficialmente a 17 de Julho de 2008, a partir de um movimento de antigos combatentes que estiveram na Guiné, e todos os anos envia para lá um contentor com ajuda humanitária, e de apoio ao desenvolvimento, o próximo seguirá no inicio do mês de Fevereiro de 2010, estando actualmente a angariar bens para o mesmo.

Actualmente a Ajuda Amiga possui armazéns para recolha de bens na Amadora (antigo quartel dos Comandos), Caldas da Rainha e Coimbra, na Guiné-Bissau possui Núcleos para apoiar a distribuição e os projectos em Bissau, Bissorã e Farim.

Os membros da Ajuda Amiga acompanham sempre a descarga e a distribuição do contentor, mas são eles que financiam as suas próprias deslocações.

A quota de sócio é apenas 25 euros ano, e aqui fica o convite para aderirem à Ajuda Amiga, e para visitarem o nosso site em http://ajudaamiga.com.sapo.pt/, pois todos os meses publicamos ali as nossas actividades.

O presidente da Direcção da Ajuda Amiga é o Carlos Fortunato, e o Presidente da Mesa da Assembleia-geral é o Carlos Silva, ambos membros da nossa tertúlia.

Carlos Fortunato
Presidente da Ajuda Amiga
E-mail: jcfortunato@yahoo.com
Telemóvel 935 247 306

Ajuda Amiga – Associação de Solidariedade e de Apoio ao Desenvolvimento
Rua do Alecrim, 8, 1.º Dto.
2770 - 007 Paço de Arcos

ONGD - Organização Não Governamental para o Desenvolvimento
Entidade com o Estatuto de Utilidade Pública
NIPC 508617919
Site http://ajudaamiga.com.sapo.pt/
E-mail: ajudaamiga2008@yahoo.com
Telemóvel 93 714 9143
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5259: Ser solidário (45): Falando do apoio americano aos seus Veteranos de Guerra (José da Câmara)

Guiné 63/74 - P5344: Notas de leitura (37): Quem Mandou Matar Amílcar Cabral?, de José Pedro Castanheira (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2009:

Carlos e Luís,
Soube-me muito bem reler o José Pedro Castanheira, o enigma persiste, é espantoso como desapareceram todas as provas, salvo a do ódio que deixou raízes e que eu vivi durante aqueles anos da nossa guerra, e confirmei em 1991.
O que é estranho é todos se recusarem a perguntar o que verdadeiramente está por detrás destes rancores.

Um abraço do
Mário


Quem mandou matar Amílcar Cabral?
Por Beja Santos

Na noite de 20 de Janeiro de 1973, à porta da sua residência na Guiné-Conacri, Amílcar Cabral foi assassinado a tiro por companheiros de luta: Inocêncio Kani desfechou o primeiro tiro, outro (ainda não identificado) deu-lhe os tiros de misericórdia.

Iniciava-se, com este assassínio, um processo de identificação das razões de um crime, nada está apurado, escreveram-se milhares de páginas em relatórios, artigos, livros, depoimentos. Desapareceram todas as provas do processo movido aos conspiradores e suspeitos (declarações escritas e cassetes).

Ao longo dos anos, desenvolveram-se hipóteses sobre quem verdadeiramente o mandou matar, organizou o crime e tentou um golpe de Estado no interior do PAIGC. A reportagem de José Pedro Castanheira Quem mandou matar Amílcar Cabral? (Relógio d’Água Editores, 1995) continua a ser o documento mais interessante para analisar esta tragédia, o que abona o mal-estar que este assassinato ainda hoje provoca entre os protagonistas e os investigadores que acabam por desistir devido à sinuosidade dos depoimentos dos vivos e à incapacidade de decifrar a eliminação de provas. Por isso, vale a pena relê-lo, à luz dos ensinamentos dos últimos 15 anos.

Durante anos, insistia-se na tecla de um assassinato promovido pela PIDE/DGS, a partir de Lisboa ou de Bissau. Tratar-se-ia de uma operação cuidadosamente montada envolvendo pelo menos dois dos mais importantes cabecilhas da conspiração, Mamadu Turé e Aristides Barbosa, antigos tarrafalistas [, prisioneiros do Tarrafal,] que teriam sido aliciados para o crime.

Esta argumentação, veio-se a provar, não tinha fundamento, nenhum documento se encontrou nos arquivos da PIDE/DGS onde existem os nomes dos informadores que colaboraram com a PIDE/DGS e que tiveram acesso ao topo da hierarquia do PAIGC. As declarações arrancadas aos assassinos e suspeitos, que confessaram tal ligação, foram arrancadas com violência abominável, como mais tarde se veio a saber.

Não existem provas do braço longo do ditador Sékou Turé, que inequivocamente detestava a popularidade de Cabral, cujo prestígio aumentava de ano para ano, na cena internacional. Nunca se apresentou uma prova fidedigna do envolvimento do ditador ou da sua polícia secreta na divisão no interior dos dirigentes e centenas de militantes do PAIGC que operavam em Conacri ou noutros pontos da República da Guiné. Com o tempo, também se veio a perceber que o assassinato de Amílcar Cabral foi um golpe duro nos planos de Spínola que acalentou negociações com o dirigente máximo do PAIGC.

A reportagem de José Pedro Castanheira mantêm-se actual, investigou em todas as direcções e não é por acaso que o seu trabalho foi galardoado com dois importantes prémios do jornalismo: pesquisou a vida de Cabral, os seus estudos em Lisboa, as suas amizades com futuros dirigentes africanos, os seus trabalhos na Guiné, a formação do PAIGC, a sua residência em Marrocos depois de ter passado à clandestinidade, a consolidação do seu pensamento, a luta armada a partir de 1963, o crescente prestígio internacional, o seu trabalho político no PAIGC, em África, no mundo.

O jornalista explora, em torno do assassinato, outras especulações de outras tentativas para liquidar o dirigente mítico. Recorda-nos que em Março de 1972 ele próprio denunciara um plano para “destruir o partido por dentro”. Segundo o documento que distribuiu, haveria três fases: (i) infiltração de agentes africanos preparados pela PIDE e fomento da discórdia entre guineenses contra cabo-verdianos; (ii) criação de uma “direcção paralela” aglutinando esses descontentes infiltrados; (iii) contactos com partidos e governos de países vizinhos no sentido de se obter apoio, admitindo-se mesmo a liquidação física do secretário-geral do PAIGC.

Contou Manuel Alegre que Cabral lhe disse um dia em Argel: “Se um dia for assassinado, sê-lo-ei, provavelmente, por um homem do meu povo, do partido e talvez mesmo da primeira hora”. E Alegre comentou: “Foi uma previsão premonitória”.

Provado, verdadeiramente provado, sabe-se que pelas 23 horas de 20 de Janeiro de 1973, Amílcar regressou a casa na companhia da mulher. Aguarda-os um jipe de onde saltam vários militantes armados. Um deles é Inocêncio Kani, um veterano do PAIGC, ex-membro do Comité Central e ex-comandante da Marinha de Guerra. Querem prender Cabral, ele resiste, Kani dispara a pistola a queima-roupa, tê-lo-á atingido no fígado. Um seu companheiro, nunca identificado, disparou uma curta rajada de metralhadora AK, atingindo-o na cabeça.

Um outro grupo liderado pelo chefe dos guardas capturou Aristides Pereira e levaram-no para uma vedeta do PAIGC. Aristides Pereira disse sempre que o informaram que o iam levar para Bissau. Três embarcações zarpam do porto de Conacri, presume-se que para atingir Bissau. E um outro grupo apodera-se da prisão do partido de onde foram libertados quadros guineenses do PAIGC, sobretudo os cabecilhas da conjura.

Os conspiradores foram às instalações do partido onde detiveram aos molhos dirigentes cabo-verdianos, incluindo a mulher de Cabral. Os cabecilhas foram à presença de Sékou Turé que desmantelou a conspiração, prendendo-os e mandando perseguir as embarcações. Começara o estranho processo, com dezenas de acusados, cúmplices e suspeitos. O dirigente do inquérito foi Fidelis Almada que mais tarde veio denunciar as monstruosidades cometidas. Viveu-se um clima de terror estalinista, nem Nino Vieira escapou.

Quem ganhou com o crime, é sempre a pergunta obrigatória. As concepções de Spínola ficaram prejudicadas com o desaparecimento de Cabral. O governo de Caetano e os dirigentes militares portugueses como o general Costa Gomes não desconheciam a escalada armamentista do PAIGC, com alto patrocínio soviético: estavam já formados os utilizadores dos mísseis Strela, estavam em formação os pilotos que iriam trabalhar com os MIG, o dispositivo de combate naval, previa-se, ia ser temível.

O desaparecimento de Cabral, por conseguinte, em nada iria diminuir o esforço de guerra do PAIGC, altamente moralizado pelo apoio internacional e pelos sucessos militares. Passando em revista os potenciais responsáveis, Castanheira detém-se numa figura espantosa digna de um grande romance de John Le Carré: Rafael Barbosa. Porque Barbosa ultrapassa o extraordinário: fundador do Movimento de Libertação da Guiné, dinamizador de greves, colaborador de Amílcar Cabral, agitador em Bissau, preso, eleito presidente do PAIGC durante a prisão, continua a receber e a orientar agitadores na prisão, liberto por Spínola a quem promete publicamente que será tão bom português quanto o comandante-chefe das Forças Armadas.

Depois, após a independência, escapa a todos os processos, a todas as ameaças de execução. Igualmente nunca se comprovou qualquer ligação entre Barbosa e os matadores de Cabral.

Fora inúmeros os agentes e os intermediários que o PAIGC e Spínola utilizaram, foi graças a eles que trocaram correspondência e chegaram a preparar encontros. Alpoim Calvão dirá sempre que teve um intermediário em Londres que levava e trazia o correio de Luís Cabral. De toda a investigação, Castanheira não encontra um só papel que comprove a existência de uma conspiração para matar Cabral.

Estamos a acabar, Castanheira refere as dissensões profundas entre guineenses e cabo-verdianos. Foram tão marcantes e evidentes, que todos os dirigentes do PAIGC fugiram à frontalidade dos factos. Sabe-se hoje que não havia sustentação histórica e cultural para ficcionar uma vida comum entre a Guiné e Cabo Verde. Tudo quanto aconteceu na Guiné a partir de 1974 tem a ver com o pesadelo dessa arquitectura ficcionada: perseguições, maquinação de complôs, afastamento dos cabo-verdianos, a tragédia tribalista, novos complôs, incapacidade de governação, dirigentes pirómanos, guerra civil, formação de grupos passadores de droga.

Perderam-se as provas do processo do assassínio de Cabral, eram seguramente incómodas para as diferentes partes. Como nas tragédias de Shakespeare, Cabral sonhou uma pátria impossível, de acordo com o seu código genético. Como sempre, a história e cultura revoltaram-se. Foram e são demónios à solta. E a Guiné continua a carecer de apaziguamento, reconciliação, desígnio. Corre-se ainda o risco de haver uma segunda morte de Cabral.
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5337: Notas de leitura (36): Os Movimentos Independentistas, o Islão e o Poder Português de Francisco Proença Garcia (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5343: Bibliografia (31): Lançamento do livro de Manuel Rebocho, na ADFA, Lisboa, 17/11/09: Foto-reportagem

ADFA - Associação dos Deficientes das Forças Armadas > Lisboa > Av Padre Cruz > 17 de Novembro de 2009 > 18h > Lançamento do livro de Manuel Godinho Rebocho, Elites Militares e a Guerra de África (Lisboa, Editora Roma, Colecção Guerra Colonial, nº 8, 2009, 486 pp, c. 18 €). Além do autor, estiveram presentes também familiares e amigos, com destaque para a sua esposa Maria Jacinta e seus filhos Cláudia Leonor e Nuno Miguel. O livro é dedicado pelo autor "aos que, na Guerra de África, deram de si à Pátria e a Pátria nada lhes deu". Há, para já, dois vídeos com a II e a última partes da apresentação do livro, feita pelo seu autor nesta sessão. Vd. a nossa conta no You Tube> Nhabijoes. O Manuel Rebocho é actualmente empresário na Guiné-Bissau, no sector das pescas.

ADFA > Lisboa > 17 de Novembro de 2009 > Apresentação do livro: na mesa, da esquerda para a direita, o Dr. Manuel Joaquim Branco, o autor, Doutor Manuel Godinho Rebocho, o José Arruda, a Prof Doutora Maria José Stock, da Universidade de Évora (e orientadora da tese de doutoramento em sociologia do nosso camarada Manuel Rebocho, discutida e aprovada em provas públicas, na Universidade de Évora, em 2005) e, na ponta direita, o editor Dr. José Vicente (Editora Roma)

O presidente da Direcção Nacional da ADFA, José Eduardo Gaspar Arruda, antigo combatente no TO de Moçambique, e que tive o prazer de conhecer pessoalmente nesta ocasião, tendo-lhe apresentado as saudações de toda a nossa Tabanca Grande. O Arruda convidou-me, por sua vez, para comparecer na festa dos 35 anos do jornal ELO, na segunda-feira seguinte, dia 20 (Por razões da minha vida profissional, não pude infelizmente lá estar, nesse dia e hora).

A Prof Doutora Maria José Stock, da Universidade de Évora, que fez a apreciação da obra do ponto de vista teórico-metodológico.

Ao Dr. Manuel Joaquim Branco, antigo combatente em Moçambique, e dirigente da ADFA (delegação de Évora), coube a segunda e última apresentação da obra. O ex-Alferes Miliciano e deficiente das Forças Armadas, é licenciado e mestre em História. Assina o prefácio do livro.

O editor, Dr. José Vicente (Roma Editora) à direita, que também falou, no início, do livro e da colecção "Guerra Colonial" (com este, são oito títulos publicados sobre este tópico)

O Cor Armando Ramos (Exército), sócio da ADFA, segundo creio, antigo camarada da Academia Militar do Miguel Pessoa (são do mesmo curso e reencontraram-se nesta ocasião)... O Armando Ramos fez uma defesa, emocionada, da obra, num curto período de perguntas e respostas que acabou por ser concedido à audiência, maioritariamente constituída por sócios da ADFA. O Ministro da Defesa Nacional (se não estou em erro) fez-se representar por um dos seus assessores, oficial da Marinha.

Um antigo combatente que faz trabalho volunário da ADFA, o Orlando Pineda, membro da nossa Tabanca Grande (fez anos a 15 deste mês), aqui fotografado com o Miguel Pessoa (um dos pouco antigos oficiais formados na Academia Militar, e combatentes da guerra colonial, presentes nesta sessão de lançamento de uma obra considerada por muitos deles como "polémica", no mínimo)

Dignos representantes da nossa Tabanca Grande: da esquerda para a direita, Miguel Pessoa, José Casimiro Carvalho, Eduardo Campos, Jorge Cabral, José Martins e Belmiro Sardinha... Outros camaradas presentes, que me recordo de ter visto: Carlos Silva e António Dâmaso (BCP 12, além da Giselda Pessoa.


As antigas enfermeiras pára-quedistas Gidelda Pessoa e Zulmira André, em conversa com o Miguel Pessoa. Convidei a Zulmira a integrar o nosso blogue e escrever histórias da guerra colonial na Guiné, a seis mãos (com a colaboração da nossa Giselda e do nosso Miguel).

Fotos e legendas: © Luís Graça (2009). Direitos reservados

O livro do Manuel Godinho Rebocho (de que farei oportunamente uma recensão crítica, quando tiver tempo e vagar) tem um título algo enganador... A tese original de doutoramento - discutida e apresentada em provas públicas na Universidade de Évora, em 2005, com arguição do Prof Doutor Adriano Moreira (ISCSP/UTL), e aprovada por unanimidade pelo júri -, chama-se A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975. Possivelmente por sugestão do editor e dos seus serviços de marketing, o livro passou a ter uma título mais comercial, enquadrando-se melhor na coleção "Guerra Colonial", da Roma Editora (Lisboa). Aqui fica, para já a estrutura do livro, através dos seus principais capítulos e páginas. O Capítulo dedicado à guerra colonial, o III, tem cerca de 150 páginas, um terço do total.

Nota autor, prefácio e introdução (pp. 17-43)
I. Enquadramento da investigação (pp. 45-86)
II. A formação base das elites militares (pp. 87-219)
III. A guerra de África e o desempenho das elites militares (pp. 220- 374)
IV. Comportamento das elites militares no pós-marcelismo (pp. 375-439)
V. Conclusões (pp. 440-462).

As páginas finais incluem pósfácio/depoimentos, fontes e bibliografia, índice dos diagramas, mapas, quadros e anexos. Entre os três depoimentos publicados enontra-se o nosso camarada de tertúlia José Pereira Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op Esp, CCAV 8350 - Piratas de Guileje, 1972/74). De entre as fotografias que ilustram o livro há várias dos nossos camaradas Albano Costa e J. Casimiro Carvalho.
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5342: Parabéns a você (45): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil da CART 2412 (Editores)

1. Hoje, dia 26 de Novembro de 2009, está de parabéns o nosso camarada Jorge Teixeira* da CART 2412.

Deste modo simples, mas sincero, toda Tabanca vem desejar ao feliz sexa um dia pleno de alegria junto de seus familiares e amigos.


Jorge Teixeira é membro da Tabanca de Matosinhos onde tem amigos que fazem parte da nossa Tabanca Grande, e outros camaradas frequentadores daquelas quarta-feiras do Milho Rei. São, ao todo, largas centenas de amigos que hoje se lembram dele e lhe desejam uma longa vida cheia de saúde, para que possa continuar a fazer parte deste grande grupo de ex-combatentes da Guiné.



Jorge Teixeira que está connosco desde o dia 24 de Maio de 2009, dizia-nos na sua apresentação:

Caro Carlos Vinhal,
Camarada

Sou Jorge Teixeira, (jteix- veterano de guerra), ex-Furriel Mil Art da CART 2412 -1968/70, em
Bigene - Guidage - Barro, no CTIG.

Para não me confundirem com o outro Jorge Teixeira, membro das duas Tabancas, me intitulo sómente por J.TEIXEIRA. Esse outro Teixeira é do meu curso e fizemos praticamente o mesmo trajecto até à Guiné, ou seja RI5 - EPA - GACA3 - CTIG.

Já que falo em Teixeira's, ainda há um outro, o "Zé fermero" como ele diz, que fomos e espero continuar a ser, amigos, (e camaradas), mas do tempo em que éramos adolescentes, jovens e bons rapazes, na mesma freguesia, aqui na Invicta cidade do Porto, de que me orgulho pertencer.

Vem esta conversa toda a propósito, de que aqui há tempos ao ver o vosso/nosso blogue, me apareceram escarrapachadas as fotos destes dois meliantes, que já não via há 40 anos. Vai daí pus-me a pesquisar, e até ir almoçar ao Milho Rei, foi um passo.

Nesse almoço, ostentava como habitualmente, na lapela do casaco (vidé foto), uma barreta que representa a medalha atribuída aos ex-combatentes no fim da comissão, nas campanhas, neste caso no Ultramar.

Quando me perguntaram o porquê, expliquei-lhes que era a melhor forma que tinha encontrado para me identificar perante desconhecidos e a quem interessar, como um ex-combatente, veterano de guerra e dar-me a conhecer como tal.

Alguns, acharam a ideia interessante e o Portojo (Teixeira) até sugeriu que elaborasse um texto para ser publicado no blogue da Tabanca de Matosinhos, o que de facto veio a acontecer no P134. O dito Teixeira, o outro, que o publicou, achou que poderia ter mais impacto e divulgação, se fosse publicado na Tabanca Grande.

Que o levasse à vossa apreciação e consideração, disse.

É o que agora estou a fazer, se acharem que tem algum interesse publicar para divulgar.

[...]
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4417: Tabanca Grande (148): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil da CART 2412, Bigene, Guidage e Barro (1968/70)
e
22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4724: Controvérsias (25): Ainda e sempre os Cabos Milicianos (Jorge Teixeira)

Vd. último poste da série de 19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5297: Parabéns a você (44): Mário Migueis, ex-Fur Mil Rec Inf (Bissau, Bambadinca, Saltinho, 1970/72) (Editores)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5341: Agenda Cultural (48): Lançamento do livro Era uma vez... Ciência e Poesia no Reino da Fantasia, de Regina Gouveia (José Teixeira)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira, com data de 21 de Novembro de 2009:

Camaradas.
Ontem fui ver o filme "Nha fala" do Flora Gomes ao Clube Literário do Porto, integrado na Semana Cultural da Guiné-Bissau, onde enconterei a Regina e Fernando Gouveia, membros das nossas tabancas; da Grande e da Pequena.

Convidou-me para o lançamento do seu livro "Ciência para meninos em poemas pequeninos" que se vai verificar no referido clube Literário do Porto, no próximo dia 1 de Dezembro.

Parte do produto das vendas vai ser entregue à associação "Mão amiga"
Peço para o colocardes em relevo nos nossos blogues.

Abraço fraterno
José Teixeira


CONVITE




O Clube Literário do Porto (Rua Nova da Alfândega, 22) convida para o lançamento do livro "Ciência para meninos em poemas pequeninos" da autoria de Regina Gouveia, ilustrado por Nuno Gouveia. Editado pela GATAfunho, será apresentado pelo Professor Manuel Rangel, no dia 1 de Dezembro, pelas 17h00, no Auditório do CLP, e contará, para além da autora, com as presenças de Ana Paula Faria, representando a Editora, e do ilustrador.

(30% dos Direitos de Autor serão destinados às crianças da Guiné-Bissau, através da Ajuda Amiga)



Regina Gouveia é licenciada em Físico-Químicas e Mestre em Supervisão.

Professora aposentada, tem colaborado como voluntária com várias Bibliotecas, nomeadamente Almeida Garrett e S. Lázaro, no Porto, divulgando a ciência e a poesia, junto dos mais pequenos.

Em 2005, foi agraciada com a Comenda da Ordem da Instrução Pública e premiada com o prémio Rómulo de Carvalho.

Tem vários livros publicados, um de ficção e todos os outros de poesia.
Ultimamente tem-se dedicado à literatura infantil.
O seu livro de poesia infantil “Era uma vez… Ciência e poesia no reino da fantasia”, editado pela Campo das Letras, é recomendado no âmbito do Plano Nacional de Leitura.

O seu último trabalho para crianças “Ciência para meninos em poemas pequeninos", Editora Gatafunho, é agora apresentado.

Ambos os livros são ilustrados por Nuno Gouveia, filho da autora.
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Notas de CV:

Vd. poste último poste de Regina Gouveia de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5335: Agenda Cultural (47): Lançamento do livro do Manuel Maia, dia 9 de Dezembro, em Matosinhos (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P5340: Blogpoesia (59): Guiné: A Face Oculta (Carlos Geraldes)

1. Mensagem de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, com data de 22 de Novembro de 2009:

Boa noite, amigos

Peço desculpa pela desfaçatez, mas também eu escrevi "poemas" em noites de maior solidão. Reuni aqui alguns que me parecem retratar melhor os sentimentos despertados pelas noites africanas.
Curiosamente tinha-lhes dado um título, "Guiné: A Face Oculta", mas era a minha face que, sentia e queria manter oculta. Nada tem a ver com essa escandaleira que nos dia de hoje está a vir a lume em todos os meios de comunicação.
À laia de prefácio escrevi também um texto explicatico "Como tudo aconteceu... " que deveria anteceder todos os pretensos poemas.

Aqui ficam para quem quiser dar-se ao trabalho de os ler e interpretar.
Fico a aguardar os vossos comentários se for caso disso.

Um abraço do
Carlos A. Geraldes


Como tudo aconteceu...

Na manhã do dia 08 de Maio de 1964, embarcaram no paquete "Uíge" 1.160 militares com destino à Guiné-Bissau.
Iam incumbidos de uma missão de “soberania”, ou seja, acabar de vez com o avanço da insurreição armada naquela antiga colónia portuguesa.

Mais de uma centena eram oficiais e sargentos milicianos, vindos de todos os cantos de Portugal. Portuenses, lisboetas, minhotos, algarvios, açorianos e até um angolano. Só os cabos e os soldados é que eram na generalidade provenientes da região minhota.
A todos tinha sido ministrada uma intensiva instrução de combate anti-guerrilha, mesmo assim muito incompleta, à “portuguesa”, que “eles depois saberão desenrascar-se”, como disse alguém fumando elegantemente um bom charuto, enquanto se refastelava num sofá diante da lareira bem aquecida da Messe dos Oficiais de um quartel qualquer algures do Norte.

- E para onde é que vocês vão?, perguntava o façanhudo a um dos imberbes oficiais milicianos que nessa noite estava de serviço.

- Para Moçambique, para a Namaacha, respondeu o jovem alferes meio envergonhado.

- Ah! Estão cheios de sorte! porque se fossem para a Guiné. bem..., aí é pior que o Vietname, vocês sabem, não é? Vim de lá agora e sei bem o que digo.

- Pois é mesmo para lá que vamos!, - interrompeu um capitão, comandante da recém mobilizada Companhia, que tinha acabado de entrar, batendo com a porta atrás de si.

- O quê, meu capitão?, disseram várias vozes em uníssono.

– É isso mesmo, ouviu, nosso alferes? Hoje mesmo, ou amanhã o mais tardar, precisamos avisar todo o pessoal da Companhia da alteração das ordens. Recebi agora mesmo novas instruções do Q.G. Temos de estar prontos para embarcar para a Guiné daqui a dois dias. Parece que somos mais necessários lá. E ordens são ordens, que remédio, não é? Ah! E não se esqueça de telefonar ao alferes Meireles que foi a casa de licença. Não se esqueça, saímos depois de amanhã, num comboio especial que estará nas Devesas para nos levar até Stª Apolónia e depois, em viaturas, seguimos directos para o cais da Rocha do Conde de Óbidos. Mais alguma dúvida? Bem, vou para o meu quarto, boa noite! - e saiu por onde entrou, batendo novamente com a porta, o que provocou uma lufada de ar gelado que arrefeceu subitamente a sala, onde todos os presentes ficaram mudos e paralisados.

- Bom, paciência, foi mesmo azar... que se há-de fazer?, tartamudeava o façanhudo fanfarrão, agora fazendo-se de compreensivo para consolar o aturdido alferes, que já não sabia se havia de dar um pontapé no cachorro do comandante anichado diante da lareira, se ordenar ao impedido que lhe trouxesse mais um whisky duplo.

Lá fora fazia uma verdadeira noite de inverno. Sem chuva, mas com um vento seco gelado anunciando neve de certeza.
No dia seguinte, o Meireles estava a fazer a barba muito descansado quando tocou o telefone.

- Como? O que estás para aí a dizer? Não pode ser!

E o que é que vou dizer ao alfaiate que ainda tem lá a farda n.º1 para acabar de fazer? – O quê? Está tudo tratado? Bom está bem, seja o que Deus quiser!.

E foi assim que aconteceu. Em menos de um Credo fui recambiado para a famigerada Guiné, que toda a gente, nos bastidores da guerra, considerava já um segundo Vietname, senão ainda pior.
O resto foi dois anos de medos, alegrias, desespero e revolta. Todos tentaram adaptar-se, escapar de todos os perigos e “passar” o tempo o melhor possível. Uns conseguiram-no melhor que outros.

Não sei se os mais instruídos, os “citadinos” tiveram mais dificuldades que os mais simples, os “camponeses”. Talvez até fosse ao contrário, mas as sequelas não foram muito evidentes para se poder tirar conclusões.
Porém no coração de todos guardou-se de certeza e foi crescendo sempre, cada vez maior, uma determinada “Face Oculta...”

Nas cartas e aerogramas que se enviavam para casa surgiam aqui e ali, palavras que denotavam uma certa crise psicológica inegável. Só o companheirismo, o instinto gregário, daquele grupo de soldados que se conglomerava sob o mesmo aquartelamento, sob o mesmo abrigo de troncos de palmeira, auxiliava a que se seguisse em frente, sem o rebentar de dramas emocionais mais graves.

Os longos serões, à volta de uma fogueira ou de um Petromax, libertaram sentimentos nostálgicos que noutras situações surpreenderiam o mais rude.
Daí o aparecimento destes poemas, chamemo-lhes assim.

Analisados sob um ponto de vista médico psiquiátrico, serão detectados, com certeza, os claros sintomas da depressão, da auto punição, da eterna inquirição das causas e dos efeitos. Mas são mais um testemunho da guerra colonial, na Guiné, da década de 60, no século XX.

Carlos Geraldes, 2005


Face Oculta

Às vezes acontece que

Às vezes acontece que me lembro de coisas
Que fiz há muito tempo,
Como quando acendi um cigarro
Pela primeira vez contra o vento.

(Outras vezes nem me consigo lembrar
Do simples nome de um parente...)
Nem para onde me leva o pensamento
Preso entre o Ser e o Nada.

Levanto-me e atiro à noite as preocupações verticais.
Queria ficar aqui a servir de abrigo às aves leves
Que viessem pousar ao toque de uma guitarra subtil.
... E acabaria o tempo...

Ficaria eu... Um jogo de xadrez...
Um filme parado...

(Sim, esse é o meu desejo!)


Bissau, 05 de Julho de 1964

***
Como um afogado

À noite atiro-me para cima da cama
Como um afogado que desdenha a frieza da água.

Enrodilho-me no meu desprezo pelo tempo
Pelas pequenas preocupações e
Por outras coisas que povoam o mundo.

Geralmente adormeço
Para depois acordar no dia seguinte
(sempre igual a tantos outros!)
Lavado e esquecido do passado,
Mas mal!


Bissau, Agosto de 1964

***
As altas vertentes

Para alcançar as altas vertentes
Do deserto da coragem,
Tenho de atravessar o ar frio
De uma noite de emboscada.

Abrir um rasgão na alma doente
De tantos dias fechada,
De tantos dias vazia,
Por morte tão brevemente negada.

Preciso beber a embriaguez da dor,
Ignorar a longa ausência de alguém.
Preciso não sei o quê,
Preciso não sei de quem...


Bissau, 13 de Setembro de 1964

***
A toalha branca

Pousada aos pés da cama
Está uma toalha branca,
Onde limpo o rosto após a jornada.

Dá-me calma, alento, vigor.
Mas hoje está para ali,
Inútil, enxovalhada.

Haverá alguém que diga:
Pronto, tudo acabou!
Já não há mais nada!

Será que é hoje? Amanhã?
Quem sabe?
Qual será o fim da derrocada?


Pirada, Abril de 1965

***
Soldados de Paúnca

Os soldados, deitados na caserna,
Silenciosamente inertes,
Vão remoendo na sombra,
As esperanças de iludir a morte

Outros, à volta de uma mesa,
Jogando cartas, apostam tudo,
Querem conquistar o mundo,
Sempre a rir, desprezando a sorte.

Mas hoje aqui é domingo!
(Como está bonito o palmeiral e a bolanha reluzente!)
Mas há sempre uma criança que chora...
Quando a chuva cai, assim de repente,

Passou ainda agora, mesmo agorinha,
Um velho de olhar profundo
Que apenas me disse: “- Bom dia!”
Ou quereria apenas dizer: “- Má Morte!”?


Paúnca, 10 de Julho de 1965

***
A noite da guerra

Soluços são paisagens
Que não vislumbro,
Amarguras que não sinto.

Há uma noite desfazendo-se em luz,
Risos e gritos por toda a parte,
Como ecos de uma guerra.

Hoje vi a primeira flor,
(Mas o jeep, indiferente, nem parou...)


Paúnca, Julho de 1965

***
Os meus amigos

Os meus amigos
São as lentas sombras da memória,
Que me visitam em dias de chuva.

São aqueles com quem respirámos
A alma, os tormentos e a glória,
Dos heróicos dias do passado.

São aqueles com quem chorámos
As tristezas e as breves alegrias,
Deste mundo inacabado.

(E também a melancolia das tardes frias...)

Os meus amigos (os mais queridos),
São as palavras e as cores
Que vão morrendo aqui e agora.

(Os meus amigos voltaram esta noite.).


Pirada, 24 de Agosto de 1965

***
O trovão

Para lá da noite,
Para lá do brilho de um olhar,
Há a raiva violenta do trovão.

Para o lado de cá, o que restou
Depois daquele persistente atraiçoar
Senão um vastíssimo mar de ilusão?

(...)
Se lá no fundo das matas,
Onde mora o medo sombrio,
Os homens levam agora as almas a enterrar!


Paúnca, 11 de Outubro de 1965

***
As regras

Se alguém quiser escrever
Do luar e das terras por onde passa...
Olhar-se no espelho e ver a Vida a cantar
Não entre em qualquer igreja, templo,
Ou santuário, para se arrebatar.

Porque registar o luar,
E as terras por onde passa,
Não necessita caneta
Nem talento para rimar.

Redigir do luar
E das terras longínquas,
(por onde às vezes ele passa...)
É coser a alma com o sal,
A raiva,
E o amigo que nos abraça!


Paúnca, 21 de Outubro de 1965

***
Noites de Paúnca

Depois vem a noite.
Plena de luzes brilhantes
Parecendo tão longe
Como sóis agonizantes.

Gritos horríveis, gritos de bichos
Rasgam o silêncio das trevas
Sem abalar a indiferença
Dos que adormecem nas casernas.

E as coisas cómicas,
E as coisas tristes,
Acabam por se misturar,
Ficando tudo mais indiferente.

Quando nasce o Sol, finalmente,
As coisas cómicas e as coisas tristes
Ficam novamente cómicas,
Ficam novamente tristes...


Paúnca, 21 de Outubro de 1965

(Já em Lisboa, em 1968, soube pelo Mário Soares que uma versão destes versos teria sido gravada numa placa de madeira e colocada na “parada” do quartel de Paúnca, pela guarnição que nos foi render)

***
Suspense

De súbito,
No silêncio das trevas,
Dilacerando a escuridão,
Apertamos as armas
Em vão...


Paúnca, 10 de Novembro de 1965

***
Tambor negro

O tambor negro é um poço
Rodando no espaço,
Num vaivém dengoso,
Embalado no regaço.

No silêncio da noite
É radar permanente,
Um som que nos enleia,
Uma vingança latente.

Por todas as flores decepadas
Em covas violadas...


Paúnca, 01 de Dezembro de 1965

***
O coração dos cobardes

Ah! Quando o frio da morte empalidece as faces,
E o remorso pelos sentimentos ultrajados,
Esmaga o sombrio coração dos cobardes.

Ah! Quando a solidão canta a triste mágoa,
Dói no ser, na existência ameaçada,
Dói nos mais longínquos recantos da alma torturada.


Paúnca, 03 de Dezembro de 1965

***
Quando voltar

Quando voltar,
Quero tocar violão
Sentado bem no fundo
Do meu cadeirão.

Quieto e devagarinho,
Soltarei os meus queixumes,
Os meus prantos,
As minhas juras de amor.


Paúnca, 03 de Dezembro de 1965

***
Os náufragos do Apocalipse

A música da noite esvoaça
Eterna sobre o nosso olhar atónito
De náufragos do Apocalipse.

Berros aflitos, gemidos,
Ladrar de cães, ganidos,
Adivinham a morte dos proscritos.


Paúnca, 03 de Dezembro de 1965

***
As marcas

Dentro de mim
Estão as marcas,
As rezas, e as trevas
De todos os mistérios do Mundo.


Paúnca, 07 de Janeiro de 1965

***
A patrulha

Alargam-se os caminhos da povoação
Já se distinguem as enormes mangueiras,
Ouve-se o rumor abafado do pilão,
O falso matraquear de armas traiçoeiras.

Perdida a prudência, exauridos,
Pelas crianças, caem vencidos.
Pois em troca de balas e tiros,
Recebem longos abraços e risos.

Agora, já é tarde,
Muito tarde para voltar,
Ninguém mais recorda o ódio,
A crueldade ignóbil de matar.

Lá longe, a caminho da bolanha,
Vai uma rapariguinha a cantar,
Lembra aos tristes soldados
As longas saudades do mar.


Paúnca, 16 de Janeiro de 1966

***
As tinas grandes da alegria

Nas recordações débeis que quase enlouquecem,
Surgem formas arredondadas que apetecem,
Cheiros, conversas e lágrimas que se esquecem.

Numa atmosfera de Olimpo e árvores meigas,
Corações radiantes e beijos breves,
Transbordam as tinas grandes da alegria.

Mas a noite volta e, com ela o terror,
A angústia, a raiva, e a esperança
De uma catástrofe há muito anunciada.


Paúnca, 20 de Janeiro de 1966

***
Cadáver que busca sepultura

Caminhando pela areia da estrada,
Sou aquele que agora aqui chegou
Com a arma ao ombro carregada.

Envelhecido, sem jeito,
Embora soldado poeta,
Sou um mercenário perfeito.

Mortal, de certeza também sou,
Um cadáver que busca sepultura,
Num silêncio lento de esquecer.


Paúnca, 29 de Janeiro de 1966

***
Oceano negro

É das sombras que sai o brilho húmido
Das flores e das lágrimas doloridas.
É junto ao portão dos gritos e das fúrias,
Que mora a melancolia das carícias perdidas.

Finalmente é aqui que me quedo,
Que me debruço e tombo
Num profundo oceano negro.


Paúnca, 29 de Janeiro de 1966

***
O Sol das rapariguinhas

Há o Sol nas varandas
E o riso das rapariguinhas.
Mas há sempre chuva
No fim das batalhas perdidas.

Quando cantam os corvos
Desço aquela encosta distante,
Enxovalhado pela fadiga
De um amigo que nos mente.


Paúnca, 27 de Março de 1966

***
Os olhos vagos

Os seres de olhos vagos choram
Num vão de escada inacabada,
Enquanto o músico, o doido e o político,
Vagueiam pelo mato de mão dada.

Quando premimos o gatilho,
A Lua já mergulhou no pantanal...


Paúnca, 28 de Março de 1966

***
O fim da noite

(Poderia falar das flores, do mar, mas que sei eu?)

Agora que o tempo congelou,
Nada abafa o som da longa noite,
Cheia como a Lua, um ventre de mãe.

Na estrada, pisada pelos camiões,
Ouvimos ainda o tam-tam magoado,
Da grande e misteriosa noite.

No mato por mil fogos devorado.
Nada é triste de esquecer.
Mas vi, além, um Sol derrubado,

Na longa, grande, eterna e misteriosa noite...


Bissau, Abril de 1966
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5277: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (12): O Furriel Emanuel

Vd. último poste da série de 21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5309: Blogpoesia (58): Para os amigos e camaradas da Guiné que esta noite tiveram insónias (Luís Graça)

- Poste actualizado às 23h20 conforme instruções do autor dos textos.