quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5392: Em busca de... (104): Luís Zagallo (ex-Alf Mil, CCAÇ 1439) - Um pedido de ajuda do João Crisóstomo (EUA) que me encheu de lágrimas (Beja Santos)




1. O nosso tertuliano Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou-nos, em mensagem datada de 27 de Novembro de 2009, esta troca de mensagens:





i - De: João Crisóstomo
crisostomo.joao2@gmail.com
Data: 27 de Novembro de 2009
Assunto: pedido de ajuda ....

Prezada Sra. Rosa Clemente,
(Pelo endereço do mail assumo ser este o seu nome..)

O meu nome é João Crisóstomo. Vivo em Nova Iorque. Encontrei (na véspera do meu regresso aos USA) depois de breve estadia em Portugal um livro que despertou a minha curiosidade. Nele vim a encontrar o nome de uma pessoa de quem era amigo, mas cujo contacto perdi há quarenta e dois anos. Depreendo ser amigo do autor e venho pedir-lhe o favor muito especial de encaminhar a mensagem que segue ao autor deste livro, na esperança de poder reencontrar este meu amigo.

Como ontem foi o começo "oficial" das festas natalícias nos USA, depreendo que aí em Portugal deve suceder o mesmo e portanto, com os meus antecipados agradecimentos pelo favor que acabo de pedir, queira aceitar também os meus melhores votos para a época festiva que agora começa: Um Natal e Ano Novo portador de bem estar, sucesso e felicidades.

João Crisóstomo


ii - A mensagem que João Crisóstomo pedia para encaminhar, era esta:

Caro Senhor Mário Beja Santos,
Na ânsia de poder ver e ler algo sobre a Guiné, procurei e encontrei numa livraria em Lisboa o seu Diário da Guiné1968-1969 Na Terra dos Soncó, livro que agora devoro com uma sofreguidão esfomeada de dezenas de anos de espera...

Pelo que estou lendo acredito que até vai compreender e acreditar que por vezes tenho sido obrigado a interromper a leitura, que a emoção e as lágrimas me obrigam a parar, ao reviver os meus tempos na Guiné também, tempos que agora também eu lembro com uma emoção mista de muita dor e saudade.

Tanto mais que os seus relatos e as suas experiências são na grande maioria um prosseguimento (ainda mais profundo e doloroso, assim me parece, senão pela intensidade pelo menos pela mais amiudada frequência de acontecimentos que relata) do que eu aí passei.

Fui um dos alferes da Companhia de Caçadores 1439, desembarcada no Xime em 1964; dois meses depois fomos para Bambadinca onde ficámos vários meses antes de seguirmos para Enxalé... Porto Gole. Mato Cão, Finete, Missirá....

E de repente vejo o nome do Luís Zagalo, meu colega, que relembro com muita saudade mas cujo contacto perdi. Só este ano, (42 depois) vim a encontrar pela primeira vez alguns meus colegas-irmãos, (pois vejo que também para si esta guerra foi forjadora de laços literalmente de sangue que nada poderá apagar e esquecer). Do Zagalo não sei nada. Fui eu e o meu pelotão, reforçado por voluntários de cozinheiros a padeiros, condutores e milícias que de Enxalé, onde exaustos tínhamos acabado de chegar também duma operação, corremos desalmadamente ansiosos ao seu encontro, pois nada mais sabíamos a não ser que tinha sofrido uma mina perto de Mato-Cão e havia casualidades.

Já tinha decidido quando fosse a Portugal na próxima vez (talvez para fins de Fevereiro-Março 2010) tentar procurar o Sr. Beja Santos: queria conhecê-lo pessoalmente... não preciso dizer mais com certeza pois, acredito, sabe o que sinto.

Mas agora que verifico que conhece bem o Zagalo, pode-me fazer o favor de lhe falar no João Crisóstomo? Que o quer de novo ver e abraçar? Vou tentar até reunir-me com outros aí em Portugal (a maioria dos nossos soldados era madeirense, mas os "quadros" excepto pelo alferes Freitas eram da Metrópole) em reunião de revivência e saudade. Oxalá ele possa e queira participar. Mas se tal não for possível (e eu respeito muito que outros tenham motivos para pensar e agir de maneira diferente da minha) diga-lhe que, como a um irmão que pensei ter perdido mas que agora soube estar vivo e sonho poder reencontrar, que com os outros ou a sós o quero de novo abraçar.

Fico aguardando com muita antecipação o favor duma resposta. Até lá, os meus antecipados agradecimentos por tudo; por este favor que agora peço, pelo livro maravilhoso que escreveu... pelas muitas horas de saudade e emoção que tal me tem proporcionado... e os meus melhores votos para a época festiva que agora começa.

Saudações amigas e respeitosos cumprimentos do
João Crisóstomo


iii - Mário Beja Santos respondia assim a João Crisóstomo:

Meu estimado João Crisóstomo,
Abro a caixa do correio e chega o assombro da tua mensagem. Em camaradagem, viajei imediatamente contigo até ao Geba, e subi a Missirá.

Vou procurar ajudar-te a encontrar o Luís Zagallo, de nome completo Luís Manuel de Mello Carneiro Zagallo de Matos. É uma cara familiar para o público português, no teatro, no cinema e na televisão. Estudou bailado em Paris, teve os seus primeiros pequenos papéis na Comédie Française. Fez parte do Teatro Universitário e mais tarde da Companhia de Amélia Rey Colaço, no Teatro Nacional D. Maria II. Em 1964, partiu contigo para a Guiné, foi condecorado com uma cruz de guerra e diversos louvores.

Como vives em Nova Iorque, não sabes o que significa a série "Zé Gato" e contracenou com nomes como Maria de Medeiros, Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho. Participou também como actor convidado em várias séries de televisão como "Nico de Obra" ou "Camilo e Filho". No teatro, foi uma presença constante na novela "Morangos com Açúcar". É cacilhense, falei agora mesmo para a Sociedade Portuguesa de Autores, ele também é sócio, todas as tuas mensagens para o Luís Zagallo devem ser dirigidas para o email atendimento@spautores.pt.

Vais ver como o Luís te vai responder em breve. Não há maior comoção para um autor que receber uma carta como a tua. Os meus livros foram inicialmente publicados no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/), recomendo-te que mates algumas das tuas saudades convivendo regularmente connosco. E, se puderes, faz-te tertuliano.

O Luís Zagallo era o herói dos povos do Cuor e do Enxalé. Vou pôr-te hoje em contacto com o Henrique Matos Francisco, que é o primeiro comandante do Pelotão de Caçadores Nativos n.º 52.

Logo que chegues a Lisboa, contacta-me, por favor. Vou pedir no blogue que se dê publicidade a este momento de alegria e confraternização. A Guiné nunca saiu da minha vida. Não pode sair das nossas vidas, se não tu não terias escrito o que escreveste. Fazendo-me chorar. Estou agora a acabar a Mindjer Garandi, é um regresso à Guiné, se não to der em Lisboa, tu dás-me hospedagem em Nova Iorque e eu levo-te o livro.

Um grande abraço e uma comoção muito grande pela surpresa que me trouxeste,
Mário Beja Santos


iv - Finalmente o agradecimento de João Crisóstomo a Rosa Clemente, Relações Públicas do Círculo de Leitores/Temas & Debates:

Obrigado, Sra. Rosa Clemente,  pelo favor tão prontamente concedido, que me proporcionou já inesperada jorrada de emoções. Obrigado, muito.

Obrigado,  meu caro Beja Santos. Sinto que arranjei mais um irmão. Na minha casa (bem modesta mas, dizem, acolhedora) te espero de coração e braços abertos, tão logo me possa dar essa grande satisfação.

João Crisóstomo


Foto 1 > Na messe: 1 - Cap Mil Pires, Cmdt da Companhia [CCAÇ 1439]; 2 - Alf Mil Sousa; 3 - Alf Mil Zagalo; 4 - Médico do Batalhão; 5 - eu; 6 - Alf Mil Marchand, Cmdt do Pel Caç Nat 54; 7 - Fur Mil Antunes, falecido em combate; 8 e 9 - Fur Mil Monteiro e Altino, do meu Pelotão.

Foto do Fur Mil Viegas, do PelCaç Nat 54.


Foto 2 > Na enfermaria > Copos com pessoal da Companhia: de camuflado o Alf Mil Crisóstomo, ao lado estou eu de cigarro nos dedos (para variar); por trás do Crisóstomo, está o Alf Mil Freitas.
Foto do Leiria, Condutor da CCAÇ 1439.


Foto 3 > Encontro, 42 anos depois, no Entroncamento com o Crisóstomo. Da esquerda para a direita: Fur Mil Geraldes (Enfermeiro) e Farinha; Crisóstomo; Teixeira, também ex-Fur Mil; eu; Pimentel e Carvalho, Condutores da 1439.

Fotos enviadas e legendadas: © Henrique Matos (2009). Direitos reservados



2. Comentário de CV:

Caro João Crisóstomo, reforçando o convite do camarada Mário Beja Santos, estou a sugerir que aderiras à nossa Tabanca Grande, como é conhecido o nosso Blogue, e a colaborares connosco na feitura desta memória colectiva. Todas as histórias dos ex-combatentes da Guiné são preciosidades que queremos dar a conhecer aos mais novos.

Escreve uns textos com as tuas memórias, junta as tuas fotos e manda-nos para que seja publicado.

Em nome da tertúlia deixo-te um abraço e votos de que a vida te corra pelo melhor aí nos Estados Unidos.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5390: Postais ilustrados (15): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Uma relíquia (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5314: Em busca de... (103): Procuro informações sobre Camaradas que estiveram em Nhacra - 1972/74 (Firmino Ruas Mendes)

Guiné 63/74 - P5391: O nosso blogue em números (2): Os cinco postes mais comentados do mês de Novembro de 2009






No mês transacto (que teve 30 dias), publicaram-se 192 postes (mais 42 que em Outubro), ou seja, uma média de 6,4 por dia (*).

No ano em curso, e até 30/11/09,  já se tinham publicado 1712 postes, mais 425 do que em todo o ano anterior (n=1287), e quando ainda faltava 31 dias para terminar o 2009.

No período que vai de 1 de Novembro a 5 de Dezembro , a semana mais produtiva foi a de 22 a 28 de Novembro, com um total de 57 postes (8,1 por dia) (Gráfico 2). Trata-se de um recorde absoluto no nosso blogue.

Relativamente aos postes publicados, de 1 a 30 de Novembro (n=192), fizeram-se 803 comentários, ou seja, menos de 4 por poste (4,2) e 27 por dia (26,8)... Os cinco postes mais comentados (**) constam do Gráfico 1.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste anterior, desta série > 5 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5214: O nosso blogue em números (1): Os cinco postes mais comentados do mês de Outubro de 2009

(...) No mês transacto, publicaram-se 150 postes (do P5038 a P5187), o que dá uma média de 5 postes por dia (4,8).

No ano em curso já se publicaram até hoje 1520 postes, mais 233 do que em todo o ano transacto (n=1287), e quando ainda faltam 53 dias para terminar o 2009.

A média diária de postes publicados em 2009 é de 5 (4,9), superior à ano passado (3,5) e muito superior à de 2007 (2,7).

No período de 27/9 a 1/11/2009, a semana mais produtiva foi a de 4 a 10 de Outubro, com um total de 45 postes (6,4 por dia) (Gráfico 1).

Tome-se como termo de comparação as duas semanas do ano em curso, em que atingimos o máximo e o mínimo:

29/3 a 4/4/2009 - 50 postes

30/8 a 4/9/2009 - 20 postes

Relativamente aos postes publicados, de 1 a 31 de Outubro (n=150), fizeram-se 565 comentários, ou seja, menos de 4 por poste (3,8) e 18 por dia (18,2) (...)

(**) Vd os cinco postes mais comentados, por ordem decrescente:

10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5245: Parabéns a você (40): António Garcia de Matos (ex-Alf Mil Minas e Arm da CCAÇ 2790 - Bula - 1970/72 (Editores)

6 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5221: Parabéns a você (38): O nosso Alfero, Jorge Cabral (Cabral só há um, o de Fá e mais nenhum) (Editores)

17 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5283: Carta aberta ao António Lobo Antunes: que p... é essa de ter talento para matar ? (Amílcar Mendes, 38ª Cmds, 1972/74)

15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5275: Controvérsias (53): Polémica M. Rebocho / V.Lourenço: Por mor da verdade e respeito por TODOS os camaradas (A. Graça de Abreu)


11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5254: Estórias avulsas (58): Uma história de passarinhos (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P5390: Postais ilustrados (15): Postais Antigos da Guiné, de João Loureiro - Uma relíquia (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2009:

Malta,
Este álbum é uma preciosidade, a ver se o autor o reedita pois compradores não faltam.
Estejam descansados, vão aparecer os postais do nosso tempo.
Um abraço do
Mário


Uma relíquia: Postais antigos da Guiné (1)

Por Beja Santos

Quem se dedica ao coleccionismo de postais sabe que João Loureiro** é um nome maior na arregimentação de postais fotográficos em Portugal. Só assim se explica a sua colecção invulgar (na quantidade e qualidade) e no conjunto de obras publicadas envolvendo postais de Macau, Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Timor. A linda edição de “Postais antigos da Guiné”, datada de 2000, está completamente esgotada, o que priva todos aqueles que amam a Guiné a ter acesso a preciosas fontes da história da presença portuguesa na Guiné, e a conhecer o seu povo e costumes, ao longo do século XX. João Loureiro seleccionou 248 exemplares dividiu-os em quatro períodos (Bissau no primeiro quartel do século XX, Bissau dos anos 40 aos inícios da década de 70, aspectos do interior, e o povo e os costumes).

Os primeiros postais guineenses aparecem associados a casas francesas. Os clichés referentes a 1908 têm um autor conhecido e a que aqui já se fez referência: José Henriques de Mello, ele veio de Cabo Verde, qual repórter, para acompanhar as campanhas de pacificação. Para um território que só viu as suas fronteiras definidas a partir de 1886, e atendendo à fraca presença portuguesa até ao século XX, pouco mais havia a esperar que exibir Bissau (quem é que se atrevia a ir fotografar locais hostis ao branco?), entreposto frequentado por comerciantes de várias nacionalidades, até chegar a 1908, o ano em que José Henriques de Mello captou importantes imagens da Península de Bissau. Todo este período é marcado pela sépia e a partir de 1925 assiste-se à chegada do postal colorido, o tema privilegiado são as artérias mais povoadas de Bissau, os seus edifícios oficiais e armazéns das empresas, vemos depois imagens das propriedades e até o automóvel entra em cena fora da capital. O prato de substância virá a seguir, com o florescimento e a expansão de Bissau e depois todos aqueles postais que mandámos às nossas famílias, ao longo dos anos 60 e 70, quando os editores se chamavam Foto Serra, Cómer, Casa Mendes, Foto Iris e Centro de Informação e Turismo de Bissau.

Como nota final, devo dizer com orgulho que foi João Loureiro que me ofereceu este exemplar, em Dezembro de 2008, felicitando-me pelos meus livros guineenses.

Capa de “Postais antigos da Guiné”, Edição de João Loureiro e Associados

Era assim o Palácio do Governo, em 1910. O Governador vivia em Bolama, Bissau era rota obrigatória não só pelos assuntos do comércio mas por razões da ligação à Metrópole e acompanhamento das questões militares, que nesta época eram cruciais para a pacificação.

O Pidjiquiti em 1908, estão a chegar tropas da Metrópole, não sabemos se vão para o Cuor ou combater as rebeliões de Intim e Antula.

Era assim a Alfândega em 1925. Chegara o postal colorido. Tudo se irá transformar ao tempo do Governador Sarmento Rodrigues. A Alfândega do nosso tempo, bem sólida, ainda lá
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5364: Notas de leitura (40): De Conakri ao M.D.L.P., de Apoim Calvão (Beja Santos)

(**) Vd. poste de 21 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3658: Historiografia da presença portuguesa (15): Postais antigos, um relicário de João Loureiro (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 3 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3693: Postais Ilustrados (14): Tocador de kora (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5389: Da Suécia com saudade (17): Os fuzilamentos... e as sublimações (José Belo)

1. Mensagem de José Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, desde 1976 (*)

Assunto - Os fuzilamentos... e as sublimações (**)

Muito se tem escrito sobre os fuzilamentos que se efectuaram na Guiné. Alguns, com sincera revolta pela maneira como antigos Camaradas de armas foram abandonados à sua sorte. Outros, utilizando esta tragédia como bandeira de agendas políticas.  É assunto passível de algumas reflexões, não de VALORES, mas circunstanciais.

Muitos acreditam firmemente não ser possivel construir uma sociedade livre sobre alicerces coloniais, ou mesmo neo-coloniais. Quererá isto dizer que, por "razões ideológicas", tudo se deverá aceitar? Sentir orgulho na tal "descolonização exemplar" citada por alguns? Não terá sido antes a descolonização POSSÍVEL dentro do caos político vigente, e resultante das lutas pelo poder que imediatamente surgiram, no próprio dia 25 de Abril, entre Spinolistas e outros?

E,mais uma vez, descolonização possível, tendo em conta os interesses das duas grandes potencias mundiais que então se degladiavam à volta dos espólios coloniais, utilizando abertamente centros de influência disponíveis dentro do País. Mas, e voltando à Guiné, será dificil de aceitar que homens como Spínola, Fabião (com mais de uma década de estadia nas zonas operacionais da Guiné, e responsável pelas Milícias), assim como alguns outros que por lá tinham estado,  terão planeado, considerado, ou mesmo aceite os fuzilamentos como algo de inexorável e justo ?

Sei terem sido feitas, pelo menos no caso de Fabião, tentativas de encontrar países africanos próximos dispostos a receber estes militares, ou uma possível vinda dos mesmos para Portugal. O mesmo Niassa que tantos milhares de soldados transportou rumo à Guiné, poderia ter, facilmente, transportado umas centenas em sentido inversso.

Como teriam sido recebidos no Portugal de então?  No meio de tais, e tão profundas lutas políticas internas,  quem se teria atrevido a recebê-los nos seus Quartéis? Ou, simplesmente,  vir a público defendê-los? Os complexos e más consciências eram ainda muitos. Não se tinham, ainda, convenientemente "esbatido". (Já terá sido esquecida a triste e vergonhosa experiência passada por Marcelino da Mata às maos de alguns maoístas no RALIS?) .

Onde estavam então os que hoje tão convenientemente pretendem utilizar os fuzilamentos como bandeira política? Hoje, com o passar das décadas, tudo se torna, para alguns, tão nítido, tão simplista.  Mas, como poderia ter sido fácil, e sem tragédias indesculpáveis, o difícil momento de profundos conflitos sociais então vivido?

A infeliz sorte daquelas centenas de guinéus não terá, tragicamente, sido em parte diluída na opinião pública de então, nas tragédias humanas de muitos milhares de refugiados que iam chegando de Angola e Mocambique?  Ao falar-se dos Comandos Africanos, convenientemente fora do contexto que então os envolvia, e o mesmo se poderá dizer em respeito aos Milícias, não se estará a dar uma imagem um pouco deturpada pois eles não seriam propriamente "ingénuos/românticos/idealistas" sem a mínima consciência do que estava em jogo ao decidirem participar na luta armada contra uma rebelião na sua própria terra, combatendo gentes das mesmas etnias que os olhavam,  não como patriotas portugueses, mas sim como colaboradores dos colonialistas ? Tinham mesmo como "ajuda de memória" as independências dos países vizinhos.

Em todos os conflitos, ao fazer-se a paz, a sorte dos, pelos SEUS considerados como colaboradores, não tem sido feliz. Porque haveria de esperar algo de diferente por parte dos guerrilheiros do PAIGC? Terá a Administração Colonial de séculos lhes ensinado a... tolerância? Quantos sacrifícios humanos terá a guerra causado aos que contra nós lutavam? O ajuste de contas surgiu na primeira oportunidade,ma não teria sido possível algo de semelhante se alguns dos fuzilados tivessem, noutras circunstâncias, tido a mesma oportunidade em relação aos guerrilheiros?

É uma pergunta menos conveniente, mas de considerar, tendo em conta que alguns de nós conheceram pessoalmente muitos dos fuzilados. Para nós,os que não pretendem utilizar estes CAMARADAS que ao nosso lado (tantas vezes à nossa frente!)  lutaram, carregaram aos ombros os seus/nossos mortos, comungaram literalmente a mesma terra vermelha de sangue......não existem "agendas políticas", como não deverão existir complexos colectivos de culpas.

Isto, quanto a mim, não significa que se deve esquecer que algo se poderia/deveria ter feito por aqueles que acreditaram no que por NÓS lhes foi dito.

PS - Quero salientar aos Camaradas que se trata de simples reflexões circunstanciais sobre um assunto de tal modo sério e triste, para o qual tenho plena consciência de não possuir as "respostas" que alguns talvez tenham.

Estocolmo 1/12/09
José Belo

[Revisão / fixação / bold / título: L.G.]

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste anterior > 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5307: Da Suécia com saudade (16): É neste caldo de cultura que o nosso blogue é grande (José Belo)

(**) Sublimação= Acto ou efeito de sublimar...(v. tr. 1. Exaltar; tornar sublime; engrandecer;  2. Volatilizar quimicamente; 3. Purificar, expurgar de tudo o que é estranho ou impuro). Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

Guiné 63/74 - P5388: Os nossos camaradas guineenses (14): Demba Cham Seca, fuzilado 'por ter servido com entusiasmo o Exército Português' (sic) (Joaquim Mexia Alves)


O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné, duas delas formadas por pessoal do recrutamento local: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Ponte do Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74).


1.Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

Meus caros Camarigos

"Na certidão de óbito, conseguida apenas em 2000, consta: 'Faleceu de fuzilamento, por ter servido com entusiasmo o Exército Português'.»

Esta frase, que retirei do P5380 do Manuel Bernardo (*), agarra-se a mim como um vírus que me corrói por dentro.

Todos nós, ex-combatentes da Guiné, sobretudo aqueles que comandaram ou estiveram com as forças africanas, nos deveríamos sentir revoltados, indignados com estes factos!

Esta frase, por oposição, deveria servir desde já para as Forças Armadas Portuguesas, o Governo de Portugal, concederem condecorações a estes heróis, e pensões às suas famílias, pois que a sua dedicação e empenho como militares portugueses foi de tal ordem, que até o “antigo” inimigo o reconheceu e deixou escrito.

Já o disse várias vezes e já o escrevi várias vezes, que aquilo que mais me dói, a ferida que não quer sarar, da guerra da Guiné, se prende com o facto de Portugal ter abandonado à sua sorte aqueles que por Portugal combateram dando tudo de si e, que sendo guineenses por lá terem nascido, lhes foi afirmado que eram portugueses e, como tal, cidadãos de pleno direito como todos os outros.

Já o disse também outras vezes, e já talvez muitos o referiram também, estes episódios são a página mais negra da História da Nação mais antiga da Europa com fronteiras definidas, que construiu a sua nacionalidade na abnegação e entrega de tantos ao longo de tantos séculos, sem nunca desprezarem de tal modo aqueles que com eles combateram.

Já sei, dir-me-ão que estou a ser sonhador e demagógico, porque as histórias das nações têm sempre as suas traições e abandonos, mas nunca, julgo eu, Portugal chegou a tal vergonha, pelo menos para mim.

Não é uma culpa colectiva, e eu facilmente poderia colocar-me de lado e “afastar a água do meu capote”, (há autores objectivos e morais), mas não o faço porque me entristece e me enoja a minha alma portuguesa que tal tenha acontecido.

E continuamos a “cuspir para o vento”, com cerimónias espúrias e em que o sentido é apenas aquele que os actores presentes lhe querem dar e se reflecte apenas nos seus próprios interesses, mas um dia o “cuspo cai” e todos ficaremos envergonhados.

Julgava eu que podia ir esquecendo e que a mágoa se apagaria, mas a história não o deixa e encarrega-se de, volta e meia, nos dar a conhecer frases como esta para nos tirar do remanso da “paz podre” e nos chamar à indignação de homens bons.

Podeis julgar que é conversa, mas quem me conhece bem sabe que hoje, ao ler esta frase, o meu ser Português se tingiu de vergonha e tristeza.

Um abraço camarigo para todos e sobretudo para as famílias daqueles a quem abandonámos e ainda nem sequer foi feita justiça.

Joaquim Mexia Alves

[Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5380: Os nossos camaradas guineenses (13): Homenagem aos 53 comandos africanos fuzilados no pós-independência (Manuel Bernardo)

(…) O meu marido era o Alferes graduado 'Comando' Demba Cham Seca.

(…) À terceira vez foi novamente detido, no dia 21 de Março de 1975, pelas duas horas da tarde. Quando, à noite, fui levar-lhe comida à esquadra de polícia de Bafatá, disseram que ele já não precisava dos alimentos. Soube, depois, que, nessa noite foi mandado para Bambadinca, onde foi fuzilado juntamente com outros. Os Tenentes Armando Carolino Barbosa e o Tomás Camará foram dois deles (**).

(…) Na certidão de óbito, conseguida apenas em 2000, consta: 'Faleceu de fuzilamento, por ter servido com entusiasmo o Exército Português'.

Regina Mansata Djaló, in 'Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros' (...) (2007), p 358.


(**) 13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2839: Ainda os Comandos fuzilados a seguir à independência (I): O Justo Nascimento e os outros (Carlos B. Silva / Virgínio Briote)

(...) Relação dos Comandos do BCA, fuzilados na Guiné (Provisória)

(...) Armando Carolino Barbosa, Tenente, 2ª CC, Bambadinca, 25 de Março de 1975


(...) Demba Cham Seca, Alferes, 1ª CC, Bambadinca, 25 de Março de 1975

(...) Tomás Camará, Tenente, 1ª CC, Cumeré, 1975

Informações recolhidas, por Virgínio Briote, do livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo, Ed. Prefácio, 2007.

Vd. também poste de I Série do Blogue: 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

(...) Da 1ª Companhia de Comandos Africanos (para além Tenente Justo e do Tenente Jamanca):

Capitão Cmd Zacarias Sayegh;
Tenente Cmd Thomaz Camará - ex. 1º cabo cmd 60/E dos Fantasmas – em Cumeré;
Alferes Cmd Braima Baldé;
Alferes Cmd Demba Tcham [ou Cham] Seca;
Alferes Cmd João Uloma;
Alferes Cmd António Samba Juma Jaló;
1º Sarg Cmd Fodé Baió;
1º Sarg Cmd Fodé Embaló;
2º Sarg Cmd José Manuel Sedjali Embaló;
2º Sarg Cmd Quebá Dabó;

Da 2ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:

Capitão Cmd Adriano Sisseco;
Tenente Cmd Cicri Marques Vieira;
Tenente Cmd Armando Carolino Barbosa;
Alferes Cmd Mamadú Saliu Bari - ex-1º cabo 59/E dos Camaleões – em Cumeré;
Alferes Cmd Marcelino Pereira;
Alferes Cmd Carlos Bubacar Jau;
Alferes Cmd Bailó Jau;
Alferes Cmd Aliu Sada Candé;
1º Sarg Cmd Kool Quessangue;
1º Sarg Cmd Aruna Candé;
1º Sarg Cmd José Aliu Queta;
1º Sarg Cmd Mamadú Jaló – ex-soldado (AGR 16) dos Diabólicos - em Cumeré;
2º Sarg Cmd Quecumba Camará;
2º Sarg Cmd Augusto Filipe;
2º Sarg Cmd Carlos Daniel Fassene Samá;
Soldado Cmd Carlos Ussumane Baldé;
Soldado Cmd Alfa Candé;
Soldado Cmd Aliu Jamanca;
Soldado Cmd Per Sanhá

Da 3ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:

Tenente Cmd José Bacar Djassi;
Alferes Cmd Malam Baldé;
Alferes Cmd António Vasconcelos;
Soldado Cmd Silla;
Soldado Cmd Bubacar Trawalé.
(...)

Guiné 63/74 - P5387: Parabéns a você (47): Herlânder Simões, ex-Fur Mil At (Nova Sintra, Nhacra e Guileje, 1972/74) (Editores)

»»»»»»» F E L I Z ****A N I V E R S Á R I O «««««««


1. Completa hoje mais um aniversário, o nosso Camarada Herlander Simões, ex-Fur Mil (MAI72 a JAN74), foi destinado à CCAÇ 16 sem chegar a ser colocado, seguindo para a CART 2771 os "Duros" de Nova Sintra e, posteriormente, para os "Gringos" de Guileje (CCAÇ 3477 - 1971/73), que inicialmente se encontrava sedeada em Nhacra.




2. O Herlander foi apresentado à nossa Tabanca Grande, em 10 de Maio de 2007, no poste P1747, assim:


Caro camarada Luís Graça:


Tomei conhecimento do teu Blogue, durante uma das minhas buscas na Net, procurando notícias dos meus antigos camaradas de armas.

Sou o ex-Furriel Miliciano Herlander Simões e estive na Guiné entre Maio de 72 e Janeiro de 74.

Fui com destino à CCAÇ 16 onde nunca cheguei a ser colocado. Fui primeiro para os Duros de Nova Sintra e depois para os Gringos de Guileje [CCAÇ 3477], entretanto já sediados em Nhacra.

Espero, através deste nosso sítio, conseguir algumas notícias dos meus antigos camaradas, colocando-me desde já totalmente disponível para dar o meu modesto contributo a esta nobre causa.

Vou tentar enviar algumas fotos tiradas com os Gringos nas proximidades de Nhacra. Um abraço! Herlander Simões

Guiné > Região de Bissau > Nhacra > CCAÇ 3477 (1971/73)
O Fur Mil Herlander Simões
Em patrulha nas imediações de Nhacra.


3. Independentemente dos comentários que os nossos Camaradas colocarão no local reservado aos mesmos, quero em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, desejar-te o seguinte:



Os nossos maiores desejos neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

Que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa enviar mensagens idênticas, às que hoje lerás no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os nossos sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas.

Com um grande abraço fraterno,

__________
Nota de M.R.:



Vd. primeiro poste sobre o aniversariante de hoje em:

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5386: Parabéns a você (46): Carlos Schwarz Silva, simplesmente Pepito, para os felupes, os nalus, os fulas, os companheiros da AD e os tugas... do nosso blogue (Luís Graça)



Polónia > Zgierz > s/d , c. > "Retrato de família. O meu bisavô Isuchaar [Schwarz ] está centrado ao centro, o Samuel [, pai de Clara e avô do Carlos] está na ponta esquerda e o meu avô Marek está de pé, à direita" (In: Mikael Levin - Cristina's History. Cherbourg-Octeville: Le Point du Jour; Lisboa: Museu: Colecção Berardo, 2009, p. 29) (Com a devida vénia). [Mikael Levine é primo do Carlos Schwarz, os seus avós eram irmãos. ]


Polónia > Zgierz > Manufacturas de lanifícios > Foto da histórica cidade industrial de Zgierz, no Séc. XIX. Colecção do Museu Histórico de Zgierz. A população de origem judia foi dizimada na sequência da ocupação nazi e da II Guerra Mundial (Fonte: Mikael Levin, 2009, op. cit, p. 39). (Com a devida vénia).


Lisboa > Chiado > c. 1940 > "Álbum de família. Foto de Artur e Clara" (Fonte: Mikael Levin, 2009, op,. cit., p. 65). Clara era filha do Engenheiro e empresário de minas, de origem judia e polaca, Samuel Schwarz, o filho mais velho de Isuchaar Szwarc, que de se dedicou também à redescoberta e dignificação da comunidade marrana em Portugal. Chegou a Portugal antes da I Guerra Mundial. Nasceu em 1880 e morreu em 1953.

Era um homem cultíssimo, que falava nove línguas, incluindo o hebreu. (Foi ele que decifrou várias lápides funerárias e outras inscrições judias, em Belmonte, Lisboa, Monchique, Porto, Tomar, etc. ). Foi um estudioso e um divulgador da comunidade cripto-judaica de Belmonte através da obra "Cristãos-Novos em Portugal no Século XX", publicada em 1925 (como separata da revista "Arqueologia e História", da Associação dos Arqueólogos Portugueses, de que era membro). Esta publicação ainda hoje é uma referência obrigatória para os investigadores da história dos cripto-judeus em Portugal. Foi também ele quem identificou, adquiriu a suas expensas e depois doou ao Estado Português o edifício da antiga sinagoga de Tomar, cuja origem remonta ao Séc. XV. (*)

Artur Augusto Silva, por sua vez, nasceu em Cabo Verde, em 1912, viveu os primeiros anos em Farim, na Guiné, e depois em Lisboa onde se licenciou em Direito e conheceu Clara (n. em Lisboa, em 1915). Teve uma vida intelectual intensa enquanto estudante, frequentando as tertúlias literárias da Baixa. Ainda conheceu Fernando Pessoa (que morreu em Novembro de 1935), e privou com intelectuais com o poeta António Botto, o romancista Ferreira de Castro, o músico Luís Freitas Branco, o pintor Eduardo Malta...

De 1938 a 1941 trabalhou em Angola como secretário do governador-geral. De regresso a Lisboa, dedicou-se à advocacia em Alcobaça e Porto de Mós (O pai da Clara tinha comprado a casa de praia, em São Martinho do Porto, onde ainda hoje a família passa férias de verão, em Agosto).

O casal partiu para a Guiné em 1949, um e outra, por certo, desgostosos com o clima intelectual e político,deprimente, então reinante em Lisboa. Clara e Artur estiveran entre os fundadores do Liceu de Bissau. Clara foi professora de muitos futuros dirigentes e militantes. Dedicou-se ao estudo etnojurídico de vários grupos sociais da Guiné, como os fulas (1958), os felupes (1960) e os mandingas (1969). Foi advogado de defesa de 61 presos políticos (só dois dos quais foram condenados em Tribunal Plenário). Foi impedido pela PIDE de regressar a Bissau, em 1966. Esteve preso em Caxias cinco meses, sem culpa formada. Foi libertado por acção de amigos influentes (entre eles, diz-se, Marcelo Caetano, seu antigo professor). Foi-lhe fixada residência no Continente. Só depois da independência, é que regressou à Guiné-Bissau, onde foi Juiz do Supremo Tribunal de Justiça e professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau. Morreu em Bissau em 1983. É um excelente contista e ensaísta.



Lisboa > São Sebastião da Pedreira (ou S. Martinho do Porto?) > Em primeiro plano, o Carlos, ainda bebé, mais os irmãos Henrique (Iko) e João. Foto: © António Lopes (2009). Direitos reservados.


Guiné-Bissau > Guerrilheiros do PAIGC em movimento em mata (Foto do PAIGC, s/d, reproduzido em Mikael Levin - Cristina's History. Cherbourg-Octeville: Le Point du Jour; Lisboa: Museu: Colecção Berardo, 2009, p. 91) (Com a devida vénia).


Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > Antigo Centro Nacional para a Experimentação e Multiplicação de Arroz, uma iniciativa pioneira do jovem engenheiro agrónomo Carlos Schwarz da Silva logo em 1977, à revelia dos comissários e demais burocratas que tomaram conta do poder. (Fonte: Mikael Levin - Cristina's History. Cherbourg-Octeville: Le Point du Jour; Lisboa: Museu: Colecção Berardo, 2009, p. 99) (Com a devida vénia)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Edifício do Museu "Memória de Guiledje", uma iniciativa da AD - Acção para o Desenvolvimento, a ser inaugurado no dia 20 de Janeiro de 2010, juntamente com a capelinha, reconstruída, do tempo da CART 1613 (1967/68).

Foto: © Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2009). Direitos reservados




Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1 de Março de 2008 > Visita ao antigo aquartelamento e tabanca de Guileje, no âmbito do Seminário Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > Pepito, um dos fundadores e actual director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau. É membro do nosso blogue desde finais de 2005. É o único dos três irmãos que ficou a trabalhar em Bissau. Tem a nacionalidade guineense. Vem regularmente a Lisboa.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem de António Lopes, amigo da família do nosso Pepito, com data de 6 do corrente:

Assunto - Pedido de contacto - Pepito ou Ica

Caro Senhor

Os meus cumprimentos

Não nos conhecemos, mas através do Blogue [...], consegui algumas notas sobre amigos que há muitos anos não tenho contacto.

Tive a felicidade de conhecer pessoalmente o Eng. Samuel Schwarz, [pai da Dra Clara Schwarz] , pessoa que recordo pela sua imagem e personalidade. Como criança que era, marcou-me profundamente, falava muito comigo e dava-me muitos conselhos.

Era muito amigo do Henrique (Ica), do João e do Carlos (Pepito), que ainda era muito pequeno. Vivemos muito perto durante vários anos, em S. Sebastião da Pedreira [no sítio que é hoje o Corte Inglês].

Tive também a felicidade de passar férias em S. Martinho do Porto no ano de, penso, 1950.

Tenho várias fotos - velhas recordações - , fotos que me foram oferecidas, já lá vão talvez 60 anos, e também fotos tiradas em S. Martinho do Porto, que também guardo com muito carinho.

Isto tudo para enquadrar o meu pedido. Como administrador do blogue e amigo da família talvez me possa dar algum contacto. Depois de tantos anos perdi-lhes o rasto, e nunca mais soube deles. Por isso peço desculpa pelo incómodo, algum endereço electrónico que seja acessível a algum deles.

Com os meus cumprimentos,
António José Almeida Lopes

P.S. Mando algumas fotos, velhas recordações.

2. Comentário de L.G.:

Meu querido amigo e irmão Pepito:

O abraço de parabéns já foi dado hoje de manhã, pelo telefone. Estavas a trabalhar, que em Bissau não é feriado... O meu abraço e o da Alice. A Joana está fora de Lisboa, em trabalho, mas manda-te também um chicoração apertado. O João está de banco, no Hospital Francisco Xavier. Mas sexta-feira próxima, ou já no sábado (em rigor), ele vai cantar-te, de viva voz, na tua casa do Bairro do Quelelé, em Bissau, os "parabéns a você", dele, nossos, e dos teus amigos do blogue (que já são muitos). Vou-lhe pedir mais este favor.

Já sei que uma semana das suas férias de quinze dias vai a ser a trabalhar, como médico, voluntário, no Quelelé, a ver o teu pessoal da AD, e depois no Cantanhez, em Iemberém, ao serviço da gentílíssima e adorável população local, de quem a Alice ficou apaixonada, nos dias que lá passámos, de 1 a 3 de Março de 2008. Vais naturalmente mostrar-lhe as obras, em fase de acabamento, do Museu "Memória de Guiledje" e da Capela. Já sei que lhe vais mostrar também Bambadinca, Bafatá e Contuboel, que tanto me dizem, lá passei quse dois anos da minha juventude... Não o estragues com mimos, e aproveita a presença do jovem médico, já que um médico, mesmo jovem, é sempre um luxo, na tua terra...

Espero sobretudo que reforces a ideia que ele tem de ti, que temos de ti, de um homem de grande coragem física e moral, de um cidadão de princípios e de valores, de um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sócio-cultural, de um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança, de um dirigente de arguta visão, de um abnegado patriota, de um bom pai e melhor avô, e sobretudo, de um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que sabe que "desistir é perder, recomeçar é vencer"...

A foto do António Lopes já não é surpresa para ti mas permite-me que a divulgue no nosso blogue... (Há outras duas, mas sem resolução). O menino Carlos hoje entra para o clube dos SEXAS (Suas Excelências...) e nada mais ternurento do que o retrato do artista quando "baby"...

Há dias o João esteve com a senhora tua mãe, Clara, que lhe ofereceu um exemplar, com dedicatória, do livro de poemas do teu pai Artur, um homem de letras e de causas, tão injustamente esquecido hoje em dia no mundo da cultura lusófona... Fiquei siderado com o seu conhecimento da cultura e da idiossincracia dos fulas, com quem terá convivido muito, para além dos felupes.

Deixa-me, com a autorização expressa da tua mãe, que reproduza aqui um dos mais belos e tocantes poemas do livro do teu pai. Em homenagem a ele, em homenagem a ti, que tanto o admiras, e que infelizmente a morte levou cedo de mais, aos 71 anos (ainda há dias o nosso comum amigo, Luís Lopes - actualmente dirigente da ACT - Autoridade para as Condições de Trabalho - me contou a tua aflição e da dele, quando o teu pai teve o AVC que o matou, em Bissau, sem recursos médico-hospitalares dignos de registo... E com a tua mãe em Lisboa... O poema intitula-se Terra Negra, e deve ter sido escrito na primeira metade da década de 1960, já em plena guerra, antes da prisão e do exílio em Portugal, em 1966 (**).

TERRA NEGRA

Ao Fernando Pessoa,
Poeta de Portugal

Terra negra que tremes em convulsões de parto,
Terra negra que a guerra devasta,
Terra negra que os ódios revolvem,
Terra negra que o Luar acaricia.

Oh terra negra da minha infância,
onde uma negra ama me aleitou,
com cuidados maternais
e um amor que vinha do íntimo dos séculos.

Oh terra negra da minha infância,
onde brinquei com meus irmãos negros,
onde nadei no rio com meus irmãos negros,
onde cresci de mãos dadas com meus irmãos negros.

Oh terra negra dos mais saborosos frutos do mundo:
do ananás, do caju, da papaia, do mango;
Oh terra negra dos maravilhosos contos infantis
que a minha ama negra me contava para adormecer.

Ali, naquela enorme árvore, estava o irã,
terrível espírito da floresta que metia medo aos meninos
e nos fazia fugir para longe.
Mais para lá, era o poilão de Santa Luzia
que vomitava fogo quando a santa queria orações;
e o terreiro onde o cumpô dançava
e os meninos se extasiavam,
era cova do lagarto onde ninguém ia,
era a mata do fanado
com os seus mistérios terríveis.

Era a minha vida,
a vida dos homens simples
que amavam os seus semelhantes
e veneravam os velhos.
Agora, oh terra verde e vermelha da Guiné,
só te peço que todas as noites
deixes baixar sobre meu coração
o silêncio que cura os males da alma
e que quando os dias nascerem húmidos e tenros
como o barro das tuas bolanhas,
deixes o meu corpo
receber esse afago matinal
que foi o meu primeiro baptismo
e te peço seja a minha absolvição.

In: Artur Augusto da Silva - E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu POEMAS.
Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português de Bissau.
1997. pp. 23-25.
__________

Notas de L.G.:

(*) Tem 13 registos na nossa Biblioteca Nacional:

1. Histórias da moderna Comunidade Israelita de Lisboa / Samuel Schwarz. Lisboa : [s.n.], 1959.
2. Os cristãos novos em Portugal no século XX= 20 / Samuel Schwarz ; com um pref. pró Israel do Dr. Ricardo Jorge. Lisboa : [s.n.], 1925.
3. Anti semitismo / Leon Litwinski, Samuel Schwarz. Lisboa : [Soc. Ind. de Tipografia], 1944.
4. Os cristãos novos em Portugal no século XX / Samuel Schwarz. Lisboa : Inst. de Sociologia e Etnologia das Religiões, 1993.
5. Cântico dos cânticos / Salomão ; pref. e versão do original por Samuel Schwarz ; des. e nota final de João Carlos. Lisboa : [s.n.], 1942.
6. Anti-semitismo : conferências(...) / Léon Litwinski, Samuel Schwarz. [S.l. : s.n.], 1944.
7. Os cristãos novos em Portugal no século XX / Samuel Schwarz. Lisboa : S. Schwarz, 1925.
8. Arqueologia mineira : extrato dum relatório acerca de pesquisas de ouro, apresentado em Março de 1933 pela Empresa Mineira-Metalúrgica, Limitada / Samuel Schwarz. [S.l. : s.n.], 1936.
9. A tomada de Lisboa : conforme documento coevo de um códice hebraico da Biblioteca Nacional / Samuel Schwarz. Lisboa : [s.n.], 1953.
10. Projecto de organização de um Museu Luso-Hebraico na antiga sinagoga de Tomar / Samuel Schwarz. Lisboa : [s.n.], 1939.
11. Cântico dos cânticos / Salomão ; versão portuguesa do original hebraico e introdução Samuel Schwarz. [S.l. : s.n.], 1946.
12. Os cristãos-novos em Portugal no século XX / Samuel Schwarz. Lisboa : Universidade Nova, Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiöes, 1993.

13. Inscrições hebraícas em Portugal / Samuel Schwarz. Lisboa : Tip. do Comércio, 1923.

(**) Vd. postes de:

26 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4863: Agenda cultural (24): A História de Cristina, por Mikael Levin, no CCB, de 31/8 a 8/11 (Carlos Schwarz, 'Pepito' / Luís Graça)

31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

Excertos de A Sombra do Pau Torto, por Carlos Schwarz [Texto de leitura integral, obriagtória...]

(...) Às 2 horas da tarde daquele dia 26 de Maio de 1975, aterrávamos em Bissau. A Isabel e eu, pais da nossa ainda única filha, Cristina, aproveitávamos a boleia do último avião militar português que se deslocava ao jovem país independente para transportar, de regresso à ex-metrópole colonial, o resto de quase 500 anos de presença portuguesa na costa da Guiné. (...)

(...) Como agrónomos entrámos no Ministério da Agricultura, na altura designado por Comissariado. Passámos os primeiros dias sentados num gabinete à espera que a direcção do Ministério decidisse onde iríamos ser “colocados” e o que iríamos fazer. Com o início da campanha agrícola, começou a distribuição de sementes de arroz e mancarra aos agricultores que tinham regressado ao país depois da guerra, vindos dos países vizinhos, e que precisavam delas para a produção alimentar.

Ofereci-me para essa missão e é assim que, após uma primeira paragem em Bafatá para distribuir sementes de arroz, carrego 20 toneladas de mancarra com destino a Catió, sul da Guiné-Bissau. Ao chegar a Bambadinca, o condutor do camião redobra de cuidados e atenções. É que, na mesma estrada que ligava a Xitole e depois a Saltinho, tinham “saltado” poucos dias antes, 2 camiões dos “Armazéns do Povo” que se desviaram ligeiramente das bermas da estrada e pisado uma mina. (...)

(...) É nessa altura que conheço Djibril Aw, agrónomo maliano e especialista de arroz na ADRAO, que marcou decisivamente a minha concepção e atitude profissional. Com um profundo conhecimento da orizicultura africana, uma argumentação técnica clara e convicta, um notável sentido organizativo e uma prática baseada na percepção que os agricultores tinham da sua actividade e das condições em que trabalhavam, não centrada nos “gabinetes de trabalho” [onde], afirmava, se devia passar apenas o mínimo tempo necessário.

Foi ele que me conduziu à paixão pela orizicultura e seus sistemas de cultura, pela história do arroz africano, pela pesquisa e experimentação varietal, pelo estudo e compreensão do conhecimento ancestral dos povos guineenses que o praticam. Ensinou-me a exigência de nós, técnicos, sermos pragmáticos e concretos nas propostas que fazemos aos agricultores. (...)

(...) O que aprendi com Djibril Aw foi determinante para a criação do primeiro departamento técnico do então Comissariado, o DEPA.

Percebendo que se ficasse à espera de directivas dos dirigentes, nunca sairia do ciclo de actividades avulsas e ocasionais prevalecentes, decidi iniciar em Dezembro de 1975, um programa de ensaios de arroz, a partir de 15 variedades fornecidas pela ADRAO. Negociei com a Central Eléctrica de Bissau, a título de empréstimo, um pequeno terreno e água desperdiçada. Era a primeira vez na minha vida que semeava qualquer coisa. Como técnico recém-formado estava em pânico, oscilando entre a falta de confiança no resultado e a expectativa de vir a ser um sucesso.

Já com a totalidade das variedades em plena floração, convido o Sub-Comissário para visitar o campo de ensaios. À entrada do campo uma tabuleta dizia DEPA. Ele não olhou para o ensaio, fixou-se na tabuleta.
- O que é isto? - perguntou.
- É o Departamento de Experimentação e Produção de Arroz que criámos - respondi eu.
- E quem é que deu autorização para este nome?
- Escolha então você um outro - concluí eu.

Foi a partir daí que me comecei a aperceber do crime que havia sido cometido com a formação de quadros nos países do bloco soviético. Não do ponto de vista técnico, mas da cultura de passividade que “inculcava” ou “impunha” aos seus formandos. Saía-se de lá com o espírito de obediência passiva aos chefes, esperando sempre “directivas” vindas do alto sem nunca se estimular a capacidade criadora e inventiva dos técnicos, sob pena da mesma poder ser considerada um atentado à autoridade dos chefes e no interesse em substituí-los.

Os primeiros anos foram vividos neste clima, tendo mesmo um grupo destes técnicos, acabado por escrever um opúsculo intitulado “Os bem e os mal servidos do Ministério da Agricultura”. Aqui os técnicos eram divididos entre “socialistas”, os que estudaram nos países de Leste, e “capitalistas”, os que vinham de Lisboa.

Sucede que logo a seguir ao DEPA outros departamentos foram sendo criados, todos eles por técnicos que estudaram em Portugal e que traziam consigo a prática do “desenrascanso”, isto é, de não ficarem à espera que lhes dessem condições, mas serem eles próprios a criá-las. (...)

(...) É assim que, sem consultar nenhum dirigente superior do Ministério, não por querer pôr em causa a sua autoridade, mas apenas para evitar os bloqueios burocráticos que certamente seriam colocados, o DEPA cria em Janeiro de 1977 o Centro Nacional de Experimentação e Multiplicação de Arroz de Contuboel, junto ao rio Geba no Leste do País, e a Estação Orizícola de Caboxanque, em Maio de 1977, no Sul.

Era a primeira vez na história da Guiné-Bissau que se criavam dois centros de pesquisa vocacionados, numa primeira fase para a cultura de arroz e numa segunda para as outras espécies alimentares (feijão, mandioca, milho, sorgo, milheto, etc.). (...).

(...) Quando chego a Bissau em 1975, trazia comigo uma carta de apresentação de militante do PAIGC da célula de Lisboa, assinada pelo seu responsável, o caboverdiano Santana. Guardei-a sempre comigo. Apenas via nela um certificado da minha militância e não um atestado para ascender às instâncias superiores do Partido. Perdi-a em 1998 no conflito político-militar. (...)

(... ) A minha maior desilusão partidária acontece com o Golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980. Aos 30 anos de idade, da ideia que fazia do PAIGC, não cabia a resolução interna de problemas políticos de forma violenta. O debate devia sempre prevalecer. Neste caso, era o Primeiro Ministro [, João Bernardo 'Nino' Vieira, ] que dava um golpe ao Presidente [ Luís Cabral,] que o havia escolhido, sem nunca o contestar abertamente ou nas instâncias do Partido. (...)

(...) Com o Golpe de 14 de Novembro de 1980 reintroduziu-se na história da Guiné a divisão étnica: no início a divisão era entre caboverdianos, apelidados de cavaleiros, e guineenses, chamados de cavalos. Esquecendo-se os seus promotores que uma vez estabelecida a primeira divisão étnica, outras se lhe seguiriam, surge a estigmatização dos balantas, tanto mística com o fenómeno iang-iang, como política com o caso Paulo Correia, prosseguindo com a divisão entre muçulmanos e animistas, e mais recentemente entre os naturais da cidade e os da tabanca. Tudo isto em função da conveniência e interesse da estratégia do líder político da ocasião.

Kumba Ialá, que viria a ser mais tarde Presidente, revelou-se neste domínio o maior, indo buscar algumas das carecterísticas menos ricas da idiossincrasia balanta, unificou-os à volta de conceitos demagógicos e populistas (....).

(...) A partir dos anos 2000 assistiu-se à mais louca gestão de um Estado, de que há memória. No fundo até durou pouco tempo… porque, entretanto, o Estado desapareceu!

Foi nesse período em que tudo valia, que um dia, deixaram “cair” perto do meu local de trabalho um bilhete anónimo que dizia: ”neste fim de semana vais sofrer um atentado para te matarem”. Entendi isso apenas como uma tentativa de intimidação. Todavia, às 3 horas da madrugada desse dia, três ninjas (polícia especial armada), acorrentavam o velho guarda da casa e iniciam a tentativa de demolição das janelas. Só a intervenção determinante do nosso vizinho, Nelson Dias, nos salvou, a mim e à Isabel, perante o completo desinteresse da polícia que se escusara a prestar socorro. Os assaltantes, esses, nunca foram punidos, embora saiba que a polícia os identificou. (...)

(...) Em 1991, incluído num grupo de guineenses do qual faziam parte José Filipe Fonseca, Nelson Dias, Isabel Miranda, Roberto Quessangue e Rui Miranda, entre outros, criámos uma organização não-governamental, a Acção para o Desenvolvimento (AD), que pretendia promover uma ética de desenvolvimento local centrada no homem e não no crescimento económico. A AD surgia assim para dar continuidade e potenciar de forma mais aberta as actividades de vulgarização do DEPA.

Num país de cerca de um milhão e meio de almas, onde coabitam 32 etnias, cada uma delas com as suas próprias culturas, organização social e sistemas de produção específicos, é entusiasmante ir descobrindo as suas diferentes lógicas de desenvolvimento e ao mesmo tempo participar com elas na procura de novos caminhos para o seu progresso. (...)

(...) Alguns diletantes das questões do desenvolvimento partem do pressuposto que os agricultores tudo sabem e que as tabancas são um mar calmo sem conflitos e contradições internas, que os técnicos vêm subverter e perturbar com modernices. Em 1963, meu pai, Artur Augusto da Silva, no seu texto Pequena viagem através de África, já se referia a este tipo de pessoas que, com uma visão falsa e deformada, mal aportam à Guiné-Bissau ou a África em geral, começam logo a perorar e a fazer afirmações definitivas de quem já tudo aprendeu e tudo sabe.

Contava ele que “… ainda há poucos anos corriam na África Ocidental Francesa, umas notas de mil francos onde se via, em atitude de herói cinematográfico, um europeu, de largo chapeleirão colonial, camisa folgada, calções curtos e umas imponentes botas altas, empunhando uma arma e, arrogantemente, pisando um leão morto. Podemos dizer: a verdade da imagem correspondia ao exíguo valor da nota”. (...)

(...) O desenvolvimento implica ousar trilhar caminhos novos porque, no dizer do poeta, ao andar-se por caminhos já abertos e conhecidos não se perde nenhuma guerra, mas também não se ganha nada. É gratificante ter-se sido contemporâneo de um grupo de excelentes quadros que contribuíram para o surgimento e sucesso das primeiras vinte e cinco rádios e três televisões comunitárias da Guiné-Bissau que representam hoje a vanguarda neste domínio nos países africanos de expressão portuguesa; para a criação de escolas de tipo novo, designadas de verificação ambiental (EVA) em que é introduzido o princípio da prestação de serviços da escola à comunidade, a capacitação dos professores em ecopedagogia e a sua apropriação pelas populações rurais; o surgimento das primeiras associação de moradores dos bairros populares de Bissau. (...)

Em 1948, um ano antes de eu nascer o meu pai regressava à Guiné-Bissau, onde vivera em Farim a sua infância e, onde tal como os meus avós que lá haviam aportado no final do século XIX, se prendeu pelos encantos e tranquilidade destas paragens. Pressionado pela perseguição política da Ditadura de Salazar e desiludido com a derrota do Movimento de Unidade Democrática [MUD], procura em África aquela paz de consciência que o mundo europeu não lhe podia dar.


Com a minha mãe Clara e meus irmãos Henrique e João volta a nascer, entusiasmado com esta terra e suas gentes, tal como a família dos meus avós maternos renasceram do Gueto de Varsóvia e dos campos de concentração nazis. Saem da Polónia para Portugal para tudo começar de novo.

Já em 1966, a polícia política de Salazar prende-o no aeroporto de Lisboa acusando-o de ser membro do Partido que lutava pela independência da Guiné e Cabo verde, o PAIGC. Liberta-o cinco meses depois, impedindo-o de regressar a Bissau e obrigando-o a recomeçar uma nova vida.

No dia 24 de Setembro de 1973, em casa dos nossos camaradas caboverdianos Manuela e Sabino somos acometidos por uma alegria enorme ao ouvir na rádio BBC a notícia da declaração da Independência da Guiné-Bissau. Meio ano depois, no final da tarde do dia 25 de Abril de 1974, a Isabel e eu estávamos no cerco ao Quartel do Carmo, testemunhando a queda de 48 anos de fascismo e de quase 500 de colonialismo.

Um ano depois estamos, entusiasmados, em Bissau a começar a nossa vida. Primeiro com a Cristina, a nossa primeira filha e logo a seguir com o Ivan nascido em 1975 e a Catarina em 1980. Muitos anos depois, mais exactamente 18, o país é abalado por um violento conflito politico-militar. Os senegaleses, invasores, ocupam, pilham e destroem a nossa casa no bairro de Quelele. Somos obrigados a refugiarmo-nos em Lisboa. Quando 11 meses depois regressamos, não existe pedra sobre pedra das nossas memórias: fotografias, filmes, livros, recordações de toda a vida, haviam desaparecido.

Recomeçámos tudo mais uma vez, menos por convicção, mais por tradição. Hoje as nossas duas netas, Sara e Clara, sabem que desistir é perder e recomeçar é vencer. (...)

Vd. último poste da série de 26 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5342: Parabéns a você (45): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil da CART 2412 (Editores)

Guiné 63/74 - P5385: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (13): O primeiro ataque a Pirada e a morte do Gila

1. Mensagem de Carlos Geraldes* (ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), com data de 28 de Novembro de 2009:

Caro amigo:
Envio agora, integrado nas memórias que vou retirando das gavetas, um relato que há muito estava para ser feito, cansado de ver tanta gente a gabar-se de ter ido à guerra, como se tivesse assistido a um magnífico jogo de futebol, decisivo para as cores do seu clube.

A guerra onde participámos como protagonistas não foi só regada com o sangue dos nossos soldados, mas sim com a de muitas vítimas inocentes. Cujo destino aliás, foi sempre esse ao longo dos séculos, nunca tendo conhecido ouro. Quando penso nisso vem-me automáticamente à lembrança o rosto daquela jovem mãe que fugindo desvairada quando nos viu chegar de surpresa à tabanca, foi logo varada por uma bala assassina que logo ali lhe ceifou a vida atravessando também o crâneo do bébe que transportava às costas. O autor do disparo ainda se riu da proeza.

Um grande abraço, amigo Carlos Vinhal e preparemo-nos calmamente para mais um Natal.


O Primeiro Ataque a Pirada (A Morte do Gila)

Não sei se o deva contar, porque nem sequer fui testemunha ocular. Nesse dia, 28 de Maio de 1965, estava de férias na Metrópole junto com a família. Um mês inteiro longe da guerra, na total ignorância de como as coisas se iam passando por lá a milhares de quilómetros. Só quando regressei de avião a Bissau é que me contaram a novidade. Pirada tinha sido atacada!

Ao princípio custou-me a acreditar, até porque quem mo contou também não sabia bem os pormenores. Mal pude conter a impaciência nos dias que se seguiram à espera de boleia num Dakota (o velhinho, mas muito útil DC-6) para Nova Lamego onde depois teria um jeep da Companhia para me ir buscar. O sempre sorridente alferes Pinheiro lá estava pontualíssimo para me servir de condutor de regresso a casa.

E então lá me contou como tudo se tinha passado, enquanto eu o ouvia embasbacado, ainda pouco crente que me estivesse a falar verdade.

O M. Soares, como sempre, fora informado que um numeroso grupo de guerrilheiros se estava a juntar do outro lado da fronteira, no Senegal. Estava bem armado e tinha intenção de fazer qualquer coisa ao quartel da tropa em Pirada. E até se sabia o dia e a hora em que isso iria acontecer. O nosso Capitão fez aquilo que a prudência mandava, entrincheirou-se o melhor que pôde e aguardou. Aliás, tomou até uma medida que sempre me pareceu um pouco ousada e timorata. Quis contra-atacar. Planeou então uma manobra para emboscar o inimigo que supostamente viria atacar o aquartelamento do lado ocidental a coberto da povoação nativa, a cintura de palhotas que envolvia Pirada. Para isso mandou que o alferes Pinheiro e o seu Grupo de Combate se fossem colocar, muito discretamente, do lado de fora da tabanca, numa zona baixa, já perto da bolanha, onde aí, montariam uma emboscada e contra-atacariam os assaltantes encurralando-os contra o quartel. Só que as coisas nem sempre correm tão bem como se planeiam no papel. A noite estava escuríssima, conforme me ia contando o Pinheiro:

- Eu mal consegui dar com o sítio que o capitão me tinha dito onde eu e os meus homens nos deveríamos ocultar para depois apanhar os gajos. E depois quando a festa começou deu-me a impressão que afinal estávamos mais afastados do que era previsto. E pelo arraial que faziam deviam de ser mais de duzentos. Olha, eu, pelo sim pelo não, para não estar para ali a fazer fogo sem mais nem menos, resolvi que o melhor seria esperar muito caladinho e ver como as coisas se iriam passar. Se revelássemos a nossa posição até talvez ficássemos numa situação muito perigosa. Aliás poderia acabar por fazer fogo contra os nossos, não achas? Por isso, ficámos ali muito quietinhos à espera que tudo passasse. No quartel estavam mais bem protegidos pelos abrigos, eu ali não tinha protecção nenhuma!

Sim, o alferes Pinheiro tinha razão, era insensato atacar às cegas um inimigo que não se sabia bem onde estava nem de onde vinha, muito superior em número e armamento. Tomou uma decisão que à primeira vista poderá ser tomada como um acto de cobardia, mas que na verdade, tratou-se apenas de evitar um mero suicídio colectivo totalmente gratuito e ineficaz.

Assim o ataque desenrolou-se durante grande parte da noite, com a população nativa aterrorizada, escondida o mais que podia para escapar às balas perdidas que voavam em todas as direcções, varando de lado a lado as palhotas e as vedações dos quintais, enquanto do quartel atiravam morteiradas em todas as direcções e abriam fogo de metralhadora à vontade numa ânsia de aniquilar um inimigo que nem conseguiam descortinar.

Segundo depois me contou o M. Soares, elementos do PAIGC passearam-se mesmo pelo centro do povoado, donde, até debaixo do alpendre da sua casa fizeram fogo na direcção do quartel. Mas a ele e à família nem num cabelo tocaram. Admirável cavalheirismo romântico, que não seria fácil encontrar ali no mais remoto interior da Guiné. Gesto que, no entanto, lhe acarretaria futuros problemas com as desconfianças que a tropa foi alimentando a seu respeito, esquecendo que paralelamente M.Soares sempre lhes fornecera amplas e atempadas informações das andanças dos grupos inimigos que transitavam regularmente pelo Senegal, vindos da Guiné-Konakri em direcção à região do Morés, no triângulo Mansabá, Mansoa, Bissorã. Na verdade a imunidade de M.Soares devia-se muito à sua condição de hábil agente duplo que soube manter durante muito tempo e isso acaba sempre por ter um preço amargo de pagar.

Planta de Pirada

Messe dos Oficiais

Com o raiar do dia já depois de as armas se terem silenciado é que, aos poucos e poucos se foram verificando os estragos. Felizmente do nosso lado não houve mortos nem feridos, apenas danos materiais. As instalações ficaram com as paredes crivadas de balas, e duas viaturas foram atingidas mas nada de grande monta. Na tabanca é que tinha sido pior, tinham ardido umas dezenas de casas, devido talvez ao nosso fogo de morteiro. Quatro mortos a lamentar e bastantes feridos sem grande gravidade, pois grande parte da população tinha fugido para longe. O posto médico depressa se encheu e o pessoal de saúde não teve mãos a medir, enquanto patrulhas percorriam toda a zona de onde o inimigo teria estado a fazer o fogo, agora facilmente identificável pelo elevado número de cápsulas vazias de vários calibres espalhas pelo chão. Os rastos deixados pelo grupo dos atacantes indicavam também que deveriam ter sofrido algumas baixas pelos vestígios de sangue deixados nos percursos de fuga em direcção do Senegal. Mal recuperados do susto que tinham apanhado, tanto oficiais como sargentos e praças nem tinham vontade de falar no assunto.

Mas envergonhados também pelas reacções primárias a que se entregaram, quando ainda naquela manhã, prenderam um atónito gila que inocentemente tinha carregado na sua bicicleta, vários sacos de cartuchos vazios que fora apanhando pelo caminho que percorrera despreocupadamente (?). Logo ali o acusaram de espião e resolveram fazer justiça pelas próprias mãos. Enquanto o capitão e o resto dos oficiais e sargentos se fecharam na caserna, a turba uivando cada vez mais enfurecida, arrastou o pobre desgraçado para o meio da parada e no meio de insultos e pancadaria acabou de matar o pobre do gila, regando-o em seguida com gasolina e chegando-lhe fogo.

E até me mostraram fotografias, que acabaram por depois fazer desaparecer, cientes da barbaridade cometida.

Ainda cheguei a tentar falar com o capitão sobre o acontecimento. Mas apenas me respondeu com um silencioso encolher de ombros revelador de uma total incapacidade de impedir o linchamento. E se calhar até de algum tácito consentimento para serenar os ânimos.

Mas só na antiga Roma é que os cruéis imperadores proporcionavam ao povo espectáculos de morte, para o poder controlar a seu bel-prazer!

Teria acontecido aqui o mesmo?

Porém, com o passar do tempo tudo foi esmorecendo e caiu no esquecimento.

Mas, o gila teria deixado família? Mulher, filhos, outros parentes? Qual teria sido a raiva e a dor deles? Como teriam encarado o futuro?

A guerra não foi só recheada de heroísmos, ou uma alegre perseguição das bajudas lavadeiras apanhadas desprevenidas no regresso da bolanha, ou uma imprevidente saída para o mato na escuridão de uma noite tenebrosa.

A guerra foi também um longo rosário de pesadelos que nos marcou profundamente, mas que teimamos em não valorizar também.

Recolhi a Paúnca logo que pude, para tentar esquecer.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5340: Blogpoesia (59): Guiné: A Face Oculta (Carlos Geraldes)

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5277: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (12): O Furriel Emanuel