1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Maio de 2012:
Carlos, Luís, Magalhães e restante Tabanca Grande
Este é um texto sobre um improvável interesse em relação a um produto que nos acompanhou de forma quase tão constante como as botas ou a G3.
Sobre os benefícios e malefícios do arroz muito foi escrito, mas o que chegou até nós, foi a memória de tempos difíceis como soldados naquela terra que se estranhou e que depois, se entranhou em nós até aos dias de hoje.
As fotos são do meu camarada Caramba e mostram o Restaurante da Morte Lenta em Galomaro, em todo o seu explendor.
Juvenal Amado
ESTÓRIAS DO JUVENAL (42)
NA GUINÉ O ARROZ DO NOSSO DESCONTENTAMENTO
Portugal é por herança dos árabes um dos países europeus que cultiva arroz no seu território.
Devido ao Advento dos Descobrimentos onde cerca de 100.000 homens embarcaram nas caravelas à conquista de novos Mundos, foi necessária a importação de mão de obra africana, que colmatasse a falta de braços para cultivar os nossos campos e assim também o arroz. Este veio tornar-se da máxima importância, sendo a sua cultura depois distribuída pelos novos territórios das descobertas. Fácil de transportar e de armazenar, utilizável em qualquer situação, o arroz é consumido por mais de metade da população Mundial, com muita incidência no III Mundo onde é um poderoso antídoto contra a fome.
Esses mesmos trabalhadores possivelmente guineenses ou daquela região, fruto da escravatura, diluíram-se posteriormente nas sucessivas gerações e os descendentes, continuam por aí, como provam especialmente as mulheres de tez morena, lábios carnudos, belíssimos cabelos negros encaracolados e não menos belos bronzeados, quando apanham um pouco de sol.
A inegável beleza da mestiçagem bem patente.
Eu nunca fui grande apreciador de arroz, mas o dito é uma parte importante da nossa gastronomia e foi muito importante na guerra. Os exércitos só se movem de barriga cheia, isso quer dizer, que arroz e feijão estão em lugares cimeiros na dieta dos combatentes.
Em tempo de fartura ele come-se em sopa, quem não gosta de um arroz de feijão, malandrinho, de pimentos, de tomate, com grelos, com iroses, de lampreia, arroz doce, de marisco, de peixe, de polvo, com pasteis e no “Pó de Arroz” que o nosso malogrado Carlos Paião tão bem cantava.
Enfim, é um sem fim de iguarias que o nosso arroz tem por base.
Tempos houve que quase foi banido por ser considerado um perigo para a saúde pública, acusando a sua cultura de mais maléfica do que benéfica. Mudam-se os tempos e mudam-se os conhecimentos e aconselham-nos a ter cuidado com certezas e fundamentalismos. Como noutros casos que são bem actuais, misturou-se politica, saúde e interesses económicos, tendo estes sempre a última palavra.
A minha mãe também pegava na colher de pau e dizia, com um olhar carregado de ameaças:
“Anda cá que eu já te dou o arroz”!
Mas com a minha ida para a Guiné, o dito atingiu outros patamares gastronómicos de qualidade “insuspeitável”.
Lá era sempre branco.
Acompanhava feijoadas, “Estilhaços à Chefe”, com gorgulho, com sardinhas de conserva, com salsichas, com Corned Beff, em alguns destacamentos com marmelada, etc, etc..
Era tão importante que quando ele faltava, tínhamos que por vezes com assinaláveis riscos por picadas pouco seguras e até de travessias de rios em canoas, (como aconteceu algumas vezes no Saltinho) de o pedir emprestado a um quartel vizinho, quase como quem pede hoje uma chávena de arroz à vizinha do 2.º esquerdo, salvo as distâncias da comparação.
Dificilmente os nossos cozinheiros: Nascimento, Esteves, “Risinho” e o ajudante Borrego, teriam pretensões a chegar às tão almejadas estrelas Michelin e se não fossem os conhecimentos dos ajudantes africanos, o caso atingiria foros de tragédia.
Ele ficaria como uma bosta branca tipo papa, que se pegava de tal maneira a tudo, e quando se virava o prato ao contrário ele nunca caía. Os nossos especialistas cozinheiros, confeccionavam-no mais ao menos como foi usado para construir a famosa Muralha da China, com os resultados que todos sabemos ou ouvimos falar.
Está lá há muitos anos e até a única coisa construída pelo homem, que é avistado pelos astronautas nas viagens espaciais.
Mas os ajudantes de cozinha africanos cozinhavam-no ao vapor com um sabedoria difícil de igualar, deixando-o solto, que até parecia milagre para quem ainda cá na Metrópole o tinha gramado da forma argamassa que a tudo se colava.
Galomaro City > Restaurante da Morte Lenta
Quando regressei cumprido que foi o serviço militar na Guiné, o dito cujo foi praticamente banido da minha alimentação durante anos, na companhia das tão celebradas latas de conservas.
Hoje já o como nas variadas formas com moderação e há uns tempos de visita a uns amigos angolanos, fui surpreendido com arroz de atum superiormente confeccionado pela Dona Verónica, matriarca da família.
Acompanhado com banana, uma belíssima salada a fazer lembrar aromas e sabores africanos… não é que fiquei fã?
Só provando se pode dar o valor.
Um abraço para todos.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 >
Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro