segunda-feira, 31 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6503: Parabéns a você (117): Mário, para ti, neste dia, aqui vai uma doce lembrança da tua menina, da tua Glorinha (Os Editores)


"A Glorinha no seu esplendor" - eis a última foto, com legenda, que o Mário Beja Santos nos mandou há dias...

Foto: © Beja Santos (2010). Direitos reservados

1. Carta do além para  o meu querido pai que hoje faz anos:

Paizinho: Pois é, vai fazer um ano que eu vos deixei, a ti, à mãe, à Joana, a todos os meus amigos. A vida pregou-nos uma partida... A vida está sempre a pregar-nos partidas. Tu mesmo podias ter ficado para sempre lá naquela terra distante que hoje tanto amas... Mas a tua boa estrelinha protegeu-te. Eu não tive a mesma sorte... Sei da tua dor imensa, da tua saudade desmedida. E como voltaste ao trabalho com toda a gana e paixão com que sempre viveste e trabalhaste...

Hoje é o teu dia, pai. Não estarei cá, fisicamente, para te cantar os "Parabéns a Você" pelos teus 65 anos!... Mas, graças ao blogue dos teus camaradas da Guiné, quis-te fazer um pequena surpresa, que, julgo,  vais adorar.   Lembras-te do último trabalho que eu andava a fazer,  no âmbito do Curso sobre  Comunicação Social e Cultural, na Católica? Foste tu que sugeriste que entrevistasse o Luís Graça... Fiz um trabalho, para a cadeira de História Contemporânea, sobre "A Guerra Colonial Vista pelos Ex-Combatentes Portugueses"... Andava tão entusiasmada!... Era o meu 3º ano, tinha tanta gente, amiga, fantástica, que me ajudou, a começar por ti, que eras (e és) o meu melhor amigo.

Pois é, o editor do blogue tinha o trabalho guardado para ser publicado numa boa ocasião.... E que melhor ocasião, meu  pai, do que este dia!... Sei que vais deitar uma lágrima, doce, terna, pela tua Glorinha. Ficarei por perto, a zelar por ti, pela saúde desse grande coração... Mais: fiquei a gostar dos teus velhos camaradas da Guiné. Diz-lhes que eu fico, lá no alto do poilão da Tabanca Grande, a velar por eles, a rezar por eles, a divertir-me com eles, a chorar por eles, a puxar por eles, a ler e a emocionar-me com as suas aventuras e desventuras... Por eles e por ti. Espero que me aceitem como um irão bom, ou como uma fada madrinha. Amo-te muito, pai. Tua, Locas.


2. "A Guerra Colonial vista pelos Ex-Combatentes Portugueses” [Recebida pelos editores do blogue Luís Graça & Camaradas da Guíné, em 23/4/2009.

Autor: Maria da Glória Allen Revez Beja dos Santos (1976-2009) (*)

Universidade Católica Portuguesa
Faculdade de Ciências Humanas
Curso de Comunicação Social e Cultural
História Contemporânea
3º Ano, Turma 2


2.1. ENTREVISTA A LUÍS GRAÇA


1. Quando é que lhe surgiu a ideia de formar um blogue ?

L.G: O blogue surgiu em 2003, em Outubro de 2003. Era um blogue pessoal, para publicação das minhas “blogarias”… Chamava-se Blogue-Fora-Nada… Em 2004, publiquei algumas coisas relativas à guerra colonial da Guiné e aos ex-combatentes. Lembro que o primeiro texto, em 23 de Abril de 2004, foi sobre os aerogramas e o papel das madrinhas de guerra (que eu, de resto, nunca tive). Mas foi a partir de Abril de 2005 que o blogue começou a receber contributos de outros ex-combatentes, como eu.

No início, eu queria falar das minhas memórias, da minha Companhia, a CCAÇ 12; depois, gradualmente, abri-me ao exterior. Foi a partir daí, em meados de 2005, que comecei a receber comentários de outros ex-combatentes, e foi então que tive que tomar uma decisão, a de dedicar exclusivamente o blogue à guerra colonial na Guiné (1963/74).

Como disse, originalmente o blogue chamava-se Blogue Fora-Nada. Foi rebaptizado, passando a chamar-se Luís Graça & Camaradas da Guiné. Em Junho de 2006, demos início à II Série do blogue. Foi nessa altura que apareceu o seu pai [, Mário António Gonçalves Beja Santos].

A versão actual (Luís Graça e Camaradas da Guiné) é a de um blogue, colectivo, com uma participação muito activa, onde todos os dias se colocam textos, documentos, histórias, provenientes fundamentalmente de ex-combatentes. Mas também há familiares, amigos, especialistas, etc., gente de muitos quadrantes e origens, portugueses, guineenses, cabo-verdianos… Temos camaradas na diáspora, Brasil, Estados Unidos, Canadá, França, Holanda, Alemanha, Suécia, Austrália…

Em suma, não se tratou de um blogue criado intencionalmente a pensar na guerra colonial e na Guiné. Ele nasceu um pouco pelas circunstâncias. Depois, por arrasto, foram chegando as pessoas, cada vez mais pessoas. Formámos uma espécie de tertúlia, virtual, havia uma grande cumplicidade entre pessoas que não se conheciam e que até mesmo não se conhecem (é por isso que procuramos fazer encontros anuais, para nos conhecermos melhor uns aos outros).

Começaram a aparecer mapas, documentos, fotografias… Os mapas foram digitalizados, incorporou-se material. Achei interessante colocar online os mapas, para tornar as situações geográficas mais precisas, os lugares, como, por exemplo, a região de Bambadinca, onde eu estive, tal como o seu pai, os rios, as bolanhas, etc. Reavivava-se assim a memória dos ex-combatentes, foi esse o meu objectivo primordial. Os membros do blogue, neste caso, os ex-combatentes, esforçaram-se para fornecer os melhores elementos para o enriquecer, desde histórias de guerra até apontamentos sobre a fauna e a flora da Guiné, aspectos culturais, etnográficos, etc.

Há uma coluna estática, do lado esquerdo, quando se visita o blogue, onde todo esse material (mapas, fotos de lugares…) está disponível para pesquisa, ao alcance de um clique. Parte desse material (mapas e fotos dos lugares) está alojado na minha própria página pessoal: Luís Graça, sociólogo > Saúde e Trabalho, http://www.ensp.unl.pt/luis.graca.

O blogue tem assim uma lógica, sob o ponto de vista de construção, que permite essa investigação. Além disso há um constante apelo à participação de todos os camaradas que passaram pela Guiné (ou de todos os amigos da Guiné e dos guineenses).

2. Na sua opinião, a que é que se deve esta explosão de confissões e o dever da memória? Por que é que foi preciso esperar mais de quarenta anos para os veteranos da guerra falarem do seu sofrimento e da sua nostalgia ?

L.G: Nos anos oitenta participei activamente no semanário O Jornal, com escritos sobre a minha experiência da Guiné. Havia uma série chamada “Memórias da Guerra Colonial” [, criada pelo jornalista Afonso Praça, que tinha estado em Angola]. O meu objectivo era ‘exorcizar os fantasmas’ (sic) da Guerra Colonial. As pessoas começaram a tirar da gaveta escritos, fotografias, poemas, diários, recordações.

A série acabou, entretanto, ao fim de umas largas semanas… Terá havido pressões por parte de alguns sectores político-militares para apressar o fim desta primeira tentativa de divulgar publicamente as histórias e as memórias da guerra colonial, contadas na primeira pessoa do singular.

Nessa altura ainda não havia internet nem blogues nem nada. Embora embrionária, a ideia não ficou esquecida. O seu pai escreveu no JN - Jornal de Notícias um folhetim com vários episódios da guerra na Guiné… Mas houve, nos anos 80, também as obras de escritores como o Cristóvão de Aguiar e outros. O José Brás, por exemplo, escreveu um romance (Vindimas do Capim) que teve um prémio literário. São dois nomes,  entre outros ilustres desconhecidos do público. Mas houve também outros nomes, pioneiros, que alimentaram a literatura da guerra colonial, e em especial a da Guiné: por exemplo, Armor Pires, Barão da Cunha, etc.

Ainda antes do 25 de Abril, mas sobretudo depois, nasce assim um movimento, literário, de homens que escreviam obras, de ficção ou não, motivadas alguns pelo dever de perpetuar memórias de cunho autobiográfico ou de cunho histórico, respeitantes à guerra colonial, em geral, e da Guiné, em especial.


3. Como é que os ex-combatentes começam a dar sinais de registo de memória no pós-25 de Abril?

L.G: Tem a ver com o ciclo de vida. No blogue há pessoas que já estão na reforma, ou seja, pertencem à chamada população inactiva. Têm tempo, têm mais tempo, têm curiosidades, sente a nostalgia dos seus verdes anos, a saudade da Guiné… Para o melhor ou para o pior, a Guiné ficou-lhes registada de uma forma muito intensa. Há o problema de tentar recuperar uma juventude perdida. Com o advento da blogosfera, chegou a hora para a actual democratização da Internet, digamos assim.

Em 1999, como eu já disse, criei uma página pessoal, mas muito centrada na minha actividade académica. O blogue só aparece, em 2003, na tentativa de divulgar escritos mais intimistas ou pessoais.

Naturalmente, há também o problema de uma certa iliteracia informática que impediu (e ainda impede) o desenvolvimento destas memórias. A minha geração não tem as mesmas perícias informáticas do que a geração seguinte, a dos seus filhos... É preciso, pelo menos, ter um endereço de e-mauil (e um computador) para comunicarmos uns com os outros...

4. Existe de facto uma solidariedade entre os ex-combatentes?

L.G: Nunca pensei que este blogue tivesse uma adesão tão forte com este impacto de participações e de interesse por parte dos ex-combatentes. Existe um elo solidário muito forte. O drama da Guerra assolou a minha geração. Aos 18 anos fui à inspecção militar, como todos os rapazes da minha geração, e aos 22 anos e seis meses estava na Guiné. Outros, em contrapartida, não compareceram ao embarque e foram para a França, a Suíça, a Suécia, e por aí fora. Em números absolutos, terão sido uma minoria (refiro-me aos desertores, não aos refractários).

A maior parte de nós não teve outro remédio, independentemente do estrato socioeconómico a que pertencia. Nos primeiros anos de guerra ainda havia poucos milicianos com passagem pela Universidade. A partir de 1968, começa a aparecer outra malta com mais formação académica, experiência de luta académica, etc.

No passado, havia a Seara Nova, o Diário de Lisboa, o Notícias da Amadora, o Comércio do Funchal, entre outras publicações, que nos chegavam à Guiné, por correio. Eu assinava, por exemplo, o Comércio do Funchal, que foi um lufada de ar fresco no panorama cinzentão e conservador da imprensa portuguesa de fim de regime.


5. Sente que esse factor democrático existe no blogue? Há, de facto, pessoas que tinham formação para falar à vontade em contextos socioeconómicos e históricos da época? Essas pessoas são as que melhores se exprimem no blogue?

L.G: A maior parte das pessoas, sim. Não se trata de um blogue de ideias mas sim um blogue de registo de memórias e afectos. Também se fazem comentários, e muitos. Mas, no essencial, procuramos contar histórias. Há com certeza pessoas mais informadas do que outras. Na Guiné, havia pessoas que liam, ouviam música clássica , enquanto outras gastava o seu tempo livre bebendo uns copos, jogando às cartas, etc. Muitos de nós bebiam muito. A actividade operacional era, muitas vezes, intensa, violenta, dramática, stressante.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12  (1969/71) > Pôr do sol sobre o Rio Geba...

Foto: © Artlindo T. Roda  (2010). Direitos reservados


6. Como é que os negros, digamos os nativos,  encaravam o facto de vocês estarem ali a cumprir uma obrigação e como se estabelecia esse lado humano?

L.G: Repare, eu quando fui para a Guiné, no tempo do Spínola, já havia uma certa abertura. Estava em marcha a criação de uma força africana. Os jovens viviam em aldeamentos muito isolados, quase encurralados. O exército para eles era também um bom negócio porque tinham dinheiro ao fim do mês. Foram criadas companhias, com base em soldados do recrutamento local. Criaram-se os Comandos Africanos, em Fá Mandinga, etc.

Os Fulas tinham uma certa consciência nacionalista, no passado lutaram contra os portugueses, mas acabaram por ser "pacificados" e depois tornaram-se fiéis à causa portuguesa, ou melhor, nossos aliados. Se calhar, não tinham alternativa. Os meus soldados eram fulas. A guerra da Guiné, tal como eu a vivi era também uma guerra civil. Eram homens fortemente tribalizados, que estabeleciam alianças connosco por conveniência.

Por outro, tinham práticas culturais que estavam nos antípodas da nossa cultura. Eram poligâmicos, islamizados, tinham os seus ritos e rituais, distintos dos nossos e de outras etnias. Enfim, não eram totalmente islamizados. Tinham práticas animistas, usavam amuletos. De um modo geral, eram fiéis ou leais a Portugal. Alguns pagaram caro essa fidelidade. Estão hoje bem documentados os fuzilamentos de Comandos e outros quadros graduados por nós. Os Fulas foram as principais vítimas desse ajustamento de contas, no pós-independência.


7. Voltando ao blogue, sente que de alguma forma há um efeito catártico?

Sim, o que fazemos é também blogoterapia. Acreditamos num certo efeito terapêutico da palavra. As recordações, o avivar da memória, a descoberta dos mapas das regiões onde combatemos, o cruzamento de memórias, as fotos, tudo isso produz esse efeito catártico. Temos gente de todo o lado do país e de todas as épocas, do princípio, meio e fim da guerra colonial.


8. Este blogue pretende espelhar o sofrimento de quem lá esteve dando voz também a quem combateu ao lado do PAIGC?

L.G: Repare, isto é um blogue para ex-combatentes, idealmente de um lado e do outro. O blogue é para camaradas e amigos da Guiné, portugueses, mas também guineenses, quer tenham combatido ao nosso lado ou contra nós. Por outro lado, há amigos da Guiné espalhados pelo mundo, estão aparecer mulheres e familiares de militares... Infelizmente, do lado dos antigos guerrilheiros não há muita gente: há muitas barreiras, a começar pela língua, as tecnologias, as comunicações, etc.

Quanto ao resto, não posso prever para onde vai o nosso blogue, só sei que está a crescer, estamos neste momento a chegar a um milhão de vistas. Pensamos muitas vezes que o melhor que nos pode acontecer é conseguir juntar as duas faces da guerra, nós e os guerrilheiros de então. Porque também lutamos pelo esclarecimento, esperamos chegar à reconciliação, como homens que no passado se combateram, sob bandeiras diferentes, mas hoje unidos pela língua, a história, os afectos, o tempo, o lugar...

2.2. BREVE INTRODUÇÃO À PROBLEMÁTICA DA HISTÓRIA COLONIAL (FRENTE DA GUINÉ)

Quando, no final da década de 50, o Senegal e a Guiné-Conacri se tornaram independentes, sabia-se que haveria sérias repercussões na província da Guiné Portuguesa. A consciência da independência encontrou eco nos quadros urbanos de Bissau e foi assim que nasceram movimentos orientados, uns para a progressiva independência, com ou sem diálogo com Portugal, outros dispostos à luta armada, no caso de Portugal não querer conceder a independência à Guiné.

Em 1959, ocorreu no porto de Bissau um protesto de estivadores e outros trabalhadores que acabou num banho de sangue, foi um autêntico massacre. Esse episódio veio agravar as tensões e a partir daí passaram a destacar-se dois grandes movimentos, a FLING, apoiada pelo Senegal, e o PAIGC apoiado pela Guiné-Conacri.

Estes dois movimentos não chegaram a nenhum acordo de princípio para a luta comum, estavam irremediavelmente divididos num conceito nacionalista: a FLING queria uma Guiné só para os Guineenses, o PAIGC queria uma União de duas pátrias, a Guiné e Cabo Verde. A FLING foi a responsável por algumas escaramuças no norte da Guiné, a partir de 1961, era um movimento que se baseava em muita improvisação - não houve preparação dos quadros militares, nem muito menos se preparou uma estratégia para aliciar as populações civis.

Com o PAIGC foi muito diferente. Teve um líder organizador genial, Amílcar Cabral, recebeu apoios sobretudo da China e da União Soviética, preparou quadros militares e foi apetrechada com equipamento e outro armamento que tornou logo, em 1963, a vida duríssima às tropas portuguesas. Desenvolveu um trabalho ideológico eficaz, a tal ponto que em finais de 1963 os campos estavam claramente demarcados, muitas povoações foram abandonadas, numa proporção que ainda hoje se estima de 1 para 5 ou de 1 para 6, o PAIGC acantonou-se em pontos estratégicos de muito difícil acessibilidade, sobretudo na região Sul.

O PAIGC soube igualmente explorar a natureza da geografia da Guiné a seu favor. Sendo um facto que o clima da Guiné é muito difícil, praticamente todo o território está atravessado por rias e outros cursos de água que dificultam a circulação humana. O PAIGC destruiu inúmeras estruturas e começou a combater numa verdadeira atmosfera de guerra de guerrilhas. Face a esses sucessos, os Estados Africanos reconheceram o PAIGC como o único interlocutor para a Guiné e a FLING desapareceu, nas suas expressões política e militar.

Em 1964, o regime de Salazar envia para a Guiné um novo governador, Arnaldo Schultz, com a missão de travar o avanço do PAIGC, desarmá-lo psicologicamente e reforçar o apoio das populações, sujeitas a pressões dos dois lados. Quatro anos depois, esta missão não tinha tido o êxito que se esperava, o PAIGC sentia a sua influência crescer, se bem que o conflito começasse a ter dimensões aproximadas a uma guerra civil (o entrevistado Luís Graça refere-se a esse aspecto). O desmantelamento das sociedades agrícolas, umas que ficaram reordenadas à volta dos quartéis e outras sob controlo do PAIGC levou ao jogo duplo das populações, que é um dos grandes dramas deste tipo de guerra.

O período de 1964 e 1968 levou à formação de contingentes africanos dentro da Guiné, e o sucessor do General Arnaldo Shultz, Brigadeiro António de Spínola, reactivou o aparelho militar guineense. Mesmo com a incorporação de africanos, as tropas portuguesas continuaram uma politica de abandono de quartéis nas zonas fronteiriças.

Em 1968, chega à Guiné o Brigadeiro Spínola que procura inverter a situação: os seus objectivos foram sobretudo os seguintes: intensificar a dinâmica militar, desmotivando o PAIGC; reagrupar as populações civis oferecendo-lhes como projecto uma elevada participação no seu destino, através da fórmula “por uma Guiné melhor”;  criar, dentro das limitações existentes, uma política de fomento económico que desse aos guineenses confiança num novo rumo.

O Brigadeiro Spínola cedo foi confrontado com a combatividade do PAIGC que não desarmou e obrigou as tropas portuguesas a abandonar mais quartéis. A política de “uma Guiné melhor” deu os seus frutos na medida em que conquistou a adesão das populações envolvidas. Depois, Spínola tentou a negociação com algumas etnias para deixarem a guerra, tudo terminou tragicamente com a morte dos negociadores do lado português, em Abril de 1970. Spínola procurou, com o beneplácito de Marcelo Caetano, uma operação de invasão da Guiné-Conacri que teve fracos resultados e que custou a reprovação internacional.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Pel Caç Nat 52 (1968/70) >  O Alf Mil Beja Santos, já no final da sua comissão, em meados de 1970, frente às instalações para oficiais do quartel de Bambadinca (que foi sede do comando e CCS do BCAÇ 2852 - 1968/70 - e do BART 2917 - 1970/72). Foi no tempo do BCAÇ 2852, que ele ganhou o seu nome de guerra, "Tigre de Missirá".

Foto: © Beja Santos (2010). Direitos reservados

O ano de 1973 é um ano de viragem. Amílcar Cabral morre assassinado e os acontecimentos subsequentes dão conta que o PAIGC já não está totalmente dependente do seu líder histórico, tinha já identidade nacional. O PAIGC apareceu apetrechado de mísseis terra-ar e o lado português não teve contrapartida para estas armas. A comunidade internacional foi continuando a censurar a política colonialista portuguesa e em Agosto desse ano o PAIGC declarou unilateralmente a independência da Guiné -Bissau, logo reconhecida por 80 países. O General Spínola, vendo que não lhe davam equipamentos militares compatíveis e tendo sido convidado a abandonar mais povoações fronteiriças, cada vez mais flageladas para as armas temíveis do PAIGC, demitiu-se, tendo sido substituído pelo General Bettencourt pôde evitar a escalada da guerra.

Nesse ano de 1973, verificou-se igualmente que o PAIGC ganhara uma grande capacidade para progredir para uma guerra quase convencional, entrando no território português com rampas de foguetões. Acresce que uma ofensiva no Sul leva a que um importante quartel teve que ser abandonado devido ao potencial de fogo do atacante e ao esgotamento das nossas tropas. Em 1974, Marcelo Caetano autoriza conversações secretas com o PAIGC que não passaram da fase exploratória, pois logo a seguir ocorreu o 25 de Abril.

A frente da Guiné foi indiscutivelmente a mais difícil das três frentes da guerra em que Portugal travou em África entre 1961 e 1974. Porque o terreno físico era claramente hostil a poder empurrar o adversário para posições fixas; porque o adversário cedo obrigou as forças em presença a uma grande separação; porque o adversário estava altamente motivado e possuía um chefe dotado de uma inteligência incomum, etc.

Os militares da Guiné, quase sem excepção (e a excepção era a cidade de Bissau e arredores) tiveram de combater, e foram diariamente confrontados com os horrores da guerra. Tinham à volta de 20 anos, na altura destes acontecimentos, têm hoje entre 60 e 70 anos.

Os acontecimentos posteriores ao 25 de Abril foram orientados para a luta política em Portugal, esses jovens tiveram que fazer pela vida para arranjar trabalho e reconquistar a paz interior. Dedicaram-se à política, às empresas, regressaram à agricultura ou ao operariado. Educaram filhos, têm hoje netos. O mundo mudou, Portugal está na União Europeia, a Guiné-Bissau vive em estado calamitoso, esses ex-combatentes têm reuniões nostálgicas, quase todos os anos, sentem hoje uma maior disponibilidade, à beira da reforma ou já reformados, para recordar e contar o que viram e como viveram.

O computador alterou radicalmente as relações de comunicação, à frente de um ecrã, clicando, fazem o chamamento do passado, mostram as suas fotografias, discutem opiniões sobre os anos da guerra e o que hoje se diz sobre esses anos da guerra.

É nesse contexto que os ex-combatentes têm vindo a aderir à formação de novas assembleias onde conversam, dão opiniões, comovem-se e até escrevem livros. São os blogues.

2.3. ANÁLISE DE CONTEÚDOS DE UM BLOGUE DEDICADO AO DEVER DE MEMÓRIA POR PARTE DE EX-COMBATENTES DA GUINÉ

Não é este o lugar para falar da essência de um blogue. O que importa é saber como funciona um blogue de ex-combatentes da Guiné. No caso específico do blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, assiste-se à convergência de algumas centenas que aderiram ao projecto de um professor da Escola Nacional de Saúde Pública que decidiu convidar sem quaisquer barreiras todos os camaradas da Guiné interessados em desenvolver entre si o dever de memória e partilhar experiências.

Cedo o seu criador se apercebeu do atractivo criado, começaram a chover mapas, documentos históricos sobre operações, cada um trouxe as suas fotografias e a sua correspondência. Por vezes, um acontecimento suscita enormes discussões: foi o caso da retirada de Guileje, os ataques ferozes a Guidage ou a Gadamael. De vez em quando abrem polémicas, mostram a sua poesia, reúnem-se em assembleia para criticar um comentário, como ocorreu recentemente a propósito das declarações do General Almeida Bruno.

Um blogue com estas características, renovado continuamente sete dias em sete, apelando à solidariedade com os povos da Guiné-Bissau, falando da sua história e da sua cultura, mostrando imagens inéditas, registando depoimentos afectivos, feito artesanalmente por voluntários e sem quaisquer custos para os participantes, tem que ser visto como uma tribuna de valor excepcional. Recolhe material que um dia pode ser tratado por historiadores, tem por vezes o ar fresco de uma praça pública onde estes homens de 60 e 70 anos se cumprimentam e acamaradam discutindo por vezes acaloradamente.

Maria
[Revisão / fixação de texto / introdução: L.G:]

3. Comentário dos editores:

Mário, sabemos que esta doce lembrança da tua menina, da tua Glorinha, é a melhor prenda que a gente te podia dar. Todas as palavras que quisermos acrescentar, aqui e agora, sobre o amigo, o camarada, o homem, o cidadão, o escritor, o colaborador activo, empenhado, generoso e profícuo deste nosso projecto comum (com mais de 200 referências no nosso blogue), são supérfluas.  Só te queremos desejar o melhor dia possível e dizer-te quanto te estimamos e prezamos. Muita saúde e longa vida, que a ti Deus tem de dar tudo! Um terno Alfa Bravo para ti. Um chicoração também a Joana e, naturalmente, para a Cristina Allen, mãe da Glória (e que é uma grande senhora, cuja presença, tutelar, nesta Tabanca Grande muito nos honra e nos fortalece).
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6502: Blogoterapia (150): Rosa, esta Tabanca tem a particularidade de sarar as feridas que mais ninguém quer tratar (Jorge Félix)

1. Mensagem de Jorge Félix* (ex- Alf Mil Pil Heli Al III, BA 12, Bissalanca, 1968/70), deixada no poste 6469**, referente à apresentação da nossa camarada Rosa Serra, ex-Enf.ª Pára-quedista:

Olá, Rosa, já passaram alguns anitos e continuas bonita!

Dizem que andar de helicópetero leva o tempo a parar. (Estacionário, é a palavra que está associada ao heli e ninguém ainda explanou sobre a sua importância na relatividade da passagem do momento...). Tu andaste bastante e o resultado não podia ser outro.

Já te deram as boas-vindas, que eu reforço, e agora que fazes parte da Tabanca Grande quero te avisar que vais ter momentos encantadores, momentos de imensa alegria e outros menos bem dispostos. Vais voltar a viver Bissalanca, o "mato", o frio da noite em evacuação, e a tristeza do Hospital Militar quando chegávamos tarde.

Vais encontrar camaradas esquecidos, outros vão te encontrar. Esta Tabanca tem a particularidade de sarar as feridas que mais ninguém quer tratar. Vais dar conta disso.
"Chatos" como eu, também não vão faltar.

É com grande alegria que volto sentir a tua presença.

A nossa Tabanca recebe-te de braços abertos.

Abraço
Jorge Félix
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6397: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (21): Fotogramas de um vídeo com o Honório (Jorge Félix)

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6469: Tabanca Grande (223): Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Pára-quedista, BCP 12, Guiné, 1969

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6401: Blogoterapia (149): Com os Gringos de Guileje, e com o nosso blogue, mantendo viva a chama de uns velhos, ontem miúdos, combatentes (Amaro Samúdio, CCAÇ 3477)

domingo, 30 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6501: Álbum fotográfico de Jorge Rosales, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66 - I (Jorge Rosales)

1. Álbum fotográfico do nosso camarada Jorge Rosales*, ex-Alf Mil da 1.ª CCAÇ, Porto Gole, 1964/66.

Foto 1 > Agosto de 1964, com o Bijagó, o meu guarda-costas em Porto Gole.

Foto 2 > Fevereiro de 1965, dar banho às crianças.

Foto 3 > Março de 1965, uma boa futebolada com tropa nativa, soldados da metrópole e pessoal da administração de Porto Gole.

Foto 4 > No Xime com pessoal da CCaç 556, de Enxalé.

Foto 5 > Março de 1965, o descanso do guerreiro, junto ao rio Geba.

Foto 6 > Em Novembro de 1965, com o o meu amigo Alfero.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça

Guiné 63/74 - P6500: Meu pai, meu velho, meu camarada (22): Expedicionário no Mindelo, S. Vicente, 1941/43, 1º Cabo Inf Luís Henriques (5) (Luís Graça)



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo  (ou Ribeiro de Julião ?) > Legenda: "Jantar em San Vicente, Nosse terre. Nativos em festa. Recordações da minha estada em C. Verde (Expedição). 1941-1943. Luís Henriques".




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Ribeira de Julião  > 1943  > Legenda, a tinta verde, já quase impercetível: "Dançando o batuque na Ribeira de Julião,  no dia [da festa ?] de S. João [...] 1943. Luis Henriques". Foto Melo.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Hospital, fundado em 1899.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Julho de 1942 > Praça e  Mercado da  cidade



 


Vídeo (1' 30''): © Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes


"30 pessoas morriam por dia, no Mindelo", em São Vicente, no auge da fome que grassou em Cabo Verde... A cidade do Mindelo, cuja economia foi profundamente afectada pela guerra,  não escapou aos horrores da seca e da fome. Aí estavam estacionados alguns milhares (c. de 3300)  expedicionários portugueses, como o 1º  cabo Luís Henriques, nº 188/41 (1º Pelotão, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5).

Os mortos eram levados em esquife e enterrados em vala comum, no cemitério de Monte Sossego. Não se sabe qual foi a morbimortalidade entre os soldados, mas também deve ter sido elevada (por turbeculose, doenças diarreicas, e outras).

Foi, só mais tarde,  ao ler o romance Hora di Bai (editado pela Vértice em 1962), do Manuel Ferreira (1917-1992), expedicionário como o meu pai (esteve no Mindelo entre 1941 e 1947), que eu me apercebi  dessa tragédia imensa, a seca e  a fome que assolou, em 1941/43,  o arquipélago de Cabo Verde (e depois de novo, no pós-guerrem 1946/48). E que matou meninos como o Joãozinho, que rondavam o quartel e que o meu pai protegia, dando-lhe os restos de comida. (Em 1941/43, ilhas como S. Nicolau e o Fogo perdem cerca de um terço da sua população).

O meu pai, à beira de completar 90 anos, já não é capaz de dar, com precisão, as datas em que terá ocorrido o pico da epidemia de fome. Muitos militares portugueses não tiveram  a exacta consciência dessa tragédia que, de resto, também não foi conhecida pela população portuguesa metropolitana.  Até por que em no Portugal metropolitano a morte, nomeadamente a mortalidade infantil (mais de 120 casos por 1000!) era banal, a par da mortalidade por tuberculose entre os jovens (10% de todas as mortes!). 

 Os números que o meu pai cita, devem referir-se ao 1º semestre de 1943. Ele diz que "não viu,  ouvia dizer",  quando esteve internado ("quatro meses"), no hospital militar (ou anexo, um estabelecimento de repouso,  a nordeste da cidade do Mindelo), já na parte final da sua comissão. Ele esteve 26 meses na Ilha, como expedicionário entre julho de 1941 e setembro de 1943. Teve alta da junta médica hospitalar em 17/8/1943. 

De qualquer modo, trinta mortos por dia era muita gente, numa ilha que não tinha mais do que 15 mil habitantes (em 1940), e contou com a presença de mais de 3300 expedicionários, entre meados de 1941 e finais de 1943 (o que dava um elevada densidade militar na ilha: 4,5 habitantes por cada expedicionário).

Texto e fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:



Vd. também 

24 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5154: Meu pai, meu velho, meu camarada (19): Cabo Verde, 1942: Plano de defesa do arquipélago, de Santos Costa (José Martins)

15 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5109: Meu pai, meu velho, meu camarada (18): Do Mindelo a... Bambadinca, com futebol pelo meio (Nelson Herbert / Luís Graça)

12 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5101: Meu pai, meu velho, meu camarada (17): Ilha de S. Vicente, S. Pedro, 1943: Armando Duarte Lopes (Nelson Herbert)

27 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5019: Meu pai, meu velho, meu camarada (13): Mindelo, ontem e hoje ( Lia Medina / Nelson Herbert / Luís Graça)

9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)

20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6499: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (3): Quando Mandinga já não quer dizer turra, mas quando ainda não se esquecem os desmandos feitos pelas NT no início da guerra (J Armando F. Almeida / Luís Graça)



Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. (Versão em texto processado por Benjamim Durães)



[Continuação da publicação de excertos do Cap II da História do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, segundo versão policopiada gentilmente ao nosso blogue pelo ex-Fur Mil Trms Inf, José Armando Ferreira de Almeida, CCS/ BART 2917, Bambadinca, 1970/72, membro da nossa Tabanca Grande] (*)

3. População > e. Aspecto político (...)

2 – OS ”MANDINGAS”

- Construtores de grandes impérios dos quais o maior foi o do Mali que durou do Século XI até ao Século XVII,  as suas relações com os Portugueses foram de tal modo intensas que o Rei D. João II, frente ao conflito ”Mandinga – Fula”,  enviou emissários ao Imperador do Mali e ao Chefe Fula Coli Tenguela, procurando servir como medianeiro nas disputas entre ambos.

Com o desmembramento do Império Mali,  inicia-se o enfraquecimento do poder Mandinga na Província em benefício do aumento de influência Fula, tendo a sua hegemonia política sido fortemente abalada a partir do Século XIX; a Batalha de Bere Colom (no ano 1850) em que os Mandingas são vencidos pelos Fulas,  atesta o seu declínio que se prolonga até 1866,  data da Batalha de Camsala Turubã,  em que os Mandingas foram totalmente desbaratados. 

Apesar de vencido,  a cultura deste povo impõe-se a quase todos os povos da Guiné e, difundindo o seu islamismo (do tipo africano,  revelando resíduos do antigo animismo),  criou, pelo contacto directo e contínuo com outras etnias, o fenómeno da aculturação destas, conhecido por “Mandinguização”.

Antes do terrorismo,  a etnia Mandinga mostrava-se em franca expansão por toda a Província invadindo áreas de outras etnias e competindo economicamente com elas sendo bem aceite por todos os povos da Guiné. 






"Era conhecida a separação entre fulas e mandingas. Estes pouco simpatizavam com as nossas tropas, eu tive essa ideia, os fulas, na generalidade, estavam do nosso lado. Esta rivalidade, e o não querer estar com os fulas, têm razões históricas: os mandingas tiveram um grande império no sudeste africano e foram senhores do reino do Gabú. Mas dum e doutro foram usupados pelos fulas...

"Nesta brochura, editada pela Editorial Cosmos (sem data) na sua colecção "Cadernos Coloniais" (é o N.º 13), António Carreira faz uma resenha histórica da islamização daquela zona de África e da lutas entre fulas e mandingas pelo seu domínio. São dados importantes para a história dos povos da Guiné e para a nossa commpreensão deles". [
António Barbosa Carreira nasceu em 1904, em São Filipe, Ilha do Figo, Cabo Verde. Morreu em 1988, em Lisboa].

Imagem e legenda: © A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados


Nos últimos anos que antecederam o terrorismo,  o poder económico de alguns dos seus membros e o domínio cultural que exerciam tornaram-no um dos mais progressivos da Guiné, surto do progresso que a subversão veio quebrar levando grande parte a aderir ao PAIGC ou a refugiar-se nos Países limítrofes, nomeadamente no Senegal e Gâmbia.

A sua atitude perante o terrorismo deve ser interpretada com todo o bom senso, eles viram no PAIGC a oportunidade de reaver a sua independência política, em face aos Fulas, e vingar um Século de prepotências a que estiveram sujeitos pelos Fulas; depois, nos primeiros anos de terrorismo, Mandingas era sinónimo de terrorista e temos de ter a coragem para admitir os erros de procedimento que as NT e Autoridades tiveram perante os indivíduos que eram rotulados de “terroristas”.

Hoje os Mandingas estão convictos de que não é mais possível, no Sector, ser-se acusado pelas Autoridades de “terrorista” apenas porque se pertence a esta etnia ou, se denunciam erros de indivíduos ligados às Autoridades, Militares ou Civis, Europeus ou Africanos (embora ainda existem no Sector alguns residentes Europeus a assimilados que, por convicção ou interesse, propalam, especialmente a quem chega de novo, que todos os Mandingas são “terroristas”).

Tal convicção,  associada ao seu desencantamento em relação ao PAIGC,  onde “calcinhas e oportunistas” ocupam lugares de mando que os Mandingas julgam deveriam ser concedidos aos seus Chefes, criou uma brecha que, a curto prazo, pode levar, se bem explorada pelas NT,  ao divórcio total desta etnia com o PAIGC.

- No SECTOR L-1 a actividade dos Mandingas vivendo sobre o nosso controlo difere de Regulado para Regulado.

ENXALÉ

- Sobre a designação de Mandingas estão agrupados na povoação do Enxalé, Beafadas e Mandingas sob o Comando efectivo do Beafada, Alferes de 2ª Linha Quemó Nanqui; fortemente hipotecados na defesa da sua povoação, colaboram activamente com as NT na procura e destruição do IN. 

Até à preparação do Congresso do Povo da Guiné de 1971, toda a população daquela povoação obedecia a Quemó Nanqui, e não se notavam quaisquer diferenças na forte determinação com todos, independentemente de raças a que pertenciam, colaboravam na defesa da povoação e perseguiram o IN. Deu-se então a separação dos Balantas, que passaram a ser dirigidos por Biaia Nadum,  dos restantes cujo Chefe se manteve Quemó Nanqui.Tal divisão consciencializou os “Mandingas puros” que passaram também por ali, embora colaborando com as NT, a dar indícios de um crescente neutralismo em relação ao conflito. 

A criação do GEMIL 309 e 310 (Grupo Especial de Milícias) e a sua consequente actuação acarretará decerto uma maior acção do IN sobre o Enxalé e,  com ela, acreditamos a destruição de tal neutralismo.

CUOR

- Encontram-se reordenadas nas Auto Defesas de Finete e Missirá, onde são protegidos por Pelotões de Milícia na sua quase totalidade formados por Fulas do Regulado Badora. Estão profundamente hipotecados na defesa das suas povoações e seguem a forte determinação do seu Régulo, Malan Soncó, de não abandonar o que resta do Cuor seja qual for a pressão do IN. Mas ao procurar-se fazer o recompletamento dos seus Pelotões de Milícias com elementos Mandingas, encontram-se grandes dificuldades no seu recrutamento. Também ao procuraram-se guias para as diversas operações no Cuor,  se encontra fortes reservas por parte dos Mandingas em colaborar com as NT.

BADORA

- Concentraram-se neste Regulado a maioria dos Mandingas do Sector. Muitos são daqui naturais mas há um importante núcleo constituído por “refugiados” de outros Regulados, especialmente do Regulado do Cuor e Oio.

- Os naturais do Regulado de Badora têm queixas das prepotências antigas fulas com conveniência ou nãos das Autoridades Administrativas, não esqueceram ainda os desmandos feitos pelas NT no início do terrorismo em que Mandingas e terroristas era considerado sinónimo, confiam bastante no Régulo de Badoera – Tenente de 2ª Linha Mamadú Bonco Sanhá, que dizem ser Beafada, porque nos seus ascendentes há uma mulher desta etnia, ser justo, ser valente e ter espírito Mandinga. Pelas razões apontadas, porque muitos deles têm família no mato, e talvez e especialmente por ser essa a orientação dos seus Chefes Religiosos, assumem uma atitude de neutralismo em relação ao actual conflito.

- Os refugiados neste Regulado pensam em cada momento nas suas árvores de fruto, nas suas terras, e muitos deles desejariam ocupar povoações de onde a guerra os expulsou.
- Desde que lhes seja garantida uma certa segurança,  estão disposto a ocupar as suas antigas povoações e cooperarem na sua defesa, desde que recuperadas.

- Na sua actual situação de refugiados procuram empenhar-se o menos possível tendendo para um neutralismo total.








Fonte: História do Batalhão de Artilharia nº 2917 - De 15 de Novembro de 1969 a 15 de Março de 1972. pp 53/74 (Versão em texto processado por Benjamim Durães)

[Fixação / revisão de texto / bold / título: L.G.]

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6437: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (2): O Fula, a sua lealdade,o seu preço (José Armando F. de Almeida / Luís Graça

Guiné 63/74 - P6498: In memoriam (42): Condutor de Daimler, vítima mortal do rebentamento de uma mina anticarro a caminho de Cufar (Alcides Silva)

1. Mensagem de Alcides Silva (ex-1.º Cabo Estofador, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69), com data de 28 de Maio de 2010:

Amigos,
Ao ler o comentário do Jorge Portojo fez-me recuar no tempo, quanto ao recordar nomes é um pouco difícil, mas existem momentos que nunca esquecem.

A situação que o Jorge refere do Condutor das Daimlers ter falecido num reabastecimento para Cufar, é uma das lembranças amargas, pois era um dos bons amigos e educado.

As coisas nesse dia correram mal para ele e para o 1.º Cabo Atirador que seguia sentado em cima da Daimler, com o alçapão aberto, o que foi a sua sorte, porque foi projectado, tendo apenas partido uma perna. Mesmo assim foi de rastos até à viatura para abrir a porta de emergência para retirar o camarada, mas já era tarde.

Com o rebentamento da mina, o Condutor bateu com a cabeça em cima, de forma que a morte foi imediata. Deste 1.º Cabo Atirador já não recordo o nome, mas recordo que também era um bom colega.

Envio uma fotografia do Condutor e de uma das Daimlers que ele conduzia.

Que esteja em paz.

Um abraço.
Alcides


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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6394: Tabanca Grande (219): Alcides Silva, ex-1º Cabo Estofador (e não ex-Sold Cond Auto...), CCS / BART 1913, Catió, 1967/69

Vd. último poste da série de 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6215: In memoriam (41): O Sem Sentido das Guerras - Relembrando António Ferreira (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P6497: Controvérsias (80): Resposta ao poste P6461, A língua portuguesa na Guiné está em perigo? (Carlos Silva)

1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem, em 24 de Maio de 2010, em resposta às preocupações demonstradas no Poste P6461 da autoria do Eduardo Campos:
LÍNGUA PORTUGUESA NA GUINÉ: EM PERIGO?

Amigo e Camarada Eduardo Campos.

Com todo o devido respeito, que é muito, por ti e por opiniões contrárias, permite-me discordar em toda a linha da tua análise.

A língua Portuguesa na Guiné poderá estar em perigo, mas não é com certeza devido a ataques vindos do exterior, embora possa haver algumas investidas e vontade nesse sentido.

Contudo, para mim, a língua portuguesa na Guiné não está em perigo, porquanto, é língua oficial e é ensinada por toda a Guiné, mas nas escolas do interior profundo, nas matas cerradas, por onde tenho passado e por onde outrora os “tugas” não passavam, vi escolas sem conta, claro umas melhores do que outras em termos de construção, pois algumas são autênticas “casas de mato”, mas em todas ensina-se o português e vi com os meus próprios olhos nessas escolas que escrevem muito bem o português e que têm uma caligrafia muito melhor do que a minha.

Mas a questão essencial que se coloca, é genética, na medida em que, a língua oficial é o português, ensinam o português nas escolas, mas no exterior, os guineenses falam a sua língua mãe, da sua própria etnia e a intermediária para se compreenderem utilizam o “crioulo” em vez do português.

Há milhares de alunos do 5º ao 12º ano que escrevem bem o português, mas têm dificuldade em falar e a causa é a que invoco, mesmo os políticos guineenses que deveriam dar o exemplo, exprimem-se nas línguas mães ou em crioulo, quando se dirigem às populações.

Aqui em Portugal, acontece ipsis verbis a mesma coisa. Eles não falam o português e têm dificuldade em exprimirem-se, enquanto tu vês ucranianos e outros indivíduos de outras nacionalidades a falarem português como qualquer um de nós.

Portanto, a língua portuguesa se algum dia estiver em perigo na Guiné, não é por facto imputável só ao Governo Português, deve-se a eles próprios, e não é por causa da língua francesa que a nossa poderá a vir estar em perigo.

Não te esqueças que a Guiné, é um país soberano e a língua não se impõe por decreto.

Terá de haver uma alteração de mentalidades da parte deles guineenses a começar pelos responsáveis que dirigem o País, embora não descurando a língua materna de cada etnia.

Portugal não pode sobrepor-se à vontade deles e não é um Centro Cultural qualquer, que faz mudar o emprego de qualquer língua.

Aqui também se aprende muitas línguas, nas escolas e fora delas e não é por isso que a nossa língua fica em perigo.

Portugal, que é o maior Pais doador da Guiné, quer a nível governamental, quer através da sociedade civil, designadamente associações, tem cooperado com aquele País a todos os níveis incluindo o da educação e o do ensino do português, enviado não só professores, como livros e o mais diverso material.

A título de exemplo, a nossa Associação Ajuda Amiga, ano passado ofereceu mais de 10.000 livros e este ano mais de 20.000 livros e basta veres o nosso Site da Ajuda Amiga, o meu Site, com entrega directa por mim e outros camaradas antes duas semanas da tua estadia, bem como, podes ver muitos outros Sites de ONGs guineenses, como é o caso da AD.

Estou de acordo contigo quando dizes que existe entre nós uma preocupação em ajudar os povos da Guiné e, felizmente, temos muita gente trabalhando intensamente nessa causa, na tentativa de atenuar a miséria que lastra naquele país, isso é um facto, mas trata-se de outra situação.

A sensação que sentiste em Bissau de te parecer que estavas numa rua de uma qualquer cidade de França, já que só ouviste falar a língua daquele país, não significa que os guineenses viraram a falar francês.

Eu também tenho lá estado todos os anos, como sabes, e nunca tive essa sensação, apesar de ouvir falar mais o crioulo e as respectivas línguas nativas, sinto e observo que se fala mais português do que francês, pois os naturais da Guiné-Conakri, senegaleses, mauritanos, que até falam mais árabe do que francês, não ultrapassam em número os guineenses, nem sequer se aproximam.

Foi mera coincidência ouvires uns quantos estrangeiros “excursionistas” a falarem francês, podes crer… ou então estavas encostado ao Centro Cultural Francês próximo da Baiana, mas há também o Centro Cultural Português, Brasileiro etc.

Apesar de a Guiné-Bissau estar entalada entre o Senegal e a Guiné-Conakri, os guineenses não se deixam ir em ondas e deram prova disso na crise político-militar de 1998/99.

Não vejo como a presença francesa seja muito forte em Bissau, nem dei por isso, não sei se até me cruzei com algum francês.

Podes crer que estás enganado na tua análise e que foi apenas “um incidente linguístico” e que um grupo de jovens quiseram brincar com um “Tuga”.

Em que aspecto a França investiu muito mais na área da cultura do que Portugal? Foi com a construção dum Centro Cultural? O Brasil, Espanha e creio que a Suécia também construíram.

Sejamos realistas e não venham para aqui dizer que Portugal não faz nada

Não quero com isto dizer que Portugal, não possa fazer algo mais, com certeza que poderá, mas não te esqueças que estamos a atravessar uma crise Mundial de apertar o cinto, embora os comilões continuem a safar-se.

Respondendo ao comentário do Hélder Valério, tenho a dizer que ao longo das minhas viagens à Guiné quase anuais, tive 3 audiências com o Presidente Nino e que nesta última, na altura do Simpósio de Guileje, ele ter solicitado ou apelado aos participantes ali presentes para junto do nosso Governo solicitar o envio para a Guiné-Bissau de professores de ensino de português, [mas não estava lá o nosso Embaixador e nenhum representante diplomático português, mas sim e apenas o Sr. Embaixador de Cuba, que sempre acompanhou a delegação cubana] Vide n fotos no Blogue e no meu Site.

Quanto a investir no turismo ou noutra área qualquer, de facto seria bom, e é um dos factores que também pode contribuir para o desenvolvimento da língua portuguesa.

Mas onde estão os investidores? Que nem sequer investem em Portugal e deslocam o seu capital para o estrangeiro?

Isto por um lado e por outro, não podemos esquecer do factor de alto risco traduzido na instabilidade político-militar daquele país que tanto gostamos.
O Hélder está disposto a investir na Guiné?

Força amigo, tens todo o meu apoio. Isso de facto é que traduz uma boa ajuda contributiva para o desenvolvimento da Guiné.

Não são uns contentores de ajuda humanitária que temos levado que traduz uma ajuda ao desenvolvimento daquele País. Isso são trocos.

Já agora, que falam tanto em franceses e espanhóis digam-me lá, quantos investidores desses países estão instalados na Guiné e em que áreas, contribuindo para o seu desenvolvimento e a quantos “bicos” dão de comer?
Que eu tenha conhecimento, podemos contá-los pelos dedos e se calhar nem isso.

Haveria muito mais para dizer, mas esta síntese resposta já vai longa.

Com um abraço amigo,
Carlos Silva
Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
30 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

Guiné 63/74 - P6496: Controvérsias (79): Os nossos instrutores militares não tinham experiência de contra-guerrilha (Manuel Joaquim)

1, Comentário de Manuel Joaquim (*) ao Poste P6488:

 Caro Mário

A minha instrução militar (básica) começou em Janeiro de 1964, em Tavira (5 meses) e acabou em Setembro de 1964 em Mafra (especialidade, 2meses),sempre acompanhada do tal Manual que referes.

Os oficiais instrutores eram do QP mas sem qualquer experiência de contra-guerrilha.Quando chego a Leiria e integro uma companhia  de instrução de recrutas,o comandante recém- chegado da Guiné reuniu-se com os aspirantes e cabos milicianos para testar a nossa formação e como foi ela feita.

Não me recordo das palavras exactas mas foi coisa do género:
- Esqueçam essas balelas, têm a sorte de me terem aqui vindo há pouco da Guiné e não acreditem só no que eu digo porque guerras destas só se aguentam se estiverem preparados para as surpresas que terão no dia a dia. Um conselho: estudem bem o inimigo e nunca facilitem; quando partirem para o ultramar olhem para o contingente que integram e pensem que,  de certeza, ou quase de certeza, não regressarão todos. E, se puderem e quiserem, procurem informação sobre guerra de guerrilha. Ajuda-vos a inventar defesas contra as surpresas

E foi o que eu fiz. Fidel Castro, Mao Zedong e outros tiveram "visitas ".  Resultado?  Pelo menos um: saber onde estava, perceber o IN, quais os objectivos dos contendores de um lado e doutro, ser cidadão português na "clandestinidade"  já que, com o poder político de então,  era difícil sentir-me cidadão do país que também era o meu (coisas do coraçao!).

Aquele mundo de guerra, ideologicamente,  não era o meu. Aquele pedaço de terra, sim, "fez-me" seu cidadão e fez-me sentir cidadão do mundo pela primeira vez. Aliás, é esta a "cidadania" que me agrada como ser humano.

Nesta guerra da Guiné não pode haver comparações quando as situações não são comparáveis, como sejam as dos últimos anos de guerra e as dos anos anteriores, a guerra com cobertura aérea ou sem ela, a guerra dos primeiros anos com o IN fracamente armado,quase limitado a granadas de mão, minas e e pistolas metralhadoras e os anos posteriores com fogo directo de armas pesadas,foguetes,mísseis terra-ar,etc. E, por último e não menos importante, o enorme progresso na qualidade de combate do IN "versus" a impotência das NT para o enfrentar por falta de apoio logístico,quer de alimentação,quer de material de guerra e falta de mobilidade,quer terrestre quer aérea,principalmente esta.

Pelo que tenho lido neste blogue uma coisa não faltou: A coragem, a entrega, a determinação, o inacreditável espírito de sacrifício da grande maioria dos militares portugueses, actores forçados duma tragédia(a grande, grande maioria) que os "ventos" malsãos da história portuguesa encenaram.

Um grande abraço

Manuel Joaquim

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6495: Convívios (245): 7.º Encontro da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, dia 5 de Junho de 2010 em Fátima (Manuel Maia)

1. A pedido do nosso camarada Manuel Maia* (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), estamos a dar conhecimento do 7.º Convívio da sua Companhia  no próximo dia 5 de Junho de 2010 em Fátima.



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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6242: O 6º aniversário do nosso blogue (28): O meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6492: Convívios (159): 11º Encontro da CCAÇ 763 (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P6494: Notas de leitura (115): A Flor e a Guerra, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio de 2010:

Queridos amigos,
Faltava ainda a recensão deste livro dos anos 70.
O José Brás prometeu que vai procurar o livro do Álvaro Guerra “O Capitão Nemo e Eu”, cuja recensão é indispensável.
Como pedir não custa, volto a suplicar, a demandar, sempre sujeito aos vossos actos misericordiosos, que me emprestem as relíquias da vossas estantes, tudo o que tenha a ver com a literatura da guerra da Guiné e de que ainda não se fez recensão no blogue.
Gostava de só por encerrada esta empreitada quando tivermos o inventário acabado.

Um abraço do
Mário


A flor e a guerra

por Beja Santos

Manuel Barão da Cunha escreveu o livro “A Flor e a Guerra” entre 1970 e 1972 e publicou-o em 1974. Dedicou-o ao Movimento das Forças Armadas. Quando se começa a ler, pensa-se que o autor elaborou ( ou pretende simular) um guião de cinema, só lá faltam as imagens, aliás ao nosso alcance:

“Eles avançam em silêncio. Silêncio apenas quebrado pelo calcar das folhas, pelo tropeçar no mato. Pausas escassas que o cuidado é muito e o mato molhado.

Eles avançam em silêncio. Silêncio também na mata que rodeia o trilho onde se revolvem as nossas entranhas. Medo, angústia e desejo deste desconhecido que não quer revelar-se. Desta morte que tarda em chegar.

Flora e fauna emudeceram. O silêncio, a expectativa contemplam estes homens, estes pigmeus e a sua loucura. Estrondo. Folhas, ramos, terra, sangue, receios já vão pelo ar.

Eles avançam em silêncio, no meio da mata indiferente. Mas o silêncio e a indiferença foram quebrados.

Ramos, folhas, capim, jazem a par dos homens que avançavam. Já não é o estraçalhar do mato que corta a angústia. Há pólvora e gemidos no ar. Cheiro de sangue de árvores, se seiva humana.”

O leitor cedo se apercebe que são textos fragmentados, encadeados entre um antes e um durante a guerra, e talvez uma pausa para alguém que se restabelece dos efeitos da guerra numa atmosfera de paz, com a memória dorida e num sobressalto de afectos. Algo aconteceu para além do estrondo e da convalescença. Há frases pesporrentes, de caserna, há diálogos sincopados, entre um combatente e uma mulher que parece disposta a amar. Na cabeça do convalescente reorganiza-se uma operação de contra-guerrilha, percorrem-se trilhos, caminha-se para um objectivo, desfilam figurantes, a tensão é elevadíssima, o convalescente afinal parece estar em Londres, lança um olhar sobre uma sociedade de abundância, com arte pop e gente satisfeita, convivente, o confronto com aquela guerra de onde vem fá-lo pensar. Porém, aquela operação espeta-se-lhe no cérebro, é o ferro em brasa que atravessa toda a narrativa, enigmática. Sem dar tréguas, o autor cadencia a marcha da narrativa, interpolando os vários lugares e tempos, mas percebe-se que a espinha dorsal assenta na tal operação, o alfa e o ómega das relações que se construíram e desconstruíram na convalescença do combatente:

“À frente o guia-turra. Uma corda liga-o ao primeiro soldado. O 129 oferecera-se para aquele arriscado lugar. Aquela atitude contrastava com o seu aspecto ainda pouco viril. Necessidade de demonstrar aos outros? Ou a si próprio? Ou talvez nada disso, que nisto de coragem nos homens é como o comportamento feminino.

Logo atrás, o Manique com a arma pronta a disparar. Depois, todos os outros, perscrutando a mata que orlava o trilho. Sós, sós no meio verde. O verde das costas do camuflado da frente. O verde da mata que os rodeava. Sós com os seus próprios problemas”.

A coluna será detectada, haverá tiroteio, a força atacante procura dissimular-se ao anoitecer. Os do PAIGC estão-lhes no encalço. A lua desapareceu, estão imersos na escuridão total. Só que a floresta, de tempos a tempos, é sacudida por tiros e rajadas. É nisto que a força atacante, até aí silenciosa, descarrega a tensão acumulada. Terá sido um erro, o inimigo reagrupa-se, aperta o cerco. E surgem os feridos, um piloto de helicóptero aceita o risco, levanta ao amanhecer. Cá em baixo, um ataque de abelhas agrava a balbúrdia, quem está a ser cercado passa ao contra-ataque. O helicóptero acidenta-se, qual ave ferida estatela-se numa clareira, com vidros quebrados e ferros torcidos. O que exactamente se passou, o leitor nunca saberá, os textos fragmentados sucedem-se, há consultas no hospital, radiografias, cruzam-se as conversas, apercebemo-nos que há densos afectos que não poderão ser contextualizados. Deliberadamente, a narrativa paralisa-se, perde continuidade, o que é facto é que na mata os homens prosseguem com as entranhas revolvidas, tal o medo e a angústia com um inimigo escondido algures, emboscado, pronto a dizimar.

Como estamos longe do livro “Aquelas Longas Horas” em que Manuel Barão da Cunha exaltava o heroísmo dos soldados anónimos. “A Flor e a Guerra” é um livro carregado de desalento, inacabado como história de guerra e paz. Um eloquente testemunho dos novos tempos que se avizinham, o 25 de Abril está a caminho.

Manuel Barão da Cunha (primeiro à esquerda) na Guiné
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Nota de CV:

Vd último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6491: Notas de leitura (114): Antologia do Conto Ultramarino, de Amândio César (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6493: Ser solidário (73): Domingos Manfande, ex-Soldado da CCaç 13 (Carlos Fortunato/Carlos Silva)

1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem, em 26 de Maio de 2010:

Lisboa, 20-05-2010 - Chegada do Domingos Manfande ao Aeroporto – Camarada da CCaç 13

Amigos

O Domingos Manfande [ex-Soldado CCaç 13] foi operado ontem, [20-05-2010] e tudo correu bem dentro do possível, tratava-se de um caso de grandes cataratas, ao qual se soma uma miopia muito avançada (19 dioptrias), não é engano são mesmo 19, isto em ambos os olhos, sem a ajuda prestada estava condenado à cegueira.

Vai com certeza melhorar com a operação, mas será uma visão sempre bastante deficiente.

Como já vos tinha referido está em casa do nosso amigo José Gomes [ex-Fur Mil Enfº CCaç 13], o qual apesar da sua intensa actividade profissional que lhe deixa pouco tempo, à qual se acrescem problemas familiares [a sua mãe também está doente e também tem que tratar dela], assumiu com a sua habitual grande generosidade mais esta tarefa de tomar conta do Domingos o tempo que for preciso até ele estar em condições para poder regressar à Guiné-Bissau.

Um médico bastante conhecido em amigo do José Gomes não quis envolver o seu nome, e a verdade é que sem o seu envolvimento esta acção não seria possível.

Compreendemos que existe aqui sempre alguma delicadeza nestas questões, porque ele trabalha no Hospital de Cantanhede e sem o apoio do Hospital de Cantanhede nada seria possível, na verdade, isto é, uma cadeia em que basta faltar um dos elos para nada funcionar, todos são importantes, quer os mais fracos quer os mais fortes, de qualquer modo vamos agradecer formalmente ao mencionado médico e à sua esposa [foi ela quem operou o Domingos], e também ao Hospital de Cantanhede todo o empenho e apoio dado, apenas aguardamos que o Gomes indique a melhor forma de o fazer.

Tudo isto para o Domingos são grandes novidades, é um mundo totalmente diferente, primeira vinda a Portugal, primeira viagem de avião, primeira vez a andar num elevador, primeira vez a andar numa escada rolante, primeira vez a passar por túneis, primeira vez a passar por estradas que se cruzam e passam umas por cima das outras, etc., etc., claro que o Domingos vê estas coisas e ri-se de admiração.

Num parque de estacionamento perguntou-me [Carlos Fortunato] se era um lugar de venda de carros, admirando-se com existiram tantos carros, e com toda a gente ter carro.

Fomos até um bairro social, e expliquei-lhe que era o sítio onde viviam os "coitados".

A expressão pobre não é bem entendida, nós e eles quando vemos alguém muito mal exclama-mos "Coitado!", e na Guiné os coitados são os mais pobres.

Como estava a dizer fomos a um bairro social e expliquei-lhe que ali moravam os "coitados", mas quando passamos junto a um caixote de lixo estavam vários móveis e cadeiras, e 2 sacos de roupa em boas condições, e ele parou admirado por deitarem aquilo para o lixo, perguntei-lhe se aquilo era bom para lá, e ele disse-me logo que sim, continuei mas ele ainda insistiu perguntando: "Então não vamos levar?", disse-lhe que não, e ele comentou "Aqui até os "coitados" são ricos".

Quando esteve em minha casa coloquei o filme "Os deuses devem estar loucos", porque como era passado em África, pensei que seria interessante para ele, mas a reacção de um africano quando vê um filme é diferente, porque ele vive o filme, e nós apenas o vemos.

Fui-lhe explicando o filme à medida que se desenrolava, ele consegue ver as imagens mas sem os detalhes, por exemplo não vê os olhos ou os detalhes das caras, e então perguntava-me e comentava: "Oh Fortunato eles não têm água?", "Oh Fortunato eles não têm roupa?", "Eles estão magros devem passar muita fome", "Não podemos levar ajuda para eles?", "É muito longe onde eles vivem. Mostra-me no mapa. Pois é não dá para irmos lá."

Mas não desistiu "Então a e a Cooperação Internacional não pode lá ir abrir um poço?"

Mostrei-lhe o segundo filme com o mesmo nome, existe uma parte em que aparece um furo de água a deitar água, e ele fez uma cara de satisfação "Olha Fortunato, já fizeram um furo!", "Eles ainda nus não andam? Ainda não levaram a roupa!", disse-lhe que tinha sido a Cooperação Internacional que tinha feito o furo, e que o contentor com roupa ia a seguir, e ele ficou com um sorriso de satisfação.

Realmente eu nunca tinha olhado assim para aqueles filmes, mas isto mostra o que é o Domingos Manfande, e é por isso e por outras coisas que o Domingos Manfande tem tantos amigos.

Um abraço,
Carlos Fortunato
Fur Mil At Inf da CCaç 13

Amadora, 17-05-2010 – o Domingos Mafande entre os amigos no Centro Logístico da Ajuda Amiga


2. A esta história do nosso camarada Carlos Fortunato sobre o Domingos Mafande, acresce dizer, que o nosso camarada veio para Portugal para submeter-se à mencionada operação à vista com a colaboração da nossa Associação Ajuda Amiga, mas de facto deve-se essencialmente ao esforço e persistência do Fortunato, pois o processo arrastou-se por quase 2 anos, repito quase 2 anos, para ele chegar até aqui.

De facto é de lamentar, e isso tenho defendido em muitos fóruns, junto de várias entidades portuguesas, ex-1º Ministro Guterres, MNE, Embaixadas; MAI; SEF, MDN, em acções junto dos Tribunais, etc etc, etc, a fim de ultrapassar as dificuldades dos nossos camaradas africanos relativamente à possibilidade de virem a Portugal tratarem de assuntos que lhes dizem respeito, relacionados com direitos derivados com sua a prestação do serviço militar no exército português e sobre estes temas já escrevi centenas, milhares de páginas sobre esta temática, incluindo aqui no Blogue ao chamar à atenção das suas dificuldades, como foi o caso do Bodo Jau Postes 4497; 4506; 4526 etc, etc, alertei para as dificuldades dos nossos camaradas e que não bastava Blás, blás, como se tem visto muito nosso Blogue e que era necessário passar para o plano das acções efectivas, concretas.

Isto para dizer, que o nosso camarada Domingos teve de enfrentar um processo moroso, para obter o Visto de entrada em Portugal, pois teve de ser através da invocação e aplicação de um acordo sobre saúde, pois não conseguia, não conseguem, obter os vistos junto dos nossos Serviços Consulares.

O restante envolvimento de solidariedade à volta do Domingos Mafande já é conhecido, aliás, foi lançado um pedido de apoio aos nossos camaradas pelo Fortunato no Blogue, Poste 3860, o que se traduziu em zero. De facto a palavra solidariedade ou ser solidário, é muito bonita, mas só vejo blás, blás da maioria dos bloguistas.

Os nossos camaradas Gualter Pinto e Vasco Gama bem se esforçam, este último, parece-me que até hoje nada conseguiu.

Acresce dizer que para além do esforço do Fortunato para trazer o seu Camarada da sua Secção, a vinda dele deve-se também à generosidade, do nosso associado e camarada José Gomes da CCaç 13 e principalmente do generoso médico de Coimbra e ao Hospital de Cantanhede, aos quais ficamos muito gratos.

Mas casos como o Domingos e com outras patologias, há centenas deles votados ao abandono e ao ostracismo.

Um dia destes voltarei ao assunto com exemplos arrepiantes, pois relativamente a um deles eu próprio chorei ao ver o corpo do nosso camarada que anda a arrastar-se lá para os lados de Urque, uma tabanca situada entre Farim e Binta.

Daqui volto a lançar mais uma apelo para a solidariedade que podemos prestar.

Massamá, 24-05-2010

Com um abraço amigo,
Carlos Silva
Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6459: Ser solidário (72): Viajar (e sentir) pela Guiné (José Eduardo Alves, ex-Condutor da CART 6250)

sábado, 29 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6492: Convívios (244): 11º Encontro da CCAÇ 763 (Mário Fitas)


1. O nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763, “Os Lassas”, Cufar, 1965/66, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 25 de Maio de 2010:

11º Encontro da CCAÇ 763

A Helena (esposa do Mário Fitas), Carlos Filipe, Álvaro Veríssimo e esposa

Caro Luís e Camaradas.

Mais um encontro da C.CAÇ. 763, construtora do que viria a ser o Aquartelamento de Cufar, um dos pontos cruciais da Guerra, dado o seu posicionamento de apoio na luta travada com o PAIGC no Sul da Guiné.

Continuamos a juntar, rememorando os tempos difíceis que foram aqueles vinte e dois meses em luta, e construindo todas as estruturas de um Aquartelamento.

Percorremos não só todos os caminhos de Catió a Ganjola, de Cufar a Cobumba, como as míticas matas de Camaiupa, Afiá, Cachaque e Cabolol. Mas também nos mandaram para o lado de lá do Cumbijã, para o Cantanhez. Darsalame, Cadique, Caboxanque, Flaque Injã, Bedanda até ao cruzamento de Salancaur Mejo.

Apenas com 48 homens operacionais, só não nos refinaram os ossos para o açúcar, de resto ficou lá tudo.

Para aqueles que por doença ou diversos motivos não puderam estar presentes, sabemos que em espírito lá estavam também. Todos foram lembrados.

Desta louca vivência tivemos a gratificante companhia e amizade de um punhado de homens, aos quais queremos deixar hoje aqui a nossa homenagem e agradecimento que foram os Homens da C.CAV. 1484, de quem nos foi sempre cedido um grupo de combate, para as últimas seis operações de envergadura que efectuámos naquela terra.

Deram-nos alguns desses extraordinários homens, da C.CAV. 1484, com suas esposas e família, a doce alegria de nos acompanharem neste nosso convívio, recordando momentos difíceis de antanho.

Para todos eles e em especial ao mobilizador desta fraterna companhia, Benito Neves, da C. CAÇ. 763 vai o nosso agradecimento e o fraterno abraço do tamanho do nosso Cumbijã.

A Organização do 11º Encontro da C. CAÇ. 763
2. Envio também, pelo seu interesse, o discurso proferido neste convívio, pelo Alf Mil Jorge Paulos, da CCAÇ 763, em Boleiros - Fátima.

ENCONTRO DE CONFRATERNIZAÇÃO DA CCAÇ 763 – MAIO 2010

Ter a possibilidade de dirigir aqui algumas palavras a todos os presentes, mais do que um privilégio, é uma honra porque, antes do mais, me faz relembrar a figura ímpar e insubstituível do nosso Capitão Costa Campos

Não estamos neste encontro por um acaso, juntámo-nos, mais uma vez, porque muitos dos presentes tiveram uma aventura em comum, que, naturalmente, não só não a esquecem, como fazem questão de a relembrar.

Há 45 anos, recordam-se, éramos uns putos. Éramos, de facto, muito novos, mas, meus amigos, podemos hoje, que já somos menos novos, olhar para trás e sentir orgulho por, nessa altura, termos sido capazes de enfrentar, com sucesso, os perigos e as adversidades com que nos confrontámos.

Nunca me canso de lembrar que ter coragem não significa não ter medo, ter coragem é ser capaz de dominar esse medo e seguir em frente.
E foi isso, exactamente, o que fizemos e que não pode deixar de ser um exemplo que deixamos aos nossos filhos, aos nossos netos e a todos os jovens e menos jovens deste país.

A vida é difícil, mas não podemos deixar-nos vencer. A cada momento é preciso levantar a cabeça e seguir em frente.

Amigos, quero pois saudar todos os militares da CC 763, tornando extensiva esta saudação aos nossos companheiros da CCav. 1484, que várias vezes, conjuntamente connosco, lutaram na Guiné e que nos deram hoje o prazer da sua presença e para os quais peço uma salva de palmas.

Gosto sempre de relembrar, neste momento, uma das muitas operações em que entrámos e este ano evoco a operação Pirilampo.

Eram cerca das 00.00 horas do dia 10 de Setembro de 1966, quando a Companhia de Caçadores 763, conjuntamente com a Companhia de Cavalaria 1484, sairam do aquartelamento de Cufar na direcção da mata de Afiá, onde chegámos às 05.30 horas, para daí seguirmos para a mata de Cabolol, onde, segundo informações obtidas, o inimigo teria um aquartelamento.

Iniciámos, então, uma batida até cerca das 15.30 horas, altura em que detectámos o acampamento inimigo que, num rápido envolvimento, com a colaboração da Companhia de Milícias 13, destruimos.

Seguimos, de imedito, na direcção da Tabanca de Cabolol Balanta onde o inimigo, que para aí se tinha dirigido, reagiu com fogo intenso de metrelhadora pesada, lança-granadas e armas automáticas.
A nossa reacção foi pronta e fortíssima, fazendo calar, em poucos instantes, o tiroteio inimigo.

Destruída a tabanca, regressámos ao aquartelamento, cerca das 22.30 horas, desta vez, felizmente, sem mortos nem feridos.

Amigos, era bem melhor que não tivesse havido guerra, pois muitos dos nossos companheiros sofreram e ainda sofrem os seus resultados negativos. Mas, já que lá estivemos, não devemos ter receio de dizer bem alto que soubemos ser dignos de nós próprios, que honrámos o país e que tem sido escasso o reconhecimento da nossa entrega que, em muitos casos, chegou ao sacrifício da própria vida.

Companheiros foi bom estar aqui convosco, mas tal só foi possível, mercê da disponibilidade e trabalho do Mário Ralheta, que foi o obreiro deste encontro e para quem vai o nosso obrigado com uma singela, mas sentida, salva de palmas.

Termino, amigos, com uma palavra final para as nossas famílias que, é preciso dizê-lo, foram muitas vezes um pilar importante no equilíbrio da nossa vida.
Para todos os votos de muitas felicidades.

Jorge Paulos
Maio de 2010
Por Fátima passaram muitos veteranos da C.CAÇ. 763. Da esquerda para a direita: Pernas, Pereira, Marques e Carlos Filipe

Alf Mil da 763 Jorge Paulos, Artur Teles e respectivas esposas
Bernardino Pinto e esposa

A juventude também marcou presença, acompanhando o avô Veterano de Guerra
Um abraço,
Mário Fitas
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 763
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

23 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6457: Convívios (158): XX Encontro do pessoal do BCAÇ 2884, no dia 15 de Maio de 2010 na Guarda (José Firmino)

Guiné 63/74 - P6491: Notas de leitura (114): Antologia do Conto Ultramarino, de Amândio César (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Maio:

Queridos amigos,
Aqui está a oportunidade, por um euro, de ler escritores que tiveram a sua importância na literatura colonial, tais como Baltazar Lopes, Fausto Duarte, Fernando Reis, Mário António, Vimala Devi e Fernando Sylvan.

Creio que está esgotada a temática ultramarina, no que toca à Guiné e que o Leopoldo Amado tão lapidarmente estudou.

Um abraço do
Mário


Dois escritores cabo-verdianos que escreveram sobre a Guiné

Beja Santos

A “Antologia do Conto Ultramarino” (1972), de Amândio César, ainda se pode encontrar nos alfarrabistas por um euro. O autor tinha publicado em 1969 dois volumes “Contistas Portugueses do Ultramar”, abrangendo o espaço de Cabo Verde a Angola. Com esta edição destinada aos livros da RTP, Amândio César pretendeu abarcar algumas expressões representativas das literaturas de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé, Angola, Moçambique, Estado da Índia, Macau e Timor. Curiosamente, em 1969, no que tocava à Guiné, incluíra um escritor combatente, Álvaro Guerra, com um conto admirável “O Tempo em Uane” (Em “Os Anos da Guerra” João de Melo irá recuperar esta jóia literária).

Amândio César faz representar a literatura guineense através de dois cabo-verdianos, Fausto Duarte e João Augusto Silva, já referidos em recensões literárias anteriores. Fausto Duarte nasceu na cidade da Praia em 1903 e foi agrimensor na Guiné em 1932. Obteve um importante prémio no concurso de literatura colonial com o romance “Auá”, inequivocamente uma obra com méritos. João Augusto Silva nasceu na Brava em 1910 e de 1928 a 1936 viveu na Guiné onde colheu elementos para o seu livro “África – da vida e do amor na selva” que igualmente foi premiado pela Agência-Geral das Colónias. João Augusto Silva foi tio do Pepito, que já aqui contou algumas das suas histórias.

Não vale a pena acrescentar mais elementos àquilo que o nosso confrade Leopoldo Amado já observou sobre a literatura colonial guineense. Estamos perante dois homens viajados que não resistiram à sedução africana, renderam-se ao exotismo, abordando temáticas onde vemos privilegiados amores entre nativos, histórias de caçadores, lutas correspondentes ao período da pacificação (até 1936), descrições primorosas sobre a paisagem africana, a sua fauna e a sua flora, entre outros motivos.

O conto de Fausto Duarte escolhido para esta antologia chama-se “Regresso”. Trata a história de um coronel que fora governador no tempo das lutas correspondentes ao período de pacificação e que vai ao cemitério de Bissau onde está o túmulo do seu filho que ele, por rigidez e insensibilidade, enviara praticamente para a morte, a força pacificadora tinha sido massacrada pelos revoltosos. Provavelmente Fausto Duarte baseou-se nas guerras de Bissau com as contínuas escaramuças dos Papéis. O conto “Foi em Cuntabanim” de João Augusto Silva passa-se no chão do régulo Mutari, andavam caçadores brancos na pista de uma pequena manada de elefantes, um pisteiro de nome Hamadi relata histórias fabulosas à volta da lareira, aguarda-se o amanhecer para que os brancos retomem a caçada. Hamadi começa por falar numa caçada aos búfalos, a novidade eram aquelas espingardas, obra de feitiço, espingardas pareciam coisas de brincar, os buracos de entrada das balas eram uma coisinha pequenina que mal se via, mas, ao sair abriam um buraco grande que parecia uma flor de poilão-forro. Hamadi tem mais histórias para contar: hipopótamos feridos que levantaram no ar canoas, em rios cheios de crocodilos, contou peripécias sobre a caça de leopardos e gazelas. A história termina assim: “Hamadi conta mais uma história, uma fábula, onde o bicho é metido a ridículo. Por entre pasmos e risadas sucedem-se contos maravilhosos. Mas o branco está cansado e tem sono. De dentro da barraca de campanha manda-os calar e recomenda que se deitem, pois no dia seguinte, ao terceiro cantar do galo, deverão estar todos a pé, prontos para a caçada”.

Enfim, uma África típica do período colonial, um mundo captado pelos olhares “civilizados” para entreter, do outro lado do Atlântico, outra gente civilizada.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6483: Notas de leitura (113): As ausências de deus, de António Loja (2) (Mário Beja Santos)