terça-feira, 15 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12988: No 25 de abril eu estava em... (20): No mato, algures entre Nhala e Buba, emboscado, junto à estrada nova que ligava as duas povoações... (António Murta, ex-al mil, 2.ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74)


Guiné > Região de Tombali > Setor S2 (Aldeia Formosa) > Nhala > c. abr/maio 74 > 2ª CCaç /  BCaç 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74) > O alf mil António Murta, em primeiro plano sentado no capô de um Berliet.

Foto: © António Murta (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem do nosso leitor (e camarada) António Murta, da Figueira da Foz,  ex-alf mil,  2ª CCaç /  BCaç. 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba - 1973-74), actualmente reformado, e a quem fiz, o convite para nos honrar com a sua presença, à sombra do poilão da Tabanca Grande:

Caro Luís Graça:

Antes de mais, quero felicitar-te pelo 10º Aniversário do nosso Blogue, felicitações extensivas aos teus colaboradores mais próximos e a todos os “assíduos”, camaradas que vão dando corpo, com o seu contributo, à resenha histórica da Guerra Colonial que o Blogue incorpora, dando-lhe proporções monumentais.

Há dias, ao ler no Blogue aquela célebre pergunta  do Batista-Bastos, «Onde é que você estava no 25 de« Abril?», veio-me à memória o sítio onde eu próprio estava. E ocorreu-me que teria desse dia uma fotografia intimamente ligada ao acontecimento, pois estava emboscado no mato, algures entre Nhala e Buba, junto à estrada nova que liga as duas povoações, quando me foram buscar de viatura, interrompendo a minha finalidade ali.

Fui ao meu arquivo à procura da dita fotografia (digitalizada de um slide) e, para meu espanto, verifico que, embora seja posterior ao 25 de Abril e de uma data próxima, não é do próprio dia. Memória traiçoeira! 

Lá estou eu, lenço inseparável ao pescoço, sentado na frente da Berliet numa ocasião em que também me foram buscar ao mato, mas sem relação com aquela data. Aliás, o camarada que está à esquerda, também de bigode, é um alferes “periquito” de quem não recordo o nome, que estava sediado em Nhala, e não o furriel que cito no texto. Apesar disto, e porque também esta fotografia está a fazer 40 anos, envio-ta na mesma. De seguida transcrevo um pequeno apontamento, tal como o redigi no 25 de Abril, por ser mais verdadeiro e fugaz:

«25 de Abril de 1974 – Estava no mato a uns quilómetros de Nhala. Eram umas 3 ou 4 horas da tarde quando chegou numa Berliet um furriel “periquito” (i) com uma escolta, aos berros,  para que regressássemos porque a guerra ia acabar. Na Metrópole tinha havido uma revolução! 

Fiquei doido. O pessoal do meu grupo parece que não percebeu muito bem a notícia. Mas subiram alegres para a viatura. Eu e o furriel “periquito”, sentados nos guarda-lamas da Berliet, à frente, berrávamos para o ar e agitávamos as espingardas. Os soldados riam-se e faziam barulho. Pergunto ao furriel por mais pormenores e ele:
— Não se sabe mais nada. Houve uma revolução em Lisboa e prenderam os Pides. Não se sabe mais nada.

“...e prenderam os Pides”. O meu coração quase rebentava. A comoção perturbava-me. Chegámos ao quartel e estava tudo na maior confusão, agarrados aos rádios, mas pouco se adiantava. Quis ver e interpretar as caras das pessoas, ver as suas reacções e, de facto, elas eram diferentes, embora a generalidade estivesse radiante. Ainda era cedo para as pessoas se definirem e manifestarem, quer pela sua despolitização, quer pela incerteza dos pormenores dos acontecimentos».

A desinformação era tal, que os acontecimentos só me mereceriam nova referência em 5 de Maio, onde dou conta de ocorrências graves em Bissau: rebentamentos nas ruas, perseguições a Pides e, até, a agressão à esposa de um deles, frente ao Mercado de Bissau, em que a senhora foi completamente despida. A tropa interveio e impediu coisas certamente mais graves. Eram os rumores que iam chegando.

António Murta
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(i) – Este furriel, encarregado de me ir buscar, fora enviado pelo meu CMDT de Companhia de Nhala e fazia parte do pessoal que, na altura, a reforçava com três pelotões. Não recordo a que Unidade pertenciam. Portanto, ao todo, estavam nessa altura sete pelotões em Nhala.
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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de anril de  2014 > Guiné 63/74 - P12955: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (19): Na guerra colonial, Guiné, numa aldeia do fim do mundo chamada Cancolin (Manuel Vitorino)

Guiné 63/74 - P12987: Parabéns a você (720): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12969: Parabéns a você (719): Francisco Alberto Santiago, ex-1.º Cabo TRMS do BART 3873 (Guiné, 1972/74)

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12986: Os Nossos Cartazes de Propaganda (3): Parte III (Fernando Hipólito): Soldados de Portugal!


Cartaz nº 7


Cartaz nº 8


Cartaz nº 9


Cartaz nº 10



Cartaz nº 11

Cartazes de propaganda das Forças Armadas Portuguesas, s/d, neste caso mais especificamente dirigidos à formação do combatente português, *a "mentalização" e "doutrinação"  bem como ao reforço da sua motivação para combater, "com as armas e o com o coração", já que o objetivio agora é "lutar pela paz" e às conquistar as  populações..... Foram recolhidos entre 1969 e 1971, pelo nosso camarada Fernando Hipólito e por ele digitalizados.



Imagens: © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



1. É provável que estes cartazes tenham sido mais usados no TO de Angola. Pertencem à coleção do Fernando Hipólito [, foto atual à esquerda, ].

O Fernando passou pelo CISMI, Quartel da Atalaia, Tavira, 3º turno, 1968. antes de ser mobilizado para Angola. Foi fur mil, CCAÇ 2544, 1969/71. Esteve a maior parte do tempo no leste de Angola, em Lumege. Está reformado da sua atividade de vendedor numa empresa de tintas de impressão.

Estes cartazes foram recolhidos por ele entre 1969 e 1971, têm hoje um real valor documental e historiográfico. São documentos avulsos, que estamos a  publicar ao longo de vários postes (*). Esteticamente eram muito mauzinhos, tal como de resto os cartazes da chamada "oposição democrática" que constestava o regime do Estado Novo (, mas aqui havia  a desculpa da escassez de meios e de sobretudo de liberdade de expressão e de organização...).

A eficácia comunicacional destes cartazes era baixa. Eram provalmente feitos por gente em Lisboa que nunca conheceu a trilogia "sangue, suor e lágrimas"... O serviço de propaganda do exército tinha a obrigação de fazer muito mais e melhor... Não o fez, por que as Forças Armadas Portugueses, ou melhor ou seus generais e almirantes,  tinham um "problema de legitimidade" a resolver.... e sobretudo porque  a "brigada do reumático" que controlava o aparelho político-militar em Lisboa, já não conseguia convencer a juventude do nosso tempo a "morrer pela Pátria", numa guerra que se travava longe de casa e que se arrastava há demasiado tempo, sem fim à vista, num contexto internacional de crescente isolamento e de desprestígio de Portugal...

Pessoalmente, o único slogan que eu ainda hoje recordo e que sou capaz de reproduzir, de cor,  vem do tempo da minha recruta nas Caldas da Rainha, em 1968: "Mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto"...

No TO da Guiné, em 1969/71, bem como na metrópole, não tenho ideia nenhum de lhes ter posto a vista em cima, a estes cartezes dirigidos aos "soldados de Portugal"...

Era interessante descobrir a sua "autoria"... (LG)

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Guiné 63/74 - P12985: 10º aniversário do nosso blogue (8): O porco, animal sagrado, para o povo mandinga... Uma conversa com o guia Malan, em 20/3/1967, em Santancoto (Domingos Gonçalves, ex-alf mil, CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)

1. Mensagem de hoje do nosso camarada Domingos Gonçalves:

Data: 14 de Abril de 2014 às 09:45
Assunto: Feliz Páscoa

Braga, 14/04/2014

Com votos de Feliz e Alegre 
Páscoa, cheia, só, de coisas boas, em especial boa  recuperação da saúde, envio um pequeno texto, que poderá ser publicado.

Quanto à idade do Blog, está em plena infância, terá, por isso, ainda um longo caminho a percorrer, antes de atingir a velhice.

Feliz Páscoa.
Domingos Gonçalves



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74), "Os Unidos de Mamaptá" > "Depois da caçada há que preparar o bicho, tal qual uma matança de porco numa das nossas aldeias"....

Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (Josema)  (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição de L.G.]


 
2. Guiné, dia 20/03/1967 > O  porco, animal sagrado, para o povo mandinga

por Domingos Gonçalves [ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68; foto atual à esquerda]

Às sete horas da manhã saí para Santancoto, onde fiquei emboscado todo o dia.

Preparei a emboscada a cerca de 300 metros do rio, tendo permanecido no local, à espera que o inimigo por lá passasse.

Mas não passou. Quando, a certa altura, saboreava a ração de combate, ofereci conservas de carne ao Malan,  (soube recentemente que já faleceu), um nativo pertencente à milícia, que, regra geral, nos acompanha a servir de guia.

Não aceitou, com receio de que fosse carne de porco.

Perguntei-lhe, então, por que razão os Mandingas não comem carne de porco.  Ele respondeu-me com a seguinte história:

Um dia, já lá vão muitíssimos anos, o povo Mandinga andava perdido no deserto, e morria de sede. O calor era muito, e todo o povo já perdia a esperança de encontrar água. A nação Mandinga ia desaparecer.

Então, o chefe do povo perguntou à galinha onde haveria água que pudesse beber, mas a galinha não o ajudou. Por isso é permitido ao povo comer carne de galinha.

Depois, perguntou a mesma coisa à cabra, mas esta também não lhe indicou onde havia água.

Sucessivamente, o chefe do povo Mandinga repetiu a pergunta à vaca, à ovelha, ao coelho e a muitos outros animais. Mas, nenhum lhe disse onde havia água.

Então, em último lugar, o chefe do povo, já desanimado e a pensar na sua morte, e na morte da sua nação, perguntou ao porco onde havia água. E o porco começou a caminhar... A caminhar... E conduziu o povo até à margem de um rio caudaloso, de aguas frescas e cristalinas.

O povo bebeu daquela água, e não morreu de sede.

É por isso 
 disse-me o Malan , que o povo Mandinga não come a carne de porco. Foi ele quem o salvou de morrer de sede. É por isso que o povo Mandinga ainda existe, e guarda muito respeito pelo porco, como se ele fosse um animal sagrado.

Durante aquela nossa caminhada difícil, de travessia do deserto, foi o porco o nosso maior amigo. Foi ele que salvou da morte pela sede o povo Mandinga. Por isso, nós não matamos o porco, nem comemos a sua carne.

Esta, a explicação que permanece na alma do povo.

Todavia, se fizer a mesma pergunta ao sacerdote muçulmano, cá da terra, ele apenas me dará a seguinte resposta:

– Está escrito. É uma determinação sagrada do nosso livro santo, o Alcorão.
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Nota do editor:

Último poste da série > 14 de abril de  2014 > Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

Guiné 63/74 - P12984: Convívios (581): Almoço do pessoal da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, dia 10 de Maio de 2014 em Leça da Palmeira/Matosinhos (Manuel Coelho)

1. Mensagem do nosso camarada  Manuel Caldeira Coelho (ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), com data de hoje, 14 de Maio de 2014 com o anúncio do próximo encontro do pessoal da sua Unidade.

Caros amigos,
A CCAÇ 1589 vai proceder ao seu encontro anual e eu pedia o favor de publicarem a notícia, poderá ser útil a quem tem intenção de estar presente.
Aqui vai a imagem em JPEG.

Obrigado
Manuel Coelho


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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12965: Convívios (580): XV Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 2930 - Catió, dia 4 de Maio de 2014 em Fátima (Manuel Dias Pinheiro Gomes)

Guiné 63/74 - P12983: 10º aniversário do nosso blogue (7): "Não fui soldado raso"... Poema de J. L. Mendes Gomes, bravo "Palmeirim de Catió", 1964/66

1. Poema do nosso camarada J. L. Mendes Gomes, acabado de chegar esta manhã, como pão fresco, e sob título "Não Fui Soldado Raso".

Queremos que seja associado às comemorações do nosso 10º aniversário.

Recorde-se que o nosso blogue nasceu em 23/4/2004... (LG).




Não fui soldado raso....

por J. L Mendes Gomes

Podia tê-lo sido.
Não seria desonra.
Por sorte, mero destino, não.

Fui um dos muitos
Que lá andou.
De arma em punho...
Pertenço ao grupo
Dos que voltaram.
Sorte. Destino.
Salvo e são...


Muitos, iguais a mim,
Lá deixaram a vida,
Na mocidade...

Como um rio a correr,
A vida marcha.
Vertiginosa.
Parece lenta.

Inexoravelmente,
Corre, dia a dia,
Gota a gota.

E, nela marcho,
Agora,
Soldado raso,
Sem qualquer espingarda.
Ando na luta.
Com a minha força.

Inimigos não faltam.
Não vêm de fora.
Por todo o lado.
Estão cá dentro.

Andam ocultos.
Não vestem farda.
Não usam arma.
Mandam atacar.

São dos perigosos.
Muito ardilosos.
Andam opacos.
Vestem jaquetas.
Põem gravata,
Uns caras de anjo.

Gozam palácios.
Não vivem na tenda...
São generais.
De quatro estrelas.
Vivem à farta.
Ao pé do sol!...

À custa de quem?...
Dum grande exército,
Cada vez maior
De soldados rasos!...
Desarmados....o que é pior.

Ouvindo Hélène Grimaud

Mafra, 14 de Abril de 2014, 6h22m

Joaquim Luís Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa;: € 14; encomendar aqui]
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12973: 10º aniversário do nosso blogue (6): A propósito da nossa sondagem... "Ao fim de alguns anos eu tive de relembrar ao Migel Nuno que aos dois anos esteve comigo e com a mãe em Bissorã, de set 73 a jan 74, o significado destas fotos e de quando em vez faço o mesmo com o seu filho, meu neto" (Henrique Cerqueira)

Guiné 63/74 - P12982: Notas de leitura (581): Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?, em O Jornal de Janeiro de 1976 e Jeune Afrique de Novembro de 1983 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Outubro de 2013:

Queridos amigos,
Junto comentários a duas entrevistas publicadas em 1976 e 1983, alusivas aos acontecimentos de 20 de Janeiro de 1973.
Não deixa hoje de surpreender o tom perentório com que se incriminaram a PIDE de Bissau e Spínola, sem apresentar uma prova material, como foi possível pôr muita gente a acreditar que pessoas com reconhecidas limitações como Momo Turé pudessem ter-se imposto à frente de larguíssimas dezenas de quadros conspirativos.
As provas materiais de quem mandou matar Cabral continuam em falta, os arquivos estão vazios, os processos efetuados em 1973 desapareceram. Vamos ter que aguardar que algumas das figuras determinantes estejam dispostas a revelar o que aconteceu.
Joaquim Chissano, por exemplo.

Um abraço do
Mário


Quem são os responsáveis pelo assassínio de Amílcar Cabral?

Beja Santos

O puzzle continua incompleto, quarenta anos depois são escassos os factos provados quanto ao assassinato de Amílcar Cabral pelas 22h30 de 20 de Janeiro, em Conacri: sabe-se que houve uma equipa que o abordou, que o primeiro tiro partiu de Inocêncio Kani e que alguém de nome Bacar deu o tiro de misericórdia; sabe-se como atuaram várias equipas a fazer prisões dos quadros cabo-verdianos; sabe-se que Sékou Touré foi abordado pelos sublevados, mandou fazer prisões e institui uma comissão de inquérito, cujos resultados nunca foram divulgados; sabe-se que houve inquirições de todos os presumivelmente sublevados, foram tomadas decisões de execução e desapareceram todas as provas materiais do processo; e sabe-se que alguns dos observadores de toda esta situação à volta do assassinato ainda não disseram a última palavra – é o caso de Joaquim Chissano. Há muita penumbra, muito fogo-fátuo, muita presunção, com ou sem água benta. Por isso, todo o envolvimento sobre os mandantes é um grande mistério. E à volta desse mistério escreveram-se acusações sem provas, sobretudo a seguir ao assassinato era de bom-tom apontar o dedo a criminosos longínquos: Spínola, a PIDE, Rafael Barbosa, por exemplo. Há que juntar metódica e incansavelmente tudo quanto se escreveu e perceber que está quase tudo por esclarecer.


Numa edição de Janeiro de 1976, o semanário O Jornal publicava um documento inédito: páginas de um livro branco do PAIGC. O jornalista achou por bem encontrar uma relação causa-efeito entre a invasão de Conacri, de Novembro de 1970, com o assassinato de Cabral. Chega-se ao cúmulo de dizer que as infiltrações nas fileiras do PAIGC teriam começado em 1966 e com o maior à vontade escreve-se: “Foi essa máquina, montada minuciosamente ao longo de alguns anos, que os governantes de Lisboa e o seu representante em Bissau, Spínola, decidiram pôr em funcionamento no dia 20 de Janeiro de 1973. A morte de Cabral, o rapto de Aristides Pereira e a prisão dos principais dirigentes do PAIGC constituíam a parte operacional de um plano que tinha por objetivo último a sobrevivência dos interesses colonialistas na Guiné e a manutenção das ilhas de Cabo Verde”. O jornalista cola-se ao tal livro branco preparado pela comissão de inquérito do PAIGC que, resumidamente, defende tais teses, que se passam a sintetizar.

Primeiro, os colonialistas elaboraram um plano que desembocaria na independência da Guiné ao mesmo tempo que recusariam qualquer abertura à autodeterminação de Cabo Verde. Segundo, Spínola criara secretamente um partido formado exclusivamente de guineenses, a FUL (Frente Unida da Libertação) constituída entre outros por Rafael Barbosa e Momo Turé, havendo mesmo uma ramificação no Senegal. Em dada altura, libertaram-se antigos quadros do PAIGC como Momo Turé e Aristides Barbosa para serem preparados e enviados para Conacri. Terceiro, conseguido o descontentamento e a franca adesão dos guineenses do PAIGC contra os cabo-verdianos, punha-se em marcha o golpe, que seria apresentado como uma revolta dos guineenses contra a direção cabo-verdiana, havendo êxito Sékou Touré primeiro e a Organização da Unidade Africana depois iriam apoiar as novas autoridades.

O documento da comissão de inquérito excede-se na imaginação: “Portugal não pode falar da independência da Guiné sob pena de ser obrigado a falar também da independência de Angola e Moçambique. Se conseguissem todos os objetivos almejados com o complô, os colonialistas portugueses começavam por desarmar os combatentes do PAIGC, em seguida desarmavam os seus comandos africanos, evocando o fim da guerra: reforçavam a sua guarnição militar em toda a Guiné e finalmente prendiam todos os dirigentes da FUL em Bissau”.

É esta a única referência que eu conheço à comissão de inquérito do PAIGC liderada por Fidelis Cabral de Almada, o mesmo que, após o golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, veio no Congresso do PAIGC pedir desculpa pelas barbaridades que tinham sido cometidas, nomeadamente as torturas praticadas durante os interrogatórios. Quando hoje se conhecem as profundas limitações intelectuais e políticas de Momo Turé (até desaparecer para Conacri, em 1972, era empregado de mesa no restaurante “Pelicano”), fica-se estarrecido como foi possível tentar fazer convencer que ele foi um dos autores da conspiração que envolveu largas e largas dezenas de quadros, muitos deles com elevadíssima preparação. Como foi possível ter criado tanta mistificação à volta de um processo de que hoje não há um só documento?

“Jeune Afrique”, num número de Novembro de 1983, volta ao assassinato de Cabral, trata-se de um inquérito de Sophie Bessis em Bissau, na Praia, em Lisboa e Paris. Pouco ou nada adianta. Refere o documento de Março de 1972, consagrado aos problemas de segurança, denunciado que está em curso um plano para a sua liquidação. Cabral diz que recebera estas informações através do Partido Comunista Português. A repórter não esconde a surpresa quanto ao silêncio à volta de dossiê que parece incomodar o poder político instalado. Não há prova determinante, passados dez anos do assassinato, para infirmar ou reforçar as suspeitas que pesam sobre uma série de personagens da época. Cabral tinha uma enorme relutância em fazer-se acompanhar de guarda-costas. Ana Maria, a sua mulher, revela que naquela noite, antes de partirem para o jantar na embaixada da Polónia em Conacri, ela viu Cabral inquieto. Durante a manhã desse dia, Cabral tinha recebido uma visita inopinada, a do embaixador da Guiné em Dakar, portador de uma mensagem de Sékou Touré, informando que havia qualquer coisa em preparação. Cabral chamou o responsável pela segurança, Mamadu Indjai, ao que parece um dos conspiradores, ao revelar-lhe que corria o rumor de um golpe pode ter dado azo a que os conspiradores acelerassem as movimentações.

A repórter descreve o que se passou nos momentos do assassinato e depois. A comissão de inquérito de Sékou Touré fez passar que a responsabilidade era dos portugueses, Spínola e a PIDE, mas que havia também africanos infiltrados. Lidas as sentenças, depois do processo organizado pelo PAIGC, um conjunto de sublevados foram executados, a repórter diz que morreram linchados. E volta a desenvolver a tese de que Spínola criara a FUL, sob a direção de Rafael Barbosa, que dera luz verde para a operação dos infiltrados guineenses em Conacri, etc. E citando “algumas fontes” diz que Spínola tinha projetado aproveitar-se dos guineenses para capturar Cabral e mantê-lo como reserva. Também releva o papel de Momo Turé, mas não deixa de insinuar que a morte de Cabral podia ter constituído um alívio para Sékou Touré que mantinha relações muito tensas com o pai fundador do PAIGC, a africanização do PAIGC permitiria a Sékou Touré ter um maior controlo sobre a futura nação independente.

Era dentro desta bruma e deste nevoeiro que se falava em 1976 e 1983 do assassinato de Cabral. Ninguém pediu provas, ninguém apresentou provas, acusava-se na base da especulação e das hipóteses. E aqui estamos, a aguardar que apareçam declarações ou depoimentos que tragam um verdadeiro esclarecimento a um dos imbróglios mais intrigantes da história da Guiné-Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12964: Notas de leitura (580): "Os Portugueses Descobriram a Austrália? 100 Perguntas Sobre Factos, Dúvidas e Curiosidade dos Descobrimentos”, por Paulo Jorge de Sousa Pinto (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12981: Agenda cultural (309): Reportagem do Porto Canal feita com a Tabanca Pequena será emitida hoje, dia 14 de Abril, depois do Jornal Diário das 20 horas

1. Mensagem da jornalista Joana Almeida Silva do Porto Canal, chegada ao nosso Blogue através da Tabanca Pequena:

Boa tarde,
a reportagem que realizámos convosco sobre a guerra colonial vai ser emitida amanhã, dia 14 ABRIL, no Porto Canal, depois do Jornal Diário, em "40 ANOS DEPOIS"

O trabalho ficará na terça-feira (15 Abril) disponível em:


Além da reportagem podem encontrar no site excertos extra das entrevistas que gravámos e conteúdos adicionais.

Os meus melhores cumprimentos,
Disponha sempre,
Joana Almeida Silva
Jornalista Porto Canal
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE ABRIL DE 2014 > Guiné 63/74 - P12962: Agenda cultural (308): O livro de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos, "Da Guiné Portuguesa à Guiné-Bissau: Um Roteiro" vai ser apresentado em Tomar no dia 12 de Abril

Guiné 63/74 - P12980: Manuscrito(s) (Luís Graça (25): Revisitar Bissau, cidade da I República, pela mão de Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura e urbanismo da época colonial (Parte II): o Pavilhão de Tisiologia, mais tarde HM 241


Guiné > Bissau >  s/d > O antigo Pavilhão de Tisiologia, desenhado pelos arquitectos Licínio Cruz e Mário Oliveira, do Gabinete de Urbanização do Ultramar, Projeto de 1951/53. Passará a Hospital Militar, o HM 241, com o início da guerra, em 1963, Foto comprada na Feira da Ladra, pelo nosso infatigável Mário Beja Santos.

Foto: © Mário Beja Santos (2013). Todos os direitos reservados.


Guiné > Bissau > HM 241 > 1970 > Varanda do Hospital Militar de Bissau. Foto do álbum de Elias dos Anjos Rodrigues, ex-soldado atirador do 3.º pelotão (, comandado pelo alf mil Ravasco), da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72). O Elias mora em Vale de Anta, Chaves. Foi gravemente ferido em 10 de Agosto de 1970, numa mina A/C na região de Jifim.

Cortesia do blogue CCAÇ 2700 - Dulombi (1970/72), criado (em 2007) pelo nosso grã-tabanqueiro Fernando Barata. Foto reproduzida com a devida vénia.

Foto: © Elias Anjos Rodrigues (2012). Todos os direitos reservados.



Guiné > Bissau > 1972 > O edifício do Hospital Militar, o HM 241... Os horrores da guerra (os mutilados, os politraumatizados, os feridos graves...) eram ali despejados todos os dias, de helicóptero... Foto do Carlos Américo Rosa Cardoso que pertenceu aos Serviços de Saúde Militar, com o posto de 1º Cabo Radiologista.

Foto: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007). Todos os direitos reservados



Guiné- Bissau > Bissau > Novembro 2000 > Antigo Hospital Militar de Bissau, HM 241, num processo já de degradação irreversível...

Foto: © Albano Costa (2005). Todos os direitos reservados


1. Manuscrito(s), por Luís Graça

Nota de leitura >  Ana Vaz Milheiro – 2011: Guiné-Bissau. Lisboa, Circo de ideias, 2012, 52 pp. (Viagens, 5)

Parte II   

Recorde-se o que já dissemos em poste anterior sobre esta brochura da investigadora e professora do ISCTE -IUL, Ana Vaz Milheiro.

Este livrinho, profusamente ilustrado com fotografias da autora, a cores, resulta de uma singular viagem à Guiné-Bissau, de 2 arquitetos (entre as quais a autora) e de 1 sociólogo (Eduardo Costa Dias, nosso grã-tabanqueiro),  durante 10 dias, de 2 a 10 de outubro de 2011.

Com a promoção de Bissau a capital da colónia, em 1941, em plena II Guerra Mundial e em plena batalha do Atlântico, dificultando as ligações marítimas da Metrópole com as colónias africanas, agravam-se os problemas de habitação. A procura é maior do que  a oferta.

Em, 1944 chega finalmente a Bissau  uma "Brigada de construção de moradias", sob a cehefia do arq Paulo Cunha. E com ele vêm mais um arquiteto adjunto, um construtor, um desenhador, 5 carpinteiros e 8 pedreiros. Vão ser construídas casas de 3 tipologias. Por exemplo, as de 2 pisos custavam o triplo do seu valor em Lisboa. O que seria explicado por Ana Vaz Milheiros,  por 3 ordens de fatores: (i) escassez de materiais; (ii)  atrasos nas remessas financeiras da metrópole; e (iii)  falta de qualificação da mão de obra local. 

O trabalho da Brigada (1944-46) é objeto de críticas de um lado e outro. Mas, de entre os eliogios, destacam-se: (i) o desenho inovador dos projetos, superando o tradicional bangalô tropical; (ii) as preocupações de ordem estéstica que passam também a ser tidas em conta  pelos promotores imobiliários, públicos e privados; e (iii)  a atenção que é dada às condições locais de clima, luz e calor.

A volumetria de Bissau resulta em grande parte deste "padrão unifamiliar, impresso pelos projetos residenciais da Brigada", marcando a sua escala, e "contribuindo para acentuar uma fisionomia de tipo Garden City [,Cidade Jardim,] que continua a qualificar o actual ambiente urbano" e que remonta à I República (p, 12).


Do Pavihão de Tisiologia (1951-53) ao Hospital Militar 241 (a partir de 1963), com assinatura de um lourinhanense, o arq Lucínio Guia da Cruz

O antigo hospital militar, o HM 241, é hoje uma triste ruína.  Mas já fora um Pavilhão de Tisiologia, do   Hospital de Bissau  (hoje, Hospital Nacional Simão Mendes).

Localizava-se fora do perímetro urbano, a cerca de 6 km do centro. Tem risco dos arquitectos Lucínio Cruz e Mário Oliveira, ambos do Gabinete de Urbanizações do Ultramar. Data de 1951-1953. A sua localização fora da cidade, e longe do seu  buliço, obedecia às concepções higiossanitárias da época, ou sejam, as da luta antituberculose (que, na metrópole, impunham a localização dos sanatórios em altitude ou nas zonas marítimas, com "bons ares"). (A tísica, ou tuberculose pulmonar, ainda era então um grave problema de saúde pública, tranto noa metrópole como nos trópicos).

São arquitectos de regime, conservadores, mas com qualidade técnica e conhecimento da realidade local. Curiosamente, fico a agora a saber que o meu conterrâneo e vizinho arq Lucínio Cruz, já falecido, tem obra vária, edificada em  Bissau e outras partes do império. Por ex., a Estação Metereológica, em Bissau, também é dele (1952), bem como o edifício dos CTT (1950, alterado). Também fez o projeto para a Câmara Municipal de Bissau (1948, não construído). E, já agora: a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (1952-58), o Departamento de Física e Química da FCT/UC (1956-1975), parte do projeto da nova Cidade Universitária de Coimbra, exemplo acabado da arquitetura estadonovista.

Tem também, o arq Licínio Cruz, obra espalhada por outros sítios, incluindo a sua terra natal (n. 1914 e faleceu em finais de 1990 ou princípios de 2000). Inclusive o prédio, onde tenho um apartamento, na Rua da Misericórida, Lourinhã,  foi desenhado por ele. Ao que soube, na altura, terá posto termo à vida, na presença na sua última companheira, de origem africana. Foi presidente da Câmara Municipal da Lourinhã (1969-74) e provedor da Misericórdia local, no pós-25 de abril. Também era conhecido por Licínio Guia da Cruz. Lamentavelmente não encontro, na Net,  uma simples nota biográfica sobre ele, contrariamente ao seu colega Mário Oliveira (1914-2013), "o arquiteto que morreu duas vezes", no dizer de Ana Vaz Milheiro, que também é jornalista do Público.

(...) "O desaparecimento do arquitecto Mário de Oliveira, que morreu na terça-feira [, 17/12/2013,]no Hospital de Vila Real, equivale a uma segunda morte. A primeira ter-se-á dado simbolicamente, quando, nos anos de 1980, decidiu retirar-se voluntariamente da vida pública e exilar-se no Hotel Mira Corgo, em Trás-os-Montes, para pintar.

A sua actividade ao serviço do Ministério do Ultramar e o esquecimento a que Mário de Oliveira e os seus colegas arquitectos estiveram votados durante os anos que se seguiram ao 25 de Abril talvez tenham, em parte, justificado a opção. (...)

"Quanto às ruínas do velho Pavilhão de Tisiologia, estas parecem desmentir  rumores que as descrevem como mal construídas e com problemas estruturais graves (...). O estado ruinoso é já  uma realidade pós-colonial" (p. 16).

Na prática isto é uma elogio a dois dos arquitectos que fizeram carreira no Gabinete de Urbanização Colonial (1944-51), e depois Gabinete de Urbanização do Ultramar (1951-57) e por fim Direcção de Serviços de Urbanização e Habitação da Direcção Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (1957-74).

Estes e outros são homens, hoje  injustamente esquecidos. Tal como a arquitetura que deixamos na Guiné-Bissau

O Pavilhão de Tisiologia (que com o início da guerra colonial em 1963 vai transformar-se em Hospital Militar 241, dramaticamente familiar a muitos de nós, e tornar-se um dos melhores de África, nomeadamente ao nível  da cirurgia ortopédica. É um edifício público, tal como outros da época, que seguia a "cartilha estadonovista" da arquitetura colonial: (i) funcionalidade, (ii) resistência; e (iii) adaptação ao clima...

Já em artigo publicado, em 2009, na revista brasileira "on line" Arquitectura e Urbanismo, do mestrado de arquitectura e urbanismo, da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, Ana Vaz Milheiro e Eduardo Costa Dias chamavam a atenção para o facto de  "o trabalho do Gabinete de Urbanização Colonial – um organismo central dependente  do Ministério das Colónias, criado em 1944 e exclusivamente dedicado à execução de projectos  de arquitectura e de urbanismo para as colónias, nunca foi objecto de uma investigação monográfica, embora surja parcialmente citado em algumas investigações sobre arquitectura portuguesa em  África"... Os autores, neste artigo, elegem a cidade de de Bissau, capital da Guiné Portuguesa a partir de 1941, como um caso de estudo demonstrativo dos diferentes papéis que o Gabinete assume ao longo das suas  três décadas de existência".... Assim, e como "primeira etapa da análise dos princípios de actuação dos arquitectos  ao serviço do Gabinete e da cultura de projecto seguida, procura-se aqui conhecer a extensão dos  projectos efectivamente realizados, a datação de edifícios e a identificação algumas autorias assim  como verificar o estado de conservação em que este património actualmente se encontra"...







Gabinetes de arquitetura e urbanismo coloniais (1944-1974) > Bissau > Lista de obras (feitas e por fazer) e respetivos arquitetos 






Fonte: Milheiro, Ana Vaz, e Dias, Eduardo Costa - A Arquitectura em Bissau e os Gabinetes de Urbanização colonial (1944-1974). usjt - arq urb , nº 2, 2009 (2º semestre), pp.80-114 [ Disponível aqui em pdf ]

(Continua)

Guiné 63/74 - P12979: Documentos (27): Memórias dos últimos soldados do império (3): (Albano Mendes de Matos / Magalhães Ribeiro)



1. O nosso Camarada Albano Mendes de Matos, TCor Art.ª Ref, que esteve no GA 7 e QG/CTIG (Bissau, 1972/74), via e-mail, ajudou-me a ajustar memórias quarentonas e a ultimar a seguinte mensagem. 



2. Com foi dito no comentário final da primeira mensagem desta série “Memórias dos últimos soldados do império”, ficou lançado o desafio ao nosso último grã-tabanqueiro, nº 652 – TCor Albano Mendes de Matos, para abrir o "baú" das suas recordações e continuar a partilhar, connosco histórias e memórias do seu/nosso tempo... Recorde-se que ele terá sido o último militar português a vaguear pelas ruas de Bissau, na noite de 13 para 14 de outubro de 1974, antes de apanhar o último avião para Lisboa. 



3. Já eu, eterno "pira de Mansoa", também estou nesta lista dos últimos soldados do império, tendo regressado em 15 de Outubro de 1974, na última viagem do T/T Uíge, com as últimas tropas portuguesas que estiveram no CTIG. Os últimos a embarcar, não tendo deixado essa tarefa para mais ninguém, foram os comandantes e eu um dos penúltimos… nada importante a dizer mais sobre esta matéria! 

4. No entanto, lembrei-me de pedir ao TCOR Albano Matos, que me ajudasse a completar este “puzzle” e, acto que aproveito para agradecer aqui, recebi de imediato a seguinte e prestimosa resposta:

“Caro Amigo Eduardo,

Sobre a data da saída da Guiné, de facto, deixei Bissau antes da meia-noite do dia 14, portanto dia 13, e tomei o último avião militar da Guiné já no dia 14. Um navio estava ao largo para zarpar depois de os últimos militares terem saído de avião. Havia militares no forte da Amura, onde tinha a minha bagagem, que saíram de tarde. Fui o último a sair do Quartel-General do CTIG depois do meio-dia do dia 13. Só encontrei lá um comandante do PAIGC que me levou para a cidade. O meu condutor, embebedou-se no restaurante de um primo, que ficou em Bissau, e não pode ir buscar-me. ao QG. 

Almocei e jantei na casa de um antigo militar, que era locutor da Emissora, e ficava na Guiné. Passei o dia e parte da noite em Bissau, pelas ruas e não encontrei qualquer militar além do meu condutor. Os militares do QG foram, pela manhã, para a Base Aérea de Bissalanca. O que eu sabia é que estava um navio ao largo para sair logo que todos os militares deixassem o território da Guiné. Portanto, sairia em 14 de Outubro. Saiu em 15. Sempre pensei que tivessem saído em 14. Diziam que esse navio estava em Bissau, para sair com as últimas tropas porque poderia haver algum acontecimento.

É a razão por que eu digo que fui o último a sair das ruas de Bissau. No aeroporto, a despedirem-se de nós estavam dirigentes do PAIGC e o presidente da Câmara de Bissau.

Eu quis fazer uma reportagem sobre o último avião da Guiné, mas outro antecipou-se. Quando chegou o navio com as últimas tropas, o general Galvão de Figueiredo e alguns oficiais, que vieram no último avião, foram ao desembarque. A notícia dos últimos da Guiné, os que vieram de barco, está nos jornais. Creio que está esclarecido.

Eu vim no último avião, o amigo Magalhães veio no último barco, logo, depois de mim.

Abraço.”

5. Fui ao meu arquivo da Guiné dar mais umas voltas à papelada e acabei por descobrir, entre vária documentação do resgresso, 3 documentos que me foram entregues no UÍGE, que penso podem ser interessantes para quem gosta destas coisas e que passo a publicar para vosso conhecimento:

Normas internas - 1

Normas internas - 2


 Capa da ementa do dia 15 de Outubro de 1974

 Ementa do dia 15 de Outubro de 1974 - Messe de Sargentos
 Mensagem de despedida do dia 20 de Outubro de 1974 - Chegada ao cais de Alcântara.

Um abraço Amigo para todos e cada um de vós, 
Magalhães Ribeiro, Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS/BCAÇ 4612/74
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Nota de M.R.:

Último poste desta série em:



domingo, 13 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12978: Os Nossos Regressos (30): A nossa vinda foi, em Abril, há 40 anos (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 7 de Abril de 2014:

Caríssimo Camarada Carlos Vinhal,
Os meus melhores cumprimentos.
A pretexto de uma nova efeméride, esta referente à viagem de regresso à Metrópole ocorrida no já longínquo mês de Abril de 1974, aqui trago à memória colectiva da nossa Tabanca Grande, a narração dos meus últimos actos com ela relacionados que foram, pelas razões aludidas, um pouco diferentes dos restantes camaradas da minha companhia [CART 3494], mas que acabaram por ter um significado comum: o regresso às origens, depois do dever cumprido, agora que estão decorridos quarenta anos.
Considerando que o nosso regresso se realizou por via marítima, a bordo do N/M Niassa, a história ficaria amputada se não nos referíssemos aos que connosco viveram essa experiência. E foram mais de milhar e meio, incluindo os que vieram por via aérea, podendo o seu conjunto afirmar que: o nosso regresso foi há 40 anos.

Obrigado pela atenção.
Um abraço
Jorge Araújo.
07.Abr/2014.


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Nota do Editor

Último poste da série de 30 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12524: Os Nossos Regressos (29): Chegados a 2 de Abril de 1974, mal podíamos imaginar que a guerra estava a acabar (António Eduardo Ferreira)