quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5716: Morte e sucessão do Cherno Rachide, ao tempo do BCAÇ 4513, em Set / Out 1973 (Fernando Costa)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã]

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados


1. Mensagem, de 3 do corrente, enviada pelo Francisco Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*)

Luis,

Junto envio transcrição integral dos textos oficiais sobre o período em que faleceu o Cherno Rachide e a sua substituição. Desta forma poderás escrever à tua maneira o que é relatado.

Como podes verificar, estou a escrever a história integral do Batalhão 4513 desde a chegada à Guiné até à partida. Já tenho actualizada a lista de pessoal que compôs o batalhão e que é superior à inicialmente transcrita.

É de notar que não consigo encontrar nenhum médico inscrito nos quadros do batalhão, o que é de estranhar pois tenho a certeza que existia.

Em relação à farda do PAIGC (**), a legenda é simples No dia em que foi feita a substituição das NT pelas do PAIGC no quartel de Aldeia Formosa, pedi a um soldado que fizesse a troca de uma farda dele por um camuflado meu.

Assim, guardei até hoje para servir de "Ronco" ou seja recordação, dos tempos em que as tropas portuguesas lutaram contra aqueles que nos substituíram no terreno.

Há muita gente que diz que foi "entregar o ouro ao bandido", eu não partilho dessa opinião, mas acho que muita coisa poderia ter sido feita com mais dignidade para com aqueles que lá deixaram parte de si, para não falar dos que não chegaram a regressar.

(Não guardo rancores, guardo sim boas ou más recordações).

Fernando Costa
Ex-Furriel BCAÇ 4513



Excertos da história do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (Transcrição, para suporte digital: F.C.)

CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


4º Fascículo (período de 1Set a 30Set73)

SITUAÇÃO GERAL

Ainda de acordo com o planeamento aprovado do treino operacional do BCAÇ 4516, o início do período foi caracterizado pela movimentação das 3 companhias do BCAÇ 4516 e 2 do BCAÇ 4513 para BUBA para efectuar a Op "LANCE PERTINENTE" cuja finalidade visava, à semelhança da Op "OUSADIA SATÂNICA" atingir o UNAL no sentida N/S – o objectivo não foi atingido pela completa intransitabilidade do terreno nesta época de chuvas constantes e intensíssimas, a falta de trilhos, a ausência de guias e a enorme distância a percorrer, mas considerava-se que foi bastante proveitoso para a finalidade do treino operacional do novo Batalhão, pela série de ensinamentos que uma acção desta envergadura traz para o pessoal e especialmente para os quadros.

Findo o treino operacional, o BCAÇ 4516 tomou a responsabilidade da sua zona de intervenção passando a depender a CCAV 8351 e o 2º PEL ART, estacionados no CUMBIJÃ, do novo Batalhão.

Entretanto as acções do BCAÇ 4513, agora liberto do treino operacional, começaram a tomar maior volume e assiduidade, para os patrulhamentos e emboscadas na direcção da fronteira da República da Guiné, e mais incremento na contra-penetração nos tradicionais corredores de passagem do IN.

Durante o mês, apenas se verificou uma acção IN e esta junto do RIO CORUBAL, no limite da ZA/2ª CCAÇ, que consistiu num contacto entre uma força daquela companhia, durante a acção "OGIVAL" com um grupo IN que,  após detectar as NT,  fez alguns disparos e retirou em direcção ao INSASSENE, deixando 1 Granada   de RPG-2 e vestígios de sangue.

Verificou-se no período o falecimento do CHERNO RACHID, chefe religioso de extraordinário prestígio no meio muçulmano, cuja perda abalou muita a população, receando-se não ser fácil encontrar quem o substitua com o mesmo prestígio e a mesma devoção à Causa Nacional (***).

No dia 29SET regista-se a chegada à Província do novo Governador e Comandante-chefe, General BETTENCOURT RODRIGUES, que substituiu nos cargos o General ANTÓNIO SPINOLA.

Referem-se como actividades mais importantes:

SET73

01 - Integrada no TO do BCAÇ 4516, inicia-se a operação "LANCE PERTINENTE". Para isso são deslocadas para BUBA, além das três CCAÇ do BCAÇ 4516, mais 1 GR COMB da 2ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da 3ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da CART 6250; 1 GR COMB da CCAV 8351. Acompanha estas forças o 2º CMDT do BCAÇ 4513 a fim de dirigir a operação.

02 - Inicia-se a Op "LANCE PERTINENTE" em direcção ao UNAL, com o deslocamento das forças de BUBA para BOLOLA, ao longo do RIO BAPO – UNAL. Continua-se as acções na região de ALDEIA  FORMOSA em direcção à fronteira e na região de CUMBIJÃ.

03 - Continua-se a Op "LANCE PERTINENTE". Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 continuam a efectuar o patrulhamento da fronteira até ao RIO BALANA, em virtude de nesta época do ano, e devido às chuvas este mesmo rio não dar passagem. Forças da CCAV 8351 patrulham a região de CUMBIJÃ.

04 – Termina a Op "LANCE PERTINENTE" o objectivo não foi atingido pela muito difícil transpor o terreno nesta época, chuvas constantes e intensivas, falta de trilhos e ausência de guias e a enorme distância a percorrer. Forças da CCAÇ 18 patrulham a antiga picada da CHAMARRA-GANDEMBEL até à região de CHAMGUE LAIA.

05 - Regressam aos respectivos estacionamentos as forças do BCAÇ 4513 e BCAÇ 4516 intervenientes na Op "LANCE PERTINENTE". Forças da CCAÇ 18 patrulham o RIO BALANA sem contacto.

06 - Terminado que foi o treino operacional do BCAÇ 4516, as forças do BCAÇ 4513 retomaram a actividade intensiva de patrulhamento e contra penetrações nas regiões de BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA e nos corredores possivelmente utilizados pelo IN nos seus deslocamentos de S/N e vice-versa.

O BCAÇ 4516 assumiu a responsabilidade da sua área de intervenção, passando também desde esta data a CCAV 8351 e o 2º PEL ART (CUMBIJÃ) a dependerem operacionalmente daquele Batalhão.

07 - Forças da 2ª CCAÇ/4513 durante a acção "OGIVAL" entram em contacto com um GR IN EST em 20/25 elementos. O IN reagiu com RPG e AAut retirando-se em seguida. No reconhecimento efectuado capturou-se uma granada de RPG-2 e verificou-se a existência de extensas manchas de sangue. As NT sofreram 1 ferido ligeiro. Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 patrulharam a região do RIO BALANA.

08 - Forças da 1ª CCAÇ/4513 detectaram em região (XITOLE 2 F 0-30) passagem de um GR IN estimado em 40/50 elementos no sentido N/S na madrugada deste dia.

10 - Forças das sub unidades do Batalhão e de reforço continuam os eus patrulhamentos e contra-penetrações respectivamente nas regiões de BUBA, NHALA, MISSIRÃ e Fronteira.

11 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamentos e emboscadas realiza-se mais uma coluna de reabastecimento a BUBA.

12 - Por necessidades prementes de reabastecimento, realiza-se mais uma coluna a BUBA.

13 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração [C/PEN] na região de PONTE DO RIO CORUBAL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto. Forças da CART 6250 executam contra-penetração na região de MISSIRÃ sem contacto.

14 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBSERVADOR VI" patrulham a estrada CHAMARRA-GANDEMBEL até à confluência do RIO BALANA-RIO DADINA. Sem contacto.

15 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

16 - Continua a actividade operacional de patrulhamento e contra-penetração  de todas as sub unidades dentro das respectivas ZA.

19 - Pelas 2100 horas são avistados de ALDEIA  FORMOSA e na direcção de CHAPADA [Chamarra ?]vários very-lights e balas tracejantes.

20 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

21 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OLARIA" patrulham e executam contra-penetração  no RIO BALANA sem contacto.

22 - O Comandante do Batalhão acompanhou uma patrulha à região de CHICAMBILO. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORTIGA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região da confluência RIO CORUBAL-RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção OASIS" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de BOLOLA sem contacto.

23 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBJECTIVA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto.

24 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

25 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OUSADIA" executam patrulhamento e contra-penetração no RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção "ORIENTE" executam patrulhamento e contra-penetração  em MISSIRÃ sem contacto.

28 - Apresentou-se de licença, assumindo as funções de OF OP INF CAPITÃO JORGE F. CERVEIRA.
Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

29 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OXIGÉNIO" executam patrulhamento com contra-penetração na região de GAMÃ sem contacto.

30 - O Comandante do Batalhão acompanhou patrulhamento a JAI JULI.


CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


5º Fascículo (período de 1Out a 31Out73)

SITUAÇÃO GERAL

A pluviosidade diminuiu consideravelmente, no entanto as bolanhas ainda se apresentam com muita água e os rios com grande caudal. Têm surgido problemas com o itinerário ALDEIA FORMOSA-BUBA, exigindo, alguns troços, medidas de manutenção, a fim de se manter a transitabilidade.

Por determinação superior, o BCAÇ 4516 passou a ser força de Intervenção do COMANDO-CHEFE, pelo que foi transferido para BISSAU, ficando no entanto, uma das suas CCAÇ, em reforço do Batalhão e sedeada em COLIBUIA.

A actividade do IN continuou a ser fraca, sendo de salientar a flagelação a CUMBIJÃ, não só pelo número de granadas utilizadas, como a precisão do seu fogo.

Da actividade das NT, dirigida essencialmente para a fronteira e corredores de passagem IN resultou a intercepção de uma coluna IN no corredor de BUJOL, detecção e levantamento de duas Minas A/P, uma delas na picada de MAMPATÁ-NHALA e o accionamento de uma Mina A/P  na região de NHACOBÁ.

Chegaram a BUBA, os Destacamentos de Engenharia nº 1 e 2 e a Brigada de Estudo e Construção de Estradas, para darem início à construção da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, em duas frentes, sendo uma em BUBA e outra em ALDEIA FORMOSA.

Para os trabalhos da frente de ALDEIA FORMOSA, foi deslocado o Dest Eng nº 1. Como consequência deste deslocamento passou a ser exigido às forças do Sector um esforço extraordinário na realização de colunas de reabastecimento, a fim de colocar em ALDEIA FORMOSA os materiais necessários à obra a iniciar. Com a passagem das máquinas pesadas e de lagartas deste Destacamento, a estrada ficou bastante danificada, sendo necessário proceder-se a urgentes reparações em alguns pontos para garantir a transitabilidade da mesma.

Durante o período continuaram a deslocar-se a ALDEIA FORMOSA, em virtude do falecimento do CHERNO RACHID, várias autoridades tradicionais, algumas estrangeiras, entra as quais se destaca o CHERNO ALIU CHAM, do SENEGAL.

SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, foi eleito, em assembleia dos "Homens Grandes", sucessor de CHERNO RACHID. (***)

Por motivo do acto eleitoral no dia 28, a festa do RAMADÃ nos dias 28 e 29, efectuaram-se diversas colunas a BUBA, NHALA, RIO CORUBAL para transporte da população.

Em 17 e 30 iniciaram-se os trabalhos de Engenharia de abertura da estrada de ALDEIA FORMOSA-BUBA, respectivamente nas frentes de ALDEIA FORMOSA E BUBA.

Referem-se como actividades mais importantes:

OUT73


01 - Deslocou-se a Bissau para entrar de licença disciplinar Major Dias Marques, 2º CMDT. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA para transporte de frescos e pessoal.

02 - Forças da CCAÇ 18, durante a acção "OUTEIRO",  patrulham a Ponte do RIO BALANA sem contacto. Realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O avião fretado do TAGP escala ALDEIA FORMOSA fim levar frescos para BUBA.

03 - Tem início a acção "OMOPLATA" executada por forças da 1ª CCAÇ / 4513, com a colaboração de meios navais. Esta acção visa atingir PONTA NOVA. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORALIO" patrulham o Trilho de GAMÃ sem contacto.

04 - Termina a acção "OMOPLATA" em que as forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN em região de (EMPADA 7 D 7-50).

O CMDT recebe a visita de todos os "Homens Grandes" da região que vêm comunicar que,  reunidos em assembleia, elegeram SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, como seu sucessor. Exprimem todo o seu apoio e lealdade à Causa Nacional. Este mesmo facto é comunicado à REP ACAP, para ser transmitido a Sua Excelência Comandante-Chefe. (***)

05 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA, para transporte de frescos e pessoal.

06 - As Companhias do Batalhão e de reforço continuam as acções de patrulhamento e contra penetração nas regiões da fronteira, corredor do MISSIRÃ e BUJOL. Pelas 1630 horas, apresentou-se em ALDEIA FORMOSA um elemento da população, que tinha sido raptado pelo PAIGC no SENAGAL, e que fugira quando chegou a KANDIFARA. Depois de interrogado seguiu para BISSAU. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OPRESSÃO" executaram patrulhamento com contra penetração na região da Ponte do RIO CORUBAL sem contacto.

08 - Teve lugar em ALDEIA FORMOSA, uma reunião com o Comando do Batalhão em que estiveram presentes o Delegado da CH Serv Transp., o Delegado do QG/CTIG/4ª REP, o Comandante Interino e um Oficial do BENG 447, a fim de se coordenar os trabalhos de abertura da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA.

09 - Pelas 17H30  GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 45 minutos, com 100 granadas de CAN S/R 82 e 5 granadas de MORT 82, sem consequências.~As NT reagiram com fogos de ART e MORT.

Esteve presente no Comando do Batalhão, a apresentar os seus cumprimentos de despedida, o CHERNO ALIU CHAM,  da REP SENEGAL, e que agradeceu todo o apoio prestado quando do falecimento do CHERNO RACHID e todo o apoio sanitário que continua a ser dado em todos os postos fronteiriços da REP SENEGAL. (****)

Chegaram a BUBA os Dest Eng 1 e 2 e a Brigada de Estudos e Construção de Estradas.

10 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA a fim de transportar para ALDEIA FORMOSA, os elementos do Dest Eng 1, assim como algumas máquinas e material do mesmo.

11 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OSIRIS" executam patrulhamento com contra penetração na região do RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4516, accionaram na região de NHACOBA uma Mina A/P  IN, sofrendo dois feridos graves.

12 - Apresentou-se de licença disciplinar Cap Amaral, Comandante da CCAÇ 18.

13 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA, para transporte do material de Engenharia para ALDEIA FORMOSA.

15 - Notícia não avaliada da DGS local, refere que o IN tem deslocado forças de KANDIFARA para KASEMBEL. As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetração na região da fronteira e corredores de passagem IN, sem contacto.

16 - O Cmdt do Batalhão deslocou-se a NHALA e BUBA. Por determinação superior o BCAÇ 4516 passa a ser força de Intervenção do Comando-Chefe.

17 - Pelas 15h30  forças da 1ª CCAÇ / 4513 interceptaram em (XITOLE 2 E 7-17) grupo IN de 120 elementos armados, deslocando-se no sentido de S/N. NT sem consequências, o IN com prováveis feridos e mortos. Capturada 1 Granada  de RPG-7.

19 - Realizou-se coluna para transporte da 2ª CCAÇ / 4516 a fim de seguir para BISSAU.

20 - As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetrações na região da fronteira e corredores de passagem IN.

22 - Forças da CART 6250 procedem ao levantamento de minas instaladas pelas NT nas regiões de (XITOLE 4 E 4-41) e (GUILEJE 6 F 8-91).

23 - Durante a picagem do itinerário MAMPATÁ-UANE foi detectada e levantada uma Mina A/P  IN por forças da CART 6240. Seguiu para BUBA com destina a BISSAU a 1ª CCAÇ / 4516. O OF OP INF deslocou-se a BUBA e NHALA. Estiveram presentes em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do GA-7 e o Comandante da BAT ART/AAA 7040.

24 - Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transportar a CCS / 4516, com destino a BISSAU. Chegou a ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1. Juntamente com o Comandante do Batalhão deslocaram-se a MAMPATÁ. Forças da 1ª CCAÇ / 4513 transportadas em meios navais iniciaram a acção "OLIMPO" sobre a região de ANTUANE.

25 - Terminada a acção "OLIMPO" em que forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN na região (EMPADA 7 D 6-44). Iniciaram-se os trabalhos de abertura e asfaltagem da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA. Permanece em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1.

26 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513,  durante a acção "ORACULO", executam o patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de GAMÃ e ponte do RIO BALANA. Durante este patrulhamento procede-se à instalação de um campo de minas na região da ponte do RIO BALANA, sobre a estrada para GADEMBEL. Regressa a BISSAU o Exmº Comandante da CAOP-1.

27 - Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia na estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, frente de ALDEIA FORMOSA. Efectuou-se uma coluna a BUBA e outra ao RIO CORUBAL para trazer população com vista ao acto eleitoral do dia 28 e festas do RAMADÃ.

28 - Processou-se o acto eleitoral e iniciaram-se as festas do RAMADÃ, que trouxeram a ALDEIA FORMOSA muita população de BUBA, NHALA e SALTINHO.

29 - Pelas 1800 horas apresentaram-se em ALDEIA FORMOSA 3 elementos de população, naturais da REP GUINÉ, um homem,  uma rapariga e um rapaz. Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transporte de regresso das populações que se deslocaram a ALDEIA FORMOSA.

30 - Esteve em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1, regressou a BISSAU no mesmo dia. Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia da Estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA,  frente a Buba.

31 - O Comandante do Batalhão deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ, acompanhado de um delegado do BENG 447.

[Revisão / fixação de texto / bold: L.G.]
____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

(**) Vd. poste 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5583: Memória dos lugares (62): Trocando roncos com o PAIGC em Aldeia Formosa, em Agosto de 1974... (Fernando Costa)

(***) Sobre este influente, poderoso e controverso dignitário muçulmano, vd. postes de:

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(...) Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande, nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.



Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.


É essa canção que a seguir transcrevemos. «Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro. (...)

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) "Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid". (...)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

(****) Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974).


(...) Tom Gallagher esclarece-nos sobre a posição das comunidades muçulmanas, face ao Poder Português, no período em análise (1963-74), na seguinte passagem:
 
“(...) Ironicamente, o Portugal católico encontrou aliados mais leais entre as tribos muçulmanas, tais como os Fulas, na Guiné-Bissau e os Macuas, em Moçambique, do que entre os grupos africanos educados nas missões, mais inclinados a juntar-se aos nacionalistas. O conservadorismo da sua estrutura social fazia das tribos muçulmanas os aliados preferenciais dos portugueses, que chegaram a enviar peregrinos a Meca e construíram mesquitas na Guiné-Bissau em paga do apoio dos chefes locais (...)”(...).


Neste quadro, convém lembrar que, de acordo com o Supintrep nº. 10 (“Populações da Guiné”) e com a opinião de diversos autores guineenses (...), o Poder Português utilizou os grupos étnicos islamizados por possuírem uma organização social com uma estrutura mais complexa do que a das etnias de religião tradicional, podendo mesmo falar-se de uma estrutura “vertical”, com um “Estado organizado”, com classes e poderes separados, de acordo com as suas condições económicas. Esta organização proporciona-lhes uma elevada coesão pela obediência fiel dos elementos das tribos aos chefes religiosos e políticos, que disfrutavam de uma notável importância e aceitação perante os seus, pelo que o apelo a estes auxiliares era “(...) uma condição sine qua non de uma vitória portuguesa face aos animistas (...)”

De acordo com o “Relatório de Serviço” (...), na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:


1) Quanto à confraria Qadiriya:

Em Jabicunda, o dignitário mais destacado da confraria era Al-Hajj Mamadu Mutaré Suaré (Jacanca), que exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal, articulando-se, neste último, com o seu irmão Caranca Djura Suaré (Casamansa), em consulta numa plataforma de paridade, não excluindo certo acatamento ao mesmo. Fazia a dádiva recomendável devida ao destaque, na linhagem xerifina, ao “Xerife” Yussuf Haydara (de Casamansa), portador da “Baraka”, aparentado com os Haydara de Tombuctu (Mali) e articulado a Marrocos.

Por via de seu irmão, inseria-se na dependência própria dos quadros confraternais, articulando-se, assim, ao “Cheik” Sidaty Ould Talibouya, expoente máximo da Qadiriya no Senegal, cujo poder de accionamento se estendia à Gâmbia, Mali, Guiné-Conacry e Guiné Portuguesa. Este “Xerife” senegalês visitava todo o território, colectando. Apresentava-se, pela linhagem e atributos pessoais, como ultrapassando na sua missão o quadro estrito das confrarias, e fundia-se com o Rei Imã numa origem multissecular: “a Casa do Profeta”.

Em Bijine, o mais destacado elemento era Al-Hajj Almami Sidi Acassamo (Mandinga) que manifestava acatamento xerifino e se articulava com o dignitário de Jabicunda, já citado. Contudo, em caso de recurso do respectivo parecer ou decisão, articulava-se ao “Cheikh” Sidi Abu Ibrahimo, na Mauritânia (Boutilimit) e não com Caranca Djura Suaré; também fazia a dádiva recomendável ao Cheik Sidaty Ould Talibouya.

2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e “director de consciência” dos tidjanistas tocolores e guineenses.

Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara.

Em Ingoré, o Xerife Secuna Haydara pertencia a uma família originária de Marrocos (Fês) e efectuou os seus estudos em Tuba, na Guiné-Conacry. Apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya (note-se, caso único no território), para o que concorre a sua natureza xerifina.

Secuna Haydara também exercia influência interna de tipo polarizante (em toda a linha de S. Domingos a Farim) e externa, a título consultivo (Casamansa), sendo a sua articulação em posição de acatamento com Al-Hajj Cheikh Ibraimo Djabi e, a nível paritário, com o Cherno Rachid. Este dignitário era parente do Xerife Yussuf Haydara, a quem não fazia a dádiva recomendável.

Por fim, o dignitário de Cambor, Cherno Mamagari Djaló, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, pelo Xerife Hakilo Haydara, a cujo irmão Yussuf fazia a dádiva recomendável e a quem consultava, recorrendo, só em última instância, ao Califa Abdul Aziz Sy. A sua influência religiosa, a nível interno, é de tipo polarizante, em Cambor e nas zonas limítrofes. No entanto, manifestou alguma rivalidade em relação a Cherno Rachid pela sua influência no Gabú. Ao nível externo, efectua consulta no Senegal (Casamansa), Gâmbia (área de Djadjaburé) e em Conacry (não especificado).

Procurámos na medida do possível actualizar, presencialmente, todos estes pólos articuladores e difusores do Islamismo no território. Assim, no que respeita à confraria Qadiriya, os principais centros continuam a ser Jabicunda e Bijine, aos quais acrescentamos entretanto Farim.

Em Jabicunda, o Almami Ansu Cissé exerce influência interna, de tipo polarizante, em toda a área de Bafatá e, externa, na Gâmbia e Senegal. Paga a dádiva recomendável a um “Xerife” senegalês, cujo nome não conseguimos apurar. Os dignitários de Bijine Ualió Quntchumba Faty e Al-Hajj Koba Gassama (...), e Farim, Arafan Bacari Touré, respectivamente, todos com acatamento xerifino, articulam-se com o dignitário de Jabicunda, já referido.

No que se refere à confraria Tidjanya, Cambor é, presentemente, o maior pólo de difusão, sendo ainda dignitário Al-Hajj Ualió Mamagari (...) (portador de “Baraka”), considerado “Homem Grande” em todo o território; exerce influência de tipo polarizante no mesmo território, a nível interno, e externamente na Guiné-Conacry, Senegal, Gâmbia, Mali e Mauritânia (...).

Em Quebo, o dignitário islâmico mais proeminente é Al-Hajj Amadú Dila Djaló, filho de Cherno Rachid. Manifesta acatamento ao Xerife de Fês, Tidjani Hajj Zambir, filho de Sidi Al-Hajj Bensalem a quem faz a dádiva recomendável. Exerce influência religiosa interna, de tipo polarizante, na região de Quebo e, externa, como consultor, na Guiné-Conacry e no Senegal. Quanto a consulta, articula-se, tal como seu pai, ao Califa Abdul Azis Sy (nascido em 1904).

Este dignitário foi iniciado na confraria Tidjanya em Tivaouane, no Senegal. Completou os seus estudos no Egipto e efectuou diversas vezes peregrinações a Meca. Salientamos que este dignitário é deputado pelo PAIGC, na Assembleia Nacional Popular.

Ingoré, última fronteira guineense antes de Casamansa (...), continua a ser um grande pólo de difusão do Islamismo (permanece a bi-valência qadirista-tidjanista).

Aos centros tradicionais do território, acrescentamos o pólo de Sinchã Santa Mansata (Canhamina), onde Al-Hajj Umarú, com formação no Egipto e amigo próximo de Hassan II (segundo faz crer), construiu aquela que é considerada a maior mesquita da Guiné-Bissau.

Na perspectiva de Amaro Monteiro, se “(...) accionadas de Sul para Norte N ondas de subversão metódicas apontando às credibilidades e às sedes geografico-culturais dos dignitários xerifinos, o mecanismo de comunicação visado, rarefeitas as respectivas bases de sustentação (...)”(...), reagiria em sentido inverso, ou seja, se se projectarem, numa carta, todas as articulações confraternais e as linhagens xerifinas, verifica-se que estas teriam muito provável coincidência com os itinerários/focos de violência ou de desestabilização, que, em última análise, visariam o Rei Imã. Caso aquele entrasse, hipoteticamente, em colapso, provocaria o “(...) «curto circuito» dos mecanismos de comunicação sócio-religiosos (...)”(...), no referido sentido geográfico e, claro está, forte trauma nos pólos articuladores das confrarias Qadiriya e Tidjanya.

O Poder, ontem (o português) como hoje (o guineense), apercebendo-se de que não se pode alhear da importância muçulmana no território (...), que não pode ignorar o seu dinamismo por vezes encarado como concorrente da política externa do Estado, procura, por exemplo, custeando as despesas com a peregrinação a Meca (...) de personalidades destacadas da comunidade islâmica e com a construção de mesquitas, ganhar alguma autoridade, ou melhor, tenta obter, ou continuar a obter, os favores dos muçulmanos, sobretudo, importantes numa altura em que o mundo islâmico - pela mão do integrismo - assume uma importância política inusitada e que convém esconjurar.

Porém, o Estado laico dificilmente penetra no campo religioso. Aquilo que dá força ao Islão, nomeadamente ao Islão popular, é o facto de este representar, pelo menos em princípio, uma contra-sociedade, ou seja, uma sociedade paralela, que escapa por natureza ao poder do Estado (...). Assim, o Estado procura o aproveitamento pragmático dos muçulmanos, pois as respectivas características culturais são susceptíveis de, se bem exploradas, em termos de Apsic, reforçar ou constituir uma consciência nacional.

Em 1985, criou-se em termos oficiais a Associação Islâmica (presentemente presidida por Al-Hajj Sori Sow), sediada na capital agrupando todas as confrarias e comunidades espalhadas pelo país. Esta fórmula coordenadora faculta ao Islão o benefício do reconhecimento oficial, ao mesmo tempo que permite às autoridades governamentais “(...) transformar as estruturas muçulmanas em verdadeiras instituições paralelas do regime (...)”(...).

Aquela associação dispõe de um importante papel nas relações externas das comunidades muçulmanas nacionais, visto que é ela a encarregada de regularizar os contactos culturais e religiosos com o mundo árabe e de atrair capitais.

Após as primeiras eleições multipartidárias, em 3 de Julho de 1994, também as associações islâmicas proliferaram, contando-se presentemente no país mais cinco associações: a União Nacional para a Cultura Islâmica (1991), a Al Ansar (1992), com maioria de associados Mandingas; o Instituto Islâmico para o Desenvolvimento, que agrupa Fulas e Mandingas (1993); o Comité de Redacção e Tradução, que agrupa, essencialmente, Fulas (1994); e a Organização Islâmica, Cultura e Desenvolvimento, cuja maioria de associados é de Mandingas (1995).

Para eficiente accionamento da população, quer uma subversão quer uma contra-subversão necessitam de adequado conhecimento dos mecanismos informais de comunicação; nestes, o vector sócio-religioso desempenha, na África Negra, elevada importância, potencializada em terrenos humanos como o da Guiné pela impressiva presença de massa muçulmana. Uma guerra de semelhantes características globais ultrapassava obviamente a área de acção habitual das Forças Armadas. Assim, a resposta portuguesa para obstar “(...) à guerra global que a ela condicionava os actos da política (...)”(...) requerer-se-ia também geral, ou seja, em todas as “frentes”, por acções oportunas e estreitamente coordenadas nos campos social, político, militar e psicológico, como veremos no próximo capítulo e aliás desde já se vem inferindo. (...)

Guiné 63/74 - P5715: Histórias de José Marques Ferreira (15): As indecências necessárias



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, ex-Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 22 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:


Camaradas,

Quero contar-vos esta estória pouco engraçada. Todos os que estão na fotografia são do Norte do país, 2 condutores, 2 mecânicos e 1 escriturário (era do Porto e estava de enxada na mão a tentar construir uma piscina ali, em Bula).


As indecências necessárias

Hoje estou para estas coisas. Não porque me apeteça, mas apenas para manifestar alguma revolta e indignação, passados tantos anos, por aquilo que vivemos, sofremos, sacrificamos, para dar naquilo que todos adivinhavam e alguns sempre souberam: EM NADA!

Melhor, iria dar naquilo que era lógico e que pouco tempo antes, nos anos anteriores a 1960, as outras nações já tinham iniciado. Os processos de autodeterminação das suas colónias, com o império inglês a marcar o passo na vanguarda.

E tudo isto apenas por causa desta fotografia.

Fui eu que a tirei. È um dos testemunhos evidentes do que se passava, com o pessoal militar na generalidade dos aquartelamentos, fora da zona da cidade de Bissau. Quero que fique aqui à disposição e visibilidade de todos os internautas, para confirmar, inequivocamente, que as condições de vida eram estas na Guiné, a que podem juntar muitas outras imagens, de muitas outras privações, que aqui estão colocadas ao longo deste blogue.

E isto não foi uma das piores situações que enfrentamos, para nos queixarmos em demasia, pois muitos outros Camaradas nossos, sobreviveram como autênticos animais, encafuados em abrigos e covis escavados no chão.

É isso mesmo. Na foto vê-se um grupo de camaradas meus conhecidos, que nunca mais encontrei até ao dia de hoje, e que se os avistar agora dificilmente reconhecerei, pois devem estar todos um pouco mais gordinhos de certeza.

O grupo está a tomar o seu banhinho em conjunto (pois fazia parte da sua própria segurança), numa espécie de ribeira ou nascente, ali mesmo próximo de Bula, local este para onde nos deslocávamos a pé, portanto não era longe.

Nesta altura já tínhamos saído de Ingoré.

E era assim... como todos nós neste blogue sabemos, dentro do aquartelamento até poderia existir algumas condições de higiene, mas não me lembro.

Lembro-me que ali sim, era mais cómodo, limpo e a água era melhor... para a pele também (?).

Pronto, aqui fica mais uma amostra (em foto), de uma das facetas pouco divulgadas, da nossa vida da Guiné!

Um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5699: Estórias avulsas (70): As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho)


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5714: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (29): O «Lua»


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos uma mensagem (a 29ª), com data de 16 de Janeiro de 2010:

O «Lua»

O Soldado José Pires Carreira, nado e criado em Batalha-Leiria, era conhecido na Companhia pelo “Lua”.

Está claro que a sua cara de “lua cheia” não era estranha à alcunha.

O “Lua” não deu particularmente nas vistas durante a comissão, podendo-se dizer dele que onde estava ouvia-se bem (falava habitualmente num de registo de voz um bocado alto).

De resto... foi um militar que nunca deu problemas, cumpridor que... fazia o melhor que era capaz.

Pertenceu à secção do Furriel Mesquita, do 1º. Pelotão do Alferes Costa. Foi um dos militares de Lenquetó e como todos os que estiveram nessa operação, que foi “o baptismo de fogo da Companhia”, passou um mau bocado.

Passou-se entre mim e o “Lua” um pequeno diálogo, completamente surrealista, que... nunca mais esqueci.

Estávamos cercados e debaixo de fogo.

O cronista – na qualidade de Enfermeiro - estava junto de uma árvore, que nos dava alguma protecção, e que se tinha transformado em posto de Comando... e Enfermaria.

Estavam lá o nosso Capitão, o telegrafista e o Cabo Marques, bastante ferido, que eu tentava manter o melhor possível – calmo, sem dores e controlado –.

Se ele entrasse em pânico como é se que iriam comportar os companheiros mais próximos!?

Aguardávamos o helicóptero e o ambiente era bastante tenso. Tiros de parte a parte recordavam-nos que, embora fosse hora do almoço, nesse dia não ia tocar para o “rancho”...

Numa fase de acalmia, quando deu para limpar o suor da testa, chega-me um “freguês”, com que não contava nada.

Rastejando aproxima-se de mim o “Lua” e queixa-se que lhe doía a cabeça. Eu que tinha a mania que tinha resposta para tudo... fiquei momentaneamente sem palavras.

O “Lua” doía-lhe a cabeça e queria um comprimido!?

E naquela hora a quem é que não doía a cabeça!?

Julgo que lhe disse qualquer coisa no género de que... as primeiras duas horas é que custam. Depois... passa!

Nunca mais esqueci a cara do “Lua”!

Fitou-me sem perceber bem a minha resposta e afastou-se.

Depois lá nos aguentámos os dois e regressámos sãos e salvos.

Nos convívios anuais que o ex-Alferes Tavares e o ex-Furriel Caires Figueiredo têm organizado, nos anos que se seguiram ao regresso no já longínquo ano de 1966, o “Lua” sempre compareceu com a família.

Primeiro só com a mulher, depois com um filho, depois dois filhos e mais tarde três.

Marcou sempre presença ao longo dos anos.

O tempo passa para todos e os filhos cresceram e tornaram-se homens. E continuaram a vir e a acompanhar o pai “Lua” (e a mãe) nas festas da “675”.

Há uns dois ou três anos atrás o filho mais velho do “Lua” aproximou-se do ex-Alferes Tavares e pediu-lhe tempo para umas palavrinhas.

– Sr. Tavares acho estas festas uma coisa formidável. Não deviam nunca acabar. O meu pai está velhote e qualquer dia pode morrer. Se isso acontecer eu gostaria de continuar a vir às festas da “675”.

– Ok pá. Está claro que não deixarás de ser convidado. Mas o teu Pai está em forma e está ainda ali para as curvas. Mas o teu pedido fica registado. - Respondeu-lhe o ex-Alferes Tavares.

Meses depois recebi um telefonema do Tavares com voz de “caso”.

– Oliveira acabei de receber um telefonema complicado. O filho mais velho do “Lua” morreu num acidente de caça. Diz alguma coisa ao Pai, por favor. Ele precisa de uma palavra de apoio da malta.

Por causa do “Lua” fiquei mais uma vez... sem palavras.

Depois... telefonei-lhe a dar os meus “sentimentos”.
A vida por vezes prega-nos cada “partida”.

Depois desse drama pessoal o “Lua” não faltou às festas seguintes.

É rijo o nosso “Lua”.

E continua a trazer no seu casaco de civil o emblema da Companhia: 675 NUNCA CEDERÁ.


O "Lua" (José Pires Carreira)
Fotografia do autor,
Almeirim, Maio de 2008

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5713: Blogoterapia (139): Vencer os Traumas de Guerra (Joaquim Mexia Alves) / Recordar é viver (António Rosinha)



1. Mensagem de hoje, remetida pelo Joaquim Mexia Alves:

Caros camarigos editores

Mando link sobre notícia do jornal i, que nos diz respeito, antigos combatentes.


Estou tentado a dizer que a gente faz este tratamento virtual bem mais barato, completo e real na nossa Tabanca Grande, e digo-o por experiência própria!

Abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves



2. Comentário do António Rosinha ao poste de  26 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5712: Os nossos médicos (14): José Madeira da Silva, hoje otorrino, professor universitário, ex-Alf Mil Med, BART 6521, Pelundo, 1973/74)

Não tenho dúvidas que este blog da Guiné serve de terapia para quem já é reformado ou para lá caminha.


Com a idade, (eu, 71 anos),  exceptuando os almoços anuais da incorporação militar, ou da área profissional, já poucos amigos se encontram.

Recordar é viver.

Sem dúvida que pode ser um processo de evitar traumas de guerra e outros, acompanhar blogues como este do Luis Graça.

Antº Rosinha
_____________

Nota de L.G.:

(*) Excerto (com a devida vénia):

(...) Depois do Ultramar, José Esteves Cabaço [, Angola, 1969/71,] nunca teve o mesmo emprego durante mais de três anos. Tem 62 anos, as paredes de casa com quadros que pintou nos últimos 10 anos - um deles uma tela comprida, com castanhos acobreados e cor de vinho, estilhaços de explosões e crânios. Não tem título, "é uma batalha". São memórias, "mas não é o que eu sinto". A frase resume: viveu quase 40 anos com stress pós-traumático de guerra, sem tratamento até que, há dois anos e meio, procurou ajuda.

O psiquiatra aconselhou-o a experimentar um programa de realidade virtual, parte de um projecto ainda experimental que está a ser desenvolvido pelo laboratório de psicologia computacional da Universidade Lusófona, em Lisboa. Aceitou, e dos 25 mil veteranos de guerra com stress de pós-traumático que se imagina haver em Portugal, está entre os poucos que sabem o que é melhorar da doença.

Os resultados científicos do projecto liderado pelo investigador Pedro Gamito começam agora a sair. Num artigo publicado no final do ano na revista "CyberPsychology & Behavior" demonstram que, num pequeno estudo-piloto - em que participou José Esteves Cabaço - a realidade virtual reduz os sintomas de ansiedade e depressão associados ao stress pós-traumático.

Regressar à guerra . A psicoterapia é considerada o tratamento mais eficaz das perturbações ansiosas e pressupõe que os doentes possam reviver as situações de trauma. Dentro dela, a realidade virtual permite uma exposição artificial às raízes do medo. (...)

Esta experiência conta com a olaboração  da APOIAR - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra.

Guiné 63/74 - P5712: Os nossos médicos (14): José Madeira da Silva, hoje otorrino, professor universitário, ex-Alf Mil Med, BART 6521, Pelundo, 1973/74)

Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Canchungo >  Pelundo > 2008 > Restos do antigo quartel português, ao tempo do BART 6521/72 (Pelundo, 22/9/1972 - 27/8/1974), a unidade que fez a transferência de soberania para o PAIGC, e que era comandado pelo Ten Cor Art Luís Filipe de Albuquerque Campos Ferreira. O Alf Mil Médico José Madeira da Silva deve ter passado por este batalhão e este aquartelamento, em 1973, antes de ir prestar serviço, como médico anestesista, no HM 241, em Bissau.  Diz ele que foi um dos que "fechou a guerra em Outubro de 1974"...

A foto foi-nos enviada, juntamente com as fotos de uma série de ex-camaradas nossos,  manjacos do Pelundo,  que estiveram ao serviço do exército português, pelo sociólogo António Alberto Alves, que reside desde 2006 em Canchungo (antiga Teixeira Pinto) e trabalha (ou trabalhava) para uma ONGD portuguesa (*)

Foto:  © António Alberto Alves (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem de José Madeira da Silva, com data de 22 do corrente:

Agora sou eu que estou envergonhado... Entretanto e devido a restricções orçamentais, estou sem secretária. O que mais virá ?

Em relação à "nossa Guiné",  acho que, por diversos motivos, já ninguém quer saber! Os meus filhos, às vezes mostram alguma curiosidade mas que diabo, actualmente e da nossa parte,  talvez seja só nostalgia, inclusive dos momentos desagradáveis, se é que isso é possivel... Também já estou muito longe de pensar nisso, a não ser esporadicamente.

Embora já tenha 64, ainda tenho o tempo um bocado ocupado. Além de regente da disciplina de Otorrinolaringologia da FCM [, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa],   sou membro do Conselho Científico e director do Serviço Universitário de ORL do CHLO [, Centro Hospitalar Lisboa Oriental] / Hospital Egas Moniz. (...).

Dentro destas possíveis dificuldades, seguramente contornáveis, diga-me quais os dias que eventualmente teria disponíveis para almoçar.

Um abraço,

José Madeira da Silva
 
2. Mensagem enviada em 23 de Outubro último, por Luís Graça, a José Madeira da Silva:
 
Meu caro professor e colega:

Estou envergonhado de só agora lhe poder responder ao seu mail de 22 de Julho passado (**)… Ficamos doravante em contacto um com o outro. Aqui tem os elementos que pude apurar, relativamente ao pedido que me fez. Acabo de os publicar no nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné:

23 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5143: Os nossos médicos (7): Prof Doutor José Madeira da Silva, otorrino, em busca dos ex-camaradas de Bula e Pelundo, 1973/74

Gostaria muito de falar consigo, para já ao telefone… Tem aqui os meus contactos (Telef. Directo, Gabinete 3 A 42, ENSP/UNL: 21 751 21 93). Só tenho o seu telefone do Serviço de Otorrino, do Egas Moniz… Vou tentar ligar-lhe.

As minhas saudações académicas e bloguísticas, Luís Graça

3. Comentário de L.G.:

Agora não restam dúvidas... O nosso camarada José Madeira da Silva e o Prof Doutor José Madeira da Silva são a mesma pessoa... Ainda não falei com ele ao telefone, mas vou continuar a tentar ligar-lhe. Apessar dos nossos afazeres profissonais, teremos seguramente oportunidade de estar juntos um dia destes. Até lá gostaria de localizar gente que tenha estado em Bula e no Pelundo, na mesma altura (1973/74) ou que tenha conhecido o nosso Alf Mil Médico José Madeira da Silva, anestesista, no HM 241, em Bissau, em 1974. (Mas também eventualmente em Nova Lamego).

Gostava que este nosso camarada se juntasse a nós, neste blogue, e partilhasse connosco memórias, em suporte escrito e fotográfico... A série Os Nossos Médicos ainda  está no início e não tem sido fácil localizar os oficiais médicos que "circulavam" pelas nossas unidades e subunidades... Muitas vezes não chegavam a criar raízes. Houve batalhões que conheceram vários médicos. Não havia só falta,no TO da Guiné, de oficiais do quadro...  Faltavam também médicos militares, cada mais assoberbados com a assistência às populações civis, no âmbito do programa de Spínola da Guiné Melhor. Qualquer ajuda, para identificar e localizar médicos que tenham estado na Guiné durante a guerra colonial,  será bem vinda...

Dos camaradas que pertenceram a este batalhão, tenho o registo do António Faneco, que foi 1º Cabo da 1ª CART / BART 6251 (tendo passado pelo três meses Pelundo, antes de ser  recambiado para o Cantanhez, donde regressou, ao Pelundo, em Setembro de 1973). Conhecido como o Massamá, vive hoje no Montijo. Lembra-se do Dr. Paradela de Oliveira, que deve ter antecedido o Dr. José Madeira da Silva. A companhia reune-se anualmente em Mira, a maior parte do pessoal era do Norte... Já chegou a haver convívios a nível de batalhão, mas actualmente não... (Informações dadas ao telefone pelo António Faneco) (****).

Esta subunidade, a 1ª companhia,  foi mobilizada pelo RAL 5. Esteve no Pelundo, Cadique, Jemberém e Pelundo. Partiu em para a Guiné em 23/9/1972 e regressou em 27/8/1974. Comandante: Cap Mil Cav Casimiro Gomes. Alguém tem mais elementos informativos sobre este Batalhão e esta companhia ? Ou sobre o nosso Alf Mil Médico ?


[ Revisão / fixação de texto / título / bold: L.G.]
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2009  > Guiné 63/74 - P5414: Os nossos camaradas guineenses (19): Camaradas do Pelundo lêem o Diário da Guiné de Graça de Abreu (António Alberto Alves)

(**) Mensagem de 22/7/2009:

(...) "Fui Alferes Miliciano Médico e estive na Guiné em 1973 e 1974 (fechei a guerra em Outubro de 1974).


"Quando voltei, nunca mais quis ouvir falar da Guiné mas o passar do tempo faz-me recordar com saudade alguns camaradas. Simplesmente, a minha atitude inicial de rejeição fez-me esquecer quase tudo e nem sequer me lembro ao certo dos batalhões onde estive colocado.


"(...)  Como médico estive em dois batalhões, antes de ser aproveitado do Teatro de Operações para o Hospital Militar de Bissau (como anestesista), embora, mesmo já colocado em Bissau, tenha acompanhado algumas operações no terreno integrando uma equipa cirúrgica (Nova Lamego e outros lugares com nomes de que já não me lembro)...

"Onde deixei realmente amigos foi nos Batalhões, em Bula (Cavalaria?) e no Pelundo ( BART ?)(***). Seria possível enviar-me os números desses batalhões? Talvez assim conseguisse contactar alguém." (...)

(***)  As minhas pistas levam-me às seguintes unidades:

Esquadrão de Reconhecimento (EREC) 8740/72 (Bula e Bissau, 3/4/1973 - 8/9/1974:

BART 6521/72 (Pelundo, 22/9/1972 - 27/8/1974)
 
 
(****) Vd. poste de 7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5607: Memória dos lugares (66): Iemberém, sede do Parque Nacional do Cantanhez, outrora campo de batalha (Luís Graça / António Faneco)


(...) O António Faneco (de alcunha, na tropa, o Massamá), que agora nos visita (e com quem já falei pelo telefone, tendo aceite o meu convite para se juntar à nossa Tabanca Grande) vem confirmar, na qualidade de ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72, que a esta companhia, vinda do Pelundo, foi destacada para reforçar a reocupação do Cantanhez, chegando a "Cadique no dia 20 de Abril de 1973 pelas 8 horas da manhã e (...) a Jemberém pelas 12 horas, sensivelmente", local onde montou a tenda (não havia qualquer povoação) e ali "permanecemos até dia 9 de Setembro de 1973, altura em que regressámos ao Pelundo", depois de terem apanhado muita porrada e sofrido dois mortos em combate (segundo me disse ao telefone o António Faneco). (...)
 
Vd. também 7 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5605: O Nosso Livro de Visitas (78): António Faneco, ex-1.º Cabo da 1.ª CART/BART 6521/72 (1972/74)

Guiné 63/74 – P5711: Histórias do Eduardo Campos (6): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 6): Nhacra


1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º
Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, enviou-nos a 6ª fracção da história da sua Companhia, em 24 de Janeiro de 2010:

CCAÇ 4540 – 72/74
"SOMOS UM CASO SÉRIO"

PARTE 6

NHACRA

Como nesta região não tenho, felizmente, episódios de guerra para narrar, vou tentar descrever, o mais pormenorizado possível, como era constituído o terreno desta região.

A área do subsector de Nhacra, tinha por limite a Norte o Rio Mansoa, a sul o Rio Geba, a Oeste o Canal do Impernal e, a leste, confinava com o Dugal.

Era atravessada, nos seus limites, por uma estrada asfaltada (com grande movimento de pessoas e viaturas), que ligava Bissau a Mansoa e, ainda, pela ligação entre Nhacra e Cumeré, também ela em estrada asfaltada.As tabancas mais populosas tinham ligações com as estradas principais, através de picadas largas.Sobre o Canal de Impernal e no itinerário Bissau – Mansoa, encontrava-se a Ponte de Ensalmá, onde se mantinha em permanência um destacamento da Companhia, dada a sua importância estratégica e pelo facto capital de ser a única Ponte, que permitia a ligação por terra, entre Bissau e o resto do território da Guiné.

O terreno apresentava uma uniformidade e configuração incaracterísticas, em que os relevos praticamente não existiam, apenas entrecortado pelas bolanhas que abundavam nessa região, visto formarem-se a cotas inferiores às do terreno.

Hidrográficamente a região era rica, com os importantes rios Mansoa e Geba bastante caudalosos na preia-mar, que chegavam a atingir cerca de três metros de amplitude e invadiam uma série de canais, do qual se destacava o Canal do Impernal, que estabelecia a ligação entre eles, dando origem à ilha de Bissau… Sim disse ilha, porque Bissau era uma ilha e, curiosamente, muitos dos nossos camaradas desconheciam o facto.

A mata era muita reduzida nessa região, exceptuando-se pequenas manchas existentes no extremo norte do Rio Geba e nas proximidades do Canal do Impernal.Na zona interior a savana arbustiva, era salpicada aqui e além, por árvores de grande porte (poilões), mangueiros e cajueiros.

Nas Zonas marginais dos rios e dos canais, zonas extremamente pantanosos, abundavam as plantas hidrófilas que se ramificavam em múltiplas raízes, formando o que se designava por “tarrafo”.A fauna, sem ser abundante, poderia considerar-se rica em diversas espécies.

Além dos animais considerados domésticos (bovinos, caprinos, suínos e galináceos), destacavam-se as gazelas, os porcos-espinhos, os macacos, as hienas e as cabras do mato.

Nas aves destacavam-se os pelicanos, as garças os piriquitos, perdizes, rolas, codornizes, galinha-do-mato, patos e os jagudis.

Aspecto da entrada e porta-de-armas do Quartel (Nhacra)

A banhos na piscina em Nhacra

Continuando os banhos na piscina de Nhacra

Jogando o King

Nós e os putos

Na tabanca dos Balantas (Nhacra)


Um baga-baga de respeito

Aspecto do interior do Quartel em Nhacra

Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCaç 4540

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5710: Tabanca Grande (201): João Adelino Aves Miranda, ex-1.ª Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/73 (Guiné 1974)



1. O nosso Camarada João Adelino Aves Miranda, 1° Cabo Radiotelegrafista, da 1ª CCAÇ do BCAÇ 4610/73 - Cumeré, Canquelifá, Nhamate -, 1974, actualmente emigrado na Alemanha, enviou-nos com data de 24 de Janeiro de 2010, a seguinte mensagem:


Camaradas,

Chamo-me João Adelino Aves Miranda e fui 1° Cabo Radiotelegrafista da da 1ª Companhia do BCAÇ 4610/73, Canquelifá, Nhamate, tendo embarcado no navio Niassa, no dia 9 de Abril de 74, embora o navio só tenha zarpado passados dois dias, a 11 de Abril, derivado ao atentado à bomba de que foi alvo.



Chegados à Guiné, fomos para o Cumeré, onde fizemos o IAO, e, cerca de um mês mais tarde, eu e outros especialistas seguimos num NordAtlas para Nova Lamego.


Aí chegados, transitamos para uma coluna auto que nos levou para Canquelifá, onde nos juntámos ao resto da companhia.

Sei também que estive em Nhamate.

Depois à medida que íamos entregando os destacamentos ao PAIGC, fomos regressando a Bissau, a pouco e pouco, em curtas viagens e consequentes estadias.

Mas depois irei contando o pouco que ainda me lembro. Quanto ao facto de aderir à Tabanca Grande seria uma honra se mo permitissem.

Para regressarmos a Portugal, embarcamos em Pijiguiti, no navio Uíge, em 14 de Outubro de 1974.

O mais curioso e engraçado é que tu e eu viajamos juntos, neste regresso a casa, ou seja viemos juntos para Portugal, pois segundo o que acabamos de descobrir na nossa troca de e-mails, naestat viagm do Uíge embarcaram em Bissau, 3 batalhões o meu 4610/73 (4 companhias), o 4510/73 (só com 1 companhia) e o teu 4612/74 (3 companhias).


Estou a viver na Alemanha e quando vou a Portugal de férias, fico em Torres Vedras, por isso, em relação ao nosso reencontro pessoal não fica esquecido, garanto-te.

Um abraço,
Joao Miranda
1° cabo radiotelegrafista da 1ª Cia do BCAÇ 4610/73


2. Camarada João Miranda, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, quero dizer-te que é sempre com alegria que recebemos notícias de um periquito, que esteve na Guiné, e, mais ainda quando ele está na diáspora.


Tal como o Luís Graça já referiu em anteriores textos colocados em postes no blogue, eu, tu e todos aqueles que constituíram a geração dos últimos “guerreiros” do Império, temos alguma coisa a contar para memória futura e colectiva, deste período sangrento da História de Portugal, que foi a Guerra do Ultramar.

Eu, pessoalmente, costumo afirmar que entregamos, incondicionalmente, ao IN aquele pedaço de terra, onde centenas de Camaradas nossos (irmãos, primos, amigos, etc.), que haviam falecido em combate, para que alguns pudessem dizer: “Isto aqui é Portugal!”

12 anos de manutenção de um legado histórico, mantido com muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sofrimento, morte…

Não apontando culpas a ninguém em especial (quem sou eu para as fazer), apenas me dói, bem no fundo da alma, ver nos últimos 35 anos o modo como os políticos portugueses tratam aqueles que, nos seus 21/22/23 anos, deram o seu melhor, como podiam e sabiam, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos feitos no lodo em meios completamente hostis e perigosíssimos…

Aguardamos que nos contes aquilo que ainda lembras e se tiveres fotografias daquele tempo, como por exemplo da entrega dos aquartelamentos, envia-nos para publicação.

Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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Guiné 63/74 - P5709: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (2): A(s) guerra(s) e a(s) maneira(s) de a(s) fazer

1. Mensagem, com data de 15 do corrente, enviada  pelo ainda recente membro da nossa Tabanca Grande, Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, CCAÇ 675 (Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), Prémio Governador da Guiné (1966), empresário hoteleiro, camarada e amigo do nosso JERO

Assunto - A(s) Guerra(s)

A Guerra é, provavelmente, o alvo mais recriminado pelos Humanos; no entanto ela existe, prolifera e espalha-se intensamente por todos os cantos do mundo. Muitos a contestam, a detestam, a abominam... mas milhões a praticam todos os dias.

Uma coisa é matar para não morrer – uma inevitabilidade. Mais recriminável é matar aos milhares, cidadãos indiferenciados que nada de mal fizeram para que tal lhes acontecesse... apenas estavam no local certo (errado) à hora certa.

A Guerra é, digo eu, a mais antiga profissão do mundo!

Há quem defenda que a mais antiga é aquela outra actividade... a "da perna aberta" ou "à vela" que se praticava (pratica?) largamente na mata de Monsanto e continua abundantemente na margem de muitas estradas deste nosso rectângulo à beira mar plantado.

Os defensores desta são principalmente as "rachistas" que gostam muito de dizer coisas. Eu, porém, continuo a defender a "minha dama" e apresento argumentos.

Vejamos!: Caím, em tempos bíblicos, talvez com um único pontapé, não se sabe bem onde – mas suspeita-se, - enviou o irmão, Abel, para o Jardim das Tabuletas.

Terá sido esta a guerra mais mortífera e a mais curta de que há memória; uma elevadíssima percentagem dos habitantes do planeta foi, naquele momento, prestar contas ao Criador. E nessa altura ainda não havia sido inventada aquela terrível arma devastadora a que se convencionou chamar "coup de poing".

A arte de lutar, porém, evoluiu "rapidamente" durante os milénios que se seguiram. Mais ou menos sequencialmente, usaram-se pedras, facas (de madeira, antes e metálicas, depois) espadas, lanças e setas; no lado oposto apareceram os antídotos: os escudos (primeiro de couro... depois metálicos), elmos, capacetes e as pesadas armaduras que atingiram o auge na Idade Média. Surgem os castelos fortemente resistentes construídos em pontos estratégicos e/ou de difícil acesso.

A cavalaria foi durante séculos a implacável decisora de vitórias e derrotas.

Com a Guerra dos Cem Anos, em França, e a sua ramificação na Península Ibérica (a Luso Castelhana Guerra da Independência) a Infantaria passou a ser – defendem os Infantes – a rainha de todos as armas.

De facto quer em Poitiers e Azincourt quer em Aljubarrota e Valverde a Infantaria dizimou as fortíssimas cavalarias francesa e castelhana.

A evolução acelera com os canhões, as espingardas, os carros de combate (os substitutos das romanas catapultas) e os castelos passaram a ter interesse apenas para o turismo; aparece a aviação, as bombas atómicas e quejandas... e os mísseis; surgem outros antídotos: abrigos, bazucas, ati-aérias e os anti-mísseis.

Quando parecia que tinham sido já inventadas todas as belicosas armas mortíferas e os diferentes modos de as usar... eis que surgem outras variantes: a guerra fria, a psicológica (era a que meu pai – que Deus o tenha em bom lugar – usava comigo – só contarei a pedido) os movimentos autonomistas e emancipalistas que trazem consigo a guerrilha e por fim os homens-bomba. Será o fim? No mínimo é o fim dos que se fazem explodir. Isto não é guerra... é doidice!

É na guerrilha que vamos deter-nos; com ela todos convivemos cerca de dois anos. A guerrilha é mais uma maneira "legal" de matar em que pequenos grupos armados (bate e foge), militarizados ou não, substituem batalhões, divisões e exércitos numerosos.

Na nossa guerrilha não consta que houvesse homens-bomba mas havia minas e armadilhas, armas altamente perigosas e nada selectivas. A diferença é que aqui o seu autor, em princípio, não vai accioná-las.

Na guerrilha (talvez mais que nas guerras de numerosas gentes) a inteligência, a esperteza, a imaginação e o conhecimento do terreno são atributos da maior importância, ultrapassados, talvez e só, pela "posse" da população não combatente – como defendia Mao Tsé-Tung. Como afirmei em texto anterior, pertenci à CCaç 675 e pertencerei até ao fim dos meus dias.

O nosso capitão, além de "secreto" estudioso de Mao, era extremamente inteligente e sabia muito de guerrilha; ensinava-nos quanto podia; não seríamos tão bons receptores como ele era bom emissor; fazíamos o que podíamos.

Normalmente os nossos instrutores da E. P. (Escola Prática) sabiam apenas (ou quase) o que vinha no Guia Oficial Miliciano – creio que era este o nome. Mas também o(s) seu(s) autor(es) pouco mais seriam que aristarcos de outros aristarcos e nós... carne para canhão.

Se seguíssemos à letra o que vinha no livro, na Guiné não poderíamos montar emboscadas segundo aqueles cânones.

Sendo o terreno quase completamente plano (o ponto mais alto – cerca de 220 m – chamava-se Cuntima que significa colina do Norte) não existiam os tais obstáculos na berma da estrada para evitar a fuga de quem era emboscado. Esquecendo as regras ensinadas na E.P. montaram-se muitas emboscadas bem sucedidas.

Lembro aqui um alferes, meu instrutor em Mafra, que, quando chegou à Guiné, em Janeiro de 1966, me perguntou, no QG de Bissau, como reagíamos, lá às emboscadas. Resposta directa:
- Tal como me ensinaste em Mafra! Lembras-te?!

Ao que ele retorquiu:
- Lá, cada um "largava a posta" como podia!
- Havia muitas maneiras de "largar a posta" e tu não respeitavas sequer os teus subordinados, o que molestou muita gente.

De seguida, no café do Bento, contei-lhe como na CCaç 675 reagíamos às emboscadas e outras coisas de interesse... e logo ali o diferendo ficou sanado.

Há varias maneiras de fazer guerra segundo a imaginação e o saber de cada um:

A - Guerra "amorosa" e respeitosa

Um dia aprisionámos uma mulher de 30/40 "chuvas" (esta veio connosco). Dias depois o "capitão, com a necessária e prestimosa ajuda do nosso guia, perguntou-lhe se preferia continuar junto da tropa ou regressar ao mato. Desculpa atrás de desculpa... manifestou vontade de voltar ao seu "chão"... por causa da família.

O capitão ofereceu-lhe cerca de uma arroba de arroz e uns "panos" – manga de ronco – e transmitiu-lhe o seguinte recado:
- Vais dizer ao pessoal que retire os abatises entre Banhima e o rio Buborim (limite oeste de nossa zona); caso tal não aconteça destruirei os vossos acampamentos e não há mais arroz nem panos para ninguém !

Este vosso escrevinhador foi incumbido de transportar a "prisioneira" (ex) até ao primeira abatis. Lembrei-lhe ali o recado do capitão e imformei-a que não podia levá-la mais além porque as viaturas não podiam passar.

Uns dias mais tarde voltámos àquela zona e já não havia obstáculos na estrada; como não podiam retirar as árvores... queimaram-nos no local.

Até Abril de 1966 não houve mais abatises na estrada... mas eles abandonaram a zona.

A isto chamamos "Respeito"!... É bonito!


B – Avisar o Inimigo


Pode fazer-se guerra (não convencional) avisando amável e amigavelmente o IN dos reais perigos que pode encontrar em determinado local.

A cerca de 7 km de Binta, na estrada de Bigene, havia uma pequena ponte de madeira; os independentistas queimaram-na. Sempre que por ali nos deslocávamos (o que era frequente) usávamos pranchas de madeira e/ou as vigas em "U" metálicas das Mercedes para cruzar o ribeiro. Com aquele "toma a viga", "coloca a viga" e "recolhe a viga" perdia-se muito tempo e, com o ruído dos motores, acordávamos o IN fora de horas.

Os independentistas eram muito sensíveis! Por vezes amuavam e até faziam "birra" porque não podiam dormir a sono solto.

Era urgente mudar de rumo.

O capitão incumbiu-me de fazer ali uma ponte para que, sem dificuldades acrescidas, pudéssemos visitar os "turras" nos seus "aposentos" (covis, dizia o Alf Mendonça) enquanto iam permanecendo (por pouco mais tempo) naquela zona.

Como escrevi em texto anterior, na vida militar, especialmente em campanha, éramos "pau para toda a colher" (*).  Desta vez saiu-me na rifa ser engenheiro e empreiteiro de pontes... sem direito a apresentar a conta ao dono da obra.

Mandei rebaixar o piso da estrada cerca de 20 cm nas duas margens; derrubámos cinco palmeiras; cortámos os troncos à medida e com a ajuda do Unimog, colocámo-nos sobre o ribeiro; e qualquer das nossas viaturas já podia passar em segurança e sem mais delongas.

Aqueles troncos eram demasiado pesados para serem removidos à mão.

Na berma da estrada coloquei uma placa de "sinalização" com a seguinte informação com letra garrafal e a vermelho: "Atenção! – há armadilhas!" E desenhei toscamente dois ossos e uma caveira – sinal de explosivos.

Armadilhei apenas a placa com uma granada de mão instantânea de fabrico nacional e outra com retardador, de fabrico canadiano.

O IN passou por ali; achou graça àquela informação... real e sincera; arrancou a placa e... pum-pum... a armadilha funcionou.

Inicialmente não acreditaram na veracidade do aviso mas convenceram-se que haveria ali mais explosivos porque nunca mexeram naquela ponte rústica e obtusa construída por um engenheiro improvisado.

Como se depreende, do que atrás foi dito, a guerra pode ser feita com carinho e respeito – 1º caso e pode ser um aviso e de forma quase lúdica – 2º caso.

Nota: quase quarenta anos depois soube por um guineense (tinha naquela época 7/8anos) que os habitantes de Binta (os naturais e os "retornados" do mato e/ou do Senegal) me apelidaram de "olho de gato" porque as minhas armadilhas funcionavam sempre.

Cumpre informar que eu não tinha o "curso de minas e armadilhas" que era ministrado a um oficial de por companhia durante 3 ou 4 horas de instrução. Pensem nisto! Era mesmo assim!

Sexta, 15 de Janeiro de 2010

Belmiro Tavares (P)
Ten Mil

[Fixação / revisão de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

Sobre a guerra haverá centenas, milhares, de citações... Gosto de algumas, mais sociológicas e pragmáticas como de Clausewitz (1780-1831), o general prussiano que combateu Napoleão: "A guerra é a continuação da política de Estado por outros meios", o que implica a subordinação do poder militar  ao poder político e primado das questões éticas... Ou se quisermos o objectivo da guerra não é levar à destruição total do inimigo, mas levá-lo à mesa de negociações, onde os termos de troca são sempre mais vantajosos para os vencedores...

Outras definições são mais morais e filosóficas como a do nosso  Padre António Vieira, grande mestre da lusofonia:  “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades, em que não há mal algum que, ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a sua cela; e até Deus nos templos e nos sacrários não está seguro”. (In: Sermão Histórico e Panegírico nos Anos da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia, II).

E gosto da definição do Belmiro, pura e dura: "A guerra ?  Há muitas, tantas quantas as maneiras de a fazer....". Alguns dirão que é uma definição "cínica"... Mas, e a guerra de guerrilha e de contra-guerrilha ?  Também aqui vale  tudo ?

A segunda história trouxe-me à memória o debate que ocorreu em França há muitos anos (talvez nos anos 70 ou 80) a propósito de um caso que deu brado na comunicação social, no sistema judicial e no meio político... Farto de ver assaltada a sua casa de campo, um antigo veterano da guerra da Argélia lembrou-se de armadilhar a porta de entrada... Mas não descurou a sinalização de segurança: "Cuidado, entrada armadilhada"... O ladrão seguinte teve azar: não sabia ler...

Um Alfa Bravo, Belmiro. LG
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Nota de L.G.:

Vd. primeiro poste da série de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5336: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (1): Quatro Histórias com Mural ao Fundo

Guiné 63/74 - P5708: Notas de leitura (59): Armor Pires Mota (4): Cabo Donato Pastor de Raparigas (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2010:

Queridos amigos,
Depois da jornada de ontem, na Livraria Verney, ouvindo, comovido, as impressões e comentários que o Luís foi transmitindo a uma assistência marcadamente militar sobre os meus livros, regressei a casa a gritar com um ataque de ciática, fui parar à urgência de Santa Maria e aproveitei aquela confusão entre a madrugada e o amanhecer para ler estes dois livros do Pires da Mota.
Li praticamente tudo de pé, as dores não consentiam outra posição. Aproveito para agradecer a presença de muita malta da tabanca grande que veio até Oeiras, para nos escutar.

Um abraço do
Mário



ARMOR PIRES MOTA (4)
Da poesia “Tempo em que se mata mesmo em que se morre” até ao livro de contos “Cabo Donato Pastor de Raparigas


Beja Santos

A comissão na Guiné marca a maior parte das obras de Armor Pires Mota. Já referimos “Tarrafo”, referência incontornável da literatura da Guerra da Guiné (testemunho em directo, publicado no Jornal da Bairrada, um género de diário que, por definição, não podia ter retoques, o repórter estava sempre em cima do acontecimento, o seu teatro de operações, mais ninguém se abalançou a tal temeridade), “Baga-Baga”, uma poesia nostálgica, um suplemento lírico filtrado de “Tarrafo”; e “Guiné, Sol e Sangue”, uma sequência de narrativas e contos em que Pires Mota retoma o seu itinerário de combatente e vem dar algumas justificações ideológicas para a guerra em que participou. Tudo isto entre 1964 e 1968.

Em 1974, volta à poesia, tumultuam na maioria dos seus poemas imagens impressivas da guerra: morros de baga-baga, corpo metralhado, dedo no gatilho, um obus, uma granada, por cada emboscada ganha, a água do tarrafo... ou então

Nos olhos espantados do negro Mamadu de Có
fumega ainda um sangue solene e espesso,
colheu-o a noite de aço, suor e pó

...............................................................................

É inútil fugir, mãe, fugir à sorte
e vou morrendo assim,
de granadas na mão,
morrendo a hora, o capim

................................................................................

companheiros, tombados no tarrafo, de pé,
vêm reunir-se dentro de mim.


O seu livro de poesia “Tempo em que se mata mesmo em que se morre” abraça as recordações do combatente, o sofrimento pela incompreensão de muitos face à guerra em África, adquire tons épicos e uma toada lírica onde não está ausente a sua filiação cristã, a sua fé inabalável.

Cabo Donato Pastor de Raparigas” é uma grande surpresa. De contos se trata, histórias sem conexão em que Armor Pires Mota cede à pilhéria, ao rocambolesco, à sátira política, mas também aos pungentes amores da guerra, a brutalidade de interrogatórios, as façanhas dos boinas verdes.

Tudo começa na antiga sociedade, em eleições de farsa, em que o senhor conde pretende ser deputado da Assembleia Nacional contando com os votos da gente da Silveirinha. É uma paródia completa em que os senhores de antigamente procuram safar os filhos da guerra. “Os diabólicos dias de Mansabá” são seguramente autobiográficos, relatam a dureza de guerra. As melhores páginas vêem no conto seguinte “O insubmisso Vicente”, o eterno drama do jogo duplo em que Vicente não aguenta a tortura do interrogatório e procura suicidar-se. Este data de 1991, o autor perdeu a contenção deixa a prosa correr com o calão, os diálogos curtos e incisivos, o grotesco das imagens. O conto seguinte “O Menino Jesus Era Negro” é de uma enorme beleza, faz realçar uma dominante da obra literária de Armor Pires Mota que é o cruzamento afectivo entre brancos e pretos. Chegamos a “Cabo Donato, Pastor de Raparigas”, um relato de uma enorme intensidade lírica, um homem que jaz agonizante no hospital e que só pensa no seu amor por Sano, vai desfiando o seu rol de pedidos ao furriel Cunha Velho. Mas o estado de saúde melhora, os amantes reencontram-se, o que se passou depois não cabe na história, o importante são os amores que triunfam quando tudo parece caminhar para o naufrágio.

Armor Pires Mota volta aos seus grandes parágrafos. Mas ficam ainda mais surpresas para contar sobre alguém que já leva 50 anos de vida literária.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5701: Notas de leitura (58): Armor Pires Mota (3): Guiné: Sol e Sangue (Beja Santos)