sábado, 19 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7819: Notas de leitura (206): Antologia Poética da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
É inadiável fazer-se uma viagem sobre a poesia da Guiné-Bissau.
Peço o grande favor a quem possui outros livros que não esta antologia que me faculte a leitura de outras incursões poéticas de novos nomes da lírica guineense.

Um abraço do
Mário


Os poetas da Guiné-Bissau: Construção do país, construção do texto

Beja Santos

“Antologia Poética da Guiné-Bissau” com prefácio de Manuel Ferreira (Editorial Inquérito, 1990) é porventura o último grande exercício de compendiação dos principais nomes da lírica do país. Inclui poemas de Amílcar Cabral, Vasco Cabral, Helder Proença, Agnelo Regalla, António Soares Lopes Júnior, José Carlos Schwartz, Pacoal D’Artagnan Aurigemma, Francisco Conduto, Carlos Alberto Alves de Almada, Jorge Cabral, Nagib Farid Said Jaud, Félix Sigá, Domingas Samy e Eunice Borges. Referindo-se a compilações poéticas anteriores, Manuel Ferreira destaca Mantenhas para quem luta! (1977) e Antologia dos novos poetas/Primeiros momentos da construção (1978), isto sem prejuízo de obras individuais, a partir dos anos 80. A generalidade destes poemas move-se em torno dos ideais de libertação, há as elegias em torno do amor, da terra, a poesia de combate social exprimindo contradições, erguendo bandeiras de ideologia revolucionária. Todos eles cantam um povo que merece sorrir, há em muitos destes poemas uma exaltação da nova comunidade, um brado ao destino histórico do povo independente. Obviamente que muitos destes poemas têm temas repetitivos quanto à ideia de África, a solidariedade, o futuro ou a esperança. Ninguém ignora que a lírica guineense está em profunda crise parece ter perdido ou adiado as causas da esperança, da vida melhor e da liberdade, insinua-se neste silêncio um acabrunhamento à dimensão das inquietações em que vive o país.

Os poetas mais velhos são nitidamente da formação clássica, não iludem uma lírica neo-realista e uma organização da mensagem seja panfletária, recorrendo por vezes aos estribilhos e às palavras de ordem. Amílcar Cabral distingue-se pela sua nostalgia de ilhéu, curiosamente é a sua vertente cabo-verdiana que, com o filtro do tempo, ganhou mais corpo. Oiçamo-lo no poema:


Ilha

Tu vives – mãe adormecida –
nua e esquecida,
seca,
batida pelos ventos,
ao som da música sem música sem música
das águas que nos predem…

Ilha:
teus montes e teus vales
não sentiram passar os tempos,
e ficaram no mundo dos teus sonhos
– os sonhos dos teus filhos –
a clamar aos ventos que passam,
e às aves que voam, livres,
as tuas ânsias!

Ilha:
colinas sem fim de terra vermelha
– terra bruta –
rochas escarpadas tapando os horizontes,
mar aos quatro cantos prendendo as nossas ânsias!

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7818: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (3) (Francisco Henriques da Silva)

1. Apresentação da última parte do trabalho do nosso camarada Francisco Henriques da Silva* (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, enviado em mensagem de 15 de Fevereiro de 2011:


Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 - 3/3

Para além de todos os bloqueamentos referenciados e que caracterizavam a situação da Guiné-Bissau antes de 7 de Junho de 1998, o país – um minúsculo território lusófono numa região francófona - e o povo – mal ultrapassando um milhão de habitantes, mas orgulhoso da sua língua de comunicação veicular – o crioulo (ou “kriol”) – e também da sua cultura crioula, criada nas praças de Cacheu, de Bolama e de Bissau, sujeito a uma administração pública e ao direito, cuja matrizes foram impostas pelo colonizador português, tinha a clara noção da diferença com os seus primos do Senegal e da Guiné-Conakry. Todavia, a entrada na União Económica e Monetária Oeste-Africana (UEMOA), a adopção do franco CFA, a pertença à Francofonia faziam diluir as características mais vincadamente guineenses, crioulas ou de inspiração lusa. E a prazo, porventura, a esbatê-las de vez. Prevalecia também a ideia de que “Nino” Vieira e os seus governos tinham conduzido a Guiné-Bissau a essa situação (o que era genericamente verdadeiro). Tal rumo – porventura inevitável em termos de integração económica regional – não o era, porém, em termos de integração linguística e cultural e esta questão era assim percebida pelo povo de Bissau e das principais cidades. A afirmação da identidade nacional bissau-guineense, ainda em fase embrionária de gestação, que não era na base anti-francófona, mas que queria apenas marcar distâncias em relação a esse universo alienígeno, acabou por vir a sê-lo, quando se sentiu ameaçada de dissolução.

Há, pois, a meu ver, um factor muito importante de afirmação patriótica, incipiente, rudimentar e difusa, perante uma ameaça externa, não só económica e militar (a presença e constante pressão do Senegal na fronteira Norte), mas creio que, principalmente, cultural que, em última análise, destruiria, inclusive, os laços afectivos com Portugal e com o mundo lusófono e que constitui uma causa profunda (numa fase inicial, quiçá, apenas assumida subconscientemente) do levantamento. Aliás, a evolução do conflito e o reforço dos laços a Lisboa e à CPLP, por parte da Junta Militar (JM), do Governo de Unidade Nacional (GUN) e do Povo em geral viriam a ilustrar eloquentemente este ponto.

A confluência das causas imediatas com factores profundos da própria sociedade guineense explicam o 7 de Junho que é no fundo uma revolta popular e patriótica, em todos os domínios: militar, político, social e económico, contra o “status quo”, a procura de uma saída – ou de saídas – para um sistema bloqueado.

O problema pessoal tem sido amiúde citado, como uma das causas próximas, senão como a causa imediata do conflito, ou seja a rivalidade entre velhos companheiros de armas: “Nino” Vieira e Ansumane Mané, em que o primeiro, enquanto Chefe do Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, demite o segundo de CEMGFA, acusando-o de negligência no tráfego de armas para os rebeldes de Casamansa, o que teria sido a verdadeira chispa para o acender do conflito. A acusação ia mais longe, na medida em que, de forma deturpada, se dava a entender, como se deu, para o exterior, de um envolvimento directo de Mané no comércio de armas para os rebeldes de Casamansa – o que era absolutamente falso e “Nino” Vieira sabia-o - , mas que calou fundo junto do ex-Presidente Abdou Diouf e da hierarquia militar senegalesa e que está na razão directa da celeridade da intervenção armada de Dakar. A meu ver, o factor pessoal terá desempenhado um papel na revolta de Ansumane Mané contra “Kabi”, mas não um papel determinante, porque, como parece estar demonstrado, o movimento era bastante mais vasto e complexo e as causas menos superficiais do que pareciam ser numa primeira leitura.
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Nota de CV:

(*) Vd. postes de:

17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7803: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (1) (Francisco Henriques da Silva)
e
18 de Fevereiro de 2011 Guiné 63/74 - P7814: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (2) (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P7817: Os nossos médicos (23): Resposta de Morais da Silva (ex-Cap Art, CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1971/72) a Amaral Bernardo, ex-Alf Mil Med (CCS/ BCAÇ 2930, Catió, 1970/72)


Guiné > Região de Tombali >  Rio Cacine  a caminho de Gadamael; s/d> O Alf Mil Méd Amaral Bernardo, que pertencia à CCS/BCAÇ 2930 (Catió, 1970/72), e passou mais de um ano (1971) em Bedanda (CCAÇ 6).


Foto (e legenda) : © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem de António Carlos Morais da Silva, com data de hoje:


Caro Dr Luís Graça

Junto envio a minha resposta à mensagem do Dr Bernardo.

Se entender que é correcto colocá-la como comentário em P7799 (*) faça o favor de me informar pois fá-lo-ei de imediato. Se julgar que deve ser publicada de outro modo tem a minha concordância.

Agradeço, uma vez mais, o acolhimento do blogue.
Os meus cumprimentos

António Carlos Morais da Silva
Amadora
antoniocmsilva@netcabo.pt
www.moraissilva.com


2. Resposta de Morais da Silva a Amaral Bernardo:


A carta que o senhor Dr. Amaral Bernardo me dirigiu obriga-me a um comentário breve.


1. O senhor Dr Amaral Bernardo apresenta desculpas por ter errado sobre a informação prestada acerca da CCaç 2796. Reposta a verdade considero-a ressarcida sem deixar de continuar a lamentar o sucedido.

2. Não pus em dúvida a conduta médica do Dr. Amaral Bernardo mas do médico presente em Cacine em 8Mai71. Deixei claro que não sabia se era o Dr Amaral Bernardo. Sei agora que não era. Ainda bem para ambos.

3. O senhor Dr. Amaral Bernardo não pode acusar-me de insinuações (e portanto repudiá-las) porque tudo o que referi foi feito de forma clara limitando-me a relatar uma triste experiência e "pedindo a Deus" que não estivesse a tropeçar, novamente, no médico que esqueceu que o era quando foi necessário. 


4. Tratei o assunto com discrição pois dirigi-me directamente ao Dr. Luís Graça que entendeu, posteriormente, publicar as posições de ambos. Fê-lo, estou certo, porque nenhum de nós pediu qualquer reserva.

5. Sobre a visão do senhor Dr Amaral Bernardo no que concerne à prática médica no campo de batalha direi apenas aquilo que todos os que combateram sabem e/ou sentem: o medo ultrapassa-se quando nos sentimos absolutamente responsáveis pela vida dos que combatem a nosso lado e de nós só esperam que assim seja.

Morais da Silva

Coronel

P.S. Antes de escrever ao Dr. Luís Graça procurei, junto de pessoal de Catió, identificar os médicos, do sector do BCaç 2930 à data de Maio de 1971. Infelizmente os contactados, tal como eu, já não se recordam.

A CCaç 2796 foi fustigada de forma brutal nos seus primeiros passos em Gadamael numa primeira tentativa do PAIGC de, indirectamente, eliminar a posição de Guileje (o que veio a conseguir em 1973 por via directa). Sofreu baixas, incluindo o comandante da companhia (24Jan71) e nos finais de Janeiro de 1971 era uma subunidade extenuada psicologicamente. Com muito trabalho de todos, reagiu, recuperou, deixou obra feita (reordenamento, escola, posto sanitário, casernas, organização do terreno) e garantiu a posse de Gadamael, a segurança da população, o apoio logístico a Guileje e a liberdade de movimentos no seu sector. Em suma "Cumpriu a Missão". Não desmereceu do seu primeiro e valoroso comandante de companhia – Capitão Assunção Silva, dos seus restantes camaradas mortos e feridos em combate e da confiança da população que apoiou de múltiplas formas e com quem manteve relações de respeito e amizade.

Morais da Silva
Coronel

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Nota de L.G.: 

(*) 16 de Fevereiro de 2011 > Guiné 7799: Os nossos médicos (22): Um pedido de desculpas por uma falsa informação a (e um firme repúdio pelas insinuações de) o ex-Cap Art Morais da Silva, comandante da CCAÇ 2769 (Amaral Bernardo)


Guiné 63/74 - P7816: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (4): 10/12/2009, último dia de consultas em Iemberém e viagem de regresso (10 horas!) a Bissau


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil  > 10 de Dezembro de 2009 > 13h23 > João (médico), Amarildo (técnico de verificação ambiental, que estava ali, de passagem) e Vera (enfermeira, brasileira)... Ter uma enfermeira e um centro de saúde como este é um verdadeiro luxo, no interior da Guiné-Bissau...




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 10 de Dezembro de 2009 > 13h18 > Um pequena amostra da pequena farmácia do centro de saúde... 





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 10 de Dezembro de 2009 > 13h20 > Os últimos utentes ...






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém >  O poço da tabanca > 10 de Dezembro de 2009 > 13h28 > Um poço, mesmo com bomba manual, faz toda a diferençça numa aldeia do interior da Guiné... A saúde materno-infantil aqui é muito melhor do que em aldeias vizinhas, sem água potável nem cuidados de saúde primários...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 9 de Dezembro de 2009 > 12h47 > A Cadi, a mãe da futura Alicinha do Cantanhez, a ouvir o coração do bebé...






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 9 de Dezembro de 2009 > 10h15 > A doce Cadi, preparando o pequeno almoço... (A Cadi, de Farim do Cantanhez, trabalha em Iemberém, numa estrutura de apoio ao ecoturismo, criada pela AD - Acção para o Desenvolvimento; vive em Farim do Cantanhez na casa do pai, Abdu Indjai, antigo guerrilheiro, presidente da comissão regional de Combatentes da Liberdade da Pátria).




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 10 de Dezembro de 2009 > 13h59 > A despedida de três novos amigos: O João, a Cadi e um jovem guineense não identificado.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Farim  do Cantanhez>  9 de Dezembro de 2009 > 8h35 >  O João e a Cadi, tendo ao centro a avó da Cadi, e em segundo plano, o pai, Abdu Indjai, antigo guerrilheiro do PAIGC.




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 10 de Dezembro de 2009 > 8h35 > Da direita para esquerda: o João, o Zeca (guia do parque), um colega do Zeca e uma portuguesa...






Guiné-Bissau > Região de Tombali >   Faro Saradjuma (a 18 Km de Guileje que por sua vez está a 36 km, de Iemberem > 10 de Dezembro de 2009 > 17h01 > A caminho de Bissau... Que futuro para estes meninos ?






Guiné-Bissau > Região de Tombali >   Faro Saradjuma (a 18 Km de Guileje que por sua vez está a 36 km, de Iemberem > 10 de Dezembro de 2009 > 17h23 > A caminho de Bissau... Os meninos e o jogo da bola: uma imagem (quase) universal...




Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


 Continuação da publicação das notas do diário de viagem à Guiné, do João Graça, acompanhadas de um selecção de algumas das centenas fotos que ele  fez, nas duas semanas que lá passou (*)... 

 10/12/2009, 5ª feira [ Continuação]

6.6. J… foi ao Centro de Saúde. [Eu] queria fazer dela um intermediário de saúde mas mal tive tempo de lhe explicar.

6.7. Idoso muçulmano (Abdulai ?), ex-combatente, vira-se para a J… e diz, apontando para a minha pele: “Ele, europeu. Ela, africana” (mais bronzeada). Joana responde: “Cadê, home?”. Ele diz: “Corto a barba e posso ser o teu home”.

6.8. Doente que tinha enviado para a Vera (urgência), afinal tinha uma forte suspeita de Sida. Conversámos com ela e com o cunhado (o tal ‘home’ da J…). Mas de nada valeu. Quando se fala em hospital, elas fogem. Análise e terapêuticas [só] em Catió (centro regional).

6.9. Zeca [, guia do Parque Nacional do Cantanhez,] pediu-me [para lhe mandar] dicionário português-francês, Universal, grande [da Texto Editora] e dicionário de português.

6.10. Doentes com leishmaniose cutânea (Farim) encaminhados.

6.11. Viagem atribulada para Bissau, 14h30 – 00h30= 10h00. Últimos 55km a 30 km/h. Muitas paragens: S. Francisco, Guileje, Mansoa [ ou Mampatá ?], Bambadinca. Antero [, motorista da AD,] preocupado: “Queres que eu vá a conduzir, Antero ?”, “Não estou cansado, estou chateado!”. Ele não tinha saldo [no telemóvel], eu não tinha carga (como sempre) […].

6.12. Segundo as brincadeiras do Pepito, as bicicletas ultrpassavam-nos. À chegada o Pepito confidenciou-me que as pessoas em Iemberém tinham ficado bastante impressionadas com a minha disponibilidade , simpatia e correcção. Os médicos na Guiné andam sempre a correr. A Enf Vera também me disse que tinha jeito para psiquiatria, que sabia comunicar bem com os doentes. Ali, “querem ou não querem ?”. Eu, não.
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores da série:

16 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7622: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (1): 5/12/2009, sábado, viagem de carro, de Bissau (13h30) a Iemberém (21h50)

28 de Janeiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7686: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (2): 6/12/2009, domingo, 1ª consulta, um baptizo muçulmano, um casório católico, uma visita a uma fábrica de caju... 7/12/2009, 2ª feira: 1º dia de consultas. 42 doentes à porta do C.S. Materno-Infantil de Iemberém

5 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7727: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (3): 9 e 10/12/2009, em busca do dari (chimpanzé), em Farim e Madina do Cantanhez...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7815: Notas de leitura (205): A Última Missão, de José de Moura Calheiros (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Recomendo sem qualquer hesitação “A Última Missão”, é um depoimento de grande significado, ficará indubitavelmente na galeria da nossa literatura de guerra.
Foi por respeito ao acervo documental e à qualidade narrativa de alguns dos episódios que tomei a liberdade de repartir por três textos as memórias do coronel Calheiros. Talvez depois de lerem este livro concordem que valeu a pena realçar o que há de significado histórico e de timbre na delicadeza de sentimentos do nobre soldado que arrosta levar por diante esta última missão.

Um abraço do
Mário


Das memórias do Cantanhez até às operações de Guidage
"A Última Missão"

Beja Santos

Não é um romance, não é um compêndio de recordações avulsas de diferentes comissões militares, não é um relatório rigoroso de uma missão precisa que levou um veterano dessas guerras até uma povoação da Guiné onde, 35 anos atrás, ocorrera uma tragédia, um supremo sacrifício, embora a coluna vertebral ou o pretexto da escrita seja, em concreto, uma operação de resgate dos restos mortais de três pára-quedistas e de outros sete do Exército. É um livro onde confluem, a pretexto dessa missão, memórias, recordações de todas essas experiências, vividas durante mais de dez anos, em teatros de operações diferentes; é também um registo intimista para onde convergem as lembranças de gente que se preparou para a tropa especial num determinado contexto, um amplo palco onde se vão movimentar muitos combatentes subtraídos à vida real, gente que teve medos, comportamentos heróicos, tristezas infindas. É, pois, uma obra de muitas memórias que afluem num quase presente (Março de 2008) em que um oficial pára-quedista se integrou numa missão da Liga dos Combatentes que tinha o fito de exumar, em Guidage, dez cadáveres. Levavam um croqui do cemitério militar de Guidage e procuraram levar as pessoas certas para o sucesso da missão. É esta a imensa viagem que nos propõe este belíssimo relato onde se misturam o tempo da guerra vivida e a sua memória, a pretexto de um resgate: “A Última Missão”, de José de Moura Calheiros (Caminhos Romanos, 2010).

Na aparência, tudo começa na manhã do dia 7 de Março de 2008, no aeroporto da Portela de Sacavém, é aqui que se inicia a missão de resgate. Um oficial pára-quedista, juntamente com outros pára-quedistas, dirigem-se a Guidage, onde, em Maio de 1973, ocorreu um fortíssimo assédio do PAIGC e se perderam muitas vidas. O autor recorda as suas vivências em Angola e Moçambique, as tropas com quem combateu, a natureza desses teatros de operações, a preparação dos “páras”, entremeia essas lembranças com os preparativos dessa operação de resgate, o avião aterra em Bissalanca, novas lembranças o assaltam, a começar pela sua antiga unidade, o BCP12. Percorre a Bissau de 2008 e confronta-a com a de 1971. O antes e o depois são-nos dados pelo preto e branco do passado e a fotografia a cores do presente, igualmente a composição dos textos também demarca presente e passado. E assim se parte para Farim, local escolhido para a base de operações, a algumas dezenas de quilómetros de Guidage. A própria Farim traz novas recordações, o autor também passara por aqui noutros tempos. Começa a relacionar-se com a população e apercebe-se do drama dos ex-militares das Forças Armadas Portuguesas que continuam à espera que se reponha a justiça nas pensões que lhe são devidas. Insiste-se na precisão do relato, no intimismo das observações, na serenidade dos juízos proferidos, na vontade em interpretar o que se vê à volta. A propósito da preparação dos três pára-quedistas mortos perto de Guidage, o autor descreve o curso de pára-quedismo, a integração do pára nas diferentes unidades. Passa seguidamente para as operações de baptismo de fogo e encaminha o leitor para uma operação extraordinária em que ele participou e que foi a reocupação do Cantanhez.

É um capítulo do maior interesse, descreve a missão que fora atribuída ao BCP 12, o Cantanhez era considerado pelo PAIGC como território libertado, estava ali estacionado o seu 1.º Corpo de Exército, esta operação foi designada “Grande Empresa”, veio a seguir à “Muralha Quimérica” em que o BCP 12 e outras unidades tentaram impedir a visita de uma delegação da ONU. O coronel Calheiros não poupa elogios à prossecução da “Grande Empresa” e descreve-a minuciosamente. Iniciou-se em Dezembro de 1972 e tinha como finalidade assegurar em continuidade a presença das tropas portuguesas em pontos estratégicos da Península do Cantanhez. É um relato de inegável valor e que clarifica o modo como foram criados aldeamentos e aquartelamentos e estabelecida a comunicação com as populações, obrigadas a viver sob a pressão dos dois lados. No final de Março de 1973, o general Spínola reconhecia que a “Grande Empresa” estava a ter sucesso com a instalação de aquartelamentos, os patrulhamentos constantes por terra e nos rios.

Voltando aos três pára-quedistas falecidos na região de Guidage, descreve a primeira operação dos soldados Loureço e Vitoriano que tinham chegado à Guiné em Fevereiro de 1973. Temos aqui igualmente um registo do maior interesse sobre Sargentoxanque e o seu modo de viver, tal como Caboxanque, Cadique e Cafine, entre outros aquartelamentos instalados no Cantanhez. E de novo salta para Março de 2008, está-se no cumprimento da missão de resgate, tudo começa pela incógnita do local onde fora o cemitério militar de Guidage, todos se sentiam desorientados sobre a sua localização. É dentro deste quadro de peripécias que a mente do coronel Calheiros regressa a Abril de 1973, altura em que várias aeronaves são atingidas por mísseis terra-ar. A referência não é inédita, no próprio blogue toda a situação de Guidage tem vindo a ser tratada por diferentes protagonistas. Depois, o autor recorda-se das conversações de Cap Skirring, que envolveram Senghor e Spínola e que culminaram no fiasco, Marcelo Caetano determinou que cessassem aqui os contactos, nada de integrar o PAIGC na vida da Guiné e muito menos criar uma perspectiva de uma total independência a dez anos.

O autor vem de férias em Abril desse ano, apercebe-se que a opinião pública está praticamente alheia ao que se passava em todos os teatros de operações. E observa: “O único local onde na Metrópole se falava abertamente da guerra do Ultramar, naquela altura e com intensidade, era nas universidades. Constatei esse facto no ISCEF, onde tive que ir poucos dias após a minha chegada. Estive lá duas ou três vezes e em todas elas pude verificar que continuava a haver reuniões de alunos e manifestações contra a guerra no Ultramar. A propaganda contra a guerra, abundantemente exposta nas paredes, bem como o fervor das reuniões que pude observar, ainda eram maiores do que antes de ter embarcado para a Guiné. Mas se nessa ocasião tinha uma posição neutra quanto a elas, olhando-as de forma despreocupada, a minha sensibilidade a este problema havia-se alterado profundamente. Agora sentia-me bastante constrangido ao observá-las pois receava muito as suas consequências. Aliás, já a estava a sentir fortemente na Guiné, com a falta de combatividade, mas sobretudo de preparação das nossas unidades de quadrícula, enquadradas quase a cem por cento por oficiais milicianos”. E estamos chegados aos acontecimentos de Maio e ao supremo sacrifício que se viveu em Guidage. Temos pois as ossadas dos mortos. É um testemunho eloquente, o adeus a Guidage e as cerimónias da entrega dos restos mortais às famílias. É matéria para o último texto desta recensão.

“A Última Missão” é uma peça relevante da nossa literatura de guerra, ponho-a sem hesitar ao lado das memórias do Sargento Talhadas e desse Comando de quem aguardamos mais notícias (Virgínio Briote, para quando?), o Amadu Djaló.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. poste de 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7805: Notas de leitura (204) A Última Missão, de José de Moura Calheiros (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7814: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Continuação da publicação do trabalho do nosso camarada Francisco Henriques da Silva* (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, enviado em mensagem de 15 de Fevereiro de 2011:


Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 - 2/3

Bloqueamento social porque, sem prejuízo das diferentes fases da evolução histórica da Guiné-Bissau, no período pós-independência, mesmo tendo em conta a substituição da pequena elite burmedja (cabo-verdiana e mestiça) na sequência do golpe de estado de 14 de Novembro de 1980 por uma élite autóctone de fidjus di tchon (filhos da terra, ou seja guinéus supostamente puros) ou pretus-nok , o poder político, económico e social circunscreveu-se sempre a um grupo muito restrito, inibindo a mobilidade ascendente das demais camadas sociais e reduzindo-as a condições de mera subsistência. Este fenómeno é agravado pela explosão demográfica do país e pela concentração urbana em Bissau.

Por outro lado, as gerações mais novas, que cresceram ou nasceram após a independência e que constituem, hoje, a maioria da população bissau-guineense, já não se reviam na chamada “geração da luta”: os seus anseios eram outros, o desejo de mudança evidente. Todavia, o establishment não o permitia, porque tal poria em causa a sua própria sobrevivência. Uma minoria que viveu ou ainda vivia emigrada no estrangeiro, numa primeira fase, nos países limítrofes e do Leste europeu, numa segunda, em Portugal e nalguns países ocidentais (Brasil, França, EUA), culta ou, pelo menos, alfabetizada, com outra vivência e, principalmente, com outros objectivos, quer pessoais, quer nacionais, constatava que, à parte umas raras excepções pontuais, o bloqueamento era quase total.

Paradoxalmente a este movimento no sentido do desencravamento e do aggiornamento da sociedade bissau-guineense, conscientemente sentido por um sector, ainda que diminuto, das gerações mais novas (os demais pretendiam pura e simplesmente melhorar o quotidiano), acresce-se a deterioração acelerada da situação económica e social dos antigos combatentes da guerra colonial (os chamados combatentes da Liberdade da Pátria). E este é um dado fundamental do problema porque se trata a um tempo de uma causa remota e próxima do conflito. Remota, porque o problema, que vem de longe, nunca encontrou qualquer esboço de solução no passado. As tentativas goradas quando da governação inábil (inepta é o termo exacto) do antigo Primeiro-Ministro, Coronel Manuel Saturnino da Costa – ele próprio um homem da luta – demonstravam bem que a questão era candente e a sua resolução urgente, mas que o Poder patenteava total impotência para o resolver, por falta de meios, por falta de imaginação, ou por ambas as razões. Próxima porque a situação dos combatentes da Liberdade da Pátria (verdadeiros “descamisados”) não cessava de se agravar nos meses que antecederam o levantamento de Brá e aqueles iriam não só engrossar a legião de descontentes, mas, pior do que isso, anunciavam publicamente, poucas semanas antes do 7 de Junho de 1998, que iriam defender de armas na mão os seus direitos.

Bloqueamento económico porque a República da Guiné-Bissau era – e é - um país desesperadamente pobre, com efeito, um dos mais pobres do planeta. Não dispunha, nem dispõe, de quaisquer recursos naturais dignos de menção. Possuía, antes da guerra civil, de um rendimento per capita de 250,6 dólares americanos (dados de 1997, do Fundo Monetário Internacional), ou seja menos de 1 dólar por dia e por habitante[1] . Dispondo de uma agricultura de subsistência, praticamente sem indústria, sem recursos energéticos, com o sector dos serviços circunscrito, em larga medida, à capital, tratava-se de um dos países do mundo mais altamente endividados do mundo (918,8 milhões de dólares em 1997, por outras palavras: quase 4 vezes o PNB, também segundo dados do FMI). O seu subdesenvolvimento era endémico e sem solução à vista. Para além dos problemas estruturais com que se confrontava, o malbaratar de fundos e da própria ajuda externa, a corrupção, a má governação, constituíam outros tantos factores impeditivos a que a Guiné-Bissau pudesse emergir do fosso em que se encontrava. A principal cultura de rendimento – o cajú – na mão de intermediários e da elite local de Bissau era exportada na sua quase totalidade para o estado de Kerala na Índia. Uma exploração abjecta da mão-de-obra camponesa guineense que não foi praticada nem nos piores tempos da era colonial e agora aplicada por um país do 3º. Mundo, com o beneplácito (e os consequentes benefícios) da clique de “Nino” Vieira e acolitada pelos comerciantes de Bissau.
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[1] “O PNB por habitante era de 223 dólares norte-americanos em 1997, e caíu para 181,8 dólares por habitante em 1999, devido ao conflito militar”, Memorando do Banco Africano de Desenvolvimento/ Fundo Africano de Desenvolvimento, de 21 de Março de 2001, doc. ADB/BD/WP/2001/35
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7803: Das causas da guerra civil Bissau-guineense, de 7 de Junho de 1998 a 7 de Maio de 1999 (1) (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P7813: Blogues da nossa blogosfera (42): Coisas da Guiné, de A. Marques Lopes



Coisas da Guiné, o blogue do nosso camarigo A. Marques Lopes (*)... Desde Setembro de 2010. Já lá vão cerca de 70 postes.  O que se pode ver e ler ?  "É conforme me vou lembrando, e vou também pescando algumas coisas minhas que já publiquei ou que outros publicaram em blogues existentes" (incluindo o nosso, Luís Graça & Camaradas da Guiné)... 

Recorde-se que o   A. Marques Lopes, ex- Alf Mil At Inf, CART 1690 (Geba) / CCAÇ 3 (Barro) (1967/69)  tem uma vasta colaboração no nosso blogue, e em especial na I Série (entre Maio de 2005 e Maio de 2005). A actividade operacional das subunidades por onde ele andou (CART 1690 e CCAÇ 3) está aqui bem documentada, em texto e fotografia.


O A. Marques Lopes tem alguns dos melhores postes publicados no nosso blogue... De entre todos quero, mais uma vez,  destacar a história da professora de Samba Culô, morta por ele num ataque à aldeia sob controlo do PAIGC...  Foi uma história que o atormentou durante anos, até pelo menos a 2005, ano que voltou (de novo) à Guiné e a Samba Culo, tendo aí feito as pazes (o luto ou a catarse) consigo próprio e com a memória da guerrilheira abatida (**)...

Vou (re)negociar com o António a publicação, aqui, de uma ou outra das suas novas histórias. Para já, e para "abrir o apetite", tomo a liberdade de publicar a seguir um excerto do poste onde ele conta a sua viagem, em Dakota, de evacuação para o Hospital Militar Principal, ma sequência de graves ferimentos em combate (em 21 de Agosto de 1967, apenas 4 meses depois de ter chegado ao TO da Guiné):

Quinta-feira, 23 de Dezembro de 2010 > 29-Como fui evacuado 


(...) A 21AGO67, fui ferido por uma mina no caminho de SARE BANDA  [, link quebrado,] para BANJARA (A mina da minha vida) [, link quebrado]. Estive uma semana no Hospital de Bissau (HM241) e daí saí para a Base Aérea para ser evacuado para a Metrópole. Foi num Dakota C47.




Fui só com as calças e uma camisa. Foram também outros feridos que entraram no avião. Os bancos que vêem na gravura foram ocupados por uma senhoras, não sei quem eram, nós os feridos, uns cinco ou seis, fomos esticados numas macas no corredor. Ainda disse que não estava assim tão mal e que podia ir numa cadeira. Mas que não, que devia ir numa maca. Lá fui, e quando o avião já estava alto comecei a deitar sangue pelos ouvidos (era o meu ferimento principal), por causa da descompressão. Ninguém ligou mas eu tratei de mim. 

Ao fim de cinco ou seis horas, não sei bem, chegámos ao aeroporto militar de Las Palmas [, nas Canárias,], disseram-nos. Que quem quisesse podia sair para descontrair. Saí e estava cheio de fome, não nos tinham dado nada para comer, nem as "queridas" rações de combate. Vi vários militares e olhei para uma porta que me pareceu a entrada de um bar. Fui até lá e entrei.

Olharam para mim, mas ninguém pareceu espantado, já deviam estar habituados a estas visitas. Pedi uma cerveja e uma sandes. Devorei-as, era a fome. No fim fiquei atrapalhado porque vi que não tinha dinheiro. Nem escudos, nem pesos, muito menos pesetas. Baixei a cabeça e fui-me afastando do balcão até à porta. Ninguém olhou para mim, pareceram-me distraídos. Zarpei para o dakota e estiquei-me na minha maca. Passados tempos o avião arrancou até Lisboa. Ainda agora não sei se fui eu que fui esperto ou se foram eles que me deixaram ir sem me agarrarem para pagar.

Depois de quatro ou cinco, ou cinco ou seis horas, não sei, chegámos ao Figo Maduro. Estava lá os meus pais e a minha irmã, tinham-lhes dito que eu fora ferido e vinha. Choraram e ficaram contentes por me ver de pé. Foi pouco tempo, porque me meteram numa ambulância para ir para a Estrela, o HMP. (...)


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Notas de L.G.:

(**) Vd. postes de: 

29 Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXX: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes) 

(...) "Tenho de partir, de voltar a Portugal. Gostei muito de falar contigo, tinha mesmo necessidade de o fazer, já que, naquele dia em que nos encontrámos pela primeira vez, só eu te disse “firma lá!” e tu não me disseste nada. Percebo que nem me quizesses ouvir... E nunca mais dormi descansado até agora. (...)

"Quero pedir-te uma última coisa, que desculpes aquele meu soldado que tentou violar-te quando estavas agonizante. Conseguiste ver ainda que não o deixei fazer isso. Perdoa-lhe, era bom rapaz, um camponês minhoto que para aqui foi lançado e, sabes, é fácil perder a cabeça numa guerra de inimigos fabricados. Talvez o encontres por aí, o teu camarada Gazela matou-o em Jobel e o corpo dele por cá ficou. Deve andar, como tu, no meio desta floresta do Oio. Fala com ele agora". (...)
7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II (A. Marques Lopes)

" (...) o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.

"E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o Bigodes, o Armindo F. Paulino (que foi, depois, feito 
prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conakri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater. Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência.

"Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida" (...).

Guiné 63/74 - P7812: Em busca de... (154): Camaradas de Nova Lamego dos anos de 1966/68 (José Pereira)


1. Mensagem de José Pereira* (ex-1.º Cabo Inf, 3.ª CCAÇ e CCAÇ 5, Nova Lamego, Cabuca, Cheche e Canjadude, 1966/68), com data de 15 de Fevereiro de 2011:

Sr. Carlos Vinhal
Gostava de encontrar algum destes nossos camaradas que estiveram na Guiné entre 66-68, e portanto pedia o favor de publicar estas fotos na tertúlia de ex-combatentes do qual eu também faço parte, estas fotos são de Nova Lamego em 68.

Sou José Pereira
E-mail jonhperrier2@hotmail.com

Telefones 218 592 570 e 934 500 324
Lisboa

Eu era conhecido por Cabo Lamego

Um forte abraço
José Pereira




2. Comentário de CV:

Caro José Pereira, publicamos as tuas fotos como solicitaste, mas temos um reparo a fazer. É que trataste um dos editores por senhor, o que não está correcto segundo as normas, uso e costume na Tabanca.
Se somos camaradas e irmãos de armas, palmilhamos a Guiné, passamos as mesmas privações e tudo o que aquela guerra nos infligia. Assim, se não tiveres nada contra, o tratamento entre nós será por tu.

Recebe um abraço e crê-nos sempre ao teu dispor.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2405: Tabanca Grande (49): José Pereira, ex-1º Cabo da 3ª CCAÇ e da CCAÇ 5 (Nova Lamego, Cabuca, Cheche e Canjadude, 1966/68)

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7762: Em busca de... (153): Pedido de qualquer informação sobre o militar das fotos (Alsaine Djaló)

Guiné 63/74 - P7811: Memórias de Mansabá (21): Fotos da bolanha de Mansabá, a nossa praia (Ernesto Duarte)

1. Em mensagem do dia 10 de Fevereiro de 2011, o nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67), enviou-nos estas fotos para o espólio das Memórias de Mansabá.

Boa noite Carlos
Tomei a liberdade de te enviar mais umas quantas fotos, duas mostram mais ou menos bem um abrigo a construir e já feito no K3.

As outras são na bolhanha de Mansabá, eu gostava muito dos putos e de falar com as mulheres grandes é uma filosofia de vida
tão diferente.

Um abraço e muito obrigado
Ernesto Duarte


MEMÓRIAS DE MANSABÁ (21)

Fotos de Mansabá

Construção de um abrigo no K3


Ernesto Duarte num abrigo do K3






Mansabá - Lavadeiras em plena actividade na bolanha




Mansabá - Ernesto Duarte entre as lavadeiras




Mansabá - Bajuda a banhos na praia






Mansabá - Ernesto Duarte com os miúdos
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7804: Memórias de Mansabá (9): Jornal Bajudo da CCAÇ 1421 (Ernesto Duarte)

Guiné 63/74 - P7810: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (22): Quando choviam... frangos em Fajonquito !

1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P7802 (*):


Caros amigos,

Aconteceu por várias vezes o quartel de Fajonquito ser abastecido de géneros por meio destes lançamentos aéreos [, ou seja, por pára-quedas] . Ficaram-me na memória particularmente a imagem dos frangos, enormes e completamente depenados,  como nunca tinha visto antes. 

Dava muito trabalho a recolha do produto,  pois, às vezes,  o vento afastava os pára-quedas para longe e atenção !!!  A tropa tinha que chegar lesto-lesto ao local caso contrário os djubis [, putos,] já estavam lá a fazer das suas. 

A carga partia-se muitas vezes ao bater no chão e era depois difícil de controlar. A miudagem escondia partes da carga no meio dos arbustos. E aqueles que assim roubavam escondendo o material, muitas vezes, eram depois roubados por outros que se infiltravam entre o momento da recolha e o regresso dos pilantras. Era bastante divertido. 

Quando conseguíamos desenrascar alguns frangos, era um dia de grande festa da rapaziada, nem os ossos ficavam por prova. Afinal os vizinhos ajudam-se mutuamente, no bem e no mal. 

Cherno Baldé

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
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Nota de L.G.:


Último poste desta série > 27 de Novembro de 2010 >Guiné 63/74 - P7350: Memórias do Chico, menino e moço (21): Cap Teixeira Pinto e as guerras de pacificação


Guiné 63/74 - P7809: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (66): Na Kontra Ka Kontra: 30.º episódio




1. Trigésimo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 17 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


30º EPISÓDIO

Em determinado momento de um fim de tarde o rádio-telegrafista vem ter com o Alferes e entrega-lhe uma mensagem acabada de chegar do comando de Galomaro. Não é demais referir que com o rádio que se possuía, um AN GRC 9, só se conseguia comunicar com Galomaro de dia e só em Morse. Se por qualquer motivo, ataque, evacuação, etc. fosse necessário comunicar durante a noite com a sede da Companhia…

Depois de o Alferes ter ido buscar o livrinho de descodificação pôde ver o que a mensagem dizia: Ordem para no dia seguinte fazer uma operação de reabastecimento de munições à tabanca próxima de Cantacunda.

Recordando o que já foi dito. Na noite anterior o Alferes Magalhães, de acordo com ordens superiores, tinha combinado, com o comandante do pelotão de milícia João Sanhá, a ida neste dia a Cantacunda, tabanca em auto-defesa, em operação de reabastecimento de munições. Como sempre, essa conversa teve lugar no local habitual, ambos sentados no “bentem”, grande estrado de querintim, debaixo de um mangueiro bem no centro da tabanca. Não fossem as combinações guerreiras, o local de onde se via o relampejar ao longe e se ouviam os pios de som metálico dos morcegos frutívoros nos mangueiros, pareceria o centro do paraíso.

Neste dia, bem cedo, porque se pretendia regressar a Madina Xaquili para o almoço, segue a coluna. Os cerca de oito quilómetros até Cantacunda são percorridos sem percalços. O itinerário é considerado seguro pois os guerrilheiros do PAIGC só tinham mostrado actividade para Sul, ou seja, para os lados da tabanca abandonada de Padada, do rio Corubal e de Madina do Boé, entretanto abandonada pelas tropas portuguesas e agora “santuário” do PAIGC.


A coluna de reabastecimento à tabanca em auto defesa de Cantacunda.

Em Cantacunda entregaram-se os cunhetes de munições, tiraram-se as fotografias da praxe com o chefe da tabanca, iniciando-se de seguida o regresso a Madina Xaquili .


Na tabanca de Cantacunda a entregar os cunhetes de munições. O Alferes Magalhães sentado no “bentem” entre o Comandante da Milícia João Sanhá e o Chefe da tabanca.

Sensivelmente a meio do percurso, já com a descontracção do regresso, um forte rebentamento fez estremecer toda a picada bem como os corpos dos homens da coluna apeada, comandada pelo Alferes Miliciano Magalhães Faria. Uma nuvem em cogumelo, de fumo e pó avermelhado, eleva-se nos ares, e é vista também da tabanca de Madina Xaquili onde o Alferes Magalhães está sediado. Da mesma forma faz estremecer os corações de todos os habitantes da tabanca, em especial das mulheres dos milícias que integravam a coluna.

Visão aterradora a partir de Madina Xaquili, especialmente para as mulheres dos milícias que integravam a coluna.

Um elemento da coluna tinha accionado um engenho explosivo, ficando com o corpo todo dilacerado. Nunca se chegou a saber se o engenho já lá estava na passagem anterior. Provocou ainda pequenos ferimentos nos que iam mais perto. Não produziu mais danos pois o Alferes Magalhães tinha sido muito preciso nas instruções dadas, no sentido de irem afastados uns dos outros seis ou sete metros. Um dos feridos ligeiros foi o Dionildo, que soltando meia dúzia de c… e f… depressa se recompõe.

Como autómatos, os homens tinham-se atirado para o chão e os mais nervosos, contrariamente às instruções recebidas, fizeram alguns disparos sem qualquer objectivo. Seguiu-se o silêncio, quer dos homens, quer dos animais da floresta. É então que o Alferes Magalhães com a garganta cheia do pó vermelho da picada, num grito rouco pergunta ao João Sanhá:

- Quem foi atingido?

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Fevereiro de 2011 Guiné 63/74 - P7801: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (65): Na Kontra Ka Kontra: 29.º episódio

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7808: FAP (61): Passageiro, de classe única, do Nordatlas, em viagem inolvidável de Bissau até Bafatá, via Nova Lamego, com lançamento de géneros por pára-quedas ao longo do percurso (Mário Miguéis)



Força Aérea Portuguesa > s/d > s/l > Um Nordatlas estacionado na pista...Segundo o nosso camarada (ex-Fur Mil Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/73), na Guiné, "o Nordatlas e o Dakota prioritariamente transportavam tropas e carga em volume elevado, também evacuações em que se justificava o seu uso e sempre só em meia dúzia de pistas". 



1. Comentário, bem humorado, do nosso camarigo Mário Miguéis (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, BambadincaSaltinho, 1970/72), ao poste P7802 (*)


Caros amigos/camaradas:

Para além de ter assistido, cá de baixo, a alguns reabastecimentos por pára-quedas a partir de Nordatlas, tive a "sorte" de, pelo menos por duas vezes, assistir ao mesmo tipo de lançamentos, mas do interior das ditas aeronaves. 

Aconteceu em viagens de Bissau para Bafatá - uma delas via Nova Lamego - comigo à boleia, tal como os géneros, que que foram lançados em três pontos distintos em cada uma das viagens. Quem lançava as encomendas pelo "alçapão" eram dois páras, devidamente equipados, não fossem, por acidente, sair amarrados à mercadoria. 

Entretanto, os pôdres Nordatlas voavam em círculo sobre os campos de lançamento - normalmente clareiras em plena mata, mas não muito distantes das bases a reabastecer - , proporcionando aos desgraçados passageiros de classe única um barulho ensurdecedor e enjoo generalizado, com toda a gente a vomitar ou perto disso. (Ainda hei-de escrever qualquer coisinha sobre a maior dor de ouvidos da minha vida). 

Nós, os tesos e desenrascados - leia-se inventivos - portugueses, até uma GMC eramos capazes de fazer voar, a tal obrigassem as circunstâncias.

Um abraço,

Mário Migueis



2. Comentário do Artur Soares [, foto à direita,] ao mesmo poste: 


Luís: na época das chuvas, nós, no XITOLE, também eramos reabastecidos pelo NORDATLAS, sobretudo de frescos e correio, porque nessa época das chuvas, a picada ficava intransitável.
Acontecia algumas vezes, os pára-quedas ficarem pendurados nas  árvores, o que era uma chatice.



Abraço
Artur Soares
(ex-Fur Mil Mec Auto,
CART 3492/BART 3873,
Xitole, 1972/74)

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Nota de L.G.: