quinta-feira, 20 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11736: Convívios (531): Encontro anual do pessoal da CART 494, que comemora os 50 anos da sua partida para a Guiné, dia 21 de Julho de 2013, em Viana do Castelo... (Esteve em Ganjola, Gadamael, Ganturé e Bissau) (Coutinho e Lima)


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca > 1960 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gadamael Porto


C O N V I T E 

50 anos da partida para a Guiné, da CART 494

A Companhia de Artilharia nº 494 (CART 494) partiu de Viana do Castelo, de comboio para Lisboa e depois de barco, com destino à Guiné, em 16 de Julho de 1963.

Para comemorar essa efeméride, vai realizar o seu convívio anual, no próximo dia 21 de Julho (Domingo), com o seguinte programa: 

10H30 – Descerramento de uma placa no Castelo de Santiago da Barra (Viana do Castelo; então era uma dependência do Batalhão de Caçadores nº. 9), assinalando os 50 anos de partida para a Guiné. 

11H30 - Missa na Igreja Paroquial de Vila Fria (Concelho de V. do Castelo). 

13H00 - Almoço no Restaurante Camelo, em Santa Marta de Portuzelo.

O nosso convívio está aberto a todos os que quiserem nele participar. Para nós será uma honra a vossa presença. Quem nos quiser acompanhar no almoço, poderá fazê-lo, fazendo a sua inscrição, até ao dia 13 JUL; o custo é de 30 €. 

Edmundo – 963 922 333 
Coutinho e Lima – 917 931 226

A CART 494, comandada pelo então Capitão de Artilharia Alexandre Coutinho e Lima, embarcou em Lisboa, no navio Niassa, em 17 JUL 63, tendo desembarcado em Bissau em 24 JUL.

Esteve em GANJOLA (Norte de Catió), desde 17 SET 63 (, desembarcámos às 11H00, ) até 15 DEZ 63, sendo a primeira tropa portuguesa a ocupar aquela localidade.

O baptismo de fogo foi no dia da chegada, em pleno dia (16H30); um grupo inimigo (IN) atacou com grande intensidade de fogo, aproximando-se a cerca de 3 metros, nas poucas zonas onde já estava instalado.

O IN teve 4 mortos confirmados, encontrados no meio do capim, com as respectivas armas: 2 Espingardas Mauser, 1 carabina e 1 pistola metralhadora PPSH. As nossa tropas (NT) não tiveram a mais pequena beliscadura; foi um dia de muita sorte.

Desde 17 SET 63 até 28 MAI 65, ocupou GADAMAEL, sendo a primeira Companhia naquela localidade. Neste período, construiu, a partir do zero, dois aquartelamentos: a sede da Companhia e o destacamento de GANTURÉ.

Realizou uma intensa actividade operacional, no sector que lhe foi atribuído, bem como a abertura e manutenção dos respectivos itinerários. Gadamael foi uma verdadeira plataforma logística, pois no seu “porto” desembarcavam os reabastecimentos para a Companhia e para as guarnições de Guileje, Mejo e Sangonhá/Cacoca, que davam origem às respectivas colunas, para os levar ao destino.

A Companhia realizou uma permanente acção psicossocial, no sentido de fazer regressar as populações, que se traduziu pelo regresso a Ganturé do seu Régulo Abibo Injassó e de 108 elementos da população.

Desde 28 MAI 65 até 18 AGO 65, esteve no sector de BISSAU, onde desenvolveu acções de patrulhamento, acção psico social e assistência sanitária às populações.

A Companhia regressou a Lisboa em 18 AGO 65, a bordo do navio Uíge; seguimos para o Regimento de Artilharia Pesada nº. 2, em Vila Nova de Gaia, onde o pessoal foi desmobilizado.

Coutinho e Lima
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11721: Convívios (530): Almoço-Convívio do BART 733 (António Bastos)

Guiné 63/74 - P11735: Recortes de imprensa (66): Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC, e um dos principais responsáveis pela Op Amílcar Cabral, sustenta, na mesa-redonda, em Coimbra, no passado dia 23/5/2013, a versão do cerco total ao quartel de Guileje e afirma que as forças sitiantes dispunham de um dispositivo (do qual teria sido utilizado menos de 10%), com condições para actuar durante um mês (AngopPress)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/74) > 22 de maio de 1973: por decisão do comandante do COP 5, maj art Coutinho e Lima, as NT e a população civil abandonam o aquartelamento e a tabanca de Guileje, num total de cerca de 600 almas, dirigindo-se, de madrugada, a Gadamael, através de um carreiro que só a população local conhecia, e iludindo a pretenso cerco das forças do PAIGC. Entre os sitiantes, estava o Nino 'Vieira' e outros comandantes do PAIGC como o aqui citado Osvaldo Lopes da Silva...

Esta foto é, em princípio,  de autor desconhecido. Creio que a vi originalmente reproduzida na revista Pública, do jornal Público,  numa reportagem sobre a retirada de Guileje (provavelmente o artigo do Eduardo Dâmaso, "Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola", Público, Domingo, 16 de Maio de 2004). Mas a cópia, dessa imagem, que temos,  faz parte do espólio "Guiledje Visual" e foi-nos gentilmente cedida pelos nossos amigos (e parceiros) da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau, em 2005.

Espero que um dia o autor apareça e dê a cara... Era muito provavelmente alguém da CCAV 8350 ou subunidades adidas... Foi editada por nós, para ilustrar este poste... Entretanto, apareceu o J. Casimiro Carvalho, fur mil op esp, da CCAV 8350, a dizer que muito provavelmente a foto, tal como outras do pessoal (militar e civil) na retirada, é do seu camarada Carlos Santos. A foto de qualquer modo é notável, estando longe de sugerir debandada, pânico, desorganização... Pelo contrário, parece haver alguma dignidade e disciplina na retirada do pessoal (dois terços, civis...).  (LG).


1. Conforme poste P11552, de 10 de maio último, realizou-se em Coimbra, no dia 23 do mesmo mês, a    Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné".

O historiador guinense, doutor Julião Soares Sousa, investigador  do  Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra,  conseguiu juntar à volta da mesma mesa alguns dos protagonistas dos acontecimentos de há 40 anos (Op Amílcar Cabral, na designação do PAIGC),  homens esses que então se confrontaram de um lado (Coutinho e Lima, Ferreira da Silva, Raul Folques, José Calheiros, Pedro Lauret) e do outro (Osvaldo Lopes da Silva, Fandji Fati) da barricada.

A moderação da mesa redonda coube ao historiador, prof doutor Luís Reis Torgal. Não assistimos ao evento. Nem vimos que a nossa imprensa, escrita e falada, tenha feito grande cobertura da iniciativa.  Um dos "recortes de imprensa" que nos chegou, foi este, da Angop - Agência AngolaPress.  Vamos aqui reproduzi-la, com a devida cortesia, e com uma chamada de atenção: não podemos garantir o rigor dos excertos das declarações dos participantes. Algumas merecem-nos reservas, como a do caboverdiano Osvaldo  Lopes da Silva, "então comandante do PAIGC"  e um dos principais responsáveis militares pela 'Operação Amílcar Cabral'  que - passo a citar - "salientou que o quartel português em Giledge estava 'completamente cercado' e que as suas forças dispunham de 'um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês'."

A teoria do cerco (total) a Guileje, por parte do PAIGC, só pode ser uma "figura de estilo", na medida em que é incongruente com a retirada, sem baixas, das NT, na madrugada de 22 de maio de 1973, tendo as forças sitiantes ocupado o aquartelamento, vazio, 3 dias depois, a 25 de maio.

Osvaldo Lopes da Silva (n. 1936) publicou recentemente o livro autobiográfico "Nos tempos da minha infância" (Cabo Verde, 2011).

Feita esta ressalva, aqui fica mais esta peça para os nossos dossiês sobre os 3 Guês (Guidaje, Guileje, Gadamael). Negritos (bold) e realce a amarelo, do editor L.G.

2. Recortes de imprensa > Angop > 24-05-2013 12:23 Guiné-Bissau:  Portugueses e guineenses debatem operação militar em 1973


Coimbra - Oficiais das tropas portuguesas e dirigentes das forças guineenses em 1973, evocaram e debateram, hoje (sexta-feira), em Coimbra, a "Operação Amílcar Cabral", uma das mais "marcantes ofensivas militares" da guerra colonial na Guiné.

Visando os aquartelamentos militares de Guidage, no norte da Guiné, e de Guiledje e de Gadamael, no sul do país, em Maio de 1973, a "Operação Amílcar Cabral" tinha como objetivo final, "a liquidação do colonialismo, através do aproveitamento dos seus resultados do ponto de vista da política doméstica e internacional", recordou o historiador guineense Julião Sousa.

Promovida pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra, a mesa-redonda visou evocar os 40 anos de "acontecimentos incontornáveis no desenrolar do conflito".

Além de evocar os 40 anos daquela guerra, o [evento...]  também "servirá de introdução e mote" para o primeiro colóquio internacional "Colonialismo, Anti-colonialismo e Identidades Nacionais", a realizar em Coimbra, no final de 2013, adiantou, à agência Lusa, à margem do encontro, Julião Sousa.

Nas operações militares dos "3 G da Guerra da Guiné" (Guidage, Guiledje e Gadamael) "foram empregues elevadas quantidades de meios humanos e materiais", salientou Julião Sousa, que também é investigador do CEIS20, sublinhando que é, igualmente, preocupação dos promotores da iniciativa, perpetuar a memória de uma das mais" marcantes ofensivas militares" da guerra na Guiné.

A retirada, na madrugada de 22 de Maio de 1973, das tropas portuguesas do aquartelamento de Guiledge, então comandadas por Alexandre Coutinho e Lima, actualmente coronel na reserva, foi um dos momentos recordados pelo próprio e um dos temas que ocupou boa parte do encontro, em que participaram pelo menos uma centena de pessoas e se prolongou por cerca de seis horas, durante a tarde de hoje.

Na sequência da sua decisão de retirar as tropas, Coutinho e Lima foi preso pela hierarquia militar portuguesa, situação que se manteve até 14 de Maio de 1974.

"Tive a oportunidade, mas também a grande responsabilidade de ter nas mãos o destino de centenas de pessoas civis e militares", recordou o coronel Coutinho e Lima, considerando que pagou "bem caro" a sua "ousadia, que, seguramente, teria consequências mais graves, não fora o 25 de Abril de 1974".

Sublinhando o "acto de coragem política, mas também física" de Coutinho e Lima, Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e um dos principais responsáveis militares pela "Operação Amílcar Cabral" (***), salientou que o quartel português em Giledge estava "completamente cercado" e que as suas forças dispunham de "um dispositivo (do qual não foi utilizado 10%) para actuar durante um mês".

A retirada de Giledge foi "a decisão mais acertada", conclui a generalidade dos intervenientes na sessão, que também consideram, "sem margem para dúvidas", que "a Guiné era uma causa perdida" para Portugal, no plano militar.

Em termos de armamento "havia um desequilíbrio" muito acentuado, em favor das forças guineenses, destacou o coronel José de Moura Calheiros (que se deteve sobre a situação de Guidage em maio de 1973), sublinhando que "os guerrilheiros do PAIGC estavam muito bem preparados, bem organizados e muito bem comandados".


2. A par desta notícia, da Angop, que reproduzimos acima, emos também, no Diário Digital, de 24/5/2013, a seguinte: 

"Colóquio em Coimbra vai debater colonialismo e anticolonialismo"

O Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20) da Universidade de Coimbra vai promover, em novembro, naquela cidade, um colóquio internacional para debater, «sem tabus», colonialismo, anticolonialismo e identidades nacionais.

«É necessário discutir estes temas sem tabus» e «já há condições» para que isso possa acontecer, acredita o historiador guineense e investigador do CEIS20 Julião Sousa, sublinhando que «nota-se, claramente, que há uma tendência para as pessoas fazerem a catarse - que também faz parte da história»

Ainda há «alguns tabus», reconhece o historiador, considerando que para os ultrapassar é necessário estudar e discutir as questões e isso já é possível com algum distanciamento, pois já passaram 40 anos (sobre o fim da guerra colonial portuguesa) e já há muita documentação sobre aquele tempo, designadamente memórias e biografias de muitos dos seus protagonistas.

Diário Digital / Lusa


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de maio de2013 > Guiné 63/74 - P11552: Agenda cultural (269): Convite para a Mesa Redonda "Guidage, Guiledje, Gadamael 40 anos dos 3 G's da Guerra na Guiné", dia 23 de Maio de 2013, pelas 14H00, na Casa Municipal da Cultura de Coimbra (Julião Soares Sousa)


(**) Último poste da série 26 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11474: Recortes de imprensa (65): O filme lusoguineense "A batalha de Tabatô", de João Viana, veio pôr Tabató e a cultura da Guiné-Bissau no mapa das rotas do cinema internacional (Luís Graça)

(***) Publicou, no jornal Público, em 26 de julho de 2004, um depoimento, como protagonista dos acontecimentos, sob o título, "Amílcar Cabral: 'Se o quartel de Guiledje cair, cai tudo à volta' ". Reproduzido, na íntegram, pelo cor art ref Alexandre Coutinho e Lima, no seu livro "A retirada de Guileje_ 22 maio 1973: a verdade dos factos, 1ª ed." (Linda a Velha, Oeiras: DG Edições, 2008, p. 358--361). O arttigo de Osvaldo Lopes da Silva vem na sequência da reportagem do jornalista Eduardo Dâmaso, acima referida, publicada no Público, 16 de maio de 2004. O artigo do Osvaldo Lopes da Silva nunca chegou a ser reproduzido no nosso blogue.


Guiné 63/74 - P11734: Parabéns a você (591): Cherno Baldé, amigo guineense, um dos meninos (ou 'djubis') do nosso tempo

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11729: Parabéns a você (590): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, amigo guineense, Historiador e Professor universitário

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11733: Bom ou mau tempo na bolanha (13): Durante 30 anos trabalhei numa multinacional em New Jersey (Tony Borié)

Décimo terceiro episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.



As instalações em Nova Jersey, onde o Tony trabalhava, fazia parte de uma multinacional, com sucursais em vários estados dos Estados Unidos e nos principais países industrializados.
Extraía o minério do solo, principalmente, na América do Sul, e processava-o nas suas diferentes fábricas. Tinha um ramal privado de comboios, que carregam e descarregam o material na sua sucursal em Nova Jersey.
Era detentora de setenta por cento do mercado mundial de cobre e alumínio e tinha um potencial um pouco fora do normal.
Como já dissemos, vendia o seu produto para todo o mundo, mas principalmente à Agência NASA, entre outras agências do governo Americano.

O Tony, agora com mais tempo livre, pois a Margarida encarrega-se das tarefas normais, tenta aproveitar as oportunidades que essa multinacional oferece. Larga o trabalho na editora, onde trabalhava em regime de “part-time”, e com algum tempo livre, matricula-se na escola local, assiste às classes, completa a escola baixa, vai para escolas superiores, tira classes na universidade, tudo na área de mecânica, assiste a cursos e conferências em diversas Estados para onde se deslocava, às vezes por algum tempo, tudo relacionado com altos fornos de fundição de metais, tanto eléctricos como a gás, ou qualquer outro combustível.

Passados uns anos, recebe o seu “Master” em mecânica industrial.

Muito antes de terminar o seu “Master” em mecânica industrial, já fazia parte do Departamento de Projectos da referida multinacional, conforme subia nos estudos, subia em posição, os mais importantes projectos para eliminação de poluição, tanto sonora como física, ou para poupar energia e que davam mais eficiência na produção de quase toda a multinacional, tinham a sua assinatura. Tinha ideias inovadoras que lhe conferiram alguns prémios.

Transformou bombas de água, que antes eram lubrificadas a óleo e contaminavam todo o produto, a serem lubrificadas com a mesma água, que faziam girar dentro de si. Construiu altos fornos, a gás ou eléctricos, que com a mesma dimensão, produziam três vezes mais produto, simplificava sistemas de produção, aumentando a sua produtividade.

O Tony construía os seus próprios modelos de ensaio, ele mesmo assumia a responsabilidade, ia para a área de trabalho, debaixo de temperaturas altíssimas, sem parar a produção, muitas vezes com risco da própria vida, mas isso não o incomodava, pois já tinha estado em zona de guerra. Algumas vezes tinha sucesso e provava algo, outras não tinha sucesso, mas ele sabia que essa experiência mal sucedida tinha sido positiva para si, pois ficava a saber que desse modo não era a boa maneira de alterar o sistema, tinha que ser algo diferente, mas não daquela maneira.

Quando começava num projecto e via que podia ter algum sucesso, só terminava quando o novo sistema estivesse a funcionar. Se tudo corria bem e a alteração no sistema funcionava perfeitamente, era tudo normal e o trabalho do Tony era quase ignorado, muitas vezes diziam que era pago para isso, no entanto, a multinacional ia poupar milhões de dólares no futuro, poupando energia, mais eficiência, menos mão de obra e o produto com melhor acabamento.

Se acabava um projecto, que não tivesse sido tão bem sucedido e fosse necessário algum ajustamento, era um grande problema, diziam que o Tony não sabia o que andava a fazer, pois estava a atrasar a produção e havia prejuízo de milhares de dólares por minuto!

E alguns até diziam:
- Porque é que o Tony não se encarrega do sindicato e deixa os projectos e inovações em paz?

Pois o Tony, tal como quando vivia na sua aldeia do Vale do Ninho d’Águia, “era do contra”, pois não podia ver injustiças, agora nos Estados Unidos também era representante da United Steelworkers of America, onde durante trinta anos foi proposto e eleito para diversos cargos que desempenhou com a maior honestidade, muitas vezes defendendo alguns na barra de um tribunal, a quem a sorte pouco ou nada sorriu.
Era uma guerra e uma pressão o seu dia a dia, mas que pouco o incomodava, pois tinha passado dois anos num aquartelamento em Mansoa, num verdadeiro cenário de guerra e sobreviveu.


O que veio a seguir, foram coisas que qualquer um de nós, sendo ou não emigrante, passou com mais ou menos sacrifícios. Toda a sua vida foi em prol da sua família e dos menos protegidos pela sorte e quando em serviço da multinacional onde exercia a sua profissão, ou representando a United Steelworkers of America, e mesmo às vezes única e simplesmente em viagens de prazer, dormia em hotéis com algum luxo, em Las Vegas, São Francisco, Miami, Los Angels, Houston, Denver, Nova Iorque, Chicago, ou outra qualquer cidade, lembrava as noites passadas dentro do aquartelamento de terra vermelha e arame farpado em Mansoa, nessa Guiné africana, ou as noites dormidas com frio, coberto com um plástico, na margem do rio Passaic, encostado a outras pessoas para melhor resistirem ao tempo que então se fazia sentir e que o destino não favoreceu lá muito, mas que eram seus amigos.

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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11646: Bom ou mau tempo na bolanha (12): O meu 10 de Junho (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11732: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (16): Aerogramas e insuficiência das mensagens

1. Em mensagem do dia 6 de Junho de 2013, o nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), enviou-nos a sua décima sexta "Carta de Amor e Guerra".


CARTAS DE AMOR E GUERRA

16. Aerogramas e insuficiência das mensagens

Na imagem > Aerogramas de 1966, com data de 7/4, 25/4 e 1/5 
© Manuel Joaquim 

[O aerograma foi um óptimo meio de comunicação mas sempre o olhei como um substituto menor da tradicional carta usada nas relações afectivas, principalmente no discurso amoroso (ou fizeram-me crer nessa menoridade). Tendo, muitas vezes por preguiça, desleixo, cansaço ou mesmo falta de tempo, recorrido ao aerograma para manter uma periodicidade regular na minha correspondência de guerra, nunca ninguém se me “queixou” do seu uso, exceto a namorada. Receber aerogramas em vez de cartas, era coisa de que ela não gostava nada. Mas lá foi disfarçando … até já não poder mais.]

Vale de Figueira, 9. Março. 66 
Pois, está claro, que gostaria de receber daí cartas volumosas. (…). Eu sei que te é difícil, muitas vezes, fazer o que queres ou o que tens planeado para este ou aquele dia. Vários factores influem agora no teu querer, eu sei. E só por isso me não desalenta muito receber missivas tão lacónicas. 
(…),sobretudo o que me interessa é que semanalmente me dês testemunho de que ainda há vida nesse corpo tão massacrado, (…). O resto, meu querido M., terá muita importância, sem dúvida que terá, pois não é nada agradável estar-se a falar para o “boneco”, para um poço sem fundo, isso é verdade. Mas também não é bem este o caso. 
Isso, na situação actual em que vivemos, é compreensível e desculpável. (…). Podes estar certo, meu amor, que um “estou bem” género telegrama é uma felicidade para mim (…), um fortificante incentivo para continuar a te esperar. 
(… … …). 
Um longo e terno beijo (…) 
D. 

Bissorã, 17MAR66 
Sem dúvida, meu amor, que compreendo inteiramente o teu desgosto por não te escrever como deveria. Deveria? Aqui não há questão de dever ou não dever. Precisamente porque o que desejo é escrever-te, escrever-te muito, (…). Não o faço muitas vezes porque me sinto cansado e sem forças para reagir (…), ao ciclo de desesperança e frustração que persistentemente me quer ocupar o espírito. 
(… … …). 
Eu sei que é preciso reagir a este estado de espírito. Seria preciso reagir para atenuar tudo isto. Mas reagir é-me praticamente impossível. Palavra que às vezes dá-me vontade de esquecer tudo, ficar em estado hibernal [hibernação] e só acordar para a vida daqui a uma dúzia e tal de meses, quando me visse livre de tudo isto. Esquecer. Esquecer tudo. Adormecer. Como se isto fosse possível!!! 
Recebo as tuas cartas, acho-as maravilhosas. (…). Ao ler as tuas palavras passo-me para junto de ti (…). A tua presença faz-me esquecer tudo o resto. Mas são momentos efémeros porque a realidade que me rodeia está bem à vista. E então absorve-me o medo de nunca mais te ver e um chorrilho de ideias tristes, algumas até absurdas, perpassa dolorosamente por mim. 
Eis a razão por que me custa escrever-te. Só em momentos excepcionais, às vezes excepcionais pela sua inautenticidade, é que te poderia escrever cartas que, de todo, te dessem alegria. Sim, porque estou a falar contigo e desde já a aborrecer-me por adivinhar que com as minhas palavras te provoco tristeza, talvez dor. (…) 
(… … …). 
Não falas para o “boneco”. Eu absorvo as tuas palavras e tenho concordado com elas. (…), quando não concordar contigo, a minha réplica surgirá. (…). (…), varre de ti a ideia de que o teu M. querido não está ligando nada (…). (…) até está muito satisfeito com essas palavras, com essas opiniões. 
(… … …) 
Saudosamente, (…). 
M. 

Foto 1 > Bissorã, 1970 > Rio Armada ao pôr-do-sol 
© Carlos Fortunato, CCaç 13 

Bissorã, 3ABRIL66 
(… … …) 
Minha querida, tens de desculpar a minha demora na correspondência. As operações, agora, no final da estação seca são mais fáceis de fazer. Talvez sejam, até, menos perigosas. Por isso andam a apertar bastante com a tropa. Trabalho estafante (…). 
Está claro que isto não é razão para deixar de te escrever. Mas o cansaço ajuda a ficar indolente, a cair no “não te rales”, no “não me maces” Estas frases não se referem a ti. As tuas cartas são sempre bem-vindas e ansiadas. Simplesmente, apetecia-me mais falar-te do que escrever-te. Às vezes esqueço-me de que não estás junto de mim, de que me não podes ouvir. O resultado está à vista, é estar bastante tempo sem te escrever uma carta, limitando-me a uns lacónicos aerogramas. Mas olha para essa espécie de telegramas com a certeza de que neles o teu M. também está presente, bem presente no amor que te dedica, no desejo de que não estejas muito tempo sem notícias. 
(… … …). 
Muitos e muitos beijos (…). Até sempre! 
M. 

Vale de Figueira, 24-4-1966 
“Amo-te”, “Sou teu”; são sem dúvida expressões sempre agradáveis que se escutam com prazer. (…). Mas não bastam, não são o essencial para que se acredite em quem as pronuncia. (…). São expressões efémeras, correntes em toda e qualquer boca, para qualquer fim. 
(… … …). 
Depois de ler cada um dos teus aerogramas que chegam, depois de pensar demoradamente no que se está passando contigo, tentando absorver das tuas poucas palavras algo de doce e de reconfortante, … desânimo! Nelas, parece-me ver esquecimento, um subterfúgio para não revelares a verdade. 
E então o “amo-te”, o “quero-te”, o “sou teu” não me dizem quase nada, meu querido. Soam-me tão longínquos! Quase amargam. 
Mesmo assim, esses aerogramas representam muito. Pelo menos na hora em que os escrevias ainda havia vida nesse corpo embora o espírito talvez estivesse morto, massacrado pela dor. Não queria que isso acontecesse, meu amorzito. Quero que reajas, que converses comigo se ainda me queres para tua companheira, tua amante, tua mulher. (…). Mas, meu amor, estes aerogramas não serão o teu refúgio, não estarás a desligar-te de mim? 
Vivo este dilema, agora. Perdoa-me se te ofendo, dizendo-te isto. Mas eu não posso perder-te! Tu não podes fugir-me, meu amor! 
Que alegria para mim são, nos primeiros instantes, esses aerogramas! Tu ainda estás comigo, é o meu primeiro pensamento. Depois, mastigando o seu conteúdo, que desilusão, que contrariedade! Nada adiantam … são todos iguais! 
Meu M. querido perdoa-me se não sou compreensiva, se estou a ser injusta, mas não estou a recriminar-te, meu amor. Decerto que há muita coisa em mim que te não agrada, podes dizê-lo. 
(…). 
(…) não escrevo mais, hoje. Talvez amanhã ou depois te escreva mais, quando esta neura tiver passado e eu sentir firmemente que continuas me querendo muito. (…) 
Tenho tantas saudades tuas, meu querido! Beijo (…). 
N. 

Foto 2 > Bissorã, 1966 > ao centro, aquartelamento das CCaç 1419 e CArt 1525; ao centro-direita, edifício-sede da Administração Civil; ao fundo, campo de futebol
© A. Silva Pinheiro, CCaç 1419 

Bissorã, 1 MAIO 66 
Cheguei ontem de Mansoa e cá encontrei a tua última carta. Palavra que, antes de a abrir, já pensava no seu possível conteúdo. Acertei (…). 
Eu sei que os meus aerogramas são insuficientes. Inclusivamente, não gosto de te enviar aerogramas. Dá-me a sensação de coisa impessoal, o que com certeza não é, minha querida. 
(…) por coincidência, há uns tempos para cá, quando estou para me dedicar inteiramente a falar contigo, surge um contratempo. 
(…). Ontem tinha intenções de te escrever uma longa carta mas não pude. Pensei muito em ti, em nós, mas foi de arma às costas “passeando” pela selva. Saímos ontem ao princípio da noite. Chegámos há pouco tempo, são 11h 30. Estou cansado, deveras cansado e cheio, cheio de sono. Só a grande vontade de que não fiques sem notícias minhas me leva a pegar na caneta. 
Espero, nota bem, espero que no próximo correio te ocupe um bocado o tempo a ler-me. Estou pronto a escrever muito.(…). 
Depois de umas horas de descanso, ficarei “au point”. 
Sei que vais ficar mais uma vez aborrecida mas tenta compreender. Eu tenho muito que fazer. Muita coisa me preocupa. Tu terás que ser vítima, um pouco, da minha situação. 
Ou não? Mas, forçosamente, tens de ser. Preciso muito das tuas cartas. 
Preciso mais delas do que tu das minhas. Continua escrevendo, sim? Não te zangues, hem? 
Do que tem esperança de ser teu – desculpa o possível cinismo que a tua carta agora me provocou. Vamos lá falar a sério: 
Muitos e muitos beijos, saudosamente, do TEU 
M.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11674: Cartas de amor e guerra (Manuel Joaquim, ex-fur mil, arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) (15): Analfabetismo, um outro combate

Guiné 63/74 - P11731: Os nossos médicos (51): O BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) teve pelo menos 4 médicos e prestava assistência à população civil (Benjamim Durães)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BART 2917 (1970/72) >  Mercado local de Bambadinca... Ao fundo vê-se o fontanário construído em 1948 (salvo erro). Foto tirada, de costas para o quartel que ficava numa elevação que dominava a grande bolanha (a sul) e o rio Geba Estreito (a norte). Segundo estimativas do comando do BART 2917, no setor viviam c. de 20 mil pessoas,  estando 75% sob o controlo das NT. O batalhão fazia também a cobertura sanitária da população civil do setor. Todos os dias havia dezenas e dezenas de crianças, adultos e velhos à porta do posto sanitário, atendidos pelos fur mil enfermeiros João Martins (CCAÇ 12, 1969/71) e José Coelho (CSS/BART 2917, 1970/72) e pelo alf mil médico Mário Ferreira (CSS/BART 2917, maio de 1970/janeiro de 1971) . Em Bambadinca, posto administrativo do concelho de Bafatá,  havia fulas, mandingas e batalantas, entre outros. Parte da população tinha sido deslocada com a guerra.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


1. Mais um contributo para o dossiê sobre "os nossos médicos"... Vem de um bambadinquense, grã-tabanqueiro, o ex fur mil op esp. Pel Rec Info, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), Benjamim Durães (que vive em Palmela, e é um dos habituais organizadores dos convívios da CCS/BART 2917]:



(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco?

Seguiram no navio “Carvalho de Araújo” três médicos.

Alferes Milicianos Médicos:

Dr. Artur Manuel Ferreira Vilela Dionísio:

Foi colocado na CCAÇ 6 em Bedanda. Em 17 de Agosto de 1970,  foi colocado no HM 241, não tendo regressado ao BART 2917.

Dr. Mário Gonçalves Ferreira:

Foi colocado na Sede do Batalhão [, em Bambadinca]; e, por fim,

Dr. Jorge Pedro Ferreira Nunes Matos:

Foi colocado na CCAV 2539,  em São Domingos.


(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo?


O BART 2917 teve quatro médicos:

Dr. Mário Gonçalves Ferreira: na sede do Batalhão em Bambadinca, de 27 de Maio de 1970 a 25 de Janeiro de 1971,  data em que foi transferido para o HM 241,  em Bissau;

Dr. António Rodrigues Marques Vilar:  na sede do Batalhão em Bambadinca, ds 9 de Março de 1971,  vindo da CCAV 2721,  sedeada em Olossato, a Janeiro de 1971,  data em foi transferido para a CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883,  em Piche;

[Foto à esquerda,  em Coruche, 27 de março de 2010, no IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72); a seu lado, a esposa; o casal vive em Aveiro; o Dr. Vilar é um psiquiatra reformado, que já voltou à Guiné pelo menos duas vezes, em 2010, e em 2001. Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados]


Dr. Jorge Pedro Ferreira Nunes Matos:  de 22 de Outubro de 1970, data em que veio transferido da CCAV 2539,  em São Domingos,  para a CART 2716 / BART 2917,  no Xitole;

Dr. João Horta Vale, na CART 2716 / BART 2917,  no Xitole, em substituição do Dr. Nunes de Matos.

(iii) Lembram-se dos nomes de alguns? Idades? Especialidades?

Dr. Vilela Dionísio, nascido em 1944, ortopedista com consultório em Lisboa;

Dr. Mário [Gonçalves] Ferreira, nascido em 1937, cardiologista com consultório em Lisboa; [é também escritor, com pelo menos dois títulos em 2009 e um terceiro no prelo:  Tempestade em Bissau no ano 1970 (Pallium Editora) e Dona Ermelinda zangou-se com o mar (Europress)];
Dr. António Marques Vilar, nascido em 1942, psiquiatra com consultório em Aveiro;

Dr. Jorge Nunes Matos, nascido em 1939, imagiologia e radiologia com consultório no Porto; e,

Dr. João Horta Vale, estomatologista com consultório em Matosinhos.

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermaria do aquartelamento (se é que existia)?

Sim, estive internado na enfermaria do aquartelamento [, em Bambadinca,] , e depois fui transferido para a camarata dos Sargentos até 18 de Agosto de 1970,  data em que fui evacuado para o HM 241

(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241?


Fui internado no HM 241 por diversas vezes.

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP?

Fui evacuado para o HMP em 2 de Setembro de 1971.

(viii) Tiveram algum problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?

Sim, após troca de algumas palavras e passado algum tempo, foi pedida pelo Comando do Batalhão a minha evacuação para Bissau, e no HM 241 estava de serviço o Dr. Pardete da Costa Ferreira, que  me deu baixa hospitalar.

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local?
Sim, atendia a população local e o Furriel Mil Enfermeiro José Coelho e algumas praças visitavam por vezes as tabancas que se encontravam sobre o controlo do BART 2917.

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa?


Provavelmente mais que a maioria dos Centros de Saúde actualmente em Portugal e não era cobrada qualquer taxa moderadora

Benjamim Durães
Furriel Miliciano
CCS/BART 2917 
(1970/72)

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Benjamim, pela informação detalhada que nos mandas...  O Mário Ferreira é do meu/nosso tempo, lembro-me bem dele (maio de 1970 / janeiro de 1971). Fui pelo menos a uma consulta dele, em 27 de novembro de 1970 (, se não me engano). Tenho uma dívida para com ele. Já aqui disse, algures, que gostava de o reencontrar. Sei que tem (ou teve) consultório para os lados da Estrela, em Lisboa. Um Alfa Bravo para ele (se nos estiver a ele, bem como para o Marques Vilar, que conheci em Coruche). Outro para ti, grande conpanheiro de Bambadinca.
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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11724: Os nossos médicos (50): Os batalhões que passaram pelo setor de Farim tinham um número variável de médicos, de 1 a 4... Quanto ao HM 241, era só... o melhor da África Ocidental (Carlos Silva, 1969/71)

Guiné 63/74 - P11730: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (44): A mulher mandinga e o soldado português

1. Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (44): A mulher mandinga e o soldado português

Uma mulher mandinga,  a caminho do mercado,  passa diante da porta de armas onde esta postado um soldado português em serviço de sentinela. Ela sabe que os portugueses, de uma forma geral, não têm especial empatia para com os mandingas que, com ou sem razão, suspeitam de estar do lado dos terroristas, por isso num gesto amigável de querer agradar, exibindo o seu melhor sorriso, cumprimenta a sentinela na única lingua que sabia comunicar:
Caira lata! (paz e bem, o mesmo que dizer bom-dia em mandinga).

O soldado interpreta o cumprimento da mulher como uma provocação terrorista, não responde e faz gestos com a mão a indicar-lhe para continuar a caminhar e não chatear, pois que chatices ja tinha ele o suficiente para estar ali de serviço.

Volvidos alguns dias e, no mesmo local, a mulher volta a encontrar o soldado em serviço na porta de armas e,  indiferente ao facto de que se tratava ou não da mesma pessoa, repete o ritual com a mesma cortesia de sempre.
 ─ Caira lata!

 O soldado não responde, mas faz os gestos habituais de mandar seguir com as mãos que a mulher interpreta como resposta aos seus salamaleques e, como mandam as regras da boa educação africana, acrescenta logo a seguir:
Sukonum kolo!? (Como vai a familia!?)

Exasperado, pelo que ele entende ser uma afronta, o soldado avança de forma ameaçadora para a mulher, visivelmente com intenção de a agredir com um pontapé, valendo a pronta intervenção das pessoas que passavam por perto e, perante o desconforto da situação, vê-se obrigado a explicar aos presentes as razões de toda a bagunça:
─ Foda-se, a f...da p... da velha,  não contente de me chamar 'cara de lata', todos os dias que passa por aqui, hoje ameaçou-me com um 'soco nos cornos', era o que faltava!

No meio da confusão, a mulherzinha só sabia dizer: 
Hoi mbama!!! Hoi mbama!!! (Oh minha mãe!...Oh minha mãe!).

Bissau, 10 de Junho de 2013
Flagrantes da vida “colonial”
Cherno Baldé – Chico de Fajonquito

Guiné 63/74 - P11729: Parabéns a você (590): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72 (Guiné, 1972/74) e Leopoldo Amado, amigo guineense, Historiador e Professor universitário

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Nota do editor:

Último poste da série de 17 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11717: Parabéns a você (589): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/73)

terça-feira, 18 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11728: Blogoterapia (229): Muito obrigado a todos os camaradas que se lembraram de mim, no meu dia de anos (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 18 de Junho de 2013:

De facto já são bastantes e tem-me acontecido sempre por esta altura. No entanto,  embora por vezes se diga que já não se liga, que é mais um dia igual aos outros, a verdade é que nesse dia sentimos algo diferente, algo que nos individualiza e que nos traz valor acrescentado na medida em que os amigos e familiares se lembram de nós.

Passadas que foram as idades dos brinquedos, damos hoje valor a um livro ou a uma garrafa de vinho enquanto não chega a idade das pantufas, que por serem mais macias e quentinhas, acompanham horas e horas de sofá e televisão, com mais Gouchas ou Júlias Pinheiros, que serão sempre o futuro dos que lá chegarem.

Quando se chega aí, são felizardos os que mantêm amigos com quem falam do tempo ou de outro tempo, mas que assim afastam o azedume que a solidão acaba por potenciar.

O meu neto adoptivo telefonou-me logo de manhã, com o entusiasmo das crianças no que se refere a aniversários, perguntando-me com uma voz suspensa e ansiosa:
- O que ganhaste,  avô?

Com vontade de rir, respondi-lhe:
- Ganhei mais um ano, meu querido!!

Só não lhe disse que o meu dia ia ser muito melhor por ele me ter telefonado.

Muito obrigado a todos os camaradas que se lembraram de mim com amizade e a quem eu retribuo os votos de longa vida feliz com saúde(*).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 17 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11717: Parabéns a você (589): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto do BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/73)

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11715: Blogoterapia (228): A todos quero agradecer os votos de parabéns e as palavras que me dedicaram no meu aniversário (Belarmino Sardinha)

Guiné 63/74 - P11727: Blogpoesia (346): O Menino Homem (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Felismina Costa, com data de 17 de Junho de 2013:

Caríssimo Amigo Carlos Vinhal
Na sequência das recentes homenagens prestadas, a título póstumo, aos militares que tombaram durante a guerra colonial, pretendo também prestar a minha homenagem a quantos deram a sua vida em nome de Portugal, com um modesto e sentido poema.

É a minha sentida homenagem.

Abraço colectivo a toda a tertúlia
Felismina Mealha




O Menino Homem

Cresceu o menino, que é de sua mãe 
E a Pátria o reclama! 
Chama-o apressada, porque estão em risco 
Os interesses de uns, que não lhe são nada. 
E rouba-o à vida, até aí tranquila, 
Somente pequena. 
Tão só madrugada! 
E o alvorecer, virou tempestade, 
Que caiu sobre os dias dessa curta idade. 
Que fazer dos sonhos dessa Mocidade? 
Congelar os sonhos? 
É pura maldade! 
E a terra vermelha, grávida de espanto 
Aborta atónita seus frutos em pranto… 
Terra que se oferece, que acolhe a raça 
Convive com uns, e a outros… mata! 
Sentenças de morte, quem foi que as ditou? 
Menino de 20, ou um pouco mais, 
Para onde te levam? 
Para onde vais? 
Sobre o Oceano, imenso, sem fim… 
Navega um cargueiro, que te afasta de mim! 
E nem tu nem eu sabemos o fim! 
Menino de vinte, meu amor primeiro, 
Que mal que me fez o velho cargueiro! 

Na terra lá longe, que só queria Liberdade 
Perdemos a Paz… choraram saudade! 

E o medo Menino? 
E a dor de matar? 
Mas tu és um homem… maior do que és! 
E por entre o medo, o tão grande medo… 
Primes o gatilho, 
E sem que o conheças 
Morreu mais um filho… 
Sobre a terra quente criadora e nua 
Rebentam petardos, mesmo à luz da lua! 
E muito distante, onde os lobos uivam… 
Tantas mães chorando e noivas viúvas… 
Mataram o Menino que seus pais criaram 
Mataram os sonhos que alimentaram 
E queimam a terra. 
E rasgam a carne. 
O sangue esvai-se em ferida mortal! 
O negro vestiu os campos alegres onde cresceste. 
E aqui e ali, em quaisquer lugares 
Erguem-se monumentos a assinalar 
Que o jovem da terra não pode voltar!

Felismina mealha 
Agualva,17/6/2013

(Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados)
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Nota do editor:

Último poste da série de 15 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11710: Blogpoesia (345): Estou vivo (Ernesto Duarte)

Guiné 63/74 - P11726: Fotos à procura... de uma legenda (21): Bissau, cidade aberta, 2013... [e onde esteve muito recentemente a Catarina Gomes, jornalista do 'Público', em busca de 'filhos do vento'] (Cherno Baldé)



Guiné-Bissau > Bissau > 2013 > Está enganado quem pensa que da Guiné-Bissau não vêm boas noticias, o pais acaba de entrar, com sucesso, na era biotecnológica de “cagação” de telemóveis e não custam caro, apenas 100 Fcfa. Facto que constitui, ao mesmo tempo, uma revolução tecnológica, uma forma de colmatar a carestia da vida e uma ótima contribuição para o novo acordo ortografico do português. [Cherno: 'Cagamos móveis alfataria', é uma forma de economia linguística em publicidade "outdoor"... Reconstruíndo a frase, eu diria que alguém nos quiser dizer: "Carregamos telemóveis na alfaiataria"... Certo ?... E depois, 100 CFA, o que é isso, são 15 cêntimos de euro...Na Europa não compras nada com 15 cêntimos... Mas na tua terra é muito dinheiro, para quem vive só com um euro por dia...L.G.]



Guiné-Bissau > Bissau > 2013 > A fim de encorajar os investidores estrangeiros, com grande relutância para vir à Guiné-Bissau, um habitante do “Céu” resolveu fazer um gesto para promover e impulsionar o setor habitacional, em Bissau.[ Chermo: de qualquer modo, aí, na tua terra,  como em qualquer outra parte do mundo, o 'ceu a ceu dono'... L.G.]


 Guiné-Bissau > Bissau > 2013 > Em Bissau, já não constitui novidade uma pessoa cruzar-se, nas suas ruas,  com um novo tipo de habitante, chama-se Belétchô, uma espécie de pernalta humano. Ninguém sabe donde vem.. [Cherno: nem para onde vai... L.G.]



Guiné-Bissau > Bissau > 2013 >...Em consequência, vai ser preciso repensar tudo na cidade, em especial os passeios, a altura dos muros de vedação, os táxis, os aparthoteis... [Cherno: É isso, precisamos de outra esacala, a dos gigantones, como chamamos aqui aos vossos Belétchô...L.G.]

Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem do nosso amigo Cherno [Abdulai] Baldé [, aqui à direita, com os filhos, em 2004, na "festa do carneiro" ou Tabaski]


Data: 16 de Junho de 2013 às 12:40

Assunto: Envio de material para publicação

Caros amigos Luis Graca e Carlos Esteves Vinhal,

Juntamente envio dois textos e algumas imagens de Bissau, para publicação no blogue da TG, se assim o entenderem.

O primeiro texto, sobre os acontecimentos de Cuntima, em Novembro de 1976 [, a revolta das milícias que acabou em tragédia,]  é uma promessa antiga mas que só agora foi possivel concretizar. O segundo é um fait divers popularizado na época colonial: A muher mandinga e o soldado português. E  o resto são imagens sobre a atualidade da cidade de Bissau [, vd. fotos e legendas acima].

A Catarina [ Gomes, jornalista do Público, que foi à Guiné-Bissau fazer um trabalho de investigação sobre os 'filhos do vento',  com 'recomendação' ao Cherno Baldé por parte dos amigos da Tabanca Grande, ] já regressou a Portugal e a consequência mais imediata da sua visita de trabalho é que ainda continuam a fluir em casa e/ou atraves do telefone, pedidos de pessoas, filhos de antigos soldados [, portugueses,] que procuram uma forma de entrar em contacto com os prováveis pais ou seus familiares. Nos próximos tempos terei que enviar pedidos de publicação para a série "Em busca de..."

Com um abraco amigo,

Cherno Baldé

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Nota do editor:

Último poste da série > 7 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10630: Fotos à procura... de uma legenda (20): Fotos de uma operação ao Morés em 1964 em que intervieram a CART 730 e a Companhia sediada no Olossato (António Bastos)

Guiné 63/74 - P11725: Efemérides (131): Matosinhos, 10 de Junho de 2013: Descerramento de uma placa toponímica na Rua dos Combatentes do Ultramar e bênção da primeira pedra de um Monumento dedicado aos mesmos Combatentes (Carlos Vinhal)

O Concelho de Matosinhos tem finalmente uma rua que lembra o esforço da sua juventude na Guerra do Ultramar.

1. No passado dia 10 de Junho de 2013, Dia de Camões e de Portugal, foi descerrada uma placa toponímica que dá o nome de "Combatentes do Ultramar - 1961-1974" a uma artéria da freguesia de Matosinhos, aberta recentemente ao trânsito, localizada bem no centro da cidade, paralela à Rua Alfredo Cunha, que começa na Rua Augusto Gomes, junto à Escola com o mesmo nome, em frente ao Quartel dos Bombeiros Voluntários de Leixões, terminando na Rua de Goa.
Ao acto assistiram ex-combatentes, seus familiares e alguns curiosos.

Esta foi mais uma iniciativa que se ficou a dever ao alto patrocínio da Câmara Municipal de Matosinhos, na pessoa do seu Presidente, Dr. Guilherme Pinto e seus colaboradores, Núcleo local da Liga dos Combatentes, na pessoa do seu Presidente, TCor Armando Santos e seus camaradas de Direcção, e a um pequeno grupo de combatentes que desde há uns anos, de perto, tem trabalhado com estas duas entidades.

Se a união faz a força da discussão nasce a luz, quando Deus quer e o homem sonha, a obra nasce.

Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados.

Momentos descontraídos após o descerramento da placa toponímica, que esteve a cargo do Presidente da Câmara de Matosinhos, senhor Dr. Guilherme Pinto e do Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes, senhor TCor Armando Costa. Segura a bandeira da Câmara que cobria a placa, o nosso camarada Casimiro Carvalho que se quis juntar aos matosinhenses nesta singela homenagem a todos os combatentes.
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados.

Não posso evitar um comentário magoado pela indiferença dos nossos camaradas matosinhenses ex-combatentes, para não falar já da população em geral, que ignoraram esta cerimónia. A maioria esmagadora dos presentes era composta por ex-combatentes da Guiné, talvez os que mais sentiram na pele as dificuldades daquela guerra.
Estamos incondicionalmente unidos quando se trata de reivindicar dinheiro, o mesmo não acontecendo quando pedimos respeito e dignidade.
O meu muito obrigado ao Casimiro Carvalho (Maia), ao Henrique Cerqueira (Foz) e à D. Conceição Hermínia Mota Costa Pinto (ex-MNF) que se deslocaram a Matosinhos, dando assim uma lição de solidariedade e camaradagem que me apraz registar.


2. Do programa fazia ainda parte o lançamento da "primeira pedra" de um Monumento aos Combatentes do Ultramar, a erigir na freguesia de Matosinhos, no gaveto da Rua Augusto Gomes com a Rua Alfredo Cunha, bem próximo da nova Rua dos Combatentes do Ultramar.

Tendo como "pano de fundo" um grupo de ex-combatentes com boina, o lançamento simbólico da primeira pedra do Monumento esteve novamente a cargo do Presidente da Câmara de Matosinhos e do Presidente do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados.

"Primeira Pedra" do futuro Monumento ao Combatente da Guerra do Ultramar
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados.

O Pe. Francisco Andrade de Leça da Palmeira, por impedimento(?) do Pároco de Matosinhos, deslocou-se expressamente a esta freguesia para proceder à bênção da "Primeira Pedra" do futuro Monumento.
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados.


Momento da alocução do Dr. Guilherme Pinto
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados.

O TCor Armando Costa no uso da palavra
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados.

Foto de família de algumas das pessoas presentes ao acto
Foto: © Liga dos Combatentes (2013). Todos os direitos reservados.

Nesta foto: D. Conceição Hermínia, Casimiro Carvalho, Abel Santos, Agostinho Ribeiro, Raul Ramos e Carlos Vinhal
Foto: © Dina Vinhal (2013). Todos os direitos reservados.

Assim decorreu esta jornada do Dia 10 de Junho de 2013, que começou em Leça da Palmeira(*) com a habitual peregrinação ao cemitério local para homenagear os militares leceiros caídos em campanha, e que terminou em Matosinhos com o descerramento da placa toponímica "Rua dos Combatentes do Ultramar" e bênção da "Primeira Pedra" do futuro monumento aos mesmos Combatentes.

(Texto e legendas das fotos: Carlos Vinhal)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11698: Efemérides (129): O 10 de Junho de 2013 em Leça da Palmeira (Carlos Vinhal)

Último poste da série de 13 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11700: Efemérides (130): Atalaia, Lourinhã, domingo, 16 de junho, às 10h45: Inauguração de Monumento aos Combatentes

Guiné 63/74 - P11724: Os nossos médicos (50): Os batalhões que passaram pelo setor de Farim tinham um número variável de médicos, de 1 a 4... Quanto ao HM 241, era só... o melhor da África Ocidental (Carlos Silva, 1969/71)

1. Mensagem, de 15 do corrente,  de  Carlos Silva [, foto à esquerda, em março de 2008, no Saltinho. junto à morança do António Camilo], 

Amigos & Camaradas Luís e Vinhal

Aqui vai um texto sobre os nossos médicos quanto ao Sector de Farim e respostas ao questionário incluído no Post 11704 (*)

Agradeço que publiquem pois suscitam algumas questões que poderão suscitar outros desenvolvimentos
Com um abraço,

Carlos Silva

2, Respostas do Carlos Silva (*)

(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?

(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?


A propósito dos post nº 11704 e 11706, aqui vão mais alguns dados que recolhi da consulta às HU[, histórias de unidade,]  que tenho do Sector de Farim.

BCav 490 - 1º Batalhão sediado em Fari, 1964/65. Pois na sua HU consta na data do embarque 4 médicos adstritos às unidades.  a saber:

CCS - 1 médico
CCav 487 - 1 médico
CCav 488 - 1 médico, Jumbembem do qual existe 1 foto no meu site
CCav 489 - 1 médico Cuntima

Nota. Não sei se os outros 2 médicos estavam em Farim, há aqui camaradas tabanqueiros desta Unidade que podem esclarecer.

BArt 733 - 2º Batalhão sediado em Farim [, 1965/67]. Na sua HU consta na data do embarque 4 médicos adstritos às unidades a saber:

CCS - 1 médico
CArt 730 - 1 médico
CArt 731 - 1 médico
CArt 732 - 1 médico

Nota: Não sei se todos permaneceram no sector e se estiveram de facto nos subsectores Jumbembem, Canjambari e Cuntima, Binta; Guidage enquanto adstritos formalmente às Companhias.

BCaç 1887 - 3º Batalhão sediado em Farim, [1966/68]. O Comandante foi o Ten Cor Agostinho Ferreira, meu Comandante no Bat Caç 2879, já o Domingos Gonçalves fala no post 11706

Há fotos de 2 médicos no meu Site.

BCaç 1932 -  4º Batalhão sediado em Farim [, 1967/68]. Não tenho elementos neste momento apesar de já ter consultado a HU no AHM várias vezes.

BCaç 2879 (1969/71) - 5º Batalhão sediado em Farim. Já referi no post anterior. Apenas 1 médico integrou o Batalhão, embora no sector pelo menos durante um ano lá estivessem estado 2, um em Farim e outro em Cuntima.

BArt 3844 (1971/73)
 - 6º Batalhão sediado em Farim, e  que nos rendeu. Integrava na data do embarque 4 médicos, segundo  a HU.  Não sei se permaneceram todos no sector e distribuídos pelos subsectores.

BCaç 4512 (1973/74) -  7º Batalhão sediado em Farim. Não tenho elementos neste momento apesar de já ter consultado a HU no AHM várias vezes. Há aqui tabanqueiros que podem esclarecer.

Das HU das Companhias independentes, que estiveram no sector e que tenho algumas, não consta no seu efectivo qualquer médico, mas sei que houve companhias que integraram médicos nos seus efectivos.

Aqui tendes o panorama do Sector de Farim que por vezes integrou Barro, Bigene (no início da luta), Binta e Guidage quase sempre, incluindo no âmbito do meu Batalhão.

Da análise exposta no comentário anterior, podemos concluir que a dotação de médicos nos batalhões era variável, pelo menos de 1 a 4;  e que nem sempre estavam colocados nos subsectores do sector do batalhão e,  mais ainda, pelo que tenho lido e observado, nem todos, para não dizer uma grande maioria, permaneceram a 100% nos locais onde estiveram as suas Unidades, pois dá para perceber que havia rotatividade consoante as necessidades, sendo deslocados para outras localidades ou para o HM 241 em Bissau.


(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?

Os nomes completos dos médicos constam das HU, quem quiser saber os nomes que consulte as mesmas.

Nas HU que tenho constam os nomes deles, mas em minha opinião não devo divulga-los, pois podem não quererem e não gostarem. Acho um abuso.

(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?

Sim e fui bem tratado Cabe aqui dizer, que no meu tempo e no caso da minha Unidade que esteve sediada em Jumbembem de 2-01-70 a 16-06-71, onde não havia médico, não ia à consulta quem queria, e creio que assim acontecia nas outras Unidades, pois havia uma triagem feita pelo Furriel Enfermeiro que aferia da necessidade da deslocação a Farim para irem à consulta médica ou era logo encaminhado para o HM241.

Não se esqueçam que há situações e situações.

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermaria do aquartelamento (se é que existia)

Creio que em todas as Unidades/subsectores havia enfermaria que estava a cargo do Fur Enfermeiro. Em Jumbembem no meu tempo havia, mas internamentos não.

(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241 ?

Sim. Ortopedia e tenho uma história bem engraçada contada no meu diário.

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?



(viii) Tiveram alguma problema
 de saúde que o vosso médico
 ou o enfermeiro conseguiu
resolver sem evacuação?


É público e notário que milhares foram evacuados para a metrópole e milhares e milhares de situações foram resolvidas sem evacuação e mau era se assim não fosse. Isso só demonstraria que os nossos médicos eram uns analfabetos

Já se esqueceram que o HM241 que naquele tempo era o melhor de toda a Àfrica Ocidental ?

Ò Luís, por vezes fazes questionários e perguntas que não têm cabimento.

Todos nós passámos por lá e os que não passaram sabem disso, é público e notório e já faz parte da nossa História contemporânea.

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...

Relativamente à prestação de serviços médicos à população, claro que prestavam em todas as localidades e no caso do Sector de Farim, no subsector de Cuntima junto da fronteira, até prestavam cuidados médicos às populações transfronteiriças do Senegal que ali se deslocavam às dezenas, centenas por mês.

Presumo que assim acontecesse nas outras localidades de fronteira, isto pelo menos no Norte e basta consultar as HU.

Já não sei se assim acontecia junto das fronteiras com a Guiné Conakry, caso por exemplo, Buruntuma, Gadamael Porto, mas tenho curiosidade em saber.

Creio que há uma estimativa, se te deres ao trabalho de ir para o AHM e consultares as HU, aí saberás os dias, meses que perderás para chegares a essa estimativa.

Um abraço

Carlos Silva (**)

[ex-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71;

_________________

Notas do editor:


(...) Questões:

(i) Quantos médicos seguiram com o vosso batalhão, no barco ?

(ii) Quantos médicos é que o vosso batalhão teve e por quanto tempo ?

(iii) Lembram-se dos nomes de alguns ? Idades ? Especiallidades ?

(iv) Precisaram de alguma consulta médica ?

(v) Estiveram alguma vez internados na enfermeria do aquartelamento (se é que existia) ?

(vi) Foram a alguma consulta de especialidade no HM 241 ?

(vii) Foram evacuados para a metrópole, para o HMP ?

(viii) Tiveram alguma problema de saúde que o vosso médico ou o enfermeiro conseguiu resolver sem evacuação?

(ix) O vosso posto sanitário também atendia a população local ?

(x) (E se sim, o que é mais que provável:) Há alguma estimativa da população que recorria aos serviços de saúde da tropa ?...

(**) Último poste da série > 18 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11722: Os nossos médicos (49): O BART 733 tinha 4 médicos (Artur Conceição, 1965/67) ... Outros batalhões que passaram pelo setor de Farim tinham um número variável de médicos (Carlos Silva, 1969/71)

Guiné 63/74 - P11723: Manuscrito(s) (Luís Graça)(4): Comment ils sont toujours gais, les portugais!


Comment ils sont toujours gais, les portugais!

por Luís Graça

Olho do alto,
do mais alto edifício da Lisboa fontista,
o marquês in su situ,
o dito marquês de Pombal,
le plus fameux marquis du Portugal:
Estatuado,
bem apessoado, 

em pose de Estado,
futurista,
mas sem insígnias de general:
apeado,
sem burro, mula ou cavalo
para se poder passear
pelas futuras avenidas novas,
largas, chiques, burguesas, 

do Ressano Garcia
que ainda está por nascer.


Consulto o guia turístico do pós-25 de Abril
e vejo que lhe falta, do polícia oitocentista,
o cassetete e o apito,
mas ele está bem assim,
acima do Rei de Paus,

abaixo da Lei e da Grei,
maçon e republicano,
domando o leão,
dominando a cidade,
serena, sibilina,
com o Terreiro do Paço,

o Palácio do Santo Ofício, os Estaus,
e o Rio Tejo, o mundo, ao fundo.
── Comment ils sont toujours gais, les portugais! ──
exclama a guia, do vinte e oito da Carris,
que vai da Graça aos Prazeres
da boa mesa e melhor cama.

Olho-o de alto, 

ao Marquês e ao seu leão,
sem desprezo nem paixão,
com o tal olhar sociológico,
que deve ser distanciado,
profundo,
perscrutador, 
sideral, 
como me ensinou o meu professor
de métodos e técnicas
de investigação social:
── Saibam escutar Deus e Diabo,
e ponham a falar o pecador e o santo,
Deus e a sua corte,
mais os pobres deste mundo.


Mas só agora reparo,
no meu pequeno problema
do foro oftalmológico.
Não é uma questão de vida ou de morte,
mas apenas de incapacidade:
estou com falta de perspectiva,
não tenho o súbito ângulo de visão,
nem a suficiente lucidez,
luminosa, altiva,
para descer do pedestal
e caminhar, homo erectus, e sozinho,
pela Avenida, larga, da Liberdade.
O que vale é que p'ra baixo
todos os santos ajudam,

mesmo os papos de anjo e os querubins
do Hospital Real de Todos os Santos,
em ruínas.
Não, não sou santo, pederasta nem pedófilo,
sou o Intendente,
do Largo do mesmo nome,
Pina Manique,
um seu criado para o servir.
E eu, cá por mim,
prezo-me de ser um gajo decente,
não fumo, 

não bebo, 
não conspiro,
não conspurco,
não especulo,
não cometo crimes horrendos,
dou aos pobres,
empresto a Deus,
que me paga com juros e dividendos,
enfim, sou um anónimo súbdito leal.

Je viens du Siècle du Son et e de la Lumière!,
mas sou daqui natural,
primata social,
de sangue quente,
português, discreto,
cidadão avant la lettre,
jacobino, às vezes,
maçónico,
clandestino,

podem chamar-me estrangeirado,
e hoje liberal dos sete costados,
como o Espada, o Pacheco ou o Barreto;
por azar, nascido no Estado Novo,
educado em escola do Conde de Ferreira,
que antes de ser conde era visconde,
como antes tinha sido barão e cavaleiro,
e antes de tudo era o José Ferreira,
nascido em Gondomar,
de pais campónios, mas remediados, 

e maior roceiro e negreiro,
se não mesmo esclavagista,
p'las Angolas e p'los Brasis,
filantropo, benemérito,
apoiante da causa da Dona Maria,
e que eu saiba nunca foi setembrista
ou capitalista manufactureiro.
Mas que deixou o remanescente
da sua imensa fortuna
para fazer a escolinha
p'ró menino e p'rá menina,
a escolinha da minha infância.
E ainda, por duplo azar meu,
ex-combatente da guerra colonial,
no tarrafo do Rio Geba,

nos rápidos do Rio Corubal
e nas bolanhas da Guiné,
terra de azenegues e de negros.
E ainda por cima
contribuinte líquido,
cibernauta, blogador, 

com sintomas de burnout,
ao virar da esquina do século vinte e um.

── Desculpe,  Senhor Intendente,
excelência, 
senhoria,
mas não reparei na velhinha
com o cão pela trela,
na passagem de peões, 

que ia levantar o jackpot do euromilhões
ao quiosque da Tabacaria do Pessoa.

Vote no homem, avozinha,
que ele é bom chefe de família
e benfiquista.


Enfim, andei como tu,
pobre marquês no ocaso dos dias,
grande duque de copas o resto do ano,
uma vida inteira
a exercer ilegalmente
o mister da existência,
o duro ofício de viver:
a enterrar os mortos
e a cuidar dos vivos,
a destruir o passado,
a reconstruir o presente
e a riscar o futuro.
Só não matei de morte matada,
por objecção de consciência, 

nas guerras da pacificação
com o capitão diabo.

E afinal,
alguém me passou um atestado
de robustez física
para poder circular
entre o núcleo duro
da insanidade mental
da mítica cidade de Ulisses:
hoje faz parte da blogosfera,
a cidade gravada em cobre por Braúnio
em Civitates Orbis Terrarum.
── Não sei como deixei escapar
esta exposição
no Centro Cultural de Belém.
──
diz o Intendente Pina Manique,
agora caído em desgraça,

lá p'rós lados da Mouraria.


Por entre reclusos e negros,
mouros cativos
e filosófos esotéricos,
judeus sefarditas
e cristãos velhos,
marinheiros e mercadores,

balantas fuzilados entre a Mina e o Fiofioli,
batedores, dançarinos e cantadores de fado,
portadores do virús HIV,
operários sinistrados
das obras do convento de Mafra,

lançados,
grafiteiros,alcoviteiras,
tocadores de kora,
jagudis, 
e poetas alcoolizados
no Martinho da Arcádia,
pederastas e prefeitos
dos Reais Colégios,

que gostam de pôr os pontos nos ii,
lá me escapei, 

passei a fila
e cheguei à consulta do morbo gálico
no Hospital Real de Todos os Santos.
Estava semidestruído,
vinte anos depois da Grande Peste
(De que Deus nos livre!).

Afinal, o meu mal era português,
disse-me o físico,
de serviço ao banco de urgência.
Era já velho, trinta anos,
a cara coberta de bexigas
por causa da varíola
ou de algum esquentamento mal curado. 
── E aos trinta anos, senhor,
quem não é médico é louco. ──, 
ameaçou-me o maqueiro,
mal barbeado,
com ar de galicado
e chulo do Bairro Alto,

sobrevivente da guerra dos três Guês,
Guidaje, Guileje e Gadamael.
Deu-me, o físico, alguns unguentos e sedativos
e um estranho papel com uma receita com mel:
── Senhor real boticário,
é completamente inútil
este exercício ilegal da medicina.

O mal do doente é português
e quiçá irremediável e universal.
Do coração a sangrar não há sinais,

e da bilis amarela só sai fel,
dê-se conhecimento ao físico-mor
para os devidos efeitos
e procedimentos habituais!

Prognóstico reservado,
depois de vistas as águas!


E eu a pensar que o meu mal
era espanhol,
quando fero conquistador no Novo Mundo,
ou francês,
da rive gauche, que chique!
Ou veramente italiano,
florentino, 
de capa e espada,
católico, apostólico, romano,
genovês,
veneziano, 
viperino...
Não, o meu mal é português,
irremediavelmente, genuinamente, português
em Goa, Damão e Diu;
em Cabo Verde ou na Guiné;
em Angola ou Moçambique,
no Minho, em Macau ou em Timor 

ou outras terras que a gente nunca viu.
Tirei a sina na feira da ladra
e a sentença ficou dada, 

na barraca dos tirinhos:
── Pobrete mas alegrete!

Se não tens voz de tenor, senhor,
canta de falsete;
e se não tens cão, hombre!, 
caça com gato.

E sobretudo nunca olhes para trás,
a menos que a vista mereça a pena!


Hoje a cidade está vazia
à hora do terço e da novena,
e já não se dispensam mais
cuidados paliativos nem terminais.
Facto trivial,
uma criança é abandonada
na Roda da Misericórdia,
e dois turistas acidentais
espreitam
à porta da cervejaria Trindade,

fechada por causa do Grande Sismo do Ocidente,
enquanto El-Rei, nosso senhor,
no Paço se deita com a abadessa...
Sangra de saúde, compulsivo,
deixando o seu ministro aflito,

mais o confessor conselheiro,
entre o patíbulo dos Távoras
e a Real Fábrica das Sedas,
ali, às Amoreiras,

de portas abertas à espera do investidor estrangeiro.
Nas paredes do hospital da cidade
alguém escreveu um grafito,
jocoso, 

quiçá subversivo, 
e lesa-majestade:
── Meu caro Marquês, em Lisboa...
nem sangria má nem purga boa!


27 out 2004 / Revisto nesta data


Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade). Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira. (LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11599: Manuscrito(s) (Luís Graça) (3): O país que via passar os comboios