Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > A unidade que esteve mais temp em Guileje, 20 meses e seis dias... O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, eveacuado para o HM 241, em Bissau. Nesta época ainda não existiam os Helicópteros Alouettes III...
Fotos: © Alberto Pires (Teco)./ AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > As três peças de artilharia, de calibre 11,4 cm, ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, comandada pelo Cap Jorge Parracho, hoje coronel na reforma.
Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Pessoal do Pel Art que guarnecia um das três peças 11,4 cm ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, comandada pelo Cap Jorge Parracho, hoje coronel na reforma. A CCAÇ 3325 foi subtituída pela CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje, a que se seguiu a CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973)
Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau (2007). Direitos reservados.
Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Pessoal do Pel Art que guarnecia um das três peças 11,4 cm ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, comandada pelo Cap Jorge Parracho, hoje coronel na reforma. A CCAÇ 3325 foi subtituída pela CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje, a que se seguiu a CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973)
A CCAV 8350 foi a unidade, a seguir à CCAÇ 1477, que esteve menos tempo em Guideje: 6 meses e 1 dias (de 21/11/72 a 22/5/73). Onze companhias passaram por Guileje, desde Fevereiro de 1964: as CCAÇ 495, 726, 1424, 1477, a CART 1613, a CCAÇ 2316, a CART 2410, as CCAÇ 2617, 3325, 3477, e, por fim, a CCAV 8350...
Infogravura: © Nuno Rubim (2008). Direitos reservados
1. Mensagem, de 29 de Outubro últumo, do Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73), um dos últimos membra entrar na nossa Tabanca Grande (*):
Olá, meus amigos
Tal como prometido no meu mail de de 27 de Outubro, passo a reescrever em formato normal o mail em devido tempo [ 30 de Agosto] enviado sob o título "Ainda e sempre Guileje". (**).
Olá, amigos:
Chamo-me Victor Alfaiate, [sou técnico de contas,] e era o já muitas vezes referido neste Blogue, Furriel de Transmissões da CCav 8350 - Piratas do Guileje, quando da retirada de 22 de Maio de 1973.
Há cerca de dois anos que acompanho regularmente o Blogue e, fundamentalmente, porque acho que relembrar factos que se pretendem esquecidos, quando recordados, ainda nos emocionam e fazem sofrer, embora não acredite que quem viveu aquele inferno alguma vez consiga esquecê-lo, havia decidido, mesmo quando o meu nome foi citado por mais de uma vez, não intervir numa discussão que considero inútil e que certamente não conduzirá nunca a qualquer conclusão.
De facto, haverá sempre quem concorde e quem discorde, especialmente porque não estiveram lá, com a decisão tomada pelo Sr. Major Coutinho e Lima, fazem-se comparações com situações que não são de modo algum comparáveis porque totalmente diferentes, fazem-se sondagens com intuitos que desconheço, mandam-se palpites e bitaites sem qualquer fundamento e com total desconhecimento de causa, porque não estiveram lá, pois se tivessem vivido a situação em si pensariam certamente de outra maneira.
No entanto, e como sei que o assunto vai ser objecto de nova abordagem na série "A Guerra" que a RTP vai exibir brevemente, achei por bem tentar esclarecer e rebater algumas das opiniões aqui formuladas, algumas bastante pertinentes, outras nem tanto e outras ainda, no meu modesto entender, autênticas calinadas.
Isto porque decidir (neste caso opinar) em seara alheia é sempre muito fácil, difícil é tomar a decisão certa na hora certa, e análises posteriores feitas principalmente por quem não viveu as situações poderão muitas vezes conduzir a julgamentos em praça pública com os consequentes prejuízos para as pessoas intervenientes. Sem pretender tirar a ninguém o direito de opinião, bom seria que quem não viveu a situação se deixasse de palpites e bitaites.
Eu estive lá e estou totalmente de acordo com o abandono de Guileje.
Confesso não ter lido ainda o livro do Sr. Major Coutinho e Lima, penitencio-me de tal omissão, mas como me encontro ausente do país não me foi possível adquiri-lo. No entanto como pessoa séria e honesta que é, penso que terá narrado a realidade dos factos efectivamente ocorridos, pelo que e correndo o risco de vir a ser algo polémico e até talvez injusto, não posso deixar de considerar que, contrariando algumas das teses aqui defendidas, é minha opinião pessoal, só a mim responsabilizando portanto, que a actuação da Força Aérea no que respeita ao apoio a Guileje deixou muito a desejar, para não a considerar mesmo completamente ineficaz.
Passo a explicar:
1ª. Fase - Até 25 de Março de 1973 (queda do avião do Sr. Tenente Pessoa)
A acção da Força Aérea no Guileje limitava-se às acções de rotina como fazia em todo o território da Guiné que, sendo de certo modo importantes, não podem de modo algum ser consideradas indispensáveis:
Entrega de Correio
Uma ou duas vezes por semana os senhores pilotos eram, como já referiu o meu camarada Manuel Reis, recebidos na pista por menina fardada, garrafa de whisky e gelo. Bebiam um copo, deixavam o correio e partiam para outro aquartelamento. Todos sabemos como o correio era importante para quem vivia ou sobrevivia naqueles buracos isolados, mas a realidade é que depois de 25 de Março nunca mais foram a Guileje entregar correio e sobrevivemos.
Protecção as colunas
Os senhores Pilotos chegavam a Guileje por volta das 09,30h. (os pelotões estavam no mato desde as 06,00h da manhã). Aterravam o avião DO-27 na pista e deslocavam-se para o Bar de oficiais ou para o gabinete do comando onde passavam a manhã a cavaquear e a beber uns copos. Por volta das 11,00 h levantavam vôo, sobrevoavam a coluna e aterravam novamente até a chegada da mesma o que se verificava por volta das 13,00 h. Após o que ou almoçavam ou regressavam de imediato a Bissau. (No Guileje não havia ar condicionado). Como efeito dissuasor poderão ter tido alguma importância, mas a realidade é que até 18 de Maio nunca houve qualquer problema com as colunas realizadas, pelo que a sua acção foi praticamente nula. Aliás para a coluna de 18 de Maio e para as realizadas anteriormente não houve qualquer espécie de apoio aéreo.
2ª. Fase - Após 25 de Março de 1973:
No início de Maio o Sr. General Spínola deslocou-se a Guileje para dar conhecimento de que, devido ao aparecimento dos mísseis, a Força Aérea deixaria de efectuar tais acções rotineiras, que tivéssemos paciência com os atrasos de correio, mas que ao mesmo tempo estivéssemos descansados porque o apoio aéreo em caso de ataques do PAIGC e as evacuações de doentes ou feridos estariam sempre garantidas.
Nada mais falso.
18 de Maio de 1973 - 07,00 horas
Dois grupos de combate e o pelotão de milícias que se deslocavam para fazer protecção a uma coluna de reabastecimento são fortemente emboscados a cerca de 2 Km do quartel. É pedido apoio aéreo que é recusado com a alegação de que as condições atmosféricas ou climatéricas não permitiam o levantamento dos aviões. Concluindo: As temperaturas no Guileje estavam demasiado quentes.
18 de Maio de 1973 - 08,30 horas
É pedida evacuação para os feridos na emboscada que entretanto haviam sido trazidos para o quartel. Não houve, como se sabe, qualquer evacuação e um dos feridos, o Cabo Rabaço, faleceu na enfermaria de Guileje cerca de três a quatro horas depois, quando - se a evacuação tivesse sido efectuada, como nos havia sido prometido - , em cerca de 40 minutos estaria no hospital de Bissau. Poderia ter morrido na mesma, nunca o saberemos, mas a realidade é que os efeitos psicológicos sobre a restante guarnição não teriam sido tão nefastos como foram. Ver morrer um amigo naquelas condições destrói de imediato quaisquer defesas psicológicas que qualquer ser humano naquelas circunstâncias ainda possa ter. De um modo geral todos nos sentimos de imediato abandonados à nossa sorte.
Como é sabido, as evacuações só foram efectuadas no dia seguinte por via fluvial para Gadamael e daí para Cacine onde então a Força Aérea os foi buscar, só não morrendo mais ninguém porque felizmente , embora alguns feridos fossem graves, a gravidade não era suficiente para lhes provocar a morte.
21 de Maio à tarde:
Já iremos ao diálogo por mim travado com o Sr Tenente Martins de Matos, mas como não tínhamos transmissões uma vez que as antenas exteriores da rede Racal tinham sido todas destruídas e sempre que tentávamos repará-las éramos de imediato corridos a ataques de RPG, ao entardecer foi-nos prometido que sempre que possível seriam efectuados vôos de reconhecimento para se ir tomando conhecimento do decorrer da situação.
Nova mentira.
Não sei se a Força Aérea teria meios para efectuar vôos nocturnos, possivelmente não, mas a realidade é que nunca mais vimos ou ouvimos qualquer avião a sobrevoar Guileje que, como se sabe, foi abandonado no dia seguinte sem que fosse possível comunicar o facto a ninguém, uma vez que apesar das diversas tentativas de transmissão feitas pela rede AVP-1 a mensagem nunca chegou a ser transmitida. O que se não verificaria se, ao amanhecer, tal como nos haviua sido prometido, a Força Aérea se tivesse deslocado a Guileje num dos tais vôos de reconhecimento.
Posto isto vamos ao famigerado dialogo do B-52, uma vez que o Sr. tTenente Martins de Matos apenas o refere na parte que lhe interessa para defesa da sua tese de que Guileje não estava cercado, quase me fazendo parecer um
apanhado do clima que não dizia coisa com coisa.
21 de Maio - Meio da manhã:
Mais uma flagelação. Mais um pedido de apoio aéreo. Chegam dois aviões, sabemos que eram dois pelo ruído que faziam, porque nem sequer os víamos tal a altitude a que voavam.
O Sr. tenente pergunta-me porque motivo a artilharia não respondia ao fogo do PAIGC, pergunta a que efectivamente respondi, que era para não referenciar o quartel.
Desculpa esfarrapada.
Qualquer pessoa minimamente inteligente teria percebido que se tratava de uma desculpa, pois se todos os impactos das granadas do PAIGC se verificavam praticamente dentro do perímetro do aquartelamento, este estava mais que referenciado pelo que os motivos teriam que ser forçosamente outros. O que se passava é que estávamos convictos de que as nossas transmissões com o avião eram escutadas pelas forças inimigas e não podíamos dizer que não respondíamos com artilharia porque pura e simplesmente não tinhamos artilharia.
Como é sabido, os senhores de Bissau haviam ordenado a substituição dos 11,4 (3) pelos obus 14 (2), um deles inoperacional e o outro desregulado, retirando os 11,4 para os quais havia bastantes munições antes de se proceder à regulação dos 14, regulação essa que certamente nunca seria efectuada pois para tal era necessária observação aérea e, como é sabido, se a Força Aérea não ia fazer evacuações muito menos deslocaria um avião a Guileje para fazer observação aérea.
Acresce ainda o facto do numero de munições existentes em Guileje para os 14 ser bastante diminuto. As munições estavam em Gadamael para virem nas colunas que nunca chegaram a realizar-se. Tivéssemos nós os 11,4 e outro galo cantaria certamente, pois o alferes Santos, o Paiva e o Queiroz teriam tratado do assunto de outra maneira. Agora com o 14 só se fosse para fazer barulho pois os efeitos práticos seriam nulos.
De seguida o Sr. tenente pergunta-me de onde estávamos a ser atacados a que respondi que não sabia uma vez que elas choviam de e por todo o lado e que inclusivamente naquele momento estávamos a ser flagelados, pelo que seria fácil ele verificar de onde vinham as saídas (os tipos estavam mesmo à vontade e gozavam connoscp, a Força Aérea por cima e eles a atacar ao mesmo tempo. Daí a minha afirmação inicial sobre a ineficácia da Força Aérea.
O Sr. Tenente respondeu-me que não via nada, ao que retorqui que à altitude a que se encontrava era impossível ver alguma coisa, pois se nós não viamos os aviões que eram tão grandes como é que eles, àquela altitude, poderiam ver alguma coisa no meio da mata, portanto que bombardeasse as matas em redor do aquartelamento. Então, soube-o agora, o Sr. tenente irritou-se e respondeu com raiva que ia ali comprar um B-52 (Bombardeiro norte-americano) para fazer isso e já voltava. Claro que a resposta teve que ser imediata e disse-lhe que fosse antes comprar um C... Não gostou da resposta e ameaçou:
- Veja como fala que aqui é um largo e dois estreitos (tenente-coronel).
Apenas lhe respondi:
- Sou só furriel mas estou a
levar nos cornos.
Depois disto não houve mais qualquer conversa com os aviões, penso que terão largado as bombas, onde não sei, e regressado ao ar condicionado de Bissau.
Agora não posso deixar de referir que talvez o Sr. Tenente tenha dito "veja como fala que aqui é um dois estreitos" (Tenente) que era efectivamente o seu posto. Não creio que se fizesse passar por aquilo que não era. É possível, mas ao longo destes trinta e seis anos sempre estive convicto de ter falado com um Sr. Tenente-Coronel.
Este diálogo foi presenciado por todos os operadores de rádio que comigo se encontravam no posto de transmissões, permitam-me que os referencie como os sete magníficos das transmissões: o Antunes; o Carriço; o Lopes; o Carlinhos; o Pires; o Silva e o Faustino. E ainda pelo meu amigo Cabo Cripto Carvalho.
Quanto à boca do Colaço de que, com tal resposta teria borrado o fato todo, quero esclarecê-lo que ao fim de quatro dias naquele inferno já não ha mais nada para borrar, as borradas já foram todas feitas, já estamos por tudo.
Passados todos estes anos não posso deixar de fazer ao Sr. Tenente Martins de Matos duas simples perguntas:
(i) Raiva ... Porquê? ....... Por ter deixado as loirinhas geladas e o ar condicionado de Bissalanca? Nós não tinhamos ar condicionado, loirinhas há 4 dias só quentes e estavamos a levar porrada. O Sr. Não entendeu isso.
(ii) Ameaças... Para quê?. Davam-me uma porrada e mandavam-me para o Guileje que era o quartel para onde, como ja foi referido, mandavam os correcios. Já lá estava.
Diz o Sr. tenente que num só dia foram efectuadas sete ou oito operações sobre Guileje. Pergunto quais foram os resultados práticos dessas operações? Para mim: nenhuns, como se viu, continuámos a ser atacados, sem que os atacantes, como ficou demonstrado, mostrassem qualquer receio da Força Aérea.
É com base no que atrás deixo relatado que, como referi , considero que a actuação da Força Aérea no apoio a Guileje não foi a mais adequada, primando ainda por uma completa ineficácia. Por culpa de quem? Não sei, mas acho que mais alguma coisa poderia e deveria ter sido feita. Aliás tinha-nos sido prometido.
Quanto à Força Aérea estamos conversados.
Amanhã enviarei a 2ª. parte do mail referenciado.
Um Abraço.
Victor Alfaiate
2. Segunda (e última) parte do texto "Ainda e sempre Guileje", enviada a 29 de Outubro último
Olá meus amigos
Passo a reescrever, tal como me foi solicitado, em formato normal, a 2ª. parte do meu mail "Ainda e Sempre Guileje", que no inicio de Setembro havia remetido e que não pôde ser publicado por ser todo escrito em maiúsculas.
Passemos agora a outros pontos, talvez ainda mais polémicos, mas que, como verão têm, na minha opinião, um certo fundamento.
Como é sabido, desde o final de 1972, inicio de 1973, que andávamos a ser alertados para a possibilidade de intensificação das acções do PAIGC na zona sul da Guiné. Como Furriel de Transmissões da Companhia, tinha conhecimento de muitas coisas.
Porquê então desarmar Guileje, retirando-lhe a Artilharia ao substituir os 11,4 pelos [obuses] 14, inoperacionais e desregulados? Porquê retirar os 11,4 antes de se instalarem devidamente os 14? E Munições? Havia muitas para os 11,4 mas eram praticamente inexistentes para os 14. Estavam em Gadamael para irem nas colunas e nunca chegaram a Guileje.
Era sabido que durante a época das chuvas Guileje ficaria isolado por alguns meses, havendo necessidade de nos meses de Maio e Junho se efectuarem colunas quase diárias com vista ao reabastecimento de víveres e munições que permitissem à guarnição subsistir durante tal período de isolamento.
Porquê então foi negado o apoio de tropas especiais que permitissem a efectivação de tais colunas de reabastecimento? As guarnições de Guileje e Gadamael não tinham condições para, por si só, concretizarem tais operações. Como poderiam ainda, como aqui tem sido defendido, efectuar os normais patrulhamentos se estavam totalmente empenhadas nas colunas? Responda quem souber.
Para os que defendem que seria possível a manutenção do aquartelamento
Efectivamente os abrigos ainda resistiriam mais alguns dias às flagelações do PAIGC. É um facto. Convém no entanto referir que tais abrigos estavam dimensionados para instalar um grupo de combate, cerca de 30 homens, mas que praticamente haviam sido tomados de assalto pela população, que na tabanca não tinha as mesmas condições de segurança, pelo que havia abrigos onde conviviam dia e noite mais de 150 pessoas, incluindo crianças que nem à rua vinham fazer as mais elementares necessidades fisiológicas.
Já imaginaram o ambiente de calor e cheiro nauseabundo existente em tais abrigos ao fim de 4 dias? E se fosse ao fim de 10 dias? Seriam autênticos focos de infecções de paludismo, malária e outras doenças. Alguém duvida?
Felizmente no Posto de transmissões não vivemos tal situação, uma vez que o mesmo, com cobertura de chapas de zinco que após as primeiras flagelações estava mais perfurada que um queijo suíço, tinha uma cave (abrigo) com cobertura de troncos de palmeira, alguns já meio podres mas sob os quais nos abrigávamos quando das flagelações e que nos protegia dos estilhaços, porque se alguma granada lhe acertasse em cheio certamente iríamos todos desta para melhor.
Mas sempre preferíamos estar ali , com menos segurança que nos abrigos onde o ambiente era verdadeiramente insustentável. Aliás o Furriel que morreu em Guileje teve a infelicidade de se tentar abrigar no abrigo do morteiro, que não tinha as mesmas condições de segurança e sobre o qual caiu uma granada, cujo rebentamento, para além de lhe provocar a morte, ainda danificou uma das paredes do posto de rádio, uma vez que tal abrigo se situava relativamente próximo.
Abastecimentos:
Como também já foi por demais referido, os depósitos de géneros e a cozinha estavam totalmente destruídos e com eles a maioria dos géneros armazenados, incluindo rações de combate. Os silos de arroz da população tinham ardido. Como alimentar então durante mais dias cerca de 800 pessoas?
E água? Como também é sabido e nunca é demais referir Guileje não possuía nenhum poço. O existente era a cerca de 4 Kms. Quem iria buscá-la ? Não podemos esquecer que não havia qualquer tipo de evacuações a partir de Guileje e uma das primeiras acções da guerrilha seria certamente tentar impedir o acesso ao poço. Que fazer em caso de contactos de que resultassem mortos e feridos? Os feridos morreriam certamente por falta de evacuação e os mortos teriam que ser enterrados lá.
Transmissões:
Uma das medidas existentes na Guiné era manter o Posto de Rádio em escuta permanente, existindo no Guileje dois tipos de rádio: O "Racal" com um alcance considerável, mas que necessitava de antenas exteriores e o "AVP-1" com um alcance bastante reduzido.
Como é sabido as antenas exteriores foram totalmente destruídas e sempre que tentávamos repará-las éramos de imediato atacados com RPG, pelo que não tivemos possibilidade de o fazer. Como contactar então com o exterior ou permitir que alguém nos contactasse para tomar conhecimento da situação existente? Se qualquer Grupo de Combate tentasse sair, como fazer com as transmissões? Quando do regresso do Sr. Major Coutinho e Lima a Guileje, na tarde do dia 21 de Maio, como não havia contacto rádio, quando se viram vultos ao fundo da pista, a primeira reacção foi correr para as valas pois pensou-se que eram as forças do PAIGC que iriam atacar o quartel.
Como sobreviver mais dez ou quinze dias em tal situação, pois seria este o espaço de tempo mínimo necessário para que os Senhores de Bissau se apercebessem da real situação existente em Guileje e eventualmente se decidissem pelo envio de reforços e mantimentos. Se o PAIGC não nos tivesse entretanto capturado ou chacinado a todos, o que encontrariam esses reforços quando eventualmente conseguissem chegar a Guileje? O que duvido! Um número ilimitado de mortos. Uma guarnição totalmente destruída quer física quer psicologicamente. E não tenhamos dúvidas, as baixas sofridas pelas tropas que eventualmente nos tentassem socorrer seriam certamente em número muito superior as sofridas em Guidaje e Gadamael, porque, ninguém duvide, o PAIGC estava em força nas matas de Guileje.
Para os que defendem que Guileje nunca esteve cercado
Pergunta-se:
- Quem atacou a população quando pretendeu ir à agua aos poços da bolanha a cerca de 1 Km. do quartel?
- Onde estavam os grupos que fizeram a emboscada de 18 de Maio? Certamente se mantiveram no terreno. Ninguém me convence do contrário.
- Quem nos atacava com RPG, sempre que tentávamos proceder à reparação das antenas das transmissões? Deixaram-nos baixar os mastros e sempre que tentávamos levantá-los éramos de imediato atacados com RPG. Não era minha especialidade mas penso que o alcance de tal arma não é assim tão grande, o que prova que estavam relativamente próximos.
- Quem entrou em Guileje três dias depois do seu abandono, se os bombardeamentos continuaram por mais 3 dias certamente teriam que estar próximos para entrarem de imediato nas instalações após acabarem os bombardeamentos. Se não estivessem próximos demorariam com certeza mais dias a chegar. Não seria assim?
- Se essas forças não estivessem já no terreno, como seria possível ao PAIGC organizar tão rapidamente o ataque a Gadamael? Será que deslocou forças de Guidaje? Certamente que não. Será que foram as forças que atacaram Guileje que posteriormente atacaram Gadamael? Certamente que sim. Ou será que a emboscada sofrida pelo Grupo do Sr. Alferes Branco de que resultaram 4 mortos e os ataques de que foram vitimas as tropas pára-quedistas nunca existiram? Foram simples obras de ficção?
Não. O que se passava é que as forças do PAIGC estavam em força nas matas que circundavam Guileje.
Para os que acham haver vozes discordantes da decisão tomada pelo Sr. Major Coutinho e Lima.
- Quero apenas referir que tenho ido a todos os convívios organizados ao longo destes anos, só falhei o último porque se realizou ao domingo e não tinha qualquer vôo que me permitisse estar aqui na 2ª. Feira e nunca encontrei nenhum militar que não estivesse de acordo com o abandono de Guileje, antes pelo contrário em todos há um certo sentimento de gratidão pelo Sr. Major Coutinho e Lima pois se reconhece que com tal decisão lhes terá possivelmente salvo a vida. Apareceu agora o Constantino Costa que pelos vistos terá um certo sentimento de frustração por não ter sido herói (morto).
Agora e analisando tudo o que atrás deixei referido, não posso deixar de colocar uma dúvida que há alguns anos me assaltou e que nunca comentei com ninguém, vou fazê-lo hoje pela 1ª. vez:
Será que alguma vez alguém pretendeu salvar Guileje e a sua guarniçao???
Todos sabemos que o Comando Chefe considerava que militarmente não havia solução para a Guerra da Guiné.
Todos sabemos que o mesmo preconizava uma solução política para o diferendo.
Todos sabemos que Lisboa não aceitava essa situação preferindo a derrota militar a negociação com os apelidados terroristas.
Todos sabemos que os valores da política se sobrepõem muitas vezes aos valores humanos.
Temos exemplos recentes que comprovam a teoria de que os fins justificam os meios.
Que impacto teria na opinião píblica nacional e internacional o massacre de uma guarnição???
Não seria Lisboa obrigada a aceitar as novas regras do jogo???
Sei que parece uma barbaridade , mas só assim se justificariam muitas das omissões, na minha opinião , ocorridas no socorro a Guileje.
São dúvidas para que nunca obteremos certamente respostas mas que nos deixam muito que pensar.
Gadamael
Sobre Gadamael e os seus heróis, talvez escreva um dia, porque contrariamente a muitos que aqui têm vindo fazer comentários sem ter vivido qualquer situação de guerra e sem querer ser herói que nunca fui, confesso que sempre tive muito medo, mas também estive lá - sempre. Estava no posto de rádio quando os capitães comandantes de companhia foram feridos, estive no espaldão do obus 14 a ajudar o alferes Santos quando a respectiva secção foi dizimada, estive com o 1º Sargento Dias Ferreira a comer um cabritinho grelhado que a população tinha abandonado bem regadinho com vinho tinto "Dão-Grão Vasco", salvo milagrosamente do depósito de géneros que entretanto também havia sido destruído.
Um abraço.
Victor Alfaiate
3. Comentários adicionais: Luís Graça, Miguel Pessoa
3.1. Mensagem de L.G. enviada ao Victor Alfaiate, de 9 de Novembro:
Com a franqueza, frontalidade e camaradagem que nos caracteriza, dou-te conhecimento do mail que enviei ao Miguel Pessoa, o ex-tenente Pilav abatido em 25 de Março de 1973, à tua porta, e a resposta que ele me deu... Duas das pessoas visadas no teu texto são nossos camaradas da FAP, ele, o António Martins de Matos (AMM), mas também por tabela o Victor Tavares, que era mecânico (Melech) e a Giselda, enfermeira-pára-quedista, entre outros... De facto, as generalizações são sempre abusivas... No fundo, o que importa é contares a tua versão, com serenidade e objectividade... Gostaria mesmo que entrasses paa o nosso blogue, pela porta grande e que no nosso próximo se sentisses confortável a dar um abraço a estes nossos camaradas da FAP... Fica bem. Um abraço. Luís.
3.2. Mail do Luís Graça para o Miguel Pessoa:
Miguel:
Vou-te pedir que te ponhas no papel, não de actor (da guerra colonial), mas de "provedor do leitor do blogue" (que tem as suas regras editoriais, etc.)...Queria que lesses o texto do Victor Alfaiate, que foi Fur Mil Trms dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) ao tempo da retirada do quartel... Estava lá também quando foste abatido... Há referências à tua "pessoa, e sobretudo ao tex-tenente pilav AMM e, genericamente, à rapaziada valente da BA 12, que são no mínimo "deselegantes"... Mais: se não corresponderem aos factos, são provocadoras e insultuosas... Mas, por outro lado, representam uma das versões dos acontecimentos de Guileje...
Se tu e os teus camaradas acharem que o texto é INSULTUOSO, não o publicarei... Não consigo demover o Victor a corrigir as expressões a AMARELO... Ele vive no estrangeiro (Suíça ou coisa assim). E ainda reage a "quente" (é o problema de muita malta da guerra...). Se ele te conhecesse, a ti, ao AMM, à Giselda, ao Victor, etc., não escreveria isto neste estilo e tom (que, de facto, eu não aprecio nem quero promover)...Quero que o blogue conte "a verdade e só a verdade" (sem paninhos quentes...) mas também quero que seja um "escola de tolerância" e um "lugar de camaradagem"...
Lê só o texto dele e o meu, ambos de 29 de Outubro. Sê o mais sincero, franco e leal comigo. Um bj à Giselda. Aquele abraço para ti, com todo o meu apreço e amizade. Luís
3.3. Resposta do Miguel Pessoa:
Caro Luís
Plagiando o nosso camarigo Mexia Alves, parece-me que já dei o que tinha a dar para este peditório. Acho ridículo andarmos a querer arranjar entre nós culpados para aquilo que cada um, à sua maneira, sofreu há 35 anos atrás.
Entristece-me o estilo usado pelo Victor Alfaiate (que não conheço de qualquer lado - a não ser que tenha sido ele quem me deu pelo rádio o rumo para o sítio onde fui "abonado"...), mas teria sido óptimo que não tivesse "metido toda a gente no mesmo saco" e utilizado expressões que ofendem o brio profissional do pessoal envolvido.
Seria para mim fácil pôr-me de fora desta discussão. Entre 26MAR73 e 18AGO73 não voei na Guiné, antes tendo sido evacuado para Lisboa, onde recuperei das mazelas. Mas, mesmo de fora, não gosto de ver os meus camaradas a serem achincalhados com afirmações no mínimo deselegantes, para não dizer grosseiras. Exemplos:
Quando íamos ao Guileje (onde éramos sempre bem recebidos) era-nos oferecida uma bebida de boas-vindas. Por norma (e falo por mim e por alguns que conheço bem) aceitávamos uma lata de refrigerante (normalmente Coca-Cola ou 7-Up), evitando a ingestão de bebidas alcoólicas, o que seria prejudicial para a missão que efectuávamos. Daqui a pouco só falta dizer que íamos para lá embebedarmo-nos...
Quanto ao convívio com o Maior do aquartelamento, era uma questão de boa educação partilharmos um momento disponível com alguém em quem muitas vezes descobríamos interesses comuns e que, pela solidão em que se encontrava, encarava estes momentos como uma fuga ao seu quotidiano. Foi assim, por exemplo, que eu conheci o Cap [Mil] Quintas, então responsável pelo aquartelamento.
O ar condicionado referido pelo Ten Matos é uma figura de retórica - os nossos quartos não tinham ar condicionado, antes uma janela que estava geralmente aberta, protegida por uma rede de mosquiteiro. Ar condicionado só numa das salas da Esquadra, mas parece-me um bocado mesquinho, lá por alguns não poderem usufruir desse conforto, que os restantes tivessem que abdicar dele, "só para nivelar por baixo"... Ah, lamento dizê-lo, os nossos Fiats também tinham um sistema de ar condicionado - desculpem o luxo...
Qunto às "loiras frescas", eram produto a evitar durante as horas de serviço, pelos motivos já apontados atrás.
Ofensivo, dizer "o homem do rádio"? Olhem que eu não me ofendia se alguém dissesse "o homem do Fiat" ou "o tipo do Fiat", ou mesmo "o gajo do Fiat"...
Quanto à ineficácia da Força Aérea neste caso, utilizo as palavras do próprio Victor Alfaiate, pois também não reconheço competência para proferir essa afirmação a quem não tem conhecimento profundo do que se passava na casa dos outros... Sabe-se que numa guerra a ocupação do terreno é essencial para que ela possa evoluir a nosso favor. A aviação pode ajudar a ganhar a superioridade num dado momento, mas isso não resulta a médio e longo prazo se não houver o devido empenhamento das forças no terreno... Longe de mim apontar o dedo ao pessoal isolado no mato mas, por favor, não apontem o dedo para mim (nós, Força Aérea)! Será melhor procurarem noutro local...
As declarações do VA não me irritam mais do que outras anteriores, pois já estou habituado a ver as pessoas disfarçarem a sua inépcia descarregando a responsabilidade noutro que esteja mais à mão! E pensava eu que todos tínhamos sido vítimas desta guerra estuporada...
Um abraço. Miguel Pessoa
PS - Quanto aos comentários que envolvem o AMMatos, ele será a pessoa mais indicada para os analisar.
4. A publicação, na íntegra, do texto do Victor Alfaiate - que, profissionalmente, é técnico de contas - obteve o parecer favorável dos meus co-editores.
[Fixaçãode texto / revisão / bold / título: L.G.]
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 4 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5403: Tabanca Grande (193): Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350 (Guileje, 1972/73)
(**) Vd. os últimos postes desta série, Dossie Guileje /Gadamael 1973:
24 de Julho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4736: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (14): Na minha opinião pessoal, o Major Coutinho Lima foi um Herói! (Amílcar Ventura)
3 de Julho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4634: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (13): A desonra da CCAV 8350 ou o direito a contar a minha versão... (Constantino Costa)
14 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4344: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (12): Homenagem dos Homens Grandes de Guiledje a Coutinho e Lima (Camisa Mara / TV Klelé)
5 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)
1 de Maio de 2009 >
Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)
23 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)