Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã (1972/74) > Um aquartelamento construído de raíz, entregue ao PAIGC em 19 de Agosto de 1974.
Foto: © Vasco da Gama (2010). Direitos reservados
1. Comentário de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCAV 8350, Os Piratas de Guileje, 1972/74) ao poste P6321 (*)
Caro amigo Vasco:
Vou fazer uma pequena correcção e dar a minha opinião sobre o tema que lançaste no Blogue, que diverge da tua, como já sabes, pois já abordámos, superficialmente, o tema a sós.
A correcção relaciona-se com a entrada de grupos do PAIG no aquartelamento: nunca lá entraram até à entrega do aquartelamento no dia 19 de Agosto de 1974.
Só entraram no aquartelamento Comissários Políticos do PAIGC e devidamente autorizados por nós, para efectuarem os seus comícios.
Não vi qualquer motivo que justificasse o impedimento de esclarecer os seus conterrâneos, que em breve abandonaríamos.
Tivemos dois encontros com os guerrilheiros do PAIGC, um ao fundo da estrada alcatroada no sentido de Nhacobá e o outro nas imediações do aquartelamento.
Todos correram lindamente, com um comportamento exemplar de lado a lado. Senti orgulho pelo evento, de modo especial pelo comportamento dos meus homens que, desarmados, se portaram com uma postura exemplar.
Temi alguma animosidade, mas para meu regozijo, não se concretizou.
Nos dois encontros estave presente o Capitão Santos Vieira que, depois de informado, se deslocava de Colibuia e foi connosco ao encontro.
O impacto do 1º encontro foi marcante para todos nós. Ninguém ficou indiferente, ficou marcado pelo reencontro de dois irmãos, um milícia nosso, de 20 anos, e um combatente do PAIGC, de 14.
O abraço dos dois irmãos,que rapidamente se reconheceram, é um momento único, altamente comovente.
Só isso teria justificava a nossa ida. Recordo o brilho dos olhos do nosso milícia, quando o irmão lhe disse que a mãe estava viva e se encontrava bem. Tinham sido separados pelo PAIGC, em 1963, num assalto a Colibuía.
No outro encontro já o diálogo se tornou possível, falou-se na tomada de Guileje, alguns eram portadores de objectos nossos, que traziam, e nunca, em qualquer momento, manifestaram qualquer alarde de superioridade.
Nada pediram, mas aceitaram uma tachada de arroz que o nosso cozinheiro de imediato se prontificou a cozinhar.
Amigo Vasco, eu respeito a tua opinião de não querer entregar o quartel, foi constuído com muito sacrifício e sangue. Mas...como podíamos nós impedi-lo, se o desejássemos?
O momento mais doloroso da descolonização de Cumbijã foi na véspera da entrega do aquartelamento, quando me é exigido que desarme os milícias.
Destroçados animicamente, com um porte e uma dignidade invulgar, todos fizeram a entrega do armamento, sem uma queixa ou um azedume. No entanto Samba (?), sargento-milícia, chamou-me à parte e disse-me:
-Alfero, até aqui deram-nos uma arma e pediram-nos para lutar por vós e agora desarmam-nos e abandonam-nos?
Era a verdade nua e crua! Foi de partir o coração, mas que podia fazer por eles? Acompanhá-los na sua fuga para o Senegal? Bem me apeteceu!
Aqui, senti vergonha pela minha incapacidade de salvar aquela boa gente que tinha de atravessar o Corubal e contornar a Guiné pelo leste para chegar ao Senegal.
Não sinto que tivesse desrespeitado os meus mortos. Sinto a tranquilidade de ter feito o meu melhor, tendo sempre em consideração as duas partes em conflito.
Amigo Vasco, não te esqueças que esta não foi uma fogueira que ateámos, mas que tivémos de apagar, como bombeiros mal preparados para executar a sua tarefa. Fizémos o nosso melhor!
Um abraço de Aveiro até Buarcos.
Manuel Reis
_____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IX): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?
Vou fazer uma pequena correcção e dar a minha opinião sobre o tema que lançaste no Blogue, que diverge da tua, como já sabes, pois já abordámos, superficialmente, o tema a sós.
A correcção relaciona-se com a entrada de grupos do PAIG no aquartelamento: nunca lá entraram até à entrega do aquartelamento no dia 19 de Agosto de 1974.
Só entraram no aquartelamento Comissários Políticos do PAIGC e devidamente autorizados por nós, para efectuarem os seus comícios.
Não vi qualquer motivo que justificasse o impedimento de esclarecer os seus conterrâneos, que em breve abandonaríamos.
Tivemos dois encontros com os guerrilheiros do PAIGC, um ao fundo da estrada alcatroada no sentido de Nhacobá e o outro nas imediações do aquartelamento.
Todos correram lindamente, com um comportamento exemplar de lado a lado. Senti orgulho pelo evento, de modo especial pelo comportamento dos meus homens que, desarmados, se portaram com uma postura exemplar.
Temi alguma animosidade, mas para meu regozijo, não se concretizou.
Nos dois encontros estave presente o Capitão Santos Vieira que, depois de informado, se deslocava de Colibuia e foi connosco ao encontro.
O impacto do 1º encontro foi marcante para todos nós. Ninguém ficou indiferente, ficou marcado pelo reencontro de dois irmãos, um milícia nosso, de 20 anos, e um combatente do PAIGC, de 14.
O abraço dos dois irmãos,que rapidamente se reconheceram, é um momento único, altamente comovente.
Só isso teria justificava a nossa ida. Recordo o brilho dos olhos do nosso milícia, quando o irmão lhe disse que a mãe estava viva e se encontrava bem. Tinham sido separados pelo PAIGC, em 1963, num assalto a Colibuía.
No outro encontro já o diálogo se tornou possível, falou-se na tomada de Guileje, alguns eram portadores de objectos nossos, que traziam, e nunca, em qualquer momento, manifestaram qualquer alarde de superioridade.
Nada pediram, mas aceitaram uma tachada de arroz que o nosso cozinheiro de imediato se prontificou a cozinhar.
Amigo Vasco, eu respeito a tua opinião de não querer entregar o quartel, foi constuído com muito sacrifício e sangue. Mas...como podíamos nós impedi-lo, se o desejássemos?
O momento mais doloroso da descolonização de Cumbijã foi na véspera da entrega do aquartelamento, quando me é exigido que desarme os milícias.
Destroçados animicamente, com um porte e uma dignidade invulgar, todos fizeram a entrega do armamento, sem uma queixa ou um azedume. No entanto Samba (?), sargento-milícia, chamou-me à parte e disse-me:
-Alfero, até aqui deram-nos uma arma e pediram-nos para lutar por vós e agora desarmam-nos e abandonam-nos?
Era a verdade nua e crua! Foi de partir o coração, mas que podia fazer por eles? Acompanhá-los na sua fuga para o Senegal? Bem me apeteceu!
Aqui, senti vergonha pela minha incapacidade de salvar aquela boa gente que tinha de atravessar o Corubal e contornar a Guiné pelo leste para chegar ao Senegal.
Não sinto que tivesse desrespeitado os meus mortos. Sinto a tranquilidade de ter feito o meu melhor, tendo sempre em consideração as duas partes em conflito.
Amigo Vasco, não te esqueças que esta não foi uma fogueira que ateámos, mas que tivémos de apagar, como bombeiros mal preparados para executar a sua tarefa. Fizémos o nosso melhor!
Um abraço de Aveiro até Buarcos.
Manuel Reis
_____________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IX): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?