domingo, 2 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6294: Estórias do Tomás Carneiro (2): De Binta a Jugudul


1. O nosso Camarada Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta (Binta, Cumeré e Farim – 1973/74), enviou-nos dos Açores onde vive, uma mensagem com data de 27 de Abril:


Olá camaradas e amigos,

Hoje envio-vos a última parte da minha história da guerra.
Como já havia dito noutro texto anterior, tinha que dormir em Jugudul para fazer o transporte do pessoal, para os trabalhos na frente da estrada Jugudul/Bambadinca.
Debaixo de fogo INNo dia 9 de Maio de 1974, em Jugudul formamos a coluna como de costume e arrancamos estrada fora. Ele chegou-se para mais perto de mim
e disse-me: “Isso não é nada!”

Entretanto apareceram os enfermeiros que começaram a tratar-me. Não tenho mais estórias, nem histórias, para escrever. Fotos: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 de Janeiro de 2010 >
Guiné 63/74 – P5659: Estórias do Tomás Carneiro (1): De Binta a Jugudul


O IN havia preparado bem esta emboscada, porque, ao mesmo tempo, atacaram também o quartel no intuito de não deixar sair socorros à nossa coluna.
Atacaram em toda a zona da frente do quartel e conseguiram colocar uma morteirada certeira no espaldão do morteiro de 81 mm, onde morreu um furriel miliciano e feriu com gravidade um 1º cabo.
Quando o combate acalmou puseram-me na caixa de um Unimog 404 e transportaram-me para Mansoa.
Ali chegado e a bater os dentes de frio (sinal evidente de febre), deitaram-me numa ambulância, que logo de seguida partiu para o Hospital Militar de Bissau.
No HMB, fui directo para o bloco, onde fui visto por dois médicos e um 1º sargento enfermeiro (creio que o seu nome era Santos), tendo-me preparado para uma cirurgia, com anestesia de meio corpo.
Disseram-me que não era grave, mas quando estavam a operar, alertaram-me para a necessidade de me extrair o testículo direito.
Meus amigos, aqui é que começou o meu maior drama, eu, um puto de 21 anos cheio de vida, estava a ver-me privado de uma coisa tão importante do meu corpo.
Chorei silenciosamente a pensar no que seria meu futuro assim mutilado.
Finda a intervenção fui para a enfermaria, permanecendo aí em estado de recuperação. Uma semana depois alguém me disse que tinha um colega numa outra enfermaria e fui vê-lo.
Era o 1º cabo que tinha sido ferido no espaldão e estava crivado de estilhaços, mas consciente. Falamos sobre o sucedido e então é que soube que o furriel tinha morrido no ataque, que acima acabei de descrever.
Entretanto tiram-me a algália e quando fui urinar verifiquei, com enorme espanto, que estava a urinar para trás e para a frente. Conclusão, tinha a uretra “partida”.
Fui então evacuado para o HMP à Estrela, em Lisboa, por avião, no dia 13 de Junho à noite.
Chegado ao aeroporto, meteram-me numa Morris com capota e segui para as urgências, após o que me mandaram numa ambulância, para um quartel na Graça tendo aí passado a noite.
De manhã, falei com o oficial-de-dia, contei-lhe a minha situação e ele mandou-me de volta para o hospital, ficando lá internado na enfermaria de urologia.
Um dia ou dois depois, estava eu encovado na cama e chegou junto de mim um médico, que começou a consultar-me.
Como entretanto comecei a chorar, ele perguntou-me o que se passava e eu contei-lhe as minhas preocupações quanto ao futuro, dizendo-lhe que me tinha sido retirado um testículo.
Ele começou a sorrir e explicou-me: “A partir de agora, você tem que fazer com um, o que os outros fazem com dois… mais nada!”
Senti-me mais aliviado a partir daí.
Fui submetido a muitos exames e a 4 operações, duas delas duplas, pelo que fiquei no hospital 23 meses.
Sofri muito nesse tempo sem ter a família perto, que me prestasse algum apoio e carinho.
Fui sempre bem tratado pelo pessoal que ali trabalhava e familiares de outros doentes, que lá se encontravam hospitalizados, tendo ganho algumas boas amizades.
Quero aqui agradecer, justa e sentidamente, a um Homem - o Doutor Barcelos Vaz -, que me ajudou muito, física e psicologicamente, e deixar-lhe aqui, caso ele tenha conhecimento desta mensagem, um grande abraço Amigo e um Muito Obrigado por tudo.
Outro grande abraço meu, vai para o 1º Sargento Lopes que sempre bem-disposto e brincalhão, comigo e com os outros Camaradas que com ele trabalhavam, me transmitiram ânimo e disposição, que muito me ajudaram a ultrapassar os piores e mais dolorosos momentos da minha vida.
Foi assim que terminou a guerra para mim.
Daqui para afrente, continuarei a ler este grande blogue, enquanto a saúde e o discernimento mo permitirem.
A partir deste momento passo novamente à condição de silêncio, sobre esta fase da minha vida, porque eu não gosto de falar muitas vezes sobre o que passei então.
As fotos foram tiradas no HM de Bissau.
Um abraço daqui do meio do atlântico com muita amizade para todos vós e até breve no nosso V Encontro, em Monte Real.
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745


Decorria tudo bem, com uma Daimler à frente, um Unimog 411 logo atrás (penso que nesta segunda viatura viajava o Cap. Contreiras, que vinha a comandar o pessoal) e depois vinha eu, numa Berliet repleta de trabalhadores, uns apeados e outros sentados.
Quando nos faltava cerca de 600/800 metros para chegar ao quartel, eis que rebentou um “fogachal” tremendo que não consigo descrever por palavras.
De imediato travei a viatura, que se colou de imediato ao piso da estrada e, como é de prever, o pessoal que eu transportava projecta-se para a frente, caindo uns por cima dos outros, tocando-me uma parte deles em cima.
Livrei-me rapidamente deles e lancei-me para o chão, rastejando para debaixo/frente do carro e fiquei, agora eu, ali colado ao asfalto da estrada.
Como a estrada tinha uma pequena inclinação, reparei que a Berliet começou a deslizar na minha direcção e como eu estava deitado entre os rodados, levantei-me de repente e desatei a correr para o mato, em busca de alguma protecção.
Corria agachado, como mandam as regras, quando senti uma queimadura na nádega esquerda. Lancei-me para o mato que estava num plano mais baixo que a estrada, para me tentar abrigar do fogo do IN e senti uma nova dor, na parte frontal (zona inguinal direita), onde coloquei a mão e senti qualquer coisa quente e viscosa.
Olhei para a mão e vi sangue. Fiquei aterrado e pensei: “Estou ferido!”
A meu lado estava um trabalhador que olhou para a minha mão e perguntou se eu estava ferido. Disse-lhe que sim.
Tirou o seu quico e pô-lo em cima da ferida para estancar o sangue.
Depois continuou a falar comigo, continuadamente, a transmitir-me confiança e “força”.
Este Guineense dava-se muito bem comigo e, habitualmente, andava sentado ao meu lado nas viaturas.
Não sei quanto tempo demorou o tiroteio, mas, para mim, foi muito tempo e, ainda por cima, no estado em que eu me encontrava.

Guiné 63/74 - P6293: Em busca de... (129): Valente de Sousa, ex-Fur Mil da 3.ª Equipa do Grupo Comandos "Os Centuriões" (Luís Rainha)



1. Mensagem de Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo "Os Centuriões", com data de 27 de Abril de 2010:

Caro Vinhal
Já por várias vezes tenho tentado tudo para encontrar um Grande, muito grande amigo e camarada de Armas da Guiné, o Furriel Miliciano Comando Valente de Sousa, Chefe da 3.ª Equipa do meu Grupo - os "CENTURIÕES".


Como sabes estou a montar e a elaborar o Blog - comandos-guine-1964a19*66.blospot.com.

Para com ele tentar acabar com muitas coisas que se dizem e não são verdades e no fundo a minha ideia principal era que o VALENTE DE SOUSA se ainda fosse vivo, entrasse em contacto comigo.

Tal ainda não aconteceu, por isso, venho pedir-te que lances um apelo no nosso BOLG para ver se encontro o meu Amigo.

NÃO INTERESSA O QUE FAZ, COMO ESTÁ E ONDE ESTÁ. NECESSITO DE SABER DELE E DIZER-LHE QUE SE PRECISA DE MIM NÃO TENHA VERGONHA E ESCREVA A DIZER.

EU, ESTOU CÁ PARA O AJUDAR SE FÔR CASO DISSO.

AMIGO DESTES SÃO ATÉ À MORTE.

Vinhal, por favor pública também a sua foto que junto te envio.

Recebe um abraço do amigo sempre ao dispor
Luís Rainha



__________

(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6192: Blogues da nossa blogosfera (34): Comandos-Guine 1964 a 1996, de Luís Raínha, o centurião-mor

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6270: Em busca de... (128): Alferes Miliciano da 2.ª Companhia de Instrução do CIM de Bolama, Agosto de 1971 (Braima Djaura)

Guiné 63/74 - P6292: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (10): Samba Silate


  1. Mensagem de Arsénio Puim, com data de 30 de Abril último: 

Luis:  Envio um novo trabalho, ao teu critério.
Um abraço.
Arsénio Puim 


RECORDANDO... (10):  SAMBA SILATE (*)


Um dos lugares tristemente célebres da guerra da Guiné, que eu tive oportunidade de visitar nos princípios de 1971, chama-se Samba Silate. Fica a poucos quilómetros de Amedalai, para o lado do Geba, entre Bambadinca e o Xime. Na continuação da tabanca estende-se, até ao rio, uma grande bolanha, tida como das melhores da Guiné. Para lá do Geba, fica Mato Cão e Madina.

Dantes, Samba Silate foi uma grande tabanca balanta e um importante centro de produção de arroz. Mas na altura em que lá estive, era  uma terra desabitada e completamente inculta. Dizia-se que qualquer tentativa dos Fulas para o seu aproveitamento seria gorada pelos Balantas.

Neste chão balanta, o Pe. António Grillo, missionário italiano, desenvolveu uma actividade pastoral florescente, reconhecida por muitas pessoas. Lá estava ainda, a testemunhá-lo,  uma grande cruz de cimento erguida no local, assim como uma campa, também de cimento, perto da cruz, com a inscrição de Mateus Iala, balanta, que havia falecido em 1958, apenas um mês depois de ser baptizado.

Ao rebentar a guerra houve um forte movimento de adesão e apoio, em Samba Silate, à guerrilha. A tropa, porém, acudiu atacando e matando indiscriminadamente. Mancaman, do Xime, de quem já falei anteriormente (**), disse-me que só em Samba Silate  morreram mil pessoas (***), incluindo mulheres e gente muito nova. Os que escaparam, uns foram para o mato, outros para Nhabijães, Enxalé, etc..

Pe. António viu-se implicado nos acontecimentos e, depois de preso, foi expulso, sem qualquer julgamento, para a Itália, donde não voltou mais. Constou que, mais tarde, Spínola autorizou o seu regresso, mas que a PIDE não o permitiu.

Infelizmente, os massacres nesta zona central da Guiné, perpetrados por tropas portuguesas nos começos da guerra, não se cingiram a Samba Silate. Mancaman relata  acções de extermínio também em Bafatá, Mansoa, Bissorã e Bambadinca. «Mais de 10.000 mortos. A Guiné quase ficou sem gente», referiu.

Em relação a Bambadinca, ouvi, muito casualmente, um outro nativo falar de  acções de extermínio praticadas pelas nossas tropas. Sem referir nomes, não deixou, porém, de mencionar a naturalidade e o número militar (ou um número por que era conhecido, não sei bem)  de um soldado que costumava abrir as covas das pessoas antes de as matar.

Com tristeza e espanto, constatei ainda que a palavra que denomina os habitantes naturais da minha região não era benquista em Bambadinca e incutia mesmo um sentimento de horror, pela associação que as pessoas ainda faziam de acções desta natureza a antigos militares identificados como tal.

Perante tudo isto, não posso deixar de perguntar: onde estavam, então, os capelães militares, vinculados ao Exército com uma missão de Igreja? Porventura, não existiriam ainda nessa altura e nessas zonas?

Também sei, e não podemos ignorar, que os guerrilheiros do PAIGC  cometeram igualmente acções de extermínio em situações diversas. Tenho de forma especial em mente, neste momento, as execuções sumárias de combatentes e outros nativos que estiveram nesta guerra ao lado de Portugal, designadamente elementos dos Comandos de Fá, cometidas em Bambadinca (e outras localidades) já depois do regresso das tropas portuguesas.

É triste que Portugal tenha abandonado os seus aliados africanos à sua sorte, a qual seria previsível em face do lado da guerra por que haviam optado e os moldes por vezes desregrados e sanguinários das suas acções armadas, publicamente comentados, para além da conjuntura conturbada e dificilmente controlável que se seguiria.

Intervim uma vez, na qualidade de capelão, relativamente aos Comandos africanos, por causa do lamentável e bem conhecido caso da cabeça dum homem que foi cortada (desconheço as circunstâncias do acto, embora ouvisse mais que uma versão), numa operação que esta Companhia realizou  para os lados de Madina em princípios de Outubro  de 1970. Trazida para Bambadinca e exposta, como um troféu - diga-se, com escândalo da população civil e dos nossos militares - houve um soldado português que fotografou esta cena macabra, unicamente com intuitos comerciais.

As fotos, que circularam no Quartel até ao dia em que foram superiormente mandadas recolher com as respectivas chapas – de facto,  seriam uma exposição inconveniente para a causa portuguesa se chegassem ao exterior - mostravam um homem negro ainda novo, magro, de cabelo curto e crespo, com os olhos semiabertos. Pela boca fora introduzido um lenço que saía num buraco na nuca, o qual, atado nas pontas, servia de alça para o seu transporte na mão. O autor desta acção foi um furriel felupe [, João Uloma, mais tarde graduado em alferes, e também executado em 1975, pelo PAIGC] que – dizia-se - costumava cortar e guardar as cabeças das pessoas que matava em operações militares, por razões de crenças étnicas.

Nesse dia, o referido furriel aumentava a sua colecção de 27 crânios para 28.

Como muitos companheiros militares, e na qualidade de capelão, mostrei de imediato a minha repulsa por esta acção ignóbil. E, bem poucos dias depois, quando aquela Companhia se encontrava na parada de Bambadinca, achei que devia abordar o assunto ao comandante da mesma, lamentando que tais actos pudessem ser praticados num exército que tem obrigação de ser civilizado. O graduado, referindo este ser um costume tradicional da etnia felupe, remeteu-me para a nossa acção durante 400 anos na Guiné.

Em relação aos crimes de guerra, onde quer e quem quer que sejam os seus autores,  estou totalmente de acordo com aqueles que, sem admitir a pena de morte, defendem que no mundo civilizado os homens julgam-se nos Tribunais e, através destes, os criminosos são condenados.

Arsénio Puim


2. Quem era (ou é) o Padre António Grillo ?


António Grillo é um missionário italiano, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores). Nasceu em 1925, em Acerenza. 

Recorro aqui ao Sítio de Paolo Grappasonni que, em finais de 1988, fez uma visita às missões italianas na Guiné-Bissau e evoca a figura do padre Anmtónio Grillo. Reproduzem-se excertos do texto "Notas de viagem à Guiné-Bissau", com a respectiva tradução em português

  Padre Antonio Grillo, di Acerenza, ha vissuto per diversi anni e con alterne vicende tra i Balanta di Bambadinca. Ha pubblicato un opuscolo nel maggio 1988 dal titolo: “I miei Balantas” dal quale traggo le sue esperienze più significative. 

O Padre Antonio Grillo,  de Acerenza, viveu durante vários anos e em diferentes períodos entre os Balanta de Bambadinca. Publicou um opúsculo em Maio de 1988 intitulada: "Os Meus Balantas" de que retiro algumas das suas experiências mais significativas.

Aveva 26 anni padre Antonio Grillo quando, il 12 settembre 1951, partì dal PIME di Milano insieme a tre missionari su una jeep americana alla volta del Portogallo e della Guinea in Africa.  Faceva parte della seconda spedizione missionaria del PIME in Guinea. Bambadinca è il distretto missionario al quale padre Grillo viene inviato insieme a padre Biasutti il 31 gennaio 1952. Dopo un anno di attesa per avere il visto dal governo portoghese, e dopo un viaggio avventuroso su una jeep e via mare, finalmente possono cominciare. 

Tinha 26 anos quando a, 12 de setembro de 1951, partiu do PIME de Milão, com três missionários num jipe americano,  a caminho de Portugal e depois da Guiné, em África.  Fazia parte da segunda expedição missionário do PIME à Guiné. Bambadinca é a região missionária para a qual o padre Grillo é enviado juntamente com o  padre Biasutti, em 31 de Janeiro de 1952. Depois um ano de espera para obter visto do Governo Português, e depois de uma viagem aventurosa por terra e mar, finalmente podiam começar.

“Purtroppo - scrive padre Grillo - abbiamo dovuto accettare di fissare la nostra residenza a Bambadinca, villaggio dove erano anche le autorità amministrative portoghesi, perché queste volevano tenerci sotto il loro continuo controllo. Già a quei tempi non permettevano facilmente neppure a noi missionari che ci addentrassimo nella foresta per entrare in contatto con le varie tribù. Avremmo preferito un grosso agglomerato abitato dai Balantas come Sambasilate perché questi erano animisti mentre la quasi totalità degli abitanti di Bambadinca era mussulmana”.
In lingua mandinga “Bamba” significa “coccodrillo”, “Dinga” significa “tana”: e veramente negli anni ‘50 il vicino fiume Geba era pieno di coccodrilli. 

"Infelizmente - escreve o padre Grillo - nós tivemos que aceitar estabelecer a nossa residência em Bambadinca, a povoação onde estavam também as autoridades administrativas portuguesas, porque eles queriam manter-nos sob o seu controle constante. Já naquele tempo não nos permitiam com facilidade, mesmo a nós, missionários,  que entrassemos na floresta para contactar  as várias tribos. Teríamos preferido uma grande aglomerado populacional de Balantas como Samba Silate porque estes eram animistas, enquanto quase todos os habitantes de Bambadinca eram muçulmanos. "

Em língua madinga, "Bamba" significa "crocodilo", "Dinga" significa "cova": e na verdade, nos anos 50 o vizinho rio Geba estava cheio de crocodilos.

Il villaggio di Sambasilate nel 1955 contava già 1750 abitanti in maggioranza della etnia Balanta, con pochi Papeis e alcuni musulmani. Sambasilate, che vuol dire “risaia”, fu la prima stazione missionaria del distretto di Bambadinca. Il motivo che spinse soprattutto padre Grillo verso questo villaggio fu proprio il numero dei suoi abitanti che, se convertiti, potevano attirare i villaggi minori
.

A aldeia de Samba Silate, em 1955, já tinha 1750 habitantes, na sua maioria do grupo étnico Balanta, com poucos Papéis e alguns muçulmanos. Samba Silate, que significa "campo de arroz", foi a primeira estação missionária na zona de Bambadinca. O motivo que levou o padre Grillo a optar por esta aldeia, foi apenas o número dos seus habitantes que, se se convertessem, poderiam atrair as outras aldeias mais aldeias. (...)

http://www.webalice.it/paolo.grappasonni/Guinea_Bissau:_appunti_da_un_viaggio.html

2.2. De um outro site, italiano, sobre os 150 anos do PIME (Pierio Gheddo - PIME 1850-2000: 150 Anni dei Missione)  retiro a seguinte informação sobre o conflito do Padre Grilo com as autoridades portugueses, em 1963, bem sobre as crescentes dificuldades dos missionários italianos na sequência da escalada do conflito militar:

(...) Pime in prima linea: l’arresto di padre Grillo (1963)

Il superiore generale p. Augusto Lombardi visita la Guinea (10 dicembre 1959 — 26 febbraio 1960) e richiama i missionari ad impegnarsi ancor più nell’aiutare il popolo guineano, evitando però accuratamente ogni gesto o giudizio politico: l’imperativo è di restare sul posto senza farsi mandare via: proprio ora i missionari stranieri possono giocare un ruolo importante a difesa dell’uomo.


(...) O PIME debaixo de fogo: a prisão do padre Grillo (1963)

O Superior Geral, padre Augusto Lombardi visita a Guiné (10 de Dezembro de 1959-26 fevereiro 1960), e incita os missionários a empenharem-se mais para ajudar o povo da Guiné, mas evitando cuidadosamente qualquer gesto ou opinião política: o imperativo é permanecer no local sem se fazerem expular: os missionários estrangeiros podiam desempenhar um papel importante na defesa do homem.

All’inizio degli anni sessanta la Guinea entra decisamente nel clima di guerra. Prima vittima è il p. Antonio Grillo (22), apostolo dei balanta a Bambadinca, per un’accusa risultata poi del tutto falsa (amico di un capo guerrigliero). 

No início dos anos sessenta, a Guiné entra significativamente em  clima de guerra. A primeira vítima é a padre Antonio Grillo, o apóstolo dos Balantas em Bambadinca, sob a acusação, que se soube mais tarde ser completamente falsa, de ser amigo de um líder da guerrilha.

Arrestato dalla polizia politica portoghese (la Pide) il 23 febbraio 1963, incarcerato prima a Bissau e poi a Lisbona, viene liberato il 4 luglio come atto di omaggio del Portogallo al nuovo Pontefice Paolo VI.

Detido pela polícia política portuguesa (Pide), a 23 fevereiro de 1963, encarcerado primeiro em Bissau e depois em Lisboa, acabou por ser libertado em 4 de julho em homenagem de Portugal, ao novo pontífice, o Papa Paulo VI.

Le missioni del Pime, nelle regioni più periferiche, sono in prima linea. Quella di Suzana è occupata dai militari portoghesi, i missionari debbono ritirarsi per non essere compromessi agli occhi dei locali (visitano i cristiani ogni mese partendo da Bafatà); Catiò è al centro della guerriglia perché vicina alla Guinea- Conakry da cui venivano armi e guerriglieri: i padri non possono più visitare i villaggi senza permesso della polizia e in città sono sottoposti a stretti controlli; Farim rimane isolata per lunghi mesi; le strade sono interrotte e si percorrono solo con i convogli militari; attacchi notturni dei partigiani e ritorsioni dell’esercito con villaggi bruciati, torture, massacri.

As missões do PIME nas regiões mais remotas, estão na primeira linha da frente. A de Suzana é ocupada pelo exército Português, os missionários têm que retirar-se para evitar ficar comprometidos aos olhos da população local (os cristãos passam a ser  visitados todos so meses a partir de Bafatá). Catió, por sua vez, está no centro da guerrilha por causa de sua proximidade com a Guiné-Conacri, de onde vêm as armas e os guerrilheiros: os padres já não podem visitar as aldeias sem a permissão da polícia e na cidade estão sujeitos a controlos rigorosos. Farim, por seu lado, permanece isolada durante longos meses, as estradas estão cortadas e só se pode viajar em colunas militares;  ataques nocturnos dos guerrilheiros e represálias do Exército, com incêndios de aldeias, tortura, massacres.

Il 10 giugno 1963 un nuovo prefetto apostolico: mons. João Ferreira, giovane entusiasta e con bei progetti, ma purtroppo resiste due anni e mezzo al clima della Guinea: ritorna in Portogallo nell’agosto 1965. Il suo successore, mons. Amãndio Neto, è anche lui su una linea moderatamente innovativa: lascia lavorare i missionari, difendendoli sempre dai sospetti dei militari e della polizia politica portoghese. 

Em 10 de junho de 1963 um novo Prefeito Apostólico: Monsenhor  João Ferreira, jovem,  entusiasta e com bons projetos, mas infelizmente resistiu apenas dois anos e meio ao clima da Guiné: Volta a Portugal em Agosto de 1965. O seu sucessor, Mons. Amândio Neto, também está numa linha moderadamente inovadora: deixar trabalhar os missionários, defendendo-os sempre a suspeita dos militares e da Pide. (...)

2.3. Recentemente, no início do ano, o Padre António Griillo  (agora com perto de 85 anos, vd. foto à direita, com a devida vénia ao blogue ) voltou a Bambadinca, com uma delegação da sua diocese de Acerenza para inaugurar uma escola a que foi dado o nosso nome... Voltou a Samba Silate, aos seus balantas. Foi recebido com grande entusiasmo, alegria e espírito ecuménico.

3. Comentário de L.G.:


É doloroso para a nossa memória, mas não podemos ignorar, esquecer, branquear, desculpar o que se terá passado em Samba Silate (e noutros locais do CTIG)... 1961, 1962, 1963... foram anos de chumbo... Não sabemos exactamente qual foi o envolvimento dos militares (****)... A Pide costuma ficar com o odioso (bem como a polícia administrativa local que fazia o "trabalho sujo")... Mas  a tropa e as autoridades administrativas  também não  ficam bem na fotografia...

Não posso quem quero generalizar, prefiro que apareçam relatos,  documentados,  circunstanciais, com datas e factos, sobre violência exercida tanto pelas NT como pelo PAIGC (ou a FLING, em 1961) sob as populações indefesas, ou sob prisioneiros... Em 1969, seis anos depois, os meus soldados da CCAÇ 12 falavam-me destes acontecimentos, com naturalidade... E eles eram insuspeitos, eram fulas, nossos aliados... Samba Silate, Poindon: são dois topónimos da Guiné que ainda hoje não esqueço e que me incomodam...

_______________

Notas de L.G.:


(***) Estes números, baseados na memória oral da população local, têm que ser lidos com reserva... Em 1955, segundo o Padre Grillo, Samba Silate tinha 1750 habitantes, quase todos de etnia balanta.  

Na história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), HU-Cap II, p. 19, pode ler-se o seguinte Samba Silate, e a propósito dos balantas:

"Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas será criar condições de segurança nas ricas bolanhas que se encontram abandonadas; de entre todas essas, ressalta a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rioca e muito grande, econtrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontrarem sobre controlo IN, na área de Incala [, será a mesma, a da região de Bedanda ?, se sim, ficava claramente  fora do sector L1...], e desejarem para ali voltar"

Sobre o alegado massacre de Samba Silate, em 1963, só temos o testemunho de Alberto Nascimento (ex-sold condutor auto, CCAÇ 84, que esteve no CTIG entre 6/4/61 e 9/4/63, tendo o seu pelotão estado em Bambadinca justamente na altura em que foi preso o padre Grillo, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, às ordens de Bafatá)., e conversas minhas com alguns soldados da CCAÇ 12, entre eles o Abibo Jau, que seria fuzilado pelo PAIGC em 1975, juntamente com o Cap Comando Graduado Jamanca (e que já reproduzi na I Série do Blogue).

Recorde-se o que o Alberto Nascimento (que era um simples soldado condutor auto) escreveu:

(...) Sem conseguir precisar o mês,  um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca  [,  sabemos agora que foi em 23 de Fevereiro de 1963],  para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana [, ou melhor, missionário do PIME,] acusado - não sabíamos se por denúncia se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate.

Este episódio motivou a intervenção militar do Comando de Bafatá (****) com uma força equipada com as já na altura obsoletas auto-metralhadoras e lança-chamas. Essa força foi reforçada em Bambadinca com grande parte dos efectivos aí destacados [ , um pelotão da CCAÇ 84, pelo mneos,] e seguiu para Samba Silate.

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio.

Quando a meio da tarde o Comando deu por terminada a operação é que fui, pelo caminho, vendo a destruição provocada pelos lança-chamas, auto-metralhadoras e G3. Samba Silate estava, na sua maior parte, destruída. Num largo da povoação estavam concentrados um grande número de prisioneiros, um dos quais, talvez movido pelo desespero e terror, intentou a fuga, tendo sido abatido. Os outros foram divididos entre Bafatá e Bambadinca, de onde poucos ou nenhuns saíram.

Poindom foi o outro alvo de uma operação militar de Bafatá e Bambadinca, com o apoio da força aérea. O avanço militar terrestre fez-se pela bolanha enquanto os aviões despejavam bombas e rockets sobre a povoação e a mata que a antecedia, para anular eventuais grupos de elementos do PAIGC que poderiam impedir o avanço terrestre. Um dos aviões sobrevoava o rio [Corubal], metralhando tudo o que tentasse a travessia.

Quando consideraram que a mata estava "limpa", avançámos para a povoação que estava quase totalmente arrasada, sendo visíveis muitos corpos sob os escombros das palhotas. No interior de uma delas que ficou de pé, encontrámos um grupo de homens aterrorizados: já não me lembro se os fizemos prisioneiros ou deixámos ficar a chorar os mortos. Desta operação guardo bastantes recordações, quase todas na mente, apenas uma física, uma colher de madeira que encontrei no chão. (...)

(****) Unidades que estão em Bafatá na altura dos acontecimentos: de Samba Silate

(i) Talvez a CCAÇ 90... Mobilizada pelo R1 7, partiu para a Guiné em 2774/1961 e regressou a 12/4/1963. Esteve em Bafatá. Comandante Cap Inf Manuel Domingues Duarte Bispo, e Cap Mil Inf João Henriques de Almeida.

(II) Seguramente o BCAÇ 238. Mobilizado pelo BCAL 8, partiu em 28/6/1961 e regressou em 24/7/1963. Esteve em Bafatá. Comandante: Maj Inf José Augutso de Sá Cardoso; Ten Cor Inf Luís do Nascimento Matos.

(iii) Seguramente o EREC 385. Mobilizado pelo RC 8. Partiu a 27/7/1962. Regressou a 23/7/1964. Esteve em Bafatá. Comandante: Cap Cav José Olímpio Cajda da Costa Gomes.


sábado, 1 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6291: Memória dos lugares (78): No Xitole: Francisco Silva, Lima Rodrigues, António Barroso e... (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 16 de Abril de 2010:

Meus caros camarigos
A propósito do Francisco Silva**, agora afamado médico ortopedista, anexo duas fotografias no Xitole que mal se vêem dada a sua antiguidade.

O Francisco Silva, Alferes Miliciano, foi para a CART 3492, já no Xitole, (Abril de 72?) em substituição do, salvo o erro, Alf Mil Oliveira, que nunca chegou a embarcar.

Segundo me lembro, julgo que esteve nos Pára-quedistas, não me lembrando se chegou a tirar a Especialidade completa, ou não.

Entretanto, eu saí da 3492 para o Pel Caç Nat 52, e pelo que sei o Francisco Silva terá rumado mais tarde então para o Pel Caç Nat 51.

Na 1.ª fotografia da esquerda para a direita: eu, o Lima Rodrigues, o Francisco Silva e o António Barroso.

Na 2ª fotografia da esquerda para a direita: o Francisco Silva, o Lima Rodrigues e o António Barroso.

Já enviei mail ao Jorge Narciso, em resposta a um dele por causa do almoço da Tabanca do Centro, pedindo-lhe para lembrar ao Francisco Silva o Convívio da Tabanca Grande em Junho.

Um abraço camarigo para todos
joaquim


Da esquerda para a direita: Mexia Alves, o Lima Rodrigues, o Francisco Silva e o António Barroso

Da esquerda para a direita: Francisco Silva, o Lima Rodrigues e o António Barroso.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6275: Blogopoesia (71): Giselda, o anjo que vinha do céu (Joaquim Mexia Alves)

(**) Vd. poste de 26 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6252: Tabanca Grande (215): O Francisco Silva, hoje cirurgião, ortopedista, no Hospital Amadora-Sintra, foi o substituto do infortunado Alf Mil Op Esp Nuno Gonçalves da Costa, do Pel Caç Nat 51, morto por um dos seus homens em 16 de Julho de 1973

Vd. último poste da série de 5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 – P6107: Memória dos lugares (70): Jumbembem 1973/74 (Fernando Araújo, ex-Fur Mil da 2ª CCAÇ do BCAÇ 4512)

Guiné 63/74 - P6290: As Nossas Mães (6): Às mães que viram os seus filhos irem para a guerra e que não mais voltaram (José Carlos Neves)

DIA DA MÃE




1. Mensagem de José Carlos Neves* (ex-Soldado Radiotelegrafista do STM, Cufar, 1974), com data de 1 de Maio de 2010:

Para as mães que infelizmente não voltaram a ver os seus filhos depois destes partirem para a Guiné, dedico-lhes um poema de Fernando Pessoa. Muito antes da nossa Guerra já outras aconteceram.

Uma saudade muito grande para todos os camaradas que por lá encontraram o seu fim!
José Carlos Neves


O menino da sua mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe


Fernando Pessoa
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(*) Vc. último poste da série de 29 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5374: As nossas mulheres (13): Homenagem à D. Teresa, nossa leitora e funcionária na Biblioteca da Liga dos Combatentes (José Martins)

Guiné 63/74 - P6289: (Ex)citações (69): Antes procuravam-me, depois evitavam-me e a seguir chamavam-me cão e eu tinha... que aplaudir (Amadú Djaló)

Do livro de Amadú Bailo Djaló,  Guineense, comando, português: 1º volume, comandos africanos, 1964-1974. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p. 281:

(...) Depois de 25 de Abril e até 20 de Agosto de 1974, quando entregámos as armas, o comportamento das pessoas mudou, passou a ser diferente. Ninguém queria ser nosso amigo, nem acompanhar os Comandos. Agora, a maioria eram nossos inimigos, e outros, a quem tínhamos feito favores, começaram, a prender as pessoas, Comandos ou não.


Antes de 11 de Março de 1975, foram mortos o Tenente Bacar Djasso, o Tenente Jamanca, o Alferes João Uloma e o 1º Sargento Lalo Baio, todos Comandos [ E este último, mandinga, sobrinho do chefe da Tabanca de Morucunda, em Farim,  antigo militante do PAIGC, nos primeiros anos da luta; apresentou-se posteriormente às autoridades portuguesas, desertando com mais 10 elementos armados].


Foi uma era muito difícil para todos os que estiveram com os brancos. Poucos falavam connosco, éramos marginalizados completamente pela gente que, antes, estava à nossa protecção e que, depois, passaram a ser os nossos maiores inimigos.


Foi também uma grande experiência, que ajudou quem sobreviveu a viver tranquilo para o resto da vida. 


O povo era falso, não podíamos ter confiança em ninguém. O povo não tem cor, nem medida, nem peso, é tudo falso.


Durante esses onze anos, de 1974 a 1985, eu não podia falar do que passei, em nenhum lado da terra onde nasci e cresci. Passei a ser insultado nas reuniões e obrigado a abater palmas aos insultos que me faziam.


Diziam na minha cara que, no dia 22 de Novembro de 1970, na ida a Conacri, os portugueses saltaram os seus cães com dois pés, isto é, nós. Chamavam-me cão e eu tinha que aplaudir. Suportei tudo, bati-lhe palmas até, aceitei tudo o que me disseram. Nada era mal, tudo parecia ser bom. (...) (*)
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Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 25 de Abril de 2010 >  Guiné 63/74 - P6247: (Ex)citações (53): Pai, és o meu orgulho, te amo muito, muito, muito (Ana Djaló, Londres)

Guiné 63/74 - P6288: Parabéns a você (111): José Carlos Neves, ex-Soldado Radiotelegrafista do STM

1. No dia 1 de Maio de 1952, ano em que não se comemorou o Dia do Trabalhador, nasceu o meu companheiro de trabalho e vizinho, José Carlos Neves*, que na Guiné foi Soldado Radiotelegrafista do STM em Cufar, no ano de 1974 .

Estou aqui em nome da tertúlia para enviar ao Zé Carlos os votos de um dia bem passado junto de sua esposa, filha, demais famíliares e amigos.

Para ti os nossos votos de que tenhas uma longa vida cheia de saúde para continuares a dedicar-te à tua paixão, a fotografia.

Recebe um especial abraço de
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. postes no marcador José Carlos Neves

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6273: Parabéns a você (110): Giselda, um(a) (e)strela que brilha no firmamento da nossa Tabanca Grande (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6287: Convívios (226): 25º Encontro da CART 3494 do BART 3873, em Vizela, dia 12 de Junho de 2010 (Sousa de Castro)


1. O nosso Camarada Sousa de Castro (*), que foi 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74, enviou-nos uma mensagem a solicitar a publicação do convite, para a festa da sua Companhia, programada para Vizela no próximo dia 12 de Junho.

CONVITE
XXV CONVÍVIO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494 = DEZ1971 a ABR1974 =
VIZELA, em 12 De JUNHO 2010

Caro amigo ex-Combatente e companheiro de armas,

Tal como tem sucedido em anos anteriores, vai realizar-se no dia 12 de Junho 2010 o XXV Encontro/Convívio.
Convidamos-te a participar, juntamente com teus familiares, nesta grandiosa festa de fraterna amizade.
Vamos confraternizar, rever amigos que de algum modo compartilharam os seus medos, sofrimentos, as angustias as incertezas!
Momentos únicos que merecem ser recontados, vais sentir-te como quando tinhas 20 e alguns anos.
Trás também as tuas fotos da época, o teu diário se for o caso, para assim avaliarmos como éramos e como vivíamos naquele tempo. Já lá vão 36 anos do nosso regresso.
Não podemos deixar morrer estes encontros/convívios de ex-Combatentes. Temos de continuar a conviver.
O nosso tempo caminha a passos largos para o términos, não podemos deixar que estes eventos desapareçam. Temos de manter viva a chama da amizade que nos ligou durante 27 meses, recordar toda a vivência de uma geração! … Que é a nossa.
A Guerra Colonial, ou do Ultramar, ou das Províncias Ultramarinas, conforme lhe queiras chamar, marcou uma época. A nossa época!
Por isso temos de continuar a lembrar aos nossos filhos, netos e a todas as pessoas que essa guerra justa ou injusta, existiu e nós participamos nela, daí a razão destes encontros, por isso é fundamental a tua presença.
Vem desfrutar de uma boa companhia e um fim de semana diferente.

Com elevada deferência,
A organização:
Lúcio Damiano «Vizela», Tm: 967 251 337
Joaquim Monteiro «O Reguila», Tm: 916 690 396
E-mail: cart3494@portugalmail.pt


Local do evento:
Restaurante armando & filhos Lda.
Guimarães - Lordelo, Codeçal - Lordelo 4815-225
Lordelo GMR
Travessa do codeçal, nº 8 - Tel. 252 842 095

Concentração em Vizela, junto ao Quartel dos Bombeiros, a partir das 10h00.


Porto-Braga > Quem se desloca do sul ao chegar ao Porto, deverá entrar na A3 no sentido Braga, depois entrar na A7 > sentido Guimarães, que o levará à saída para Vizela.

Ementa

Aperitivos:
bolinhos de bacalhau
rissóis
caprichos
panadinhos
presunto
salpicão (porco preto)
moelas à angolana
rojõezinhos
camarão

Quentes:
creme de legumes
delícia de bacalhau à “armando”
filetes de peixe
fornada de vitela

Sobremesas:

buffet de pastelaria
buffet de frutas
bolo alusivo ao convívio

Bebidas:
vinho verde ou maduro, branco ou tinto
sumo natural
refrigerantes
espumante
café

Preço por pessoa: 30,00€
Crianças até aos 9 anos: 15,00€

Um abraço,
Sousa de Castro
1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6280: Convívios (139): 11º Encontro da CCAÇ 3491 do BCAÇ 3872, em Lousada, dia 15 de Maio de 2010 (Luís Dias)

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6286: O Nosso Livro de Visitas (87): Aníbal João Vilhena Xavier Magalhães, ex-Alf Mil da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861 (Guiné, 1969/70)

1. Mensagem de Aníbal João Magalhães, ex-Alf Mil da CCAÇ 2465/BCAÇ 2861, com data de 27 de Abril de 2010:

Amigo Luis Graça
Apresento-me:

Aníbal João Vilhena Xavier Magalhães
Alf Mil CCaç 2465/BCaç 2861

Có e Bissum-Naga, 1969/70

A nossa estadia na Guiné, no ambiante de guerra, foi difícil como deve calcular. Mas havia uma grande união entre todos, nos bons como nos maus momentos.

É de realçar que fomos comandados superiormente pelo Capitão António Melo Carvalho a quem tudo devemos.

Mas, como o Luis tem dito, todos temos uma história para contar.

A minha (história) começou no início da década 1950, quando conheci Amílcar Cabral.

Conheci como? Pois Maria Helena, primeira mulher de Amílcar era minha prima. As nossas mães eram irmãs.

As reuniões familiares eram frequentes e algumas vezes em casa dos meus Pais.

Tenho de Amílcar Cabral grandes recordações,uma grande simpatia, uma grande amizade. Toda a família o respeitava.

Eu pessoalmente fiquei impressinado com aquela figura que apresentava uma grande confiança.

Esta história como deve calcular teve muitos episódios sobretudo quando fui mobilizado para a Guiné.

Estive na Guiné sem complexos e como afirmou Amílcar, a sua luta não era contra o povo português.

A morte de Amílcar deixou-me triste, perdi um amigo e sua morte nada resolveu.

Por hoje fico por aqui, e acredite que foi mais um desabafo de um combatente que tem pela Guiné-Bissau um grande respeito.

Ao dispor
Os meus parabéns pelo magnífico Blogue

Um abraço
Aníbal João Vilhena Xavier Magalhães


2. Comentário de CV:

Caro camarada, como tive oportunidade de escrever em mensagem trocada contigo, é um princípio da Tabanca Grande, este espaço destinado especialmente aos ex-combatentes da Guiné, o tratamento por tu. Como expliquei não poderá haver distinção de nenhuma espécie entre homens e mulheres que por força das circunstâncias calcorrearam aquela terra que ainda hoje trazemos no coração.

Depois desta tua primeira aproximação, pedimos-te para confirmares a vontade em colaborar com as tuas histórias e fotos, aumentando assim o espólio deste Blogue, que preserva para consulta no futuro, as emoções de quem na primeira pessoa, conta a seu modo, as suas experiências e a maneira como viu aquela guerra.

Manda-nos uma foto actual e uma do tempo de tropa, tipo passe de preferência e em JPEG, para seres apresentado formalmente à tertúlia.

A tua ida para a Guiné deve-se ter revestido de algum dramatismo, pois foste combater contra o exército comandado por Amícar Cabral, teu um primo por afinidade. Diz-nos como viste a guerra na Guiné enquanto militar ao serviço da nação portuguesa, ao mesmo tempo que sabias estar do outro lado alguém que conhecias muito bem e que lutava pela imancipação do seu povo.

Poderás aos poucos contar-nos o teu percurso pela Guiné, impressões dos locais onde estiveste, operações, etc.

Até ao teu novo contacto deixo-te um abraço da tertúlia.
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6278: O Nosso Livro de Visitas (86): Benvindo Gonçalves, ex-Fur Mil da CART 6250, Mampatá, 1974

Guiné 63/74 - P6285: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (27): Diário da ida à Guiné - 07/03/2010 - Dia quatro

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Envio o relato do Quarto Dia, da minha viagem à Guiné. Quanto à estória NA KONTRA KA KONTRA surgiu-me um problema deontológico, que espero vir a discutir com o Luís Graça e se se resolver, de imediato mando o 1.º capítulo.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ - 27

Diário da ida à Guiné – Dia quatro (07-03-2010):


Bafatá estava a ficar cada vez “mais distante”. Estava a ficar preocupado, embora o Chico me fosse sempre dizendo que ir a Bafatá era uma certeza. Tudo porque neste dia o grupo resolveu que se ia a Varela. Comecei a olhar mais para os toca-toca.

Um toca-toca (em andamento) que como todos tem um nome, neste caso “Enterramento” (foto de autor desconhecido).

Outro toca-toca nas mesmas condições.

Foram-me dizendo que os havia que paravam em todas as tabancas mas que outros iam directos de Bula a Bafatá. Ia reparando que o cobrador ia invariavelmente pendurado na traseira da carrinha com a porta aberta, penso que será para ventilar melhor o interior e também para caber “mais um”. Sim porque nas carrinhas de nove lugares, substituem os bancos normais por dois corridos laterais e a lotação passa a ser o dobro. Portanto lá dentro devia ser um calor insuportável.

O meu pensamento não deixava Bafatá.

Varela era também um dos meus objectivos embora me preocupasse a tensão latente entre o Casamansa e a Guiné-Bissau. De facto, na viagem, quando no Ingoré inflectimos para Poente ao longo da fronteira com o Senegal, íamos vendo sucessivos grupos de militares armados. Até ouvi dizer que os tipos do Casamansa tinham mudado alguns marcos fronteiriços (dos que Portugal tinha posto) para, no caso de vir a aparecer petróleo na zona, lhes caber mais uma longa fatia, principalmente de zona marítima.

Mas com aquele clima, que realmente apanha uma pessoa, esqueci tudo isso. Em Ingoré parámos e no mercado de rua comprei uns saquinhos de caju torrado para trazer para Portugal. Também estive a ver fazer uns esquisitos bolinhos muito brancos de sêmola de arroz, “cuscus de arroz” enformados, que uma mulher ia fazendo, cozendo-os num também esquisito apetrecho em cima de um fogareiro, julgo que a vapor (em relato futuro falarei de uns outros fogareiros, verdadeiras obras de arte artesanal, disseminados por toda a Guiné). Comprei um saquinho (agora quase todas as coisas deste género são vendidas em saquinhos plásticos). Embora a senhora me dissesse que tinham açúcar, achei-os desenxabidos. Só sabiam a arroz seco.

O fogareiro, o desenformar dos bolinhos e os saquinhos com três bolos cada.

Passámos por Sedengal, S. Domingos, Susana, sempre com manga de tropa omnipresente. Chegados a Varela, uma povoação (não propriamente uma tabanca) de tal forma com pouca gente, que a contra gosto tivemos que perguntar a um militar onde se podia comer, pois não se via nada com aspecto de restaurante. A “tabanca” era muito dispersa e o principal restaurante era logo à entrada.

Queríamos, como é natural, ir à praia, até porque julgo ser a única praia na parte continental da Guiné. Antes porém tínhamos que tratar de encomendar o almoço. O restaurante era da D. Fátima, ou apenas Fá, ou ainda, como se auto denominava, Mãe de Varela. Senhora cabo-verdiana, de sessenta e tantos parecia ser não a mãe de Varela mas a própria dona. Pessoa de trato algo difícil. O Chico Allen ao encomendar a refeição mostrou algum desagrado por não se arranjar uma mesa só para o nosso grupo e a D. Fá começou a disparatar. Eu próprio passei a mão pelo pêlo à senhora, que acabava de conhecer, e disse-lhe que aceitávamos ficar numa mesa grande onde já estava um casal a “aperitivar”. Adiante se verá a sorte que tivemos em ficar nessa mesa.

A D. Fá deu-nos uma hora para irmos à praia, até a galinha à cafreal estar pronta. Seria uma praia normal só que parecia que estávamos na Índia. Passeavam-se por lá vacas que pareciam sagradas. Como já referi anteriormente a água não me pareceu salgada e comentando isso, os colegas de grupo é que me lembraram o meu anterior apetite pelo caju verde.

A praia de Varela

Fomos almoçar. O referido casal já estava à mesa a começar a almoçar, a senhora uma cabo-verdiana de uns cinquenta e tais e ele de setenta e muitos com ar nórdico. Estávamos em África, e com um misto de simpatia e de à vontade africana da senhora, rapidamente estávamos todos à conversa. Ela era a Guida (D. Margarida), ele era o Sr. John Blacken, norte americano, e nada mais nada menos que o Coordenador geral da HUMAID, organismo encarregado da desminagem da Guiné-Bissau. Primeiro em inglês, por alguma deferência, quiçá, subserviência portuguesa, mas depois em português pois Mr. John já estava há muito tempo na Guiné, entabulámos uma conversa, que se tivéssemos almoçado noutra mesa não tinha acontecido o que teria sido uma perda.

Ao fundo a D. Margarida e Mr. John Blacken. (foto não minha).

O Sr. Blacken, entre muitas outras coisas, disse-nos que só na zona leste do Ingoré foram levantados cerca de 26.000 engenhos explosivos e à volta do Saltinho cerca de 3.500. Que começaram os trabalhos de desminagem na zona de Bissau, depois na de Buruntuma, Ingoré e por aí fora.

Aproveitei para lhe perguntar se na zona de Galomaro e concretamente em Madina Xaquili (a minha “guerra”) ainda haveria minas, tendo-me respondido que sim. Foi no entanto adiantando que não tem havido desastres, que só de vez em quando uma vaca vai pelos ares…

O casal disse muita coisa digna de se tomar nota. (foto não minha).

Ainda apareceu a D. Fá a perguntar se estava tudo bem, como é costume. Despedimo-nos e comigo a conduzir, regressámos ao que também chamávamos acampamento.

Antes de anoitecer ainda fui, na companhia do Mesquita, ver se recolhia mais frutos da árvore de conta que o balanta José me tinha ensinado no dia anterior. No regresso, já noite, perdemo-nos duas vezes mas voltando atrás lá encarreirámos. Não estávamos muito preocupados pois tínhamos um telemóvel connosco (ah se no tempo da guerra houvesse telemóveis… desde que o IN os não tivesse, claro!!!).

Começou-se a pensar no que se poderia comer. Refira-se que não havia nada a não ser umas sobras de camarão tigre que não davam para todos. É então que “alguém” prepara a melhor “paella”, que todos nós, inclusive eu, alguma vez comemos (esperam-se comentários discordantes).

A preparar a “paella”. (foto não minha).

A degustação da dita (o Pimentel estava a tirar a foto).

Noticiário com as bacoradas do costume, conversa e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd.último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6262: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (26): Diário da ida à Guiné - 06/03/2010 - Dia três

Guiné 63/74 - P6284: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (8): Em Empada, Natal de 1969 - A esposa do Cap Mil Eduardo Moutinho visita Empada

1. Continuação da narrativa referente à estadia de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70) em Empada:


A CCAÇ 2381 em Empada

Parte III

Por Arménio Estorninho


Natal de 1969 - A esposa do Cap Mil Eduardo Moutinho visita Empada

Pela Quadra Natalícia de 1969, tivemos a visita da esposa do ex - Capitão Mil. Inf. Eduardo Moutinho, a qual viera expressamente da Metrópole (foto 5).
A sua presença foi de curiosidade para todos os militares e para as mulheres africanas, ao tempo era raríssimo encontrar no mato uma senhora branca, jovem e simpática.

Foto 5 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Quartel > 1969 > Zona do “Aparthotel” reservado para a passagem da Quadra Festiva

Os da Companhia organizaram uma Saigada, a ferrugem colocou junto às casernas uma viatura “Matador” que foi transformada em “O Autocarro do Amor,” enfeitada com pernadas de palmeira e ostentando dísticos, pensava eu, alusivos ao Capitão.

Do pessoal, ficaram-me na memória o pseudo “Guitarrista” o Soldado Francisco Maria (com um instrumento emprestado pelo ex-1.º Cabo de Transmissões Franklin Arménio), eu que levara o jipe para fazer mistura de apitos e animar a malta, actuei com um batuque (foto 6), houve reportagem, sendo o 1.º Cabo Enfermeiro Zé Teixeira o animador como Comentador e Operador de Câmara TV, entre todos fora uma tarde de “farrabadó.”

O Capitão tomou as precauções de ocasião, parte da Companhia estava de prevenção nos abrigos e na generalidade estávamos apreensivos por possíveis acções do In, no entanto o mesmo não se manifestara e nesse período não teve qualquer actividade de registo.

Foto 6 > Guiné > Região de Quinara > Empada> 1969 > Instrumento musical batuque adquirido em Empada

Para se realizar a Consoada, o Refeitório das Praças serviu de Salão de Festas, assim no local foi erigido um nicho dedicado a Nossa Senhora (fotos 7, 8 e 9)

Foto 7 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Jantar de Natal > 1969 > No meio do mato, a imagem vale mais que as palavras

Foto 8 > Guiné > Região de Quinara > Empada > Festa de Natal > 1969 > Eu, com o pensamento nos meus, um companheiro cujo nome está na lista

Foto 9 > Guiné > Região de Quinara > Empada > 1969 > Um companheiro, a fazer a sua prece e a venerar a imagem
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Nota de CV:

Vd. poste de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6256: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (7): Em Empada, peripécias de um 1.º Cabo a substituir um Furriel Miliciano

Guiné 63/74 - P6283: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (13): Baixas da CCAÇ 3518 em Guidaje

1. Continuação da publicação do trabalho Os Marados de Gadamael e os dias da Batalha de Guidaje de autoria do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74).


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XIII

Daniel de Matos


Baixas da CCaç 3518, em Guidaje


Mortos no abrigo do Obus:

José Carlos Moreira Machado, furriel miliciano, natural de Sá, Ervões, Valpaços.

Gabriel Ferreira Telo, primeiro-cabo atirador, natural do Paul do Mar, Calheta, Madeira.

João Nunes Ferreira, soldado atirador, natural de Câmara de Lobos, Madeira.

Jorge de Andrade Gonçalves, soldado atirador, natural de Pedra da Nossa Senhora, Campanário, Ribeira Brava, Madeira. Era casado.


Feridos no abrigo do Obus:

Quirino do Sameiro Correia Igreja, alferes miliciano, de Vila Verde, (viria a ser evacuado para a metrópole).

Vitorino Ferreira da Cruz, alferes miliciano de Lordelo, Paredes

Bernardo Gomes Monteiro, furriel miliciano de armas pesadas, de Cascais, (esteve evacuado no HMP, para onde foi a 3 de Novembro de 1973).

Ângelo César Carneiro da Silva, furriel miliciano de minas e armadilhas, da Trofa.

José Cipriano Ferreira, soldado atirador, da Madeira.

José Virgílio Vieira, soldado atirador, da Madeira, que chegou mais tarde à companhia em “completamento”, a 6 de Março de 1972 (esteve evacuado no HMP).


Feridos nas emboscadas do percurso Guidaje/Binta:

José Manuel de Abreu, soldado atirador, do Funchal.

Fernando Gomes dos Santos primeiro-cabo atirador, (do COMBIS, mas que acompanhou a operação integrado na companhia).


Seria lógico e justo referir aqui a identidade dos feridos das outras unidades ao longo destes dias. Os números ditos oficiais referem um total de 122, cuja identificação individual será muito difícil, senão impossível, de elencar.


Resumo de outras baixas da CCaç 3158 durante a comissão de serviço:

Outro sangue derramado em terras da Guiné ao longo da comissão.

Falecidos em Gadamael:


Alfredo Rodrigues França, (6 de Março de 1972), soldado atirador, Paul do Mar, Calheta, Madeira. Ferido em combate, sepultura em Paul do Mar.

António Alberto Gonçalves, (15 de Abril de 1972) soldado atirador (era casado) Câmara de Lobos, Madeira, morto devido a acidente, – afogamento na margem do rio Sapo (afluente do Cacine), – em Gadamael. Sepultura no Cemitério Municipal de Câmara de Lobos.

João Heliodoro Gomes da Silva, (27 de Junho de 1972), primeiro-cabo atirador, Sítio do Calhau, São Roque, Funchal, Madeira, ferido “por acidente com arma de fogo”, “tiro inopinado” na caserna, em Gadamael. Sepultura no Cemitério das Angústias, São Martinho, talhão de militares falecidos no Ultramar.

Na verdade, o tiro inopinado foi disparado à queima-roupa por um membro da companhia, durante um desaguisado. O causador do “acidente com arma de fogo”, vulgo, assassinato, foi preso de imediato (preventivamente, por autorização da Chefia do Serviço de Justiça).

Em 14 de Junho de 1973, “por despacho de 10 de Abril de 1973, Sua Exa o Director do Serviço de Pessoal determinou que o soldado atirador Carlos Nóbrega de Freitas tivesse baixa do serviço por incapacidade física, por haver sido julgado incapaz do mesmo pela Junta Hospitalar de Inspecção, reunida no HMP, em sessão de 30 de Março de 1973, podendo angariar subsistência”. Ao saber-se disto, a revolta não podia ser maior no seio da companhia: “uns a alinhar e um tipo destes a ficar livre, parece que foi premiado”! Tinha sido preso formalmente em 1/7/72.

Os camaradas mais próximos do João Heliodoro, choravam de raiva e, a quente, juravam que no regresso à Madeira matariam o Freitas, antigo coveiro de profissão. O certo é que ele morreu anos mais tarde, após uma cena de pancadaria na Madeira, não se sabe com quem, ao cair de uma ravina, disse-me um dia o capitão, em sua casa. Depois do gesto irreflectido, foi difícil arrancar-lhe a arma das mãos. O capitão perdeu a cabeça e espancou-o, esmurrando e pontapeando à toa o corpo já tombado no chão. Só parou de o fazer quando o consegui dominar, filando-lhe os braços por trás e imobilizando-o como num abraço, “não se desgrace também, meu capitão”, que a coisa estava feia. Foi metido no abrigo que serviu de prisão algumas vezes em Gadamael (o ex-soldado guineense Inácio Soares da Gama que o diga!) e, dias mais tarde, seguiu com escolta sob prisão, já não me recordo se para a sede do batalhão ou se para Bissau.



Ângelo Manuel dos Santos Raposeiro, (7 de Agosto de 1972) soldado atirador, Lisboa freguesia de Benfica, (era casado e tinha vindo transferido da CCav 3462 – BCav 3874) ferido em combate em Gadamael (accionou mina antipessoal), depois de evacuado faleceu no Hospital Militar de Bissau. Sepultura no cemitério de Benfica.

Malan Mané, (13 de Novembro de 1972), soldado milícia do Pelotão de Milícias 236 (adido à companhia), ferido em acidente com arma de fogo, na sequência do rebentamento de uma mina antipessoal, sepultado em Gadamael.

Outros, nem sempre identificados:

Ussumane (Baldé?), caçador, saiu à caça levando a sua velha Mauser, e accionou inadvertidamente uma mina antipessoal (montada pelo furriel Ângelo Silva, ou por mim, já não me recordo) no cruzamento de Ganturé.

“Informador” (presumível). Desconheço se é um morto que contabilizemos como nosso (quase que garantidamente, não, de todo!), se como do IN ou se de coisa nenhuma. Caiu também numa das nossas minas ao fundo da pista velha. As feridas no pé impediram-no de fugir dali. O capitão mandou-me ver o que tinha feito rebentar a mina e quando cheguei, lá estava o homem sentado no chão, encostado a um coqueiro, olhos recriminatórios, indescritíveis, inesquecíveis… Trouxemo-lo para o quartel mas a evacuação aérea só foi possível no dia seguinte. Soube de sevícias inqualificáveis que alguém lhe fez para o obrigar a confessar ser “turra”. Depois, morreu. Pelos muitos cabelos e bigode brancos via-se ter uma idade avançada. Enterrei-o na pista antiga, na margem do rio, por ordem do capitão Manuel de Sousa. Só eu e os quatro ou cinco homens que foram comigo sabemos (sabíamos) onde ficou. No caso dele, nenhuma família o reclamará nunca, não saberá sequer como nem quando se finou…


Feridos em combate:

(não inclui os feridos, – e foram alguns – cujas chagas foram adquiridas por acidentes vários, por exemplo, devido a falsos alarmes, quando procuravam refugiar-se de ataques não consumados). Cito, apenas os de maior gravidade:

João Nunes Ferreira, soldado, 7 de Agosto de 1972 (morreria a 25 de Maio de 1973, em Guidaje).

João Manuel Duarte Oliveira, soldado (pelotão de reconhecimento Fox 2260, adido à companhia) 7 de Agosto de 1972.


Louvados na “operação Guidaje”


Independentemente do desempenho notável e do grande espírito de sacrifício e de solidariedade para com os camaradas (e de todas as unidades envolvidas) que estiveram em Guidaje, na breve “história da companhia”, (escrita e composta na secretaria pelo primeiro-cabo escriturário Alexandre Vasco de Castro, em “stencil”, com máquina de escrever, “cera” e estilete), ficaram louvados pelo seu comportamento e pela “invulgar capacidade de prontidão de reacção e sangue frio debaixo de fogo” ao longo desta Operação, tendo demonstrado “raras qualidades militares, espírito de sacrifício e alto nível de camaradagem e compreensão, sempre prontos para tudo”, os seguintes militares:


Soldado José Virgílio Vieira:

“durante toda a operação demonstrou possuir raras qualidades de militar destemido. Debaixo de fogo IN, depois do rebentamento de uma granada dentro de um abrigo, em Guidaje, indiferente ao perigo, só tinha em mente ajudar os feridos, seus camaradas e superiores, e transportá-los para a enfermaria. Ainda debaixo de fogo IN, enfrentando o perigo, dirigiu-se a um Obus e, com as fracas noções que lhe deram, consegue fazer fogo com o mesmo, respondendo, assim, de um modo rápido, ao fogo IN. Na emboscada IN reagiu corajosamente, incentivando os seus camaradas a seguirem-lhe o exemplo. Numa das emboscadas, ainda indiferente ao fogo IN, dirigiu-se a uma das viaturas onde se encontrava um Morteiro 60 com bastantes granadas e trouxe tudo para a berma da estrada. Uma vez aí fez fogo com o mesmo.”


Soldado Manuel de Sousa:

“é digno de nota pela sua prontidão de reacção e sangue frio. Um dos elementos IN que nos tentavam envolver, na emboscada da zona do Cufeu, foi imediatamente alvejado por este soldado, ao mesmo tempo que chamou a atenção aos seus camaradas da existência de mais elementos IN. A sua rápida reacção encorajou de tal modo os seus camaradas que os elementos IN imediatamente tiveram que retirar, dado o potencial do fogo das Nossas Forças”.


Soldado José António da Silva Pires (também conhecido por “Jaca”)

“indiferente ao fogo IN, reagiu corajosamente fazendo fogo com o Morteiro 60. De salientar ainda que, na retirada dos elementos IN, este soldado progrediu no terreno fazendo fogo onde as árvores o permitiam. A sua atitude teve o mérito de encorajar os seus camaradas a colaborarem com redobrado esforço”.


Após o regresso a Portugal (à metrópole e à região insular, – os últimos a chegar a Lisboa, no Niassa, aportaram a 3 de Abril de 1974), perdeu-se o contacto com muitos soldados madeirenses, em virtude de uma parte significativa ter emigrado, especialmente para a Venezuela e para a África do Sul. Destes três, desconheço o destino que terão levado o José Virgílio Vieira e o Manuel de Sousa, presumindo que terão deixado de viver naquela Região Autónoma. Quanto ao Jaca (José António da Silva Pires), soube que infelizmente terá falecido há meia dúzia de anos atrás. Era um homem de grandes rebeldias mas que se sabia fiável e amigo do seu amigo, e cujo feitio tanto lhe originava repreensões e “porradas” sérias, como louvores idênticos a estes, umas e outros, em geral, merecidos. O capitão, bem como os agravamentos que se seguiam, aplicaram-lhe vários dias de detenção, prisão disciplinar, etc., (curiosamente aconteceu o mesmo com o soldado José Virgílio Vieira, cuja acção em combate também é agora enaltecida, e tinha sucedido com o soldado Raposeiro, morto em Gadamael ao accionar uma mina). Creio que por volta de 1990, ao encontrar-me no Funchal com o comandante de companhia (ex-capitão miliciano Manuel Nunes de Sousa), ele me contou que o Jaca experimentaria bastantes dificuldades, por não (querer) arranjar emprego e passar horas na mendicidade, a ver se alguma coisa caía, à volta do Mercado dos Lavradores. Noutras deslocações que efectuei ao Funchal procurei-o por várias vezes, no intuito de o abraçar e, porventura, o poder ajudar nalguma coisa. Foi o José Maria Fernandes, – antigo companheirão que com o mesmo sorriso de sempre nos aturava os copos e o resto, na messe de Gadamael, – que me informou do que teria acontecido ao Jaca. Para além das vicissitudes e das partidas que a vida nos prega, custa muito, revolta-nos ver como um ex-combatente que em certas ocasiões foi justamente considerado um herói, tenha vivido com stress os últimos anos da sua vida, na condição de mendigo e sem qualquer apoio social do mesmo Estado que serviu o melhor que pôde e soube!

Nos anos das três frentes de guerra (Guiné, Angola, Moçambique), o regime escondia os mortos para não desmoralizar nem os activos que andavam a combater nem a população. A famigerada Comissão de Censura cortava as notícias dos jornais, rádios e televisão que falassem de baixas entre nós. Apenas no 10 de Junho se dava conta de alguns, se homenageados postumamente. Havia, obviamente, quem na imprensa procurasse resistir. Aproveitando essa coragem, enviei de Bissau uma notícia com comentários pessoais para o semanário Notícias da Amadora, dirigido pelo jornalista e escritor Orlando Gonçalves (também já falecido) e de que era assinante. Os comentários ficaram na gaveta mas os nomes dos camaradas tombados, respectivos pais e esposas saíram, transcrevendo uma nota dos Serviços de Informação Pública das Forças Armadas (além dos quatro Marados de Gadamael e do furriel Fernandes, foi publicada a identidade de mais três praças falecidos também na Guiné). O jornal viveu dias difíceis particularmente nesse ano (estavam marcadas para Outubro as “eleições” para a Assembleia Nacional) e as suas instalações foram ocupadas pela PIDE/DGS, que apreendeu tudo o que havia lá dentro.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6255: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (12): Os três G e a proclamação da Independência