segunda-feira, 11 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10021: Notas de leitura (368): Revista "Ultramar" e "Abrindo Trilhos Tecendo Redes" (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 24 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Estou em crer que este Luís Fernandes sabia da poda como poucos, há aqui informações sobre a história do PAIGC que não podiam estar no domínio público, era domínio de eleitos.
O curioso é que se lê este artigo publicado em 1968 e a generalidade do seu conteúdo é inquestionável, só aqui e acolá é que o conhecedor profundo que o escreveu cede à linguagem panfletária. E faz-se também uma menção a uma associação de tecelões, Artissal, foi o que encontrei numa coletânea de experiências de desenvolvimento local em espaço lusófono.

Um abraço do
Mário


Aspetos da subversão na Guiné, em 1968

Beja Santos

A revista Ultramar (propriedade do Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa) dedicou inteiramente o número do segundo trimestre de 1968 à Guiné. Banha de Andrade publicou uma história breve da Guiné portuguesa, Teixeira da Mota publicou um artigo sobre a visita do governador das ilhas de Cabo Verde António Velho Tinoco à Guiné em 1575, António Carreira teceu aqui considerações sobre unidade histórica e populacional entre a Guiné e Cabo Verde, Rogado Quintino abordou um tema religioso “Entre gente temente ao Deus-Irã” e Luís Fernandes Dias Correia da Cruz dissertou sobre a subversão na Guiné.

Pelo que adiante se dirá, este Luís Fernandes era um pseudónimo, há que uma vastidão de conhecimentos no patamar do sigiloso, há aqui uma exposição tão bem organizada que por detrás do autor devia estar um estudioso que entendeu ficar a recato. Porque o conteúdo é escorreito, na sua generalidade batia certo e o autor até terminava com a mensagem que toda esta vasta matéria devia chegar ao conhecimento de um público mais amplo. Começa o autor por nos referir o que mudou em África com a II Guerra Mundial: o continente adquiriu uma invejável posição estratégica, do Mediterrâneo ao Canal de Suez, pela valorização da rota do Cabo e pelo controlo das vias marítimas do atlântico sul. Deu-se uma ampla participação das populações africanas de um conflito, incluindo na constituição de exércitos. África passou a constituir o complemento económico da Europa, os dois grandes blocos dominados pelos EUA e URSS encontraram neste continente uma nova área de conflito e de persuasão ideológica. Emergiu o conceito de independência e de libertação da metrópole. No caso particular da Guiné, deu-se à sua volta a decomposição da África Ocidental Francesa e a Guiné Francesa recusou ficar ligada à França, tornou-se Estado soberano em 2 de Outubro de 1958 e logo muito requestada pela URSS, China e os novos Estados socialistas. O Senegal transformou-se numa república autónoma mas com francas ligações à França.

Passando para a descrição dos movimentos emancipalistas da província da Guiné, o autor descreve conscienciosamente aquilo que hoje é ponto assente da historiografia: Movimento para a Independência da Guiné, PAIGC, Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde, União das Populações da Guiné, Reunião Democrática Africana da Guiné, União dos Naturais da Guiné Portuguesa, União Popular para a Libertação da Guiné. Recorde-se que só o Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde e o PAIGC é que convergiam para a independência conjunta da Guiné e Cabo Verde, todos os outros defendiam o princípio da “Guiné para os guineenses”. Refere-se a ação do Movimento de Libertação para a Guiné sobretudo o desencadeamento de ataques, sem ter estrutura militar para o fazer e muito menos implantação junto das populações. Depois surge a FLING que recebeu as simpatias do Senegal e cujo dirigente Benjamim Pinto Bull chegou a ter uma conversa com Salazar. Todas as tentativas de unificar estes movimentos falharam por razões várias, não sendo alheio o motivo dos ressentimentos entre cabo-verdianos e guineenses. O que interessa é que a partir de Maio de 1965 a Organização da Unidade Africana passou a reconhecer somente o PAIGC como um movimento melhor estruturado e mais apetrechado para a luta.

Entrando na descrição do meio humano e na análise das etapas da subversão, o que faltou ao autor do texto foi o acesso ao pensamento de Cabral, avaliando a luta como um conceito maoista em que o PAIGC preteria a subversão urbana para as regiões rurais, criando uma comunicação em que os ideais da libertação se baseavam no nacionalismo sobrepondo-se às divisões tribais. Vê-se que o autor sabe do que fala quando descreve quem e como apoia os portugueses e as forças da subversão. A par disso, o autor dá-nos um quadro da política externa do PAIGC associada ao movimento anticolonialista e tudo quanto escreve também bate certo, estava altamente informado e conhecia com pormenor as próprias dificuldades de recrutamento do PAIGC no interior da província, junto de certas etnias. Ao finalizar, o autor considera ainda prematuro fazer uma apreciação correta do processo subversivo na Guiné e apela que todo este fenómeno da subversão devia constituir causa do seu esclarecimento e que se devia dar um mais amplo conhecimento público do adversário.

Como todos nós sabemos, ninguém lhe prestou atenção, não consta que as tropas na Guiné tivessem passado a dispor desta vasta informação apresentada neste artigo da revista Ultramar. Parece que o secretismo era usado para que os combatentes, totalmente ignorantes do pano de fundo, soubessem só que havia um inimigo temível e brutal que atacava quartéis e aldeamentos e que depois fugia para o mato ermo, funcionava só pela lógica do terror e nada mais.

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O caso Artissal – Associação de Tecelagem Tradicional

O livro chama-se “Abrindo trilhos tecendo redes – Reflexões e experiências de desenvolvimento local em contexto lusófono”, com coordenação de Brígida Rocha Brito (Gerpress, 2010).

A generalidade das experiências nele contadas tem a ver com São Tomé e Príncipe, mas Mariana Tandler Ferreira apresentou uma comunicação sobre o caso Artissal, a propósito do comércio justo e o desenvolvimento local na Guiné-Bissau. Artissal reúne mais de 28 produtores de tecelagem tradicional das regiões de Biombo e de Cacheu. Desde Março de 2006, a Artissal desenvolve ações de formação e capacitação dos seus produtores em torno das questões ligadas ao comércio justo, a saber: níveis de qualidade dos seus produtos; participação das mulheres na comunidade; melhorias na organização de um corpo de produtores. Os jovens tecelões e as suas mulheres têm sido inseridas em diferentes iniciativas de capacitação entre as quais a alfabetização e formações específicas de economia solidária e de comércio ético. Passados estes anos de vida, Artissal está assim organizada: corpo de produtores que realiza trabalho no contexto de uma ocupação; e o pessoal de apoio com papel pluridisciplinar.

Fazendo a avaliação da Artissal, a autora considera que ganhou autonomia, tem bom desempenho enquanto ator de desenvolvimento e está mais apta para responder às solicitações do mercado: “O funcionamento horizontal da organização e a igualdade no processo de remuneração, bem como na tomada de decisões destaca a prática de igualdade de género. No conjunto, traduz-se em competências acrescidas e na melhor adaptação à especificidade das atividades da Artissal”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10013: Notas de leitura (367): "Portugal´s Guerrilla War - The Campaign For Africa" por Al J. Venter (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 10 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10020: Memória dos lugares (185): Gadamael: Ainda sobre a sigla ASCO (Cherno Baldé)



 O nosso leitor e camarada pára, Salvador Nogueira, que passou pelo BCP 12, em 1969, no poste P7179 apontou-nos para a seguinte curiosidade ("curiosidade mais que uma achega para desvendar a inscrição"): (...) "Elisée Turpin [ um dos fundadores do PAIGC,] terá sido antes empregado na Sociedade Comercial Oeste Africana -Société Commerciale de l'Ouest Africain- cujo acrónimo SCOA é um curioso anagrama de ASCO!"...


1. Mensagem do Cherno Baldé, com data de 4 do corrente;

Assunto: Ainda sobre a sigla ASCO

 

Caro Luís e Carlos Vinhal:

Num recente poste sobre Gadamael,  do Carlos Vinhal e Manuel Vaz, este último perguntava-me sobre a sigla "ASCO", presente numa das antigas casas/casernas da localidade. É claro que não sei. [Em rigor, a sigla é A.S.C.O., e não  ASCO].



Acontece que nos dias que seguiram, encontrei, casualmente, no mercado de Bandim em Bissau, a marca "ASCO" numa pequena caixa contendo um filtro de gasóleo, "made in Thailand" com a referência "ASCO-Genuine parts".

Depois, procurando na Net, através do Google, encontrei o nome de "ASCO Industries SA", uma companhia privada belga, fundada em 1954, pelos irmãos Émile e Roger Boas e actualmente com sede em Weiveldlaan, Zaventem, Bélgica e com ramificações no Canada e outros países.


Selo de 1,20 francos, da Costa do Marfim, um das oito colónias que integrava a AOF - África Ocidental Francesa. Cortesia do sítio Education à l'Environnement


A confirmar-se a minha hipótese de base, esta empresa familiar poderia, no início, estar ligada à comercialização e/ou exploração de produtos agrícolas nas colónias francesas da região da AOF [, Afrique Occidentale Française / África Ocidental Francesa], incluindo o território da actual Guiné-Bissau. Todavia, não consegui chegar a verificação e a prova dos factos enunciados. Pode ser mais uma pista para a pesquisa.

Um grande abraço,

Cherno Baldé

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Guiné 63/74 - P10019: Lições de artilharia para os infantes (6): O obus 14 de Bedanda em tiro direto... (C. Martins / Rui Santos)






Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > Agosto de 1972 > Espetacular foto noturna do obus 14 em ação... Segundo o nosso camarada Nuno Rubim, e um dos maiores especialistas portugueses de história da artilharia portuguesa, "de acordo com um relatório oficial português que encontrei no AHM [Arquivo Histórico Militar],
no dia 16 de Maio [de 1973], isto é, dois dias antes do ataque, as três peças de 11, 4cm foram substituídas por 2 obuses de 14 cm (3). Agora se compreende a polémica sobre o assunto. Um deles veio sem aparelho de pontaria e não foi recebida nenhuma tábua de tiro ! Sem comentários... Esses 2 obuses foram pois abandonados, mas sem possibilidades de entrarem em acção e capturados pelo PAIGCTenho uma fotografia desse facto." (Vd. poste P1672).
Foto: © Vasco Santos (2011). Todos os direitos reservados.

1. Resposta, com data de 28 de maio último, de C. Martins,  a um comentário do Rui Santos (*):


(i) Comentário do Rui Santos:

João Martins:


Quem conhece Bedanda, aliás Amedalai, pois Bedanda é lá em baixo a 700 metros do Ungauriol, fica de facto num pequena colina (23 metros de cota de nível) e se o inimigo atacasse vinha de baixo...Assim,  como é possivel um aparelho que faz tiro tenso (suponho) dispare por cima das moranças e vá cair a cerca de 1.000 metros à cota de 2/3 metros ???  (...)

Rui Santos
Ex-alferes miliciano
Bedanda 1963/1964

(ii) Resposta de C. Martins:

Caro camarada Rui Santos

Não conheço Bedanda nem Amedelai.

O obus 14 tinha uma elevação de - 5º a + 45º, por isso podia fazer tiro de uma cota superior para uma inferior e tiro directo.


Tinha um grande inconveniente, que era se se fizessem muitos tiros com graduação negativa ou tiro directo,  normalmente rebentava com os hidráulicos e ainda para armar a espoleta esta necessitava de percorrer cerca de 500 m. 

Esta armava pela força centrífuga devido ao seu movimento de rotação. A granada saía sempre a uma velocidade superior à do som. A maior ou menor velocidade dependia da carga. Com carga 4 e a + 45º saía a 640 m/s.

Mesmo que não rebentasse, convenhamos que uma "ameixa" com 14 cm de diâmetro e com 45 cm de comprimento e ainda com 45 kg,fazia "ronco" de certeza.

Fiz uma vez uma experiência em Gadamael com tiro a -2º para o outro lado do rio a uma distância de 600m, onde nos dias da "brasa"estava um posto avançado de observação do IN. A granada explodiu só que alguns estilhaços caíram no perímetro do quartel. Não voltei a fazer a experiência, e felizmente nunca foi necessário fazê-lo em nenhuma flagelação.

A artilharia é a arma dos fogos largos e profundos e de tiro tenso, mas como a necessidade aguça o engenho, também em circunstâncias especiais podia ser de fogos curtos e pequenos,  só que podíamos levar com estilhaços na "mona" ou em outro sítio, fica à vontade do freguês.

Ah, o raio de acção da explosão da granada podia atingir os 400m, tudo dependia da dureza do terreno no impacto.

Julgo que esclareci os infantes (**) e o camarada Rui Santos.
Um alfa bravo

C.Martins

(iii) Comentário de Rui Santos, com data de 29 de maio último:

Amigo C. Martins>


Obrigado pelos esclarecimentos, mas quem conheceu Bedanda/Amedalai, sabe que a cota de Amedalai onde estavam estacciondos os obuses é de cerca de 22, e que as bolanhas circundantes estão a uma cota 4, bem como se houver um ataque jamais será executado a menos de 200 metros do aquartelamento, pois lá de baixo para cima só com morteiro, e não estou a ver o IN a atravessar qualquer linha de água com o morteiro ás costas. 

Diga-me então como é possivel fazer fogo 3/4 metros acima das moranças e as granadas cairem a 200 metros??? quase no topo da colina?? 

Nunca fomos flagelados em Amedalai como o fui em Bedanda, pois a aproximação do IN mais segura seria directamente pela mata do Cantanhez que ficaria a cerca de 100 metros da sebe de arame farpado.

Falarei com este amigo João Martins pessoalmente no dia 9 (***), se Deus quiser  (...)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9947: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VI: Bedanda, com o obus 14: um dos locais que me deixou mais saudades...

(**) Último poste da série > 17 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9915: Lições de artilharia para os infantes (5): Quando o oficial de dia fez um levantamento de rancho... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)


(***) Data do 2º encontro, na Mealhada,  dos bedandenses, organizado pelo António (Tony) Teixeira e que, segundo conversa telefónica que tive ontem com o Pinto de Carvalho, reuniu umas boas dezenas de camaradas (Tenho ideia de ele me ter falado em 50)...

Guiné 63/74 - P10018: (Ex)citações (186): Éramos alferes, furrieis e... prontos! (Manuel Maia)

1. Comentário de Manuel Maia [, foto à esquerda, em Cadique, 1973,], com data de 11 de maio último, ao poste P9889:

Caro Lázaro Ferreira,

Antes de mais, sê bem-vindo a este espaço que em boa hora o Luís criou, e onde os mais de quinhentos e tal que por aqui andamos, vão debitando prosa e poesia, recordando aquela terra que nos deixou profundas marcas...

Pude aperceber-me de que mau grado teres conhecido o Cantanhez apenas em 74, andaste relativamente perto dos paradisíacos locais que foram meus locais de férias no ano anterior quando os senhores da guerra decidiram implantar uns resorts em Cafal/Balanta e em Cafine,por forma a podermos desfrutar da zona, com muita música de arraial,de foguetório constante...

Como facilmente podes depreender,o caso recentemente veiculado pelo JN a propósito de um valoroso "grupo de assalto" composto por mais de três dezenas de militares da marinha (fuzileiros, presumo) instalados num resort de Cabo-Verde, na ilha do Sal ( segundo o CEMGFA,por estar mais perto da água...),não foi virgem... 


Já em 73, os militares de então conheceram instalações fabulosas que, num gesto digno de encómios, os senhores com muitos galões e estrelas nos ombros,reservaram exclusivamente para nós,milicianos, de quem sempre gostaram muito,ao ponto dessa ligação ser conhecida por "amor à moda de Ponte de Lima", de quem, nós também, sempre dedicadamente retribuímos...

Nesse tempo,necessariamente anterior ao teu, nós não tínhamos esse hábito,ao que parece,democrático,de recusar o que nos ofereciam com "tanto amor"... Éramos alferes ou furrieis e "prontos", como diz o outro.

Cá ficaremos pois à espera dos teus escritos,estruturados sob uma realidade diferente da nossa mas realidade comezinha...
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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10005: (Ex)citações (185): Respostas a interrogações de Luís Graça, ainda sobre o tema Guidaje (2) (José Manuel Pechorro)


Guiné 63/74 - P10017: Parabéns a você (434): Alcides Silva, ex-1.º Cabo Estofador da CCS/BART 1913 (Guiné, 1967/69)

Para aceder aos postes do nosso camarada Alcides Silva, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10014: Parabéns a você (430): Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421 / BCAÇ 1857 (Guiné, 1965/67)

sábado, 9 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10016: Convívios (450): Encontro do pessoal das CCAÇs 3326; 3327 e 3328, dia 21 de Julho de 2012 na Batalha (José da Câmara)

 


 1. Em mensagem do dia 8 de Junho de 2012, o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), pediu-nos para publicitar o Encontro de saudade do pessoal das CCAÇs 3326; 3327 e 3328, a realizar no dia 21 de Julho de 2012, a partir das 10h30 da manhã Reguengo do Fetal, Batalha.





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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10010: Convívios (267): IV Encontro dos “Ilustres TSF” (Hélder Sousa)

Guiné 63/74 - P10015: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VIII: De passagem por Gadamael a caminho de Guileje





Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 170/199 > "Fazendo turismo no Rio Cacine, no sul da Guiné, largo, muito belo e muito agradável".






Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 169/199 > "Boas e diárias banhocas em Gadamael antes de partir para Guileje". 



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 173/199 > "Quartel de Gadamael com um militar de vigia".
[ Quem devia lá estar nesta época era CART 2410, Od Dráculos 1968/69, a que pertenceu o nosso camarada Luís Guerreiro, a viver no Canadá].





Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins nº 175/199 > Aspeto parcial do quartel e tabanca.








Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 176/199 &gt Mais um posto de vigia.





Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 178/199 >






Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 179/199 > Dois obuses (ou peças 11.4 ?), prontos para a viagem até Guileje.








Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 181/199 > Progressão da coluna até Guileje [, aquartelamento onde o João Martins esteve algum tempo; em  agosto de 1969, foi de férias à metrópole].


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.].


ÍNDICE

1. Curso de Oficiais Milicianos
1.1. Mafra – Escola Prática de Infantaria
1.2. Vendas Novas – Escola Prática de Artilharia – Especialidade: PCT (Posto de Controlo de Tiro)
2. Figueira da Foz – RAP 3 - Instrução a recrutas do CICA 2
3. Viagem para a Guiné (10 de Dezembro de 1967)
4. Chegada à Bateria de Artilharia de Campanha nº 1 (BAC 1) e partida para Bissum
5. Bissum-Naga
6. Regresso a Bissau para gozar férias na Metrópole (Julho de 1968)
7. Piche
8. Bissau, BAC 1
9. Bedanda
10. Gadamael-Porto (Parte I e Parte II)
11. Guilege
12. Bigene e Ingoré.



A. Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte VIII (*)





por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)

10 – Gadamael (Parte II)




Em Gadamael Porto passei a melhor semana em que estive na Guiné. 

Eu que gosto de nadar,  todas as manhãs, aproveitando a praia-mar, tomava uma rica banhoca. Lembro-me de um senão, é que a água não sendo transparente transporta muita terra o que me deixou os ouvidos a doer. O que me valeu foi o médico da unidade que já devia estar habituado a este tipo de coisas e tratou eficazmente do assunto.

Tendo chegado um helicóptero escrevi rapidamente um aerograma aos meus pais informando-os que ía a caminho de Guilege, mas, para não os afligir, informava-os que a minha partida ainda ia demorar, e, na pressa, pedi a um estafeta que o fosse entregar ao pessoal do helicóptero. Presumo que terá ido parar à República da Guiné [Conacri] porque os meus Pais nunca chegaram a receber tal aerograma.

Estava eu a admirar o heli quando vejo uma grávida a pedir por tudo para entrar. Perguntei o que se estava a passar e explicaram-me que só falava francês e que o bébé estava morto e a sua única salvação era ir para o hospital de Bissau. Não hesitei, sem saber se tinha autoridade para isso, dei ordem para transportarem a mulher para o hospital.



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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9994: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VII: Despedida de Bedanda, a caminho de Gadamael e Guileje, aos 18 meses

Guiné 63/74 - P10014: Parabéns a você (433): Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421 / BCAÇ 1857 (Guiné, 1965/67)

Para aceder aos postes do nosso camarada Ernesto Duarte, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10003: Parabéns a você (429): Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do STM (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10013: Notas de leitura (367): "Portugal´s Guerrilla War - The Campaign For Africa" por Al J. Venter (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 23 de Abril de 2012:

Queridos amigos,
Por partida do destino, faltou circunstância para se traduzir a tempo e horas esta caudalosa informação que Al Venter era possuidor, bem como os registos dos múltiplos depoimentos que captou. Tem que se ler do princípio ao fim para se ver com nitidez a dimensão do seu recado: uma Guiné independente marcaria o fim dos regimes racistas da África do Sul.
Na entrevista que Spínola lhe concede usando Otelo Saraiva de Carvalho como tradutor a ameaça é mais do que clara, até se agita o fantasma das ilhas de Cabo Verde nas mãos soviéticas.
É um relato minucioso, de um repórter de primeira água. Ainda não tinham chegado os mísseis terra-ar à Guiné, cumpre esclarecer.

Um abraço do
Mário


Reler um clássico: Portugal´s Guerrilla War, por Al J. Venter (2)

Beja Santos

Al Venter é um grande repórter e jornalista anglófono que em 1973 publicou na Cidade do Cabo um livro de primeiríssima importância sobre a guerrilha guineense: “Portugal´s Guerrilla War, The Campaign for Africa”. É curioso como obras de referência omitem na sua bibliografia um título de alguém que descreve com indiscutível rigor o pano de cena em que eclodiu a luta de libertação, alguém que andou no mato como Basil Davidson ou Gérard Chaliand, correndo riscos, alguém que escreve primorosamente e que até oferece ao leitor informação preciosa, caso da entrevista a Spínola que ele anexa e que Spínola mais tarde publicará nas suas obras, mas amputando prudentemente o que lhe deixara de ser conveniente… Um livro que é dedicado a João Bacar Djaló que morrera por uma causa em que acreditou, e a Amílcar Cabral, assassinado quando o seu sonho estava prestes a realizar-se. E escreve misteriosamente: Such is timeless irony of Africa.

Estamos em Tite, Al Venter vai patrulhar na companhia de João Bacar Djaló, supõe-se que vão emboscar perto de Bissássema. Descreve o equipamento, as rações de combate com toda a minúcia. Os soldados vão sonolentos, saem do aquartelamento a arrastar os pés, o repórter aproveita para descrever as armas pesadas existentes em Tite e depois o plano do patrulhamento. Ninguém discute as ordens de João Bacar, seguem embalados no interior da mata, da madrugada até às 11 da manhã marcham à mesma cadência. Al Venter irá descobrir que existem tabancas sujeitas ao duplo controlo, nalgumas delas os soldados de João Bacar estão permanentemente armados, ninguém descarta a possibilidade de uma refrega, um cerco das forças que obedecem a Nino. Pela noite fora o silêncio é interrompido por explosões e ele escreve: Someone had probably put his foot on a mine somewhere in the jungle. Us or them?

Ir-se-á montar uma emboscada, nada acontecerá. Depois o autor descreve a organização do PAIGC, o historial da luta a partir de 1961. Nino Vieira tem destaque no sul, Domingos Ramos no leste, Osvaldo Vieira no norte. Encontra analogias entre a Comissão de Segurança do PAIGC e o KGB/GRU. Relata como os países ocidentais foram sempre evasivos, até ao final dos anos 60, com as razões do PAIGC, mesmo o Partido Trabalhista britânico. Ficamos igualmente a saber o custo ciclópico do tirano Sekou Touré à URSS, que ampara todos os desaires em que este compromete a economia do país. Al Venter está bem informado sobre a estrutura do PAIGC em Conacri, conhece o elementar do seu currículo desde que saiu de Cabo Verde até que passou à clandestinidade. Tem mesmo anotadas declarações de Cabral ao longo dos anos a órgãos de imprensa da mais variada procedência. Conhece o trabalho de Rafael Barbosa e das células que a PIDE desmontou em Março de 1962. É impressionante a documentação que ele exibe, sempre com rigor, não há nada de panfletário em toda a sua exposição. É facto que no início e no fim, e mesmo citando Spínola, Al Venter sela o destino da Guiné portuguesa ao da África Austral, é esta a sua mensagem suprema para o regime do apartheid. Dá-nos também uma informação aparentemente inédita: o relacionamento de Osvaldo Vieira com Amílcar tem imensas arestas, em 1970 um grupo de militares do PAIGC advogavam abertamente que se devia abandonar a luta e fazer a paz com Lisboa e Cabral terá mandado executar Laisec Eduardo Pinto, responsável pela segurança em Ziguinchor e Koundara.

Al Venter dá-nos a atmosfera de Teixeira Pinto, contacta novamente os Comandos Africanos e os Fuzileiros, visita reordenamentos, dão-lhe informações sobre a importância do chão manjaco e a obra de desenvolvimento e bem-estar ali em curso. E disserta sobre a proveniência do armamento do PAIGC. Conclui-se, em tudo quanto ele escreve, que os mísseis terra-ar ainda não tinham entrado em ação. Viaja até ao norte, está ali mesmo na fronteira, em Sare Bacar, assiste aos cuidados médicos em cidadãos senegaleses. E logo a sua reflexão assesta no comportamento das diferentes etnias face aos portugueses e aos guerrilheiros e conta toda a história dos diferentes grupos que se movimentaram sobretudo no Senegal até que o PAIGC se tornou indiscutivelmente a força mais influente. O repórter segue para Nova Lamego, é recebido em casa do chefe de posto Dr. Aguinaldo Spencer Salomão, um homem que lê Henri Bataille e Sartre, ouve música clássica de Vilvadi a Schoenberg, conhece bastante bem a situação local, sabe que as tropas de Osvaldo Vieira não andam longe, mas os fulas hostilizam-nas é por isso que os ataques de artilharia provocam tantos feridos civis. Um oficial português, o coronel Monteiro, explica detalhadamente a escola em que Nino aprendeu a guerrilha, tudo aquilo são ensinamentos de Mao e do General Giap.

A reportagem chefia-se depois para o trabalho das enfermeiras para-quedistas, Al Venter descreve ao pormenor a frota aérea, a sua proveniência, ficamos a saber pela sua boca as carências sentidas pelas autoridades de Bissau que reivindicam mais helicópteros Alouette III e os Puma. Mostrando-se altamente conhecedor do mercado negro das armas, ficamos a saber que a Saviro Limited, operando em Toronto, vende armamento soviético mas também helicópteros Hughes 500 e que as autoridades francesas, alemãs, italianas e britânicas fornecem aparelhos à Força Aérea portuguesa; descreve também as compras de viaturas e equipamento naval. Um pouco por toda a parte, ele procura apurar o estado de espírito das tropas, ao mais alto nível ninguém ignora a barreira dos países vizinhos, Al Venter informa que Portugal já tem terrorismo interno, a ARA vai provocando danos, alguns deles muito graves, como nos helicópteros em Tancos. Vive-se num aparente impasse, mas ninguém esconde que a guerrilha está muito ativa.

E chegamos à entrevista de Spínola, conduzida por Otelo Saraiva de Carvalho. Spínola fala repetidamente na importância de Cabo Verde para a Rússia, ela aspira através deste arquipélago dominar o Atlântico sul e chegar ao Cabo, a posse destas ilhas oferecerá à União Soviética a oportunidade de controlar as comunicações entre a África, a Europa e a América. E vaticina que se Portugal colapsar na Guiné haverá consequências imediatas em Angola e Moçambique e efeito dominó sobre a África do Sul. Spínola desmente que haja peritos soviéticos a conduzir a guerra na Guiné, as informações revelam a existência de jugoslavos, cubanos, argelinos e nigerianos, fundamentalmente no apoio médico mas também como peritos de guerrilha. O apoio que as autoridades portuguesas estariam a encontrar por parte dos dirigentes muçulmanos tinha a ver com o receio que estes sentiam da penetração do comunismo. Spínola insiste no papel chave que tem a África portuguesa na resistência ao caos que os regimes comunistas introduziram em África, a defesa das províncias ultramarinas representava a sobrevivência de Portugal como Nação. Questionado por Al Venter sobre a solução para os problemas da Guiné, Spínola respondeu que as populações tinham aderido às suas propostas. Ele soubera interpretar as ambições legítimas do povo, o sucesso nesta vertente era o melhor indício que o terrorismo tinha os seus dias contados.

Uma obra importantíssima, vale a pena insistir. Em 2011 Venter e outros publicaram War Storys. Up Close and Personal in Thrid World Conflits, editado em Pretoria, Venter dedica três capítulos à Guiné. Talvez o Nelson Herbert consiga o livro e nos traga notícias…
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9993: Notas de leitura (366): "Portugal´s Guerrilla War - The Campaign For Africa" por Al J. Venter (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10012: Cartas do meu avô (7): Quinta carta: O primeiro encontro com... ela, e o meu regresso a casa, em Pedra Maria (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)




Lisboa > Beira Tejo > 21 de fevereiro de 2012 > Eram os difíceis os nossos regressos... da Guiné,em 1966...

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.




A. Continuação da publicação da série Cartas do meu avô, da autoria do nosso camarigo Joaquim Luís Mendes Gomes, membro do nosso blogue, jurista, reformado da Caixa Geral de Depósitos, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins de Catió, que esteve na região de Tombali (Cachil e Catió) e em Bissau, nos anos de 1964/66. 

As cartas, num total de 13, foram escritas em Berlim, entre 5 de março e 5 de abril de 2012. (*)


B. QUINTA CARTA > Primeiro Encontro com a Madrinha de Guerra


Outro facto muito importante estava para acontecer. Tudo estava combinado. Era o primeiro encontro com a A.T. , a minha madrinha de guerra. Não nos conhecíamos pessoalmente.

Com o reduzido conhecimento do local, assentou-se que ela estaria próximo dum pontão, interior ao cais, frente a umas escadinhas, que saem da 24 de Julho, e vão dar perto do Museu da Arte Antiga.


Ela estaria vestida com fato, saia e casaco, muito claros. Traria uma malinha branca, sobre o estreito e longo, na mão e sem alças. De óculos escuros.

Mais tarde vim a saber que a Mãe dela estava a assistir ao encontro, a partir das tais escadinhas lá em cima. Muito tiveram de esperar. O desfile não seguiu o rumo que lhe havia dito, por alteração de última hora, e o encontro deu-se muito mais tarde.

Por ela, foram passando dezenas e dezenas de militares desembarcados. Estes reconheciam-se bem, pela farda amarelada que traziam e a cor da pele ainda mais… A todos ela confrontava, discretamente, com a imagem que retinha da minha fotografia.
- Foi um longo penar… - disse-me ela depois.
- Ai, e se é este!?...e aquele!..que horror!...

Finalmente, aconteceu. Eu vi-a de longe, sem ser visto. Deu para a apreciar. Olhei-a bem, de cima a baixo. Baixinha como eu. Tinha umas boas pernas e, toda ela era bem feita. Um busto enriquecido e bem desenhado. Fiquei satisfeito.

Gostei. Fui-me abeirando. O rosto, de linhas especiais, era muito expressivo. Tinha qualquer coisa de judia. Às tantas, fez-se luz…Olhámo-nos e, cumprimentamo-nos, cerimoniosamente, à boa maneira da época. Por dentro, havia muita alegria, em cada um de nós. Brilhava-nos nos olhos…

Falou-se pouco. O tempo era escasso para mim. A minha companhia partiria para Évora. A guerra não estava ainda morta… Assentamos no que faríamos a seguir e, logo, foi a despedida.

Foi um encontro acridoce. O resto ficaria para depois. Pelo teor das cartas, parecia-me que estava tudo garantido. Mas, pressentia que muito havia que desbravar, para um e para outro.


II – Ida a Pedra Maria

Depois de Évora, vieram uns dias de férias, ainda por conta da tropa. Tinha de subir ao Norte. A família , os tios e primos, a irmã estava emigrada em França, o irmão pequenito, estava com a sua madrinha, na casa dos meus pais em Pedra Maria.

Estavam ansiosos como eu, todos à espera. Ninguém veio, nem à minha partida para Bissau nem à vinda. Por razões do custo… tempo e dinheiro.

Foi sempre assim. Os momentos mais cruciais da minha vida, por vontade do destino, tive de os enfrentar sempre só. Só eu e Deus. Fé n’Ele, nunca faltou. É e foi sempre o meu segredo. O rio da minha vida correu sempre por onde Ele mo encaminhou. E deu sempre certo.



O reencontro com Pedra Maria foi uma festa. Tinha a sensação de que um século tinha decorrido, desde que, lá atrás, de manhãzinha, tomara a camioneta do Cabanelas, com a guia de marcha para a Escola de Mafra.

O espectro da guerra estava arredado. Definitivamente. Outras guerras estavam para vir.
Desde logo, a adaptação à vida normal do dia a dia. Era como se tivesse descido as escarpas do Everest. Em vez dos rigores do frio e das ameaças do abismo, tudo, agora, me parecia uma pasmaceira.

O sono foi-se e com ele vieram noites terríveis de insónia. O cérebro batia-me ferozmente, cá dentro da cabeça, como se fosse um tigre numa gaiola. Tive de pedir ajuda a um médico. Vieram os fármacos. Às toneladas. De arrasar. Passei do verão para o inverno duro. De tremer. Era só dormir… dormir…e, quando acordado, era como se tudo estivesse longe e sob um denso nevoeiro. Fiquei incapaz de escrever uma letra. Quanto mais uma carta.

A A.T. vociferava lá em baixo em Lisboa, como se eu estivesse a escarnecer dela. Pensava que eu tinha desistido.
- Bem dizia a minha Mãe…- confessou-me ela depois, convencida do logro em que vivera.

A muito custo, consegui dizer-lhe que andava a cair de sono, por força do tratamento. Ela acreditou. Pelos livros de guerra que lera, sabia que a ambientação pós-guerra é penosa. Os militares regressados do Vietname e Indochina, davam que falar, lá pela América.

Ficou mais serena. Confiadamente, à espera das melhoras. Diziam-mo as suas cartas, constantes, agora vindas pela mão do senhor Bastos. O carteiro de toda a vida, lá na terra. Umas semanas depois, o sol das melhoras começou a raiar. Comecei a ter vontade de fazer alguma coisa. Com o dinheirito que tinha amealhado.


Era preciso fazer obras lá em casa.O poço quase secava, no verão. Era preciso afundá-lo ou abrir outro noutro sítio do quintal. Não havia um quarto de banho a sério, lá em casa.
Pelo menos isso. Foram a tarefa para os dias que se seguiram. Serviram-me de acelerador e ambientador.

No final, quando o poço já regurgitava de água, havia que montar um motor eléctrico para abastecimento à casa. Tratei tudo numa casa da especialidade lá na vila. Vieram trazer-me um motor. Por três mil e quinhentos escudos, nunca mais esqueço.

Deveria ser novo. Com toda a certeza. Pus-me a olhá-lo. Não me cheirou bem. Aquilo não reluzia a novo. Pensei.
- Estes estupores pensam que me enfiam o gorro. Pensam que estão a lidar com um puto. Enganam-se. Nem imaginam a escola em que andei.

Chamei lá casa o meu tio Tónio. Era serralheiro de profissão. A ele ninguém o enganaria.
Confirmou-me que sim. Era um motor em segunda mão…
- Ó raios!...



Peguei na bicicleta e em cinco minutos estava a entrar porta dentro da tal loja. Com cara de problemas…A loja era muito conceituada na terra. De gente séria.
- Ou vocês me vão lá, imediatamente, pôr um motor novo ou vamos ter muito sarilho…
ainda não arrefeci da guerra da Guiné…
- Ai, o Sr. Gomes veio da Guiné? – perguntou o dono.
- Sim, há um mês.
- Então conheceu lá o coronel da marinha, fulano…
- Muito bem. Foi meu comandante, lá no sul…em Bolama e Catió.
- É isso mesmo. Ele estava em Bolama.
- Pois, ainda é da minha família - respondeu, já muito amistoso e conciliador.
- Mais uma razão. Ou o motor aparece lá imediatamente, ou eu vou ter uma conversa com ele. Sei muito bem onde encontrá-lo.
- Fique descansado. Aqui o meu empregado vai já lá pô-lo.
- Então que venha já que eu vou com ele.

E assim foi. Nesse dia o motor, via-se que era novo a espelhar, não parou de tirar água para o tanque, toda a manhã.

A maturidade e a experiência da vida militar estavam a dar os seus frutos.



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Nota do editor: 



(*) Último poste da série > 2 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9985: Cartas do meu avô (7): Quarta carta: regresso à metrópole, 4 dias depois da inauguração da Ponte Salazar (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10011: Ser solidário (130): Mensagem do Pepito, em nome pessoal e do pessoal da AD: Temos o dever moral de não vos defraudar... e prometemos continuar a luta


1. Uma mensagem do Pepito, em resposta às vossas mensagens de encorajamento deixadas no Facebook da AD (Filipe Santos, administrador da página da AD no Facebook)

Caro Luís

Todos nós,  aqui na AD,  habituámo-nos a ter-vos sempre ao nosso lado (quantas vezes vocês não estiveram à nossa frente a puxar por nós, a dar-nos força, a mostrar que o sentido da vida é sentirmo-nos solidários). Quantas coisas fizemos juntos. Quantos amigos desencorajados o teu (nosso) Blogue não fez renascer para a Guiné-Bissau, para a sentirmos em conjunto, para a sonhar com os mesmos sonhos?

O imenso número de mensagens sentidas que recebemos dos camaradas da Guiné (*) é um dos exemplos de que vale a pena cultivar valores que dão razão às nossas opções. Quantos camaradas da Guiné não se juntaram para apoiar o povo guineense que sentem, como na sua juventude, como o seu.

Também nós da AD, chorámos convosco, naquela noite no Hotel 24 de Setembro (antiga Messe dos Oficiais) quando vocês desembarcaram para o Simpósio de Guiledje. Chorámos pelo reencontro, pela felicidade que tínhamos, pelas alegrias e memórias antigas. Apenas por prazer.

Hoje, como nesse dia, também choramos, porque não era esta a Guiné-Bissau que queríamos, porque outros não a querem e nem sequer sabem o que querem.

Com a vossa força e solidariedade, sabemos que vamos ganhar. Temos esse dever moral de não vos defraudar, nem àqueles que nas matas da Guiné, depois da independência, fizeram o que Amilcar Cabral tinha pedido: cada um despir a farda, regressar à sua tabanca, aos campos de lavoura, às canoas de pesca, ao trabalho que sabia fazer. A larga maioria assim o fez. Convivemos com eles no norte e sul do país. Simples e orgulhosos por terem conquistado a independência e só terem recebido na volta o orgulho de terem pertencido à geração de Cabral.

E temos a certeza que também sentem o orgulho de não se terem juntado nem pertencerem àqueles que decidiram passar a factura a todo o povo guineense e, sob o pretexto de serem "heróis", fazer todos os desmandos e desvarios que o seu pequeno cerebelo lhes permite.

A História empurrá-los-á para a triste galeria dos Bokassas, dos Idi Amin, dos Mobutus. É lá e nessa companhia que eles se sentem bem. Falam de igual para igual.

Estamos sempre juntos e prometemo-vos continuar a luta, porque "quem afrouxa na partida ou se entrega na chegada, não perde nenhuma guerra, mas também não ganha nada".

pelo pessoal da AD,
Pepito

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 3 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9987: Ser solidário (129): Carlos Schwarz da Silva, Pepito, nosso amigo, grande guineense e ainda melhor ser humano, precisa do nosso apoio, nesta hora difícil: mandem-lhe um mail para o endereço adbissau.ad@gmail.com (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10010: Convívios (449): IV Encontro dos “Ilustres TSF” (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72):

Caros amigos Editores e restantes camaradas, 

Junto envio um texto/artigo da notícia do IV Encontro do pessoal do meu Curso de especialidade TSF ocorrido no passado sábado dia 2 de Junho. 

Não tem a ver directamente com o Blogue mas encontro na sua envolvência aspectos que me parecem ser de alertar e chamar a atenção dos nossos camaradas, pelo que tem de exemplar. 

Trata-se de se acautelar a saúde, que se vai degradando por força do desenvolvimento natural da idade, mas que às vezes não temos em devida consideração.

IV Encontro dos “Ilustres TSF” 

Atrevo-me a enviar-vos este pequeno artigo e estas fotos, consciente que pode não ter a ver directamente com o ‘fulcro’ do nosso Blogue, embora eu considere que contém alguma ‘matéria de facto’ que pode interessar. 

Trata-se de noticiar que no passado sábado dia 2 de Junho o conjunto de antigos Furriéis Milicianos que fizeram a incorporação no serviço militar na 3ª incorporação de 1969 e a quem coube depois a especialidade de “TSF”, tirada numa primeira fase no então BT em Sapadores/Graça, em Lisboa, resolveram fazer o seu IV Encontro que foi ao mesmo tempo comemorativo dos 40 anos do regresso das ‘comissões de serviço por imposição’ prestadas em terras africanas, para aqueles do Grupo que tiveram a ventura de lá ir. 

Esse IV Encontro materializou-se, como não podia deixar de ser, num almoço que decorreu num pequeno mas muito bom restaurante da zona da Graça (no nosso tempo era uma taberna especializada em carapauzinhos fritos), a que se seguiu uma visita às instalações do Quartel, hoje designado por “Regimento de Transmissões”, previamente autorizada por contactos tidos com o Sr. Major Alfredo Prazeres e ciceronizada pelo Sr. Alferes H., oficial de dia à Unidade. 

Se este foi o IV Encontro é porque antes ocorreram três. 

O I Encontro foi em Setúbal e dele não consegui arranjar registo fotográfico. Ocorreu em 1986. 

O II Encontro decorreu em 1987 com almoço no “Teimoso”, próximo da Figueira da Foz, com visita a Buarcos onde foi tirada uma foto de grupo que se mostra abaixo.

 II Encontro dos “Ilustres TSF” com incorporação na 3ª de 1969. Tirada em Buarcos, em 1987. Da esquerda para a direita temos em cima Mário Miguel, Hélder Sousa e Fernando Cruz e na primeira fila José Fanha, Eduardo Pinto, Manuel Martinho, Fernando Marques, Nelson Batalha e Luís Dutra. 

Nesta altura é preciso dizer que esses ‘instruendos’ do 2º Ciclo do CSM de TSF eram 15, cobrindo grande parte do território nacional, com o José Alves dos Açores, o Carlos Lã de Faro, o José Canudo de Elvas, o Nelson Batalha de Setúbal, o Fernando Marques de Alhandra, o Hélder Sousa de Vila Franca de Xira, o António Camilo de Castelo Branco, o António Calmeiro de Tinalhas, o José Fanha de Torres Novas, o Eduardo Pinto e o Luís Dutra de Viseu, o José Reis e o Fernando Cruz do Porto, o Mário Miguel de Barcelos e o Manuel Martinho de Vila das Aves. 

Os 2 primeiros classificados do Curso, o Marques e o Reis não foram mobilizados. Dos restantes 13 foram para Moçambique 2 ou 3 e para Angola 4 ou 3, sendo que os 7 restantes, portanto mais de metade dos mobilizados, foram contemplados com a Guiné (este é o primeiro pequeno aspecto pelo qual acho que este texto pode ter cabimento no Blogue da Guiné).

O III Encontro ocorreu em Maio de 2009 em Setúbal a pretexto da comemoração dos 40 anos em que nos conhecemos e formámos como Grupo. Nem sempre foi fácil a convivência nesse longínquo ano de 1969, vivíamos a possibilidade de mobilização para uma vida diferente, certamente menos perigosa do que para outros jovens mas não menos desestabilizadora em relação à família, aos estudos, aos empregos, vivíamos a época das ‘eleições de 69’, vivíamos um período em que era perigoso ter e emitir opinião mas lá fomos cimentando o interconhecimento o forjando a amizade.


III Encontro dos “Ilustres TSF” com incorporação na 3ª de 1969. Tirada em Setúbal, em 2009. Da esquerda para a direita temos Manuel Martinho, Fernando Marques, José Fanha, Nelson Batalha, Mário Miguel, Carlos Lã, Fernando Cruz, António Camilo, Hélder Sousa e Eduardo Pinto. 

Hoje em dia muitos de nós vão mantendo contactos ‘bilaterais’ e a alegria do reencontro do Grupo é semelhante à que costuma ser vivida e descrita pelos vários participantes nos diversos encontro que rotineiramente (ou não) se vão fazendo anualmente por esse país fora. 

Dum modo geral quase todos temos tendência para achar que ‘no meu tempo é que era’, que ‘nós fomos e fizemos isto e aquilo’ e que isso, seja lá o que quer que fosse, foi o máximo, mais ninguém fez ou fazia, etc., etc.. Ora é preciso explicar que no nosso caso há mesmo boas razões para justificar a designação de “Ilustres TSF” que nos concedemos a nós próprios. 

A 3ª incorporação de 69 ocorreu em plena época de exames escolares e por isso foi possível encontrar nesse 1º Ciclo do CSM jovens ‘quase, quase’ a terem as habilitações para o COM. Sei que ‘habilitações escolares’ não são sinónimo de ‘conhecimento’, de ‘experiência’, de ‘cultura’, mas já dá uma ideia como aquele Grupo foi composto por jovens que estavam com bastante formação. Acresce ainda o facto de sermos quase todos músicos, a maior parte pertencia a conjuntos musicais da época, dois deles, o Eduardo e o Dutra, pertenciam aos “Tubarões”, de Viseu, que foram à final (foi o único conjunto de fora de Lisboa) do Concurso Yé-yé no Monumental, o Cruz ainda hoje procura ‘animar’ a sua velha ‘banda de garagem’ no Porto e o Lã é, neste momento, profissional no activo animando os serões do Hotel Montechoro. Ao que me lembro, apenas dois tinham pouca expressividade no campo musical, eu próprio que só tocava ‘ferrinhos’ num grupo folclórico e um outro que eu costuma brincar dizendo que tinha experiência a tocar as campainhas de Igreja já que tinha andado no Seminário de Fátima antes de ser incorporado. 

Outros argumentos para justificar a designação não serão agora avançados por questões de modéstia e porque não é essencial para o efeito pretendido, que é o relato/notícia do Encontro recente e algumas observações a tirar do mesmo.

Bolo comemorativo do III Encontro

Ocorreu então agora o IV Encontro. Já foi escrito que ocorreu em Lisboa. Que se comeu num restaurante na Graça. Que se visitou o Quartel onde nos conhecemos e que agora se designa por “Regimento de Transmissões”. Que se estabeleceu contactos para a obtenção da devida autorização e que fomos acompanhados nessa visita pelo Sr. Oficial de Dia.
Então o que há mais para referir? 

O facto de só ter sido possível reunir 6 dos 15! 

Nas outras fotos podem-se contar 9 e 10 mas desta vez, mesmo com a carga simbólica dos 40 anos e da sabida visita ao Quartel, que era um aliciante, só puderam responder à chamada 6, menos de metade. 

E porquê? (e aqui está então o outro aspecto para o qual eu acho que tem cabimento no nosso Blogue como forma de alerta, de chamada de atenção para que nos centremos no essencial e se descarte o acessório, já que a vida é curta e devemos celebrá-la). 

Porque a saúde vai começando a faltar ou a falhar. Física e mental. Por uma questão de rebuço não vou aqui expor as maleitas de cada um mas a nossa alegria neste reencontro não foi plena em virtude dos sofrimentos que esses nossos amigos e camaradas, bem como os seus familiares, vão tendo. 

Caros camaradas, aproveitem bem a vida!

IV Encontro dos “Ilustres TSF” com incorporação na 3ª de 1969. Tirada em Lisboa, em 2012. Da esquerda para a direita temos Fernando Marques, Carlos Lã, Mário Miguel, Hélder Sousa, Fernando Cruz e Eduardo Pinto.

Saudações e até uma próxima oportunidade.
Hélder Sousa
Ex-Furriel Miliciano do STM
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 


Guiné 63/74 - P10009: Memória dos lugares (185): Saiba V. Excia que está na Ponta do Inglês!, disse o Alf Mil João Mata para o Brig Spínola (António Vaz, ex-cap mil, CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69)


VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > Monte Real > Palace Hotel > 21 de Abril de 2012> O ex-alf mil João Mata e o ex-cap mil António Vaz, da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69). O João Guerra da Mata foi o último comandante do destacamento da Ponta do Inglês, um dos míticos topónimos da guerra da Guiné...

Foto: © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Mensagem do nosso camarada António Vaz (ex-Cap Mil da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 4 do corrente:

- Não tenho a certeza de ter aterrado no sítio certo… - disse, ao aterrar, o Brigadeiro Spínola. 
- Saiba V. Exa. que está na Ponta do Inglês - respondeu o Alf Mil João Mata que usava na ocasião calções, barba, tronco nu e uma extraordinária boina de cor verde alface com uma estrela de metal. 


A Ponta do Inglês

A Cart 1746 saiu de Bissorã a 7 de Janeiro de 1968,  seguindo de Bissau para o Xime via Bambadinca,  a bordo da barcaça Bor. Um Grupo de combate seguiu directamente para a Ponta do Inglês onde rendeu o pessoal da CCAÇ 1550.

Este Pelotão da Cart 1746 era comandado pelo Alf Mil Gilberto Madail que lá permaneceu cerca de 4 meses sendo substituído por outro comandado pelo Alf Mil João Guerra da Mata que lá esteve até Outubro data em que este Destacamento foi abandonado.

A Ponta do Inglês foi ocupada e os abrigos construídos em Dezembro de 1964 na Op Farol pela CCAÇ 508,  comandada pelo malogrado Capitão Torres de Meireles, morto em combate na Ponta Varela.

Este destacamento teve sempre uma triste sina porque não tinha meios senão para ESTAR. A dispersão de meios que encontramos no L1 a isso conduzia. Nunca serviu de nada a não ser castigar, sem culpa formada, as guarnições que para lá eram enviadas.

Não controlavam nada na foz do Corubal e nada podiam fazer em conjunto com o pessoal do Xime para manter aberto o itinerário Ponta do Inglês/Xime porque a Companhia do Xime ocupava também Samba Silate, Taibatá, Demba Taco e Galomaro. Assim o seu isolamento era, foi, praticamente total.

Os géneros só a Marinha os podia levar e o mesmo se pode dizer das munições, correio, tabaco, combustível, etc.

A chegada dos abastecimentos era motivo de alegria geral como se pode ver nas imagens que junto.


Por muito que o pessoal controlasse os gastos, a falta de quase tudo fazia-se sentir. Bem podia o Comando da Companhia pedir insistentemente pela vias normais a satisfação dos pedidos que não conseguíamos nada. Cheguei a tentar meter uma cunha directamente na Marinha, mas as prioridades eram outras. Como alguns géneros recebidos da Companhia que lá tínhamos rendido estavam deteriorados, a situação ainda foi pior. Esta situação originou, a pedido do Alf Madail, o Fado da Fome,  que o Manuel Moreira ilustrou nas quadras populares da sua autoria.

O Destacamento da Ponta do Inglês era a pequena distância da margem do Rio Corubal e tinha a forma quadrangular. A guarnição era formada por 1 GComb + 1 Esq/Pel Mort 1192 e pelo Pel Mil 105.


O destacamento era formado por 4 abrigos principais nos vértices para o pessoal, para a mecânica e rádio. O combustível e as munições ficavam na parte mais perto do Corubal; na parte central sob uma árvore frondosa (poilão ?) um abrigo mais pequeno onde ficava o Alferes, o enfermeiro e logo ao lado o forno do pão e uma cozinha, tudo muito rudimentar. Tinha o espaldão do Morteiro na parte central. Não tinha, ao contrário do Xime, paliçada e apenas duas fiadas de arame farpado.


Os abrigos eram de troncos de palmeira com as indispensáveis chapas de bidão, terra e não eram enterrados. Uma saída na direcção do rio e outra no lado oposto para as idas à água e à lenha. No destacamento havia um Unimog para estas tarefas.

A água era tirada a balde de um poço existente a cerca de 700 metros do arame farpado que também era utilizado pela população, totalmente controlada pelo IN, e pelo próprio IN, sem nunca este ter aproveitado as nossas idas à água e à lenha para nos incomodar e vice-versa

Diz o M. Moreira: 

O poço era um só,
Estava longe do abrigo,
Dava a água para nós
E também p’ro Inimigo.

Nunca percebi por que razão se fez o Destacamento,  afastado do único poço com água potável... Uma proposta de sã convivência? O caso é que resultou.

O que se passou nos tempos infindáveis em que o gerador esteve avariado, assunto já abordado neste Blogue, por quem o foi substituir, depois de aturados pedidos a Bissau sem que se resolvesse em tempo útil,  é inenarrável. 

As garrafas de cerveja penduradas no arame farpado, cheias de combustível,  tinham que ser continuamente acesas nas noites de chuva forte ou de vento. O risco que a “malta” corria nessas circunstâncias, sendo a única coisa iluminada na escuridão, tornando-se um alvo fácil era enorme, embora, que me lembre,  nunca tenha havido flagelações nessas alturas.


Flagelações houve muito poucas - seis - sem grandes consequências, a água do poço nunca foi envenenada e mesmo sabendo que a resistência oferecida pelas NT, aquando dos ataques, fosse de nutrido fogo mantendo o IN em respeito, penso que este nunca empenhou efectivos suficientes e capazes para provocar danos consideráveis. No fundo o IN sabia que enquanto aquele pessoal ali estivesse enquistado, a tropa do Xime, com a dispersão acima referida, estaria muito menos apta a fazer operações complicadas.

As relações entre o pessoal podem considerar-se muito boas,  não havendo atitudes condenáveis, que até seriam possíveis num ambiente concentracionário como aquele. A convivência com a Milícia logo de início se mostrou muito favorável porque, abastecendo-se de géneros junto das NT, passaram a pagar muito menos do que anteriormente porque os preços eram os mesmos que nos eram debitados sem alcavalas de qualquer espécie. Não me recordo da existência de familiares a viverem com o pessoal africano, mas segundo o testemunho do Tabanqueiro Manuel Moreira, uma mulher deu à luz na época em que lá esteve e foi o 1.º Cabo Enf Cordeiro Rodrigues - o Palmela - ajudado por ele que assistiram ao parto.

Com a falta de géneros tudo se aproveitava incluindo a caça, que se resumia a tiro de rajada para bandos de aves grandes, pernaltas (não sabemos quais) e se caiam nas redondezas eram o pitéu desse dia. As noites eram passadas como se calcula, com as sentinelas nos quatro cantos do quadrado e a malta a ver e a ouvir os rebentamentos que vinham da direcção de Jabadá, de Tite, Porto Gole e do Xime, claro. Pode ser sinistro mas não é difícil pensar que muitos diriam: 
- Antes eles do que nós.

Como de costume, depois das tarefas de rotina, quando o calor era menos intenso seguia-se o eterno futebol com bolas dadas pelo MNF, de péssima qualidade, substituídas pelas tradicionais trapeiras. Num dos reabastecimentos que se fizeram conseguimos levar para alem de gado mais miúdo algumas vacas, que como sabemos, na Guiné são de pequeno porte. Como o futebol também farta,  houve alguém que sugeriu tourear uma das vacas que ainda estava viva para tardios bifes.

Foi uma festa com as peripécias inerentes à Festa Brava e todos os dias “a las cinco en punto de la tarde” soltava-se a vaca e era um corrupio de faenas com cornadas… incompetentes. O tempo foi passando e já só restava um dos pobres animais para animar os fins da tarde. 

Como o reabastecimento nunca mais chegava e o atum com arroz já não se podia ver e muito menos comer o Alf Mata teve de decidir entre o partido pró-tourada e o partido pró-bife. Não foi fácil, mas acabou por vencer este último. Convocou-se o Soldado Condutor J. Viveiro Cabeceiras que também era padeiro, magarefe e pau para toda a obra, que procedeu à matança. Começando a esquartejar a rês,  vai ter com o Alferes e informa-o que a vaca estava tísica, pulmões quase desfeitos. 
- Come-se a vaca ou não se come a vaca

Nova discussão e resolveu-se não aproveitar as vísceras e apenas o músculo. Assim se comeu carne assada sem problema de maior. Quando esta acabou voltou-se ao atum aos enlatados,  tudo coisas que já escasseavam mas o pessoal andava triste com a falta dos fins de tarde taurinos. Então o Cabeceiras foi ter com o Alferes e disse-lhe:
- Meu Alferes a malta anda tão triste que se quiser e autorizar eu faço de vaca pois guardei os CORNOS.

E assim de conseguiram mais uns fins de tarde…

Felizmente com a redistribuição das Forças no terreno, iniciada pelo Brig Spínola, foi a Ponta do Inglês evacuada sem problemas em 7/8 de Outubro de 1968, pondo-se fim ao disparate da sua existência. 

Há uma enorme falta de informação (para mim) sobre a evacuação da Ponta do Inglês; nem na história do BART 1904, nem na da CART 1746, apenas é mencionada a data em que se efectuou. Tenho ideia que,  para além do pelotão da 1746, Secção  de Morteiros e Milícia,  estiveram na Ponta do Inglês pessoal de outras unidades a montar segurança (mas quais?) enquanto o pessoal carregava a barcaça Bor de todo o material e bagagem da rapaziada. Estivemos nas imediações da Ponta Varela a assegurar a passagem da Bor a caminho de Bambadinca. Foi uma operação, para mim sem nome, que envolveu mais meios que não recordo.

Segundo informação de oficiais do BART 1904, o Brig Spínola com o respectivo séquito aterrou na Ponta do Inglês, já ia adiantado o carregamento da Bor, mandando evacuar a segurança, depois de se ter armadilhado o que estava determinado, e só depois reparou que já não havia segurança nenhuma e que ele e os outros Oficiais que o acompanhavam tinham ficado, como hei-de dizer, abandonados na margem do Corubal com o pessoal do ou dos helis a chamá-los quando se aperceberam da situação.

O pelotão da Cart 1746 chegou ao Xime sem problemas e todos tivemos uma enorme alegria por voltarmos a estar juntos. ....E na verdade o que vos doi... É que não queremos ser heróis (FAUSTO).

António Vaz, ex Cap Mil

PS - Esta estória da Ponta do Inglês só foi possível com as recordações do Manuel Moreira (releiam o Fado da Fome), do João Guerra da Mata,  o ex-Alferes – último comandante daquele destacamento, e de Vera Vaz nas interpretações desenhadas.
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Nota do editor: