quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5834: José Corceiro na CCAÇ 5 (4): Recordações do Sargento Enfermeiro Cipriano

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 15 de Fevereiro de 2010:

Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com simpatia e agrado que apresento esta simples dissertação, do nada que privei com o Sarg Cipriano, para “Postar” se assim o entenderem.
Apresento os meus agradecimentos.
Um Abraço
José Corceiro


RECORDAÇÕES DO SARGENTO CIPRIANO

Não vou fazer grande dissertação nem eloquência e elogios, porque não privei muito, nem fiz parte da esfera dos amigos íntimos do 2.º Sargento Cipriano Mendes Pereira, que era o enfermeiro quando eu fui para a CCAÇ 5. Não me sinto habilitado para ajuizar méritos, capacidades e valores da pessoa em causa, e a análise final que faria, seria em função da empatia, ou não, existente entre nós. Era de etnia Manjaco, natural de Empada, Guiné.

Tinha com ele um relacionamento cordial, óptimo, de duas pessoas civilizadas que algumas vezes foi para além do restritamente militar. Houve algumas confidências de índole privada de parte a parte, coisas de ocasião e é essa a razão que me apraz contar aqui alguns dos episódios que com ele vivenciei. Era pessoa que aparentava ser afável, de acesso fácil, expandia-se em riso com facilidade e contagiava a todos os que o rodeavam, com a sua hilaridade cativante. Mesmo nos momentos mais tensos, notava-se nele um semblante leve. No seu rosto, descortinava-se um meio sorriso enigmático, do género do manifesto no quadro do Leonardo da Vinci (em Mona Lisa).

Atenda-se, quando me refiro ao Sargento Cipriano e digo com ar de gozação, não é em sentido depreciativo, mas conexo com humor e intuito de inflamar boa disposição aos que o circundam.

Quando o Sargento Cipriano me perguntou o meu nome, na primeira operação que fiz com ele para o mato, ainda estou a ver no seu rosto, o ar de gozo estampado no sorriso, realçado com a alvura dos dentes, contrastando com a cor púrpura da pele, consequência do diálogo havido!

- Como se chama o nosso militar? - Perguntou-me ele.

Eu respondi: - O meu nome é José Manuel Corceiro.

Ele em tom de gozação disse: - Ah! É da família do aviador?

Eu retorqui: - Não sou Couceiro, mas sim Corceiro, descendente do Corsário Francis Drake, Chefe dos Piratas dos Mares.

Ele respondeu em tom cordial, mas com golfada de riso: - Vai ter dificuldade em andar em terra?

Eu respondi: - Espero fazer uma boa rodagem, calma e tranquila…

Quando havia Operação para o mato, habitualmente o pessoal de enfermagem ficava junto, ou próximo, do pessoal de Transmissões, quando acampava para passar a noite, ou para descansar e comer a bucha, numa parte central do acampamento, muito próximo do Comandante da Operação. Sempre que a Operação era a nível de Companhia, mais de dois Pelotões a sair para o mato em simultâneo, por norma, (houve época que era regra), além do Cabo Enfermeiro ia o Sargento Enfermeiro. Nestas ocasiões, ficávamos próximos e às vezes falava-se um pouco de tudo, vulgaridades e ele gostava de conversar comigo.

Como em tempos já disse, o meu problema e principal inimigo na Guiné, foi a alimentação. Houve alturas que passei maus momentos. Recordo uns dias difíceis em que tudo o que comia ou bebia, vomitava imediatamente. Calor abrasador, estava com febre, não conseguia digerir nem os líquidos que bebia, tinha conhecimentos das consequências que poderiam advir deste meu estado de saúde, mais aflitiva se tornava a minha preocupação, pois estava a progredir para desidratação e podia evoluir e entrar em estado de choque. Não retinha os líquidos que ingeria, com a agravante que perdia os que expelia, nos vómitos e transpiração. Os sintomas eram evidentes: Anúria (falta de urina), fraqueza geral, dores de cabeça, perda de equilíbrio, taquicardia (ritmo cardíaco acelerado, o volume de sangue diminui no organismo por falta de água, o ritmo cardíaco tem que aumentar). Já me tinham administrado duas injecções, mas não era a mesinha adequada ao meu estado. Não podia assistir impávido ao desenrolar da situação, tinha que agir enquanto podia. Levantei-me da cama, no abrigo onde dormia e a cambalear consegui arranjar forças e fui falar com o Sargento Cipriano. Na altura, ainda não existia o espaço que se passou a chamar Posto Clínico, havia simplesmente uma tabanca normal dentro do aquartelamento, onde eram atendidos os doentes, estavam os medicamentos e utensílios de saúde. Havia horários de atendimento.

O Sargento Cipriano, quando me viu chegar ao “posto clínico”, dirige-se a mim com ar de gozo e diz-me: - Oh! Já temos homem, já temos aqui garanhão!

Eu respondi: - Meu Sargento, não goze comigo por favor, que eu estou muito mal, a continuar assim fico é raquítico, se não for pior, estou completamente exausto e debilitado, já dois dias que tudo o que como ou bebo vomito logo de seguida, o caso é sério estou-me a depauperar, tem que me arranjar um suplemento vitamínico, para me revigorar e fortalecer e parar estes vómitos, porque estou a ficar desnutrido e se não melhorar imediatamente, tem que me administrar soro, ou evacuar-me, pois eu sinto-me a definhar e estou a entrar em estado de desidratação. Agora, para agravar o quadro clínico, há pouco estive a vomitar, tossi e expeli sangue, desconfio que é hemoptise!

Quando eu disse a palavra hemoptise, olhou para mim de olhos arregalados e disse-me: - O que sabe o nosso Cabo sobre hemoptise? Aqui as decisões, quem as toma, em relação aos doentes, sou eu, não me venha para aqui a inventar casos!?

Eu disse-lhe: - Meu Sargento, não estou a inventar nada, tudo o que eu disse é a realidade, acho que o devo alertar para a minha sintomatologia, pois o meu quadro clínico é preocupante e o meu Sargento como responsável da área, deve agir em conformidade e não por em causa a minha palavra. Quanto a hemoptise, é um quadro clínico em que o doente expele sangue na expectoração quando tosse, proveniente das vias respiratórias, portanto é sangue normal e limpo, que é diferente do procedente do trato digestivo, onde os sucos gástricos através das enzimas actuam alterando a sua textura e aspecto.

Tivemos uma longa conversa de total abertura, onde falamos diversas coisas e o chamei à razão e lhe fiz ver, que eu não era a ovelha com ronha, nem ranhosa, que andava a ensaiar um golpe de teatro para ser evacuado, como eu me tinha já apercebido que pensavam. Muito longe da minha pessoa tal intenção, eu o que queria era saúde e força para executar a missão na qual estava incumbido, porque sou uma pessoa íntegra e leal.

Deu-me mais uma injecção, (não vi rótulo mas devia ser da família dos psicofármacos aos quais eu era adverso, fiquei logo com sonolência) deu-me um xarope, antiasténico (combater a fadiga, complexo vitamínico) e uma carteira de 10 unidades de Librium 5, que não tomei nenhum, achava que poderia haver um pouco de ansiedade, mas não era caso para me encharcar em comprimidos. O meu mal era fome. Passou-me uma baixa por três dias e disse-me para lá ir no dia seguinte.

No dia seguinte, o ritmo cardíaco estava um pouco melhor, vómitos diminuíram, as melhoras eram poucas, mas já era estimulante.

Lá fui novamente ao Sargento Cipriano, esteve-me a ver a tensão arterial, disse-me que estava bem melhor e que o meu mal era falta de cerveja. Aproveitei e pedi-lhe umas injecções de complexo B, (B1 B12).

Ele respondeu-me: - Querem lá ver o nosso Cabo só quer é dar trabalho ao pessoal de saúde!

Eu disse-lhe: - Trabalho não dou nenhum, porque eu mesmo aplico as injecções e tenho seringa e agulha só me falta meio para esterilizar.

Ele olhou para mim, com ar incrédulo, com sorriso malandro, que lhe era peculiar, (que alguns interpretavam como cínico) algo desconfiado e diz: - Essa agora, pago para ver sentado no camarote...!

Eu respondi-lhe: - O pagamento é tão só disponibilizar o material, que eu faço o resto.

Os objectos clínicos, eram esterilizados num tacho com água, que se punha a ferver nas antigas máquinas a petróleo. Tinha o material esterilizado, preparei a injecção e apliquei-a à vista dele e expliquei que só dava no glúteo direito. Tivemos ali mais uma grande conversa.

Acabou por me oferecer duas caixas de inox, próprias para andar com seringa e agulha esterilizadas, uma caixa com seringa de 5ml e a outra de 10ml, com duas agulhas cada. Foi um gesto de reconhecimento e gentileza da parte dele, e ainda hoje tenho esse material, só por valor estimativo, pois nunca o usei. Uma das caixas deve ser exclusivo militar, pois nunca vi à venda em lojas de material clínico.

Acedeu, a receitar-me 12 injecções B1 B12 (umas encarnadinhas). E mais, autorizou, sem ter autorizado (ficava entre nós) que quando quisesse, discretamente, logo que houvesse muito movimento de civis, no “posto clínico”, podia ir dar uma ajuda sempre que estivesse disponível. Era um trabalho que muito me estimulava e para o qual me sentia potenciado. Por essa razão, fui sempre muito ligado ao pessoal de saúde, cada um em sua época, “Tó Mané”, Soares e Diniz que teve a infelicidade da mina lhe ceifar a juventude. Um destes dias falo do Diniz. A partir deste dia, não sei porquê, o Sargento Cipriano passou a tratar-me sempre por senhor Corceiro e não nosso cabo, como costumava, a moda ia pegando.

Em Canjadude, o Sargento Cipriano, era o responsável pela área da saúde, quer dos militares, quer dos civis. Tinha paralelamente incumbências no campo do ensino. Atendendo aos parcos recursos de que dispunha, quer a nível de material escolar, quer instalações e até formação para leccionar, agravados pelos limites de disponibilidade de tempo, que outras tarefas lhe absorviam, (até abriu um “bazarzinho” na Tabanca, com artigos variados para vender aos civis) fazia na docência o que podia. As crianças ainda eram algumas, estive mais duma vez na escola durante a aula e dezenas de vezes, em momentos de lazer, pois podia-se entrar livremente, que não havia porta a obstruir a passagem. Para mim, a noção que ficou, é que o aproveitamento era mínimo, pois era um ensino descontinuado num meio de total analfabetismo, mas é de enaltecer o esforço e disponibilidade do Sargento Cipriano. Eram crianças humildes e submissas e o pouco que aprendessem, era sempre benéfico, ainda que merecessem muito mais.

O Sargento Cipriano tinha morança em Nova Lamego, onde vivia a esposa com os dois filhos. Era frequente, quando havia coluna de abastecimento de Canjadude, que eram amiudadas, ele ir ver a família. Numa coluna que fiz, a Nova Lamego, ao passar numa rua encontrei-me acidentalmente com ele e a esposa, que me foi apresentada, junto à residência deles. A senhora vi-a mais uma vez, ou duas, com os dois filhos.

Enquanto estive na Guiné, os meus pais mandavam-me mensalmente duas encomendas, quando não eram três, cada uma com o peso a rondar 5Kg, ao abrigo dum acordo entre Ministério do Ultramar e os CTT, que obedecia a determinados quesitos, que agora não lembro. O conteúdo das encomendas, era sempre muito uniforme, 2 ou 3 queijos, uns chouriços, umas carnes enlatadas Espanholas e às vezes uns bolos. Os chouriços e os queijos, tinham que ir muito bem besuntados com azeite e pimentão e acondicionados dentro de caixa, senão ganhavam logo bolor. Numa das vezes, que estava a petiscar na cantina com camaradas esses pitéus que tinha recebido dos meus pais, passou o Sargento Cipriano, fiz questão que provasse o queijo. Ele provou e disse que era divinal. Pudera, era queijo da Serra da Estrela. Ao receber nova encomenda, reservei um queijo e dei-o ao Sargento Cipriano, para provar com a família. Tínha-me ficado uma “china” no sapato, pelo gesto lindo que teve em me dar as duas caixinhas de inox com as seringas, ainda que o valor material não fosse muito, era a acção em si e eu quis agradecer.

Passados uns dias, o Sargento Cipriano pediu-me para lhe tirar umas fotos, mas a intenção dele era outra. Levou-me ao depósito de bebidas e disse-me que escolhesse duas garrafas de whisky, que me queria dar uma por ele, outra pela esposa, que tinha ficado muito reconhecida pelo queijo. É lógico, que por muito que ele insistisse, não escolhi nenhuma garrafa. Mas passados dois ou três dias, ele vem com um embrulho e eu tive que aceitar, eram duas garrafas de whisky, uma Dimple, (garrafa triangular) e outra Monks (garrafa cerâmica) que ainda hoje tenho intactas juntamente com outras.

O Sargento Cipriano deixou a CCAÇ 5, deu outro rumo à vida e foi substituído por um Furriel Enfermeiro metropolitano, não tenho data precisa, mas creio ter sido meados 1970. No dia 15 para 16 de Novembro de 1970, Nova Lamego foi atacado pelo IN, o Sargento Cipriano estava na sua morança, no momento do ataque (não lembro se na altura ele fazia parte do Batalhão Militar de Nova Lamego, mas creio que não, embora pertencesse ao Exército), e durante o flagelo, que foi intenso, houve muitos mortos e feridos. O Sargento Cipriano, refugiou-se para se proteger com a família no quintal da morança, numa estrutura de madeira que tinha debaixo duma árvore, presumo que era uma mangueira. Uma “roquetada” traiçoeira e certeira, caiu na árvore, ceifando a vida ao Sargento Cipriano e à mulher que morreram abraçados um ao outro; morreu também um dos filhos. Isto, tenho eu nos meus registos, mas há nuances de imprecisão (eu só conheci dois filhos, se um morreu, só pode ter ficado um, já me disseram que há dois filhos vivos. Será que tinha três filhos e eu só conhecia dois?). Nesta fatídica noite, eu não estava em Nova Lamego, mas estava lá sim um Pelotão da CCAÇ 5, que já uns meses largos era frequente haver rotatividade nos pelotões a deslocarem-se para outros destacamentos, nomeadamente Nova Lamego. Já quando da Operação Mar Verde, um Pelotão da CCAÇ 5, que eram nativos, esteve mais dum mês em Buruntuma, onde num ataque a esta localidade, em 03 de Agosto de 1970, foi ferido o 1.º Cabo, Viriato Augusto Gonçalves, de Transmissões.

Aqui ficou o meu testemunho, de algumas recordações que tenho do 2.º Sargento Cipriano, que em tempos foi Enfermeiro na CCAÇ 5, em Canjadude, a quem a guerra tirou a vida em 16/11/1970, com trinta e poucos anos de idade, deixando órfão de pai e mãe, um filho ou dois, ainda crianças.

O meu respeito e estima, ao 2.º Sargento Cipriano Medes Pereira e esposa, da qual não lembro o nome.

Para os tertulianos, um abraço e saúde para todos.
José Corceiro

Foto 1 > 2.º Sargento Cipriano

Foto 2 > 2.º Sargento Cipriano

Foto 3 > O 2.º Sargento Cipriano, no depósito de bebidas, a pedir-me que escolhesse uns whiskys.

Foto 6 > “Posto Clínico” de Canjadude, vendo-se no lado direito, ligeiramente atrás, do “Posto Clínico”, a tabanca que servia de “Posto Clínico” antes.

Foto 7 > Escola de Canjadude, crianças descalças, entrada livre para o recinto, nesta rua visível, logo a 30 metros começa a picada que levava ao Cheche.

Foto 9 > A petiscar na cantina, pitéus que meus pais mandavam. Primeiro plano, dois periquitos de Nova Lamego de Transmissões, vieram fazer estágio a Canjadude, Corceiro é o segundo lado esquerdo, a seguir está o Silva e de pé com a faca de mato na mão, é o João Monteiro, o cantineiro.

Foto 10 > A petiscar na cantina, primeiro plano, Pinto, Corceiro, Dias Atirador, Rogério, Viriato Gonçalves, Marques Mecânico, e de pé, atrás, Nora, só dois não eram de Transmissões

Foto 11 > Corceiro em cima do abrigo onde dormia a beber uma cerveja.

Foto 12 > Dentro do abrigo Norte, onde dormíamos, a petiscar com amigos, não me atrevo a dizer os nomes, com receio de errar.
Fotos: © José Corceiro (2010). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5782: José Corceiro na CCAÇ 5 (3): A primeira saída para o mato (2ª parte)

Guiné 63/74 - P5833: Convívios (188): Convívio/Encontro dos ex-Militares da CCS do BART 2917, no dia 27 de Março de 2010 em Coruche (Benjamim Durães)



1. O nosso Camarada Benjamim Durães (ex-Fur Mil OpEsp/RANGER, Pel Rec Inf da CCS/BART 2917 - 1970/72), enviou-nos, em 16 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem, dando-nos conta do próximo convívio do seu batalhão:

CCS do BART 2917

4º ENCONTRO-CONVÍVIO
27 de Março de 2010

Camaradas,

O nosso 4º ENCONTRO-CONVÍVIO, este ano decorrerá no próximo dia 27 DE MARÇO (data esta em que se comemoram os 38 anos do regresso da CCS do BART 2917 ao Continente), em Coruche.



A concentração do pessoal ocorrerá entre as 09h30 e as 11h30, no Largo, junto à Praça de Touros de Coruche (margem norte do Rio Sorraia).

Às 12h00, rumaremos em direcção às instalações da Santa Casa da Misericórdia de Coruche, situadas junto ao cruzamento da Estrada Nacional 114, com a Estrada Nacional 251, que dista pouco mais 700 metros do local de concentração, onde vamos efectuar o nosso 4º CONVÍVIO-ENCONTRO.

Este evento tem o mesmo custo das anteriores edições, ou seja 35,00 € por pessoa adulta e 20,00 € por criança até aos 9 anos.

Agradeço uma resposta a esta mensagem, indicando se pretendes ou não estar presente, e em caso afirmativo, quantas pessoas te acompanham (para se fazer uma estimativa do total de convivas que estarão presentes e se possam marcar, previamente, os correspondentes lugares).

Dentro de dias, enviaremos, por carta, os demais pormenores sobre este nosso 4º CONVÍVIO-ENCONTRO.

Para qualquer esclarecimento podes contactar um dos Organizadores:


Benjamim Durães

Telemóvel – 939 393 315
Ou:

António Manuel Gonçalves Joaquim

Telemóvel: - 916 470 425
Telefone: - 243 677 292

Um forte abraço e respondam já a esta mensagem,
Benjamim Durães
Fur Mil OpEsp/RANGER do Pel Rec Inf da CCS/BART 2917


Emblema e guião de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P5832: Álbum fotográfico do Júlio Tavares, Sold Cond Auto, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Parte III) (Marisa Tavares / Victor Condeço)

Última parte da mensagem do Victor Condeço, ex-Fur Mil Mec Armamento, CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69), membro da nossa Tabanca Grande, residente em Entroncamento  (foto à esquerda, quando jovem militar), com os comentários às fotos que ele selecionou do álbum fotográfico da Marisa Tavares, filha do nosso camarada Júlio Tavares (1945-1986), mais conhecido pelo seu nome de guerra,  Madragoa: era Sold Cond Auto Rodas, estando-lhe distribuída uma GMC, que ia habitualmente à frente, nas colunas logísticas; emigrou para o Canadá, em 1975, lá nasceu a sua filha Marisa, em 1978; faleceu em 1986, devido a doença prolongada) (foto à direita, quando jovem, em Catió):

 

- Fotos dos brincadeiras náuticas, terão sido tiradas no rio Cadime, Porto Interior de Catió, porto de abrigo da lancha LP2, a quem o bote insuflável pertencia. (a LP2 era a lancha que fazia o reabastecimento diário, de pão e água ao Cachil, na ilha do Como).



- Esta canoa transporta à proa o Sarg Dias e a seguir o Alf A. Garcia, ambos do SM, os outros não reconheço, mas a foto tem forte possibilidade de ter sido tirada na travessia do rio Ganjola para o destacamento do mesmo nome, único sítio onde era utilizado este tipo de transporte.




- Nesta foto já publicada, o pessoal está posando no local onde viria a ser construído o depósito de géneros, à esquerda de quem entrava pela porta de armas, por de trás é a parada e ao fundo o edifício do comando, erradamente colorido de rosa, pois sempre foi branco, como aliás tudo o resto à excepção da messe de sargentos antiga.



- As fotos seguintes são na esplanada e no interior do Bar Catió,  do libanês sr. José Saad. As fotos coloridas, tal como a anterior, são coloridas à mão por meio de pincel, hobby praticado pelo já falecido 1º Cabo Escriturário Vítor Santos, do Concelho Administrativo.




- Nas fotos em que o Júlio está escrevendo, por de trás dele vê-se uma estrutura de troncos de palmeira e cibes. Isto viria a ser o parque de viaturas e oficina auto, que pode ser vista já em funcionamento em outras fotos onde se vêm, a frente de um jeep, dois chassis de viaturas em cima de cepos e outra onde ainda sem cobertura se vê o Júlio na frente da GMC que conduzia.

Nesta oficina o pessoal do Serviço de Material, mecânicos, serralheiros, soldadores, electricistas, bate-chapas e pintores, a ferrugem,  como eram conhecidos, com o auxílio de alguns condutores, entre eles o Júlio, fizeram-se maravilhas na recuperação de viaturas que estavam na sucata, (já uma vez, P4253 falei destes trabalhos de reconstrução).




- Fotos de grupo, condutores e mecânicos, vendo-se na primeira ao centro o Sarg Dias e o Fur Mil Freitas, ambos mecânicos auto, nas outras duas só está o Freitas (o do bigode).



- O Júlio com dois camaradas no passeio central da avenida que ia da rotunda da Igreja à casa do administrador, aquela que se vê ao fundo com o Citroen 2CV em frente.



- O Júlio e o Fur Mil Viriato Dias, matando a malvada sede, nas traseiras do edifício do comando, próximo da messe de sargentos antiga.

Aproveito para pedir, se o Viriato nos ler que dê notícias, ou alguém que nos leia e saiba do seu paradeiro lhe transmita este meu pedido, pois foi um camarada a quem perdemos o rasto, e que muito gostaríamos de voltar a contactar.

- Estas fotos podem ter sido tiradas em Ganjola, assim como outras que estão no slid-show da Marisa e que são difíceis de identificar o local.





- Foto da exposição na Amura, [ em Bissau,] em Fevereiro de 1968, de armamento capturado e foto do helicóptero em Bissalanca- BA12, também capturado ao PAIGC, pelo menos era o que constava na altura.







- Fotos várias, no refeitório, no interior do aquartelamento, em frente da prisão e na aula de barbeiro, repousando algures na tabanca, e na bicicleta de vendedor de bebidas (ou gelados???, já não me recordo).



- E para concluir mais uma  foto (colorida), só com o Júlio, conhecido entre a rapaziada da CCS pelo Madragoa.

Comentário final:

Por último quero aqui deixar o meu apreço à sensibilidade e interesse da Marisa, em querer saber mais sobre o seu pai. É muito louvável esta sua atitude. Se ele fosse vivo,  teria imenso orgulho na filha a quem deu o ser. Se é possível haver algo que resta de nós para além da morte, esteja ele onde estiver decerto estará em paz e feliz com a filha que tem.

E como os filhos dos nossos camaradas nossos filhos são, como usa dizer-se aqui na Tabanca, disponha sempre da amizade dos camaradas de se pai.

Em Maio costumamos realizar um almoço convívio do nosso Batalhão, em que costumam aparecer bastantes camaradas com seus familiares, esposas, filhos e até netos. Devemos estar a receber a convocatória por todo o mês de Fevereiro.

Porque poderá ficar entusiasmada com a ideia em poder participar, logo que eu tenha a convocatória, enviar-lhe-ei uma cópia.  Dar-nos-ia imenso gosto a sua presença.

Aceite os meus cumprimentos.
Victor Condeço

Fotos: © Marisa Tavares (2010). Direitos reservados (*`)
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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 11 de Fevereiro de 2010> Guiné 63/74 - P5802: Álbum fotográfico do Júlio Tavares, Sold Cond Auto, CCS / BART 1913 (Catió, 1967/69) (Parte II) (Marisa Tavares / Victor Condeço)

Sobre Catió, há mais de 80 referências (vd. lista de Marcadores / Descritores, na coluna do lado esquerdo). Vd. por exemplo postes de:

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5366: Memória dos lugares (58): Fotos de Catió e Priame (Benito Neves)

5 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5411: Memória dos lugares (59): Fotos de Catió e Priame II (Benito Neves)

E ainda:

 24 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

Guiné 63/74 - P5831: Patronos e Padroeiros (José Martins) (8): Portugal - Santo António - Tenente-Coronel Taveira Azevedo



1. Mensagem de José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 15 de Fevereiro de 2010:

Boa tarde
Mais um texto sobre santos e militares.

Um abraço
José Martins



Patronos e Padroeiros - VIII

Tenente-Coronel Taveira Azevedo


Fernando Martim de Bulhões e Taveira Azevedo, nasceu em Lisboa – presume-se que na zona da Sé – filho de Martim de Bulhões e Maria Teresa Taveira Azevedo, no dia 15 de Agosto de 1195 (data oficialmente reconhecida).

Em Portugal reinava D. Sancho I (o Povoador - 2.º Monarca Português – 1185/1211), e o país preparava-se para entrar no século XIII. Estávamos na Baixa Idade Média. Lisboa expandia-se para fora dos muros, começava a surgir uma nova classe social formada pelos burgueses, e ainda se sentia o Espírito das Cruzadas.
Começou a estudar nas aulas ministradas na Igreja de Santa Maria Maior, hoje Sé Catedral de Lisboa.

Cerca do ano de 1210 ou 1211, pela mão do prior D. Estêvão, ingressa como noviço na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz de Coimbra, que tinham uma das suas casas instalada no Mosteiro de S. Vicente de Fora, em Lisboa, um dos centros mais importante de cultura medieval, à época, onde realizou os estudos de Direito Canónico, Filosofia e Teologia.

Mais tarde, em 1220, com a chegada a Portugal dos corpos de cinco mártires franciscanos, que tinham sido decapitados em Marrocos, decide transferir-se para a Ordem de São Francisco, recolhe-se no Eremitério dos Olivais, em Coimbra, e muda o seu nome para António.

A seguir segue para Marrocos onde, devido a doença grave, os Superiores da Ordem decidem repatriá-lo. Na viagem de regresso, por força de uma tempestade, o barco é arrastado para as costas da Sicília, onde acaba por ficar.

Continuando a sua vocação evangelizadora, percorre várias localidades, destacando-se Bolonha, Toulouse, Ferrara, Florença, Varene, Bréscia, Milão, Verona e Nântua. Entretanto, durante algum tempo, foi-lhe confiada a guarda do Convento de Puy-e-Velay, da Província de Limoges e da Província da Romanha, mas deixou, para se dedicar, em exclusivo, à pregação. Pregou, em 1228, na Basílica de São João de Latrão, em Roma, perante o Papa Gregório IX (de seu nome Ugolino di Anagni, nasceu cerca do ano 1160 em Agnini e faleceu em Roma e 22 de Agosto de 1241 – o seu Pontificado, o 179.º, decorreu entre 1227 e 1241), volta para Pádua onde, bastante doente, veio a falecer a 13 de Junho de 1231, tendo sido sepultado na Basílica de Pádua.

O Papa Gregório IX, antes de decorrido um ano após a sua morte, eleva-o à honra dos altares, canonizando-o na Catedral de Espoleto em Itália, no dia 30 de Maio de 1932, ficando conhecido por Santo António de Pádua, por ter sido esta cidade que acolheu as suas relíquias. Como nasceu em Lisboa, por tradição, também é conhecido por Santo António de Lisboa, sendo venerado não só na capital, mas em todo o país e em quase todas as regiões do globo.

Em 1946, o Papa Pio XII (de seu nome Eugénio Maria Giuseppe Giovani Paceli, nasceu em Roma em 2 de Março de 1876 em Agnini e faleceu em Roma e 9 de Outubro de 1958 – o seu Pontificado, o 261.º, decorreu entre 1939 e 1958), pela Carta Apostólica “Exulta Lusitanis Fidelis” proclama-o Doutor da Igreja, considerando-o “exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística".
A sua festa religiosa comemora-se no dia 13 de Junho, com liturgia própria.

Santo António de Lisboa
Imagem da colecção de Maria Manuela Martins
Foto © José Martins



Mas, na realidade, depois de muito brevemente ter lembrado o Frade e o Santo, vamos lembrar o militar.

Passou a fazer parte do Exército Português, em 1665, a partir do momento que é incorporado, por iniciativa de D. Afonso VI (o Vitorioso - 23.º Monarca Português – 1656/1683) que o mandou “assentar praça” no 2.º Regimento de Infantaria de Lagos, sendo integrado nas Forças que, comandadas pelo Marquês de Marialva, davam combate ao exército espanhol comandado pelo Marquês de Caracena. A iniciativa deu resultado, tendo as tropas portuguesas vencido os seus opositores.

O facto curioso é que, quase quatrocentos e trinta e cinco anos após a sua morte, é incorporado como soldado combatente e não como capelão ou “assistente espiritual”, dada a religiosidade do Santo e a veneração dos fieis.
No reinado de D. Pedro II (o Pacífico - 24.º Monarca Português – 1683/1706) é promovido a Capitão e no reinado de D. Maria I (a Piedosa - 27.º Monarca Português – 1777/1816), promovido a Tenente-Coronel e condecorado com a Medalha Cruz da Guerra Peninsular (*), a título de recompensa pela vitória alcançada pelas tropas luso-britânicas, na Batalha do Buçaco, travada em 27 de Setembro de 1810, contra as tropas francesas de Napoleão, sob o comando de André Massena. O soldo vencido como militar, servia para ajudar os soldados doentes.

Paralelamente no Brasil, ainda colónia portuguesa, José de Souto Maior, Governador da Capitania de Pernambuco, faz o Santo assentar praça nas milícias luso-brasileiras, durante as lutas contra o Quilombo dos Palmares (**).

Por carta régia de 21 de Março de 1711, D. João V (o Magnânimo - 25.º Monarca Português – 1706/1750), promove-o a Capitão pelos relevantes serviços prestados sob o comando de Francisco de Castro Morais, Governador da Capitania do Rio de Janeiro, contra a invasão dos piratas de Jean-François Duclerc.

O Príncipe-regente D. João, já na Bahia, confere-lhe a patente de Tenente-Coronel, com o soldo correspondente ao posto 80$000 (oitenta mil reis), até que em 1911, durante a presidência do Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (8.º Presidente do Brasil – 1910/1914), este deu indicação ao General Emídio Dantas Barreto (ministro da Guerra entre Novembro/1910 e Setembro/1911), para suspender o pagamento do soldo ao Santo.

O Tenente-Coronel Santo António entra, com toda a certeza, em outras guerras, batalhas e combates transportado, não só no coração mas na mente de muitos combatentes que, devotadamente, transportavam pequenas imagens no seu espólio pessoal, em pagelas com orações votivas ou em medalhas, presas no interior da sua farda, e benzidas pelo pároco da freguesia.

José Marcelino Martins
15 de Fevereiro de 2010

(*) Medalha Cruz da Guerra Peninsular

A Cruz da Guerra Peninsular foi uma condecoração criada em 28 de Junho de 1816, pelo rei D. João VI, para distinguir os participantes nas campanhas da Guerra Peninsular entre 1809 e 1814. As campanhas eram contadas por anos, bastando ter participado numa batalha ou combate, para contar como um ano,

Para oficiais:
Ouro – para os Oficiais que participaram em quatro ou mais campanhas,
Prata – para Oficiais que participaram até três campanhas.

Para Sargentos e Praças:
Prata, sendo limitada a sua atribuição por cada unidade:
200 por cada Regimento de Infantaria de Linha;
100 por cada Regimento de Milícia;
120 por cada Batalhão de Caçadores;
25 por cada Esquadrão de Cavalaria;
30 por cada Brigada de Artilharia;
25 por cada Companhia de Artífices Engenheiros.

Em 18 de Maio de 1825, foi criada a Cruz da Guerra Peninsular para os empregados civis. Em prata para até 2 campanhas, ou Ouro, para 3 ou mais.

(**) Quilombo - Esconderijo no mato onde se refugiavam os escravos..
__________

Nota de CV:

Vd. último poste de José Martins com data de 6 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5775: Efemérides (44): O desastre de Cheche, 41 anos depois(José Martins)

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5423: Patronos e Padroeiros (José Martins) (7): Transmissões - Arcanjo S. Gabriel

Guiné 63/74 - P5830: Controvérsias (66): A questão colonial (II): Colonização portuguesa - Particularidades (Descolonização e Conclusão) (José Brás)

1. Segunda e última parte do trabalho do nosso camarada José Brás*, iniciado no poste 5826**, sobre o tema "A questão colonial".


A Questão Colonial (II)
Colonização portuguesa - Particularidades

José Brás

DESCOLONIZAÇÃO


- descolonização se chama com frequência à passagem da soberania portuguesa para as mãos dos movimentos de libertação que nesses territórios se bateram durante anos de armas na mão, perante a falência das suas tentativas de negociação e à intransigência de Lisboa para organizar uma saída equitativa e digna.

- e desde logo nos aparece como realidade que não pode ser escamoteada, o facto aqui assinalado das específicas condições, tempo e formas da colonização portuguesa e as diferenças que demonstra no cotejo do que foi o colonialismo de outras potências europeias.

- abusando um pouco da imagem, pode mesmo assumir-se com algum cuidado, que, afinal, portugueses em Angola, nem colonialistas foram, antes, sem prejuízo da existência de excepções, gente pobre e de fraca formação que buscava em outras terras o que na sua lhe era negado há séculos, remetidos, cá e lá, a vidas muito duras e sem horizontes, despejados em território imenso e rico mas sem preparação nem meios de explorar os seu recursos e assistindo à sua própria exploração por empresas cujas sedes se encontravam fora de Angola, algumas em grandes grupos económicos nacionais, e muitas mesmo, fora das fronteiras portuguesas.

- colonialistas seriam, portanto, outras potências que ocuparam macivamente outros territórios na América, na África e na Austrália, e aí, usando a sua superior capacidade económica e técnica, delapidaram recursos e os exportaram para as sua metrópoles, deixando tais territórios exauridos, ainda que a população local com preparação suficiente para governar.

- é um facto conhecido que… em Angola circulavam crescentemente capitais estrangeiros que iam deitando mão dos principais recursos do território, ainda que a par de algumas empresas nacionais, todas, salvo erro, com sedes em Lisboa;
na guerra que era sustentada à custa de sacrifícios extremos do povo português, jogavam papel importante potência estrangeiras com interesses locais, uns na exploração de recursos, outras pensando deitar a mão a bom bocado, outras ainda na luta por hegemonias e domínio global, estratégicos do ponto de vista político, militar e económico, algumas delas jogando papel duplo, apoiando os dois lados da contenda, às claras ou mais dissimuladamente, transformando o território num palco de operações subterrâneas pelo domínio, onde jogavam principalmente russos e americanos, bem como suecos, franceses, italianos, entre outros menores.

- Portugal que havia sido escasso colonizador, ficou no meio desse jogo, participante menor e sem a mínima capacidade de influenciar, sobretudo em Angola, jóia da coroa, dividida em três movimentos de libertação com origens e programas (ou a ausência deles) diferentes e opostos, e mesmo esses movimentos, profundamente divididos e enfraquecidos dentro de si próprios, presas fáceis desse jogo internacional que já se jogava antes de 74 e que passou a ocupar o pano todo da mesa do casino e das cartas marcadas.

- em 74, éramos em Lisboa, um país devastado pelo esforço da guerra em três frentes, crescentemente exigente em meios materiais e humanos, à beira dos limites, e em África quase só gastadores dos recursos do orçamento metropolitano, com milhares de militares do quadro cansados da guerra em comissões sucessivas, sempre afastados das famílias; muitos mais milhares de oficiais e sargentos milicianos, muitos absolutamente contrários à guerra e fazendo-a em nome dos restos da consciência de Pátria, outros recusando-a, pura e simplesmente, centenas de milhares de soldados jovens arrancados às famílias e à produção de riqueza possível no território metropolitano, e um regime despótico já com marcas claras de divisão dentro de si próprio e sustentado apenas em uns tantos ultras e na polícia política.

- é este quadro que marca cá dentro, o mesmo tipo de acção que os movimentos de libertação haviam seguido antes, igualmente sem qualquer tipo de saída política para os problemas internos do País e para a solução da questão colonial, e é neste quadro que parece legítimo ler e entender o caos que se gerou em Lisboa e o outro muito maior que envolveu os portugueses residentes nas colónias.

- a chamada descolonização não aconteceu nunca porque descolonização tem que ser entendida como um processo em que as partes acordam entre si um estatuto de preparação de quadros e regras e de transferência progressiva do poder para novas formas de organização política dos locais em descolonização.

- e o que aconteceu de facto, está muito longe de configurar processo aproximado a esse ideal. Destapou-se apenas a caixa de Pandôra e de todos os malefícios nela acumulados durante séculos, aqui e lá, no simulacro de negociações só possíveis porque os movimentos de libertação tinham pressa de tomar o poder e ajustar as suas contas, e os responsáveis portugueses tinham pressa de descascar a batata quente.

- no centro de tudo isto, sem esquecer a sacrificada população local, coloquem-se aqui os portugueses, gente engajada na vida local de uma terra que consideravam sua porque nela tinham projectado o seu futuro, gerado e feito crescer os seus filhos, amealhado o que a sua capacidade permitia em bem-estar e meios, e que de um momento para o outro, sem compreender as razões de um povo que acabava de libertar-se de 50 anos de repressão e atraso, se vê expulsa dessa terra pela ameaça suprema sobre a sua vida e a dos seus, encaixotada em aviões e barcos grandes e pequenos, e caindo quase apenas com a roupa que trazia vestida numa terra a que já não se sentia ligada.

- e a verdade de cada um é a que cada um apreendeu do quotidiano e se consolidou no hábito prolongado e não contestado, adquirindo um estatuto perene e, aparentemente, imutável.

- a verdade destes portugueses é a que lhe aparece como traição dos militares e dos políticos de Lisboa que os abandonaram sem capacidade de se defenderem das ameaças nem organização própria que suportasse uma participação em pé de igualdade com as organizações da população local, na construção dos destinos daquela terra.

- a alegada descolonização não passa, neste quadro, por parte dos colonos brancos e de muitos negros que estavam do nosso lado, de uma fuga atribulada e massiva perante a completa impotência de se opor ou de participar no crescer da realidade nova e sem esperança de reversão da situação, sobretudo a partir da derrota do exército da África do Sul e de mercenários internacionais, entre eles, alguns proeminentes portugueses, e da constatação segura de que os Acordos de Alvor, assinados pelos três movimentos angolanos com discursos de exaltação da unidade, não passavam para nenhum deles de simples compasso de espera para se prepararem e ajustar contas com o passado e com o futuro.

- em relação aos militares portugueses ainda presentes no terreno até ao dia da independência, ainda que não seja de esquecer que poderiam com um pouco de habilidade, coragem e predisposição, ter feito bem melhor, a realidade ficou muito claramente expressa a partir do momento em que se assumiu que a guerra acabara e que a volta a casa se faria quanto mais depressa melhor e que para isso era necessário entregar o poder ou os poderes, fosse a quem fosse, e é seguro que as simpatias quase generalizadas e almirantizadas, seguiam na direcção do MPLA.

- como diz João Paulo Guerra no seu livro “O Regresso das Caravelas”, fomos o primeiro Império Colonial em África e também o último.


Sintetizando…

- a colonização e a descolonização dos territórios encontrados e ocupados a partir do século XV, têm uma relação muito claramente correspondentes nas formas, nos tempos, nas densidades da ocupação e nas características culturais dos colonizadores;

- as terras mais rápida e densamente povoadas; por grupos de cidadãos entre os quais abundavam técnicos e quadros com formação mais elevada, depressa se encontraram contrastados nos seus interesses individuais e de grupo pelas exigências metropolitanas, mais rápida e eficazmente se organizaram, reclamaram e obtiveram independência total sob poder branco e, quase sempre, no massacre das populações locais;

- as terras de ocupação posterior, em zonas de África mais temperadas, obtiveram uma autonomia progressiva e negociada sob a direcção de governos dos colonos mas com tomada do poder mais tarde pelas populações locais;

- as terras da África do norte e central, como a Argélia, Angola, Quénia, Moçambique, etc., tiveram ocupação mais tardia e menos densa e por populações brancas de menor preparação e aptidão técnica que ficaram sempre numa grande dependência militar e administrativa das respectivas metrópoles, não foram nunca capazes de se organizar como força reivindicativa credível para receber a transferência de poderes, e acabaram sem influência nas acções que levaram à independência e sem lugar nos respectivos aparelhos de Estado. Exceptua-se a esta regra, o caso do Zimbabwe, que teve um governo branco num pequeno período e logo desalojado pela acção das populações negras.


CONCLUSÃO

Como facilmente se constata, Portugal está incluído no terceiro grupo, isto é, no caso em que os colonos não foram capazes ou não quiseram organizar-se atempadamente para reivindicar a sua autonomia política e se viu confrontado com o nascimento de movimentos emancipalistas dos colonizados e sem a participação dos europeus ou dos seus descendentes, ainda por cima, recusando a negociação e preferindo a guerra prolongada e, no caso de guerras deste tipo, sem esperanças de vitórias definitivas, e geradoras de sofrimentos e de ódios crescentes e do consequente bloqueio das saídas para o problema.

É simplista a argumentação de que não houve nem racismo nem colonialismo português, baseada apenas na circunstância de condições específicas da colonização portuguesa e dos seus agentes directos, os colonos.

É igualmente simplista o argumento de que a culpa foi do 25 de Abril em Lisboa, dos militares cobardes e dos políticos que negociaram a transferência do poder.
O 25 de Abril era inevitável, necessário e só pecou por tardio face a um poder despótico, prolongado e constrangedor da modernização do País;

Os militares portugueses contabilizaram 13 anos de guerra, 820.000 jovens mobilizados, 8.831 mortos, 30.000 feridos, 15.000 deficientes e mutilados, e uma multidão de cidadãos que ainda hoje sofrem sequelas da sua participação no conflito.

Os políticos que negociaram a transferência do poder, fizeram-no no centro de um turbilhão que envolvia os interesses internacionais em jogo, a pressão popular gerada na metrópole contra a continuação da guerra e na iminência do paradoxo que era a conquista da liberdade e da democracia em Lisboa e a manutenção da guerra contra os movimentos de libertação que, previsivelmente, iriam aumentar a sua oposição armada contra a presença portuguesa, agora ainda mais legitimamente e mais apoiada internacionalmente.

De facto, o verdadeiro culpado do drama da descolonização nas suas formas e consequências particulares e globais, na destruição de milhares de vidas organizadas em África, do prejuízo de todas as partes envolvidas e do seu futuro civilizacional, foi o regime que cegamente se fechou ao movimento da história, ao exemplo dado por outras potência coloniais e a uma visão de alcance e de futuro, desencadeando uma guerra de 13 anos e, em muito boa parte, as guerras que se seguiram nos antigos territórios coloniais.

Pretender ignorar isto e buscar bodes expiatórios naqueles que, com maior ou menor grau, foram também vítimas, não parece razoável, nem pronuncia, nesta parte, o futuro de harmonia e de calma indispensáveis a este País.

Nota:
Os quadros apresentados, bem como a motivação e alguns considerandos, são colhidos no trabalho Ideologia Nacional dos Brancos Angolanos, de Fernando Pimenta, apresentado no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, realizado em Coimbra em Setembro de 2004, com propósitos mais detalhados sobre uma leitura do fenómeno indiciado no título desse trabalho, propósitos, como é evidente, diferentes dos que dão forma a este texto.

Aconselham-se os leitores deste trabalho a consultarem tal documento que pode ser encontrado no site http://www.blogger.com/www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs, ou enviado a partir do meu endereço electrónico a quem manifestar desejo de o ler.

Aconselha-se ainda a leitura do livro "Angola, os Brancos e a Independência", igualmente de Fernando Pimenta, Edições Afrontamento, “O Regresso das Caravelas” de João Paulo Guerra, Oficina do Livro, “Passagens para África”, "O Povoamento de Angola e Moçambique com Naturais da Metrópole", de Cláudia Castelo, Edições Afrontamento, e outras obras de investigação independente sobre o fenómeno aqui abordado.

JB
__________

Notas de CV:

(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622 que esteve em Aldeia Formosa e Mejo nos anos de 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

(**) Vd. poste de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5826: Controvérsias (65): A questão colonial (I): Colonização portuguesa - Particularidades (Introdução, Colonização e Ocupação) (José Brás)

Guiné 63/74 - P5829: Da Suécia com saudade (21): O privilégio de ter a Tabanca Grande... em comum (José Belo)

1. Texto do José Belo, solitário (por enquanto...) habitante da Tabanca da Lapónia, com data de 16 do corrente


Assunto: O aniversário do nosso blogue (*)

Depois de décadas sem visitar o nosso querido Portugal..., atrevi-me a aparecer no primeiro encontro da Tabanca do Centro. (**)

Fui recebido por todos, não como um amigo, mas como um IRMÃO. Sem nunca nos termos encontrado, conversado, ou sequer visto... TÍNHAMOS EM COMUM A TABANCA GRANDE!

De diferentes idades,de diferentes zonas do País, de diferentes origens e experiências sociais, com interesses e referências diferentes, por certo situados em campos políticos não iguais... TÍNHAMOS EM COMUM A TABANCA GRANDE!

Para mim, chegado do outro extremo da Europa, tão mais "longe em tudo" do que gostamos de admitir, e sem as mesmas maturações de mais de três décadas de acontecimentos em casa como as que teriam tido a maioria dos presentes, mesmo assim, neste reencontro, sentí-me em família. Porquê?... TÍNHAMOS EM COMUM A TABANCA GRANDE!

Já por muitos de nós foi referido o papel único de união que este blogue tem tido, para além de ser um incrível repositório de acontecimentos, documentos e experiências pessoais, ser também único, ao oferecer referências a locais e situações que foram compartilhadas em diferentes períodos, por diferentes observadores, com origens sociais e geográficas diferentes, com diferentes níveis educacionais, e com sensibilidades, também, obviamente, diferentes.

O TER EM COMUM A TABANCA GRANDE também tem servido para mostrar a cada um de nós, não estarmos sós nas nossas memórias e experiências traumatisantes da guerra. A mina que matou o meu Camarada e Amigo, repetiu-se em centenas de outras minas que rebentaram junto a outros Camaradas de outros Amigos. Locais onde desesperei. Locais de angústias e isolamentos... foram também compartilhados por outros... antes e depois de mim.

Este sentimento, este reconhecimento de que afinal... não estávamos sós (nem hoje o estamos!), nas nossas recordações, nos nossos pesadelos, nas nossas frustraçoes por tantos sacrifícios inúteis... veio ajudar a grande maioria a fazer as pazes com a Guiné... com a guerra... e principalmente com nós próprios.

por isso, o BLOGUE, o seu criador, os colaboradores, e nós todos, irmanados na Guiné, estamos de parabéns... por TERMOS EM COMUM A TABANCA GRANDE!

Kíruna
16 Fev 2010

José Belo (***)
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

15 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5819: O 6º aniversário do nosso Blogue (3): No início de Maio de 2006, tínhamos 100 tertulianos, 735 postes publicados e 3 mil páginas visitadas por mês (Luís Graça)

14 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5815: O 6.º aniversário do nosso Blogue (2): Homenagem ao Fundador Luís Graça e a toda a tertúlia (Joaquim Mexia Alves)


13 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5807: O 6.º aniversário do nosso Blogue (1): Homenagem ao Fundador Luís Graça e a toda a tertúlia (Jorge Félix / Carlos Vinhal)


(**) Vd. poste de 30 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5728: Convívios (177): 1.º Encontro da Tertúlia do Centro, aconteceu no dia 27 de Janeiro de 2010 em Monte Real

(***)´Vd. último poste da série: 23 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5693: Da Suécia com saudade (18): Um Lusitano entre as...renas (José Belo)

Guiné 63/74 - P5828: Memória dos lugares (70): Pensão Central ou Pensão da Dona Berta: Faço parte da mobília, almoço lá há 25 anos sempre que estou em Bissau (Patrício Ribeiro)

1. Mensagem do nosso amigo Patrício Ribeiro (foto à direita, quando grumete fuzileiro, em 1969, em Angola)(*), com data de 9 do corrente:


Olá,  Luis!

Agradeço o envio para comentário, P5788 do Beja Santos (Não sei como se faz )

Tendo lido o P5788 do Beja Santos, informo que a D. Berta embarcou para Bissau, no início de 2010, após ter estado uns meses em Lisboa, a fazer tratamentos hospitalares e felizmente tudo correu bem.

Ela no aeroporto estava muito contente, mas cheia de saudades de Bissau, dos seus amigos e da sua casa, a Pensão Central.

A Pensão Central continua a ser um local de encontro de amigos, com ambiente familiar; tem as paredes cobertas de Condecorações, tal como do Presidente Mário Soares, do Presidente Pedro Pires, etc. Com fotos de quem por lá passou e gostou, gente importante e outros só amigos.

As netinhas, cooperantres das ONG, com muito carinho, vão ajudando na gestão da Pensão. Fotos minhas não há nas paredes, como dizem as netinhas; faço parte da mobília, só porque almoço lá sempre que estou em Bissau há 25 anos…
Um abraço a todos.

Patricio Ribeiro

________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5099: História de vida (16): Patrício Ribeiro, 62 anos, ex-fuzileiro, empresário, apanhado do clima...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5827: Convívios (187): Ex-militares do BCAÇ 2845, no dia 1 de Maio de 2010 em Buarcos (Albino Silva)

1. Mensagem de Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 15 de Fevereiro de 2010:

Caro Camarada Carlos Vinhal
Aqui vou de novo dar-te mais trabalho, mas sei que adoras trabalhar para todos os Tertulianos como eu.

Assim gostaria que adicionasses na nossa Tabanca Grande, a data de mais um Convívio a realizar este ano, e do qual faço parte da Organização.

Como embarcámos para a Guiné no dia 1 de Maio de 1968, decidimos organizar nosso Encontro deste ano, no dia 1 de Maio já que comemoramos 40 Anos do nosso regresso.

O Convívio vai ser realizado em Buarcos, no Restaurante Tamargueira.

Irão estar presentes três Companhias do Batalhão de Caçadores 2845:

CCS, "Armados para a Paz", que esteve em Teixeira Pinto

CCaç 2366, "Periquito Atrevido", que esteve em Jolmete

CCaç 2367, "Vampiros", que esteve no Olossato


Lembramos que a CCaç 2368 não estará presente por terem marcado desde o ano passado o seu próprio Convívio.

Iremos pois estar todos presentes e juntos na mesma sala.
O bolo de aniversário será único com os Emblemas das 3 Companhias.

A Organização para este grande ronco é a seguinte:

Albino Silva e Mário Guerra, da C.C.S.
Jorge Costa da 2366 e
Antero Simões da 2367


Ficha de inscrição - Clicar para ampliar

Brevemente enviaremos cartas a toda a malta, e os que tiverem acesso aqui à nossa Tabanca Grande, desde já podem ir informando outros desta data e Encontro.

Desde já obrigado pela atenção, um grande abraço para toda a equipa, e ainda para todos os Tertulianos.

Albino Silva
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5646: Bibliografia de uma guerra (55): Armados Para a Paz, de Albino Silva

Vd. último post da série de 10 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5800: Convívios (101): IV Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 6 de Março de 2010 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P5826: Controvérsias (65): A questão colonial (I): Colonização portuguesa - Particularidades (Introdução, Colonização e Ocupação) (José Brás)

A Questão Colonial (I)
Colonização portuguesa - Particularidades

José Brás*


INTRODUÇÃO


Este texto não pretende construir-se como abordagem científica ao grande tema da colonização portuguesa em África, trabalho, evidentemente, afastado das possibilidades académicas do seu autor, do método e dos meios de que está armado e só à disposição de investigadores na área da história, da sociologia e da antropologia, dispondo de tempo, de vontade e de um projecto adequado.
Portanto, qualquer tentativa de cotejo com estudos e trabalhos existentes ou sentidos como necessários, será dispensável por perda de oportunidade, razão e lógica.

A sua organização e apresentação aparece como consequência de uma intervenção prolongada do autor no blogue luisgraçaecamaradasdaguiné, sobre caso da Guiné em particular, e, inevitavelmente, sobre a temática geral da guerra colonial, campo onde se dividem opiniões construídas, não apenas sobre a questão restrita da guerra e das forças em presença, sobre as possibilidades de vitória ou de derrota, mas também sempre que é abordado o tema particular da descolonização, nas suas formas, tempos e consequências para Portugal, para os portugueses desalojados de África e mesmo para os novos países nascidos do desenlace.

Em especial, um comentário proposto por uma participante do blogue, viúva de militar português que esteve presente no campo de guerra da Guiné-Bissau, comentário e resposta cujos textos fazem parte do post 5754** e que por isso não parece necessário que se incluam aqui.
A resposta à questão colocada pela amiga, denota a preocupação por uma realidade presente no caso cultural português, bem como por uma visão sobre a possibilidade da existência de uma verdade e de uma razão múltiplas, construídas segundo experiências diferenciadas de cada protagonista das histórias de que se compõe a história do fenómeno social, económico e politico da colonização e da chamada descolonização.

Para o autor, parece de todo impossível construir-se uma verdade significativa e una sobre a descolonização e as suas sequelas, sobre a honradez de propósitos, o patriotismo e os valores humanos dos intervenientes directos na descolonização, políticos e militares, sem termos uma visão aproximada do processo de colonização desde as descobertas e das primeiras ocupações, do desenvolvimento civilizacional, das estruturas económicas que foram sendo instaladas progressivamente, e sobre o consequente relacionamento dos colonos com a população negra e com a metrópole de onde provinham.

Neste propósito, talvez demasiado alto em relação com os meios disponíveis, o autor avança, em primeiro lugar sobre a sua visão pessoal acerca do assunto, honestamente confessado como indissociável das suas opções sociais e princípios morais, e depois, na recolha de alguns dados e informação genérica em trabalhos de mérito existentes sobre o assunto.


COLONIZAÇÃO E OCUPAÇÃO

- a história ainda não abordou completamente a questão da colonização/descolonização na perspectiva dos papeis da potência colonizadora em geral, nem do colono branco, visto individualmente ou como grupo, quer no relacionamento com os naturais –negros e mestiços, quer dos brancos entre si e no relacionamento social, político e administrativo com Lisboa.

- especialmente, não o fez de forma simplificada e organizada de modo a torná-la clara para a grande massa dos cidadãos que, de uma ou outra forma, sofreram as consequências do fenómeno social nos diversos campos envolvidos.

- um facto a reter como inegável e independente da opinião de cada um, é a existência da colonização em si própria, com todos os ingredientes da prática colonial e da história registada –ocupação e exploração da terra, subalternização da população local, formação de uma estrutura social hierarquizada no que se refere a direitos e acessos aos bens tangíveis e intangíveis, existência de racismo mais ou menos acentuado. Negar tal fenómeno ou as suas partes óbvias e inevitáveis, será sempre um exercício próximo da troca de uma imagem subjectiva pelo real.

- a despeito do início de uma ocupação permanente de Angola por portugueses ter começado relativamente cedo com a fundação de Luanda em 1576, a ocupação do território limitou-se durante os séculos seguintes à orla costeira e próxima dos aglomerados –Luanda e Benguela, só se consolidou em épocas mais avançadas e de modo significativo já no século XX após guerras de grande violência contra a população negra e com a fundação da cidade costeira de Mocâmedes, e de Sá da Bandeira nas terras altas de Huíla, no Sul do território. Só no advento de nova vaga de colonizadores, nasceram outros aglomerados no interior, como Nova Lisboa (Huambo) e Malange.

- a colonização de Angola por portugueses, como a de outras zonas da África Central e do Norte por outras potências coloniais, diferiu significativamente da colonização na América, sobretudo pela relativamente baixa quantidade de colonos em África, comparando com o que se passou na América. Tais diferenças acabaram por determinar variações substanciais no comportamento sócio-político-administrativo dos colonos respectivos, em relação com o Poder e com a soberania dos seus países de origem.

- enquanto na América os colonos cedo fizerem sentir a sua discordância em relação às consequências económicas de uma exploração colonial que os prejudicava, e ao seu próprio desejo de expansão nos territórios e da formação de um poder local adequado aos seus interesses de grupo, interesses cada vez maiores e mais afastados dos interesses da pátria longínqua, em África isso não se fez sentir, nem tão cedo, nem com tanta veemência. Veja-se o caso do Brasil, para ficarmos apenas no âmbito português.

- mesmo em África, registavam-se diferenças importantes de caso para caso e de região para região, sendo muito maior em número e em ocupação, a presença de colonos ingleses na África do Sul do que na Rodésia, e de portugueses em Angola e em Moçambique, como se conclui no quadro seguinte, construído em evolução temporal.




- na ocupação e colonização das terras descobertas, podem também distinguir-se três períodos diferenciados e de cujas diferenças resultaram também diferentes consequências. O primeiro período envolve vagas de colonizadores portugueses, espanhóis e ingleses, na América onde os colonos conseguiram a independência dos respectivos territórios nos finais do século XVIII e início do século XIX. A segunda vaga envolveu terras de domínio britânico como a África do Sul, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, onde os colonos obtiveram formas de autonomia progressiva sob o domínio da população branca nos finais do século XIX e o início do século XX. O terceiro período abrange regiões do norte e do centro de África, entre elas Angola e Moçambique, Zimbabwe e Quénia, colonização muito mais reduzido em número de colonos brancos que pela fragilidade do seu número não consegui nunca qualquer forma de poder pela minoria branca, desembocando todos em independências conquistadas por populações locais, de forma mais ou menos violenta, exceptuando o caso especial e curto da Rodésia.

- outra diferença substancial entre as formas e o número de colonos envolvidos, bem com a dimensão das áreas ocupadas inicialmente, sendo uma limitada, como a portuguesa e espanhola na América Latina e na África central, incluindo Angola e Moçambique; outra substancial, como a inglesa na África do Sul e maciça com a eliminação quase total das populações e das culturas locais, como nos Estados Unidos, Canadá e Austrália, países que conquistaram rapidamente autonomia económica e independência política sob o domínio branco.

- outro facto que marca a realidade das colonizações inglesa e portuguesa, diferenciando-as com consequências no relacionamento local branco/negro e no relacionamento de brancos e de negros com a metrópole colonizadora. Enquanto a Inglaterra enviava para as suas colónias um número significativo de técnicos e dirigentes capacitados para tomar conta das questões ligadas à administração, à exploração dos recursos e à formação da mão d’obra local, Portugal retardou quanto pôde a emigração dos seus cidadãos para África, e quando não pôde evitá-la, enviou sobretudo gente de escassa formação técnica, e maioritariamente agricultores iletrados, saídos de vidas muito duras e pobres do nosso interior extremamente atrasado.

- tais diferenças explicam em grande parte, em primeiro lugar a forte consciência sobre a necessidade de autonomia dos colonos brancos ingleses e dos seus descendentes nascidos em África, e em segundo lugar a formação de uma consciência de nação e de reivindicação de autonomia por parte da população negra, enquanto nas colónias portuguesas foi sempre muito frágil esse fenómeno, quer da parte dos colonos brancos agarrados à santa terrinha, quer da população local, carecida dos líderes que a levassem à contestação.

- nas colónias inglesas fortemente ocupadas, a independência total com formação de novos países chegou cedo, tal como no Brasil no caso português; nas colónias inglesas não tão densamente povoadas, a autonomia foi progressiva e liderada por brancos, e nas colónias menos povoadas, foram os movimentos formados no interior da população negra, já mais educada, que reivindicaram e obtiveram a sua independência

- no caso português, é verdade que se ensaiaram alguns movimentos de colonos brancos para contestarem leis e regras da metrópole que consideravam prejudiciais aos seus interesses, e mesmo em direcção à discussão e organização de uma reivindicação mais marcada pelo desejo da autonomia e criação de governo local, porém, sempre esses movimentos demonstraram uma enorme fragilidade de organização e total incapacidade para concretizarem tal desejo em força.

- as sociedades nas colónias portuguesas sempre se mostraram fortemente divididas e hierarquizadas de acordo com conveniências e consciência de grupos distintos e de interesses também diferentes. Essa divisão, tal qual na metrópole, pôde manter o mesmo tipo de atraso e complacência perante um chefe duro, inimigo do desenvolvimento e fortemente ligado a uma religiosidade repressiva das mentes, tudo montado sobre uma ideia que punha Portugal e os portugueses como que destinados por Deus para conservarem a pureza dos costumes e a fidelidade ao céu.

- as sociedades nas colónias portuguesas estavam clara e fortemente divididas entre brancos, mestiços e negros e pela duplicidade das marcas dessa divisão, uma, apropria raça, brancos e negros, e outra, a circunstância da naturalidade que dividia ainda os brancos nascidos em África, chamados de euro-africanos, e os brancos chegados de Lisboa, considerados superiores aos naturais.

- na base dessas sociedades estavam os negros que apenas serviam de mão d’obra barata, e mesmo estes divididos em “assimilados” ou “indígenas”, pelo menos até à extinção do Estatuto do Indigenato, em 1961. Apenas os assimilados, 1% da população total, beneficiavam de cidadania portuguesa, sendo todos os outros apenas mão d’obra forçada.
Entre os negros e os brancos desenvolveu-se uma classe de mestiços que serviam de criados e noutras tarefas administrativas sob a direcção de brancos.

- os brancos superiores (brancos europeus) ficavam pelas cidades costeiras, criavam empresas de import-export, eram construtores civis, funcionários superiores de empresas cujos donos residiam fora de Angola, quadros administrativos enviado pelo governo de Lisboa.

- os “brancos de segunda” (população branca africanizada), viviam no interior, eram agricultores e comerciantes e sentiam com maior rigor a dureza das regras metropolitanas pelo choque dos interesses com os intermediários de Luanda e com o poder económico colocado fora do território.

- coisa que muitos portugueses um pouco mais evoluídos culturalmente mas apertados pelas más condições de vida que o atraso em que o regime mantinha e queria manter o País, frequentemente perguntavam quando pretendiam embarcar para Angola e lhe era negada essa possibilidade, era, porquê Portugal não fazia como Inglaterra e abria a emigração para as colónias a precisarem de desenvolvimento?

- provavelmente não sabiam que estavam com tal pergunta a contestar um dos fundamentos de um regime que se pensava nacionalista, temente a Deus, conservador dos bons e velhos costumes da obediência (manda quem pode, obedece quem deve ou se soubésseis o que custa mandar, preferíeis obedecer toda a vida), inimigo da educação escolar (mandou fechar a Escola do Magistério Público e substituiu a falta de professores por escolarizados com a 4ª classe e apregoava que um cidadão para ser feliz bastava saber fazer as 4 operações – dividir, multiplicar, diminuir e somar), defensor de um bucolismo rural profundo e de uma sociedade conduzida por cabo-chefe, regedor, presidente da junta e da câmara, tudo observado de perto pela polícia política e pelos safanões frequentes.

- não era tal política propícia ao desenvolvimento das colónias quando o não queria na metrópole As colónias seriam apenas as fotografias de um passado glorioso, invocado frequentemente não pelo seu lado mais positivo e brilhante como contributo ao desenvolvimento do mundo, mas como prova dos desígnios de um deus no verso das aspirações e dos direitos humanistas.

- daí que, exceptuando o exemplo do Brasil, envolto em razões idênticas às das colónias inglesas na América, Portugal nunca tivesse aceitado negociar, primeiro com colonos europeus, como fizeram outras potências coloniais, nem depois com os movimentos de libertação nascidos no seio das sociedades africanas negras, recusando o exemplo da criação de novos países e reprimindo com brutalidade qualquer demonstração de protesto, e mais tarde, sob a capa de invasão estrangeira invejosa da nossa grandiosidade, e da afirmação que eram apenas acções de polícia contra bandidos armados, a guerra de guerrilhas desencadeada no extremo das tentativas desses movimentos para negociar.

- de facto, para além de uma ou de outra tentativa de organização de colonos brancos com o objectivo de reivindicar mais autonomia e direitos, tentativas frágeis e esmagadas, nunca os brancos em Angola, de modo eficiente e claro, mostraram qualquer capacidade para organizar a reivindicação de tais propósitos, e menos ainda, a construção de uma qualquer ideologia e estrutura que os unisse contra a metrópole.

- e se não o foram capazes entre si, divididos profundamente e digladiando interesses diversos e diferenciados, que atitude poderiam apresentar perante uma população negra que conservavam iletrada e forçada, senão a da postura de superioridade racial e o tratamento da gente apenas como mão d’obra fácil e subjugada?

- evidentemente, tratando-se de um quadro global, isto não invalida as relações amistosas e humanas de um caso ou outro, individual e isolado, consequência de postura cultural e humana individual e sempre olhada com reprimenda por vizinhos e pelo sistema.

- aliás… que deverá chamar-se ao envio de negros moçambicanos, embarcados como gado em vagões de comboio, para trabalharem nas minas da África do Sul, de onde uma parte nunca voltaria, embora tivessem dado grossos capitais em ouro ao regime e ao Estado na metrópole?
Que deverá chamar-se à utilização de milhares de negros em Angola na exploração algodoeira na baixa do Cassange, reprimidos brutalmente pela aviação portuguesa perante protestos no limite do suportável?

- colonialismo e racismo não poderiam viver um sem o outro e, apesar das aparências de uma observação empírica e directa poderem fazer crer o contrário, não era menos colonialista nem menos racista o colonialismo português, antes pelo contrário, porque imposto por brancos menos preparados do ponto de vista académico e profissional que deixavam ao negro apenas as tarefas mais duras e menos exigentes do ponto de vista do saber.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) José Brás foi Fur Mil na CCAÇ 1622 que esteve em Aldeia Formosa e Mejo nos anos de 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim", Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura.

Vd. último poste de José Brás de 13 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5808: Lembrando um dia duro, obrigado e fortíssimos abraços a todos (José Brás)

(**) Vd. poste > Guiné 63/74 - P5754: (Ex) citações (52): Falando de descolonização com Filomena Sampaio (José Brás) de 13 de Fevereiro de 2010

Vd. último poste da série de 8 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5791: Controvérsias (64): Os efeitos colaterais da guerra (Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519)