quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15022: Convívios (703): Ponte de Lima, 29 de agosto, pelas 10h: homenagem aos 52 combatentes limianos que morreram na guerra do ultramar... Há ainda seis cujos restos mortais estão por resgatar (António Mário Leitão)





1. Mensagem do nosso leitor e camarada António Mário Leitão  com data de hoje:

 Camaradas e Amigos:

Junto envio o cartaz sobre a 4ª Homenagem aos Heróis Limianos da Guerra do Ultramar, que vamos promover no dia 29 de Agosto, sábado, em Ponte de Lima.

Em 40 anos esta é de facto, e apenas, a quarta cerimónia comemorativa da memória desses Soldados que deram a vida pela Pátria. Oxalá no futuro ocorram outras homenagens!

Elas são absolutamente merecidas e obrigatórias, como bem sabemos!

Acresce, contudo, que a sua celebração anual poderá contribuir para resgatar os seis corpos de seis militares limianos que ficaram abandonados em África!

Esse é o nosso desejo mais profundo e é uma missão que nesta data declaramos assumir!

Agradecemos a divulgação no vosso sítio, caros amigos!

Com um abraço de

Mário Leitão

[O Mário Leitão, natural de Ponte de Lima, foi furriel mil na Farmácia Militar de Luanda (Laboratório Militar), de 1971 a 1973]

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Guiné 63/74 - P15021: Parabéns a você (948): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enf da CCAÇ 2615 (Guiné, 1968/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15018: Parabéns a você (947): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15020: Manuscrito(s) (Luís Graça) (63): Lourinhã, paisagens jurássicas


Lourinhã, Praia do Caniçal > 4 de agosto de 2015


Lourinhã, Praia do Vale de frades > 4 de agosto de 2015


Lourinhã, Praia da  Areia Branca > 4 de agosto de 2015 > A nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro na maré-baixa...Há 150 milhões de anos, no Jurássico Superior, podia-se ir daqui até... Nova Iorque, a pé...


Lourinhã, Praia da  Areia Branca > 4 de agosto de 2015 > Mariscadores-recolectores (1)


Lourinhã, Praia da  Areia Branca > 4 de agosto de 2015 > Mariscadores-recolectores (2)


Lourinhã, Praia do Paimogo > 4 de agosto de 2015 >  Enseada e forte de Paimogo (séc. XVII)


Lourinhã, Praia do Paimogo > 4 de agosto de 2015 >  Forte de Paimogo (séc. XVII)


Lourinhã, Porto das Barcas, > 9 de agosto de 2015 >  Choco frito...


Lourinhã, Porto das Barcas, > 9 de agosto de 2015 >  Olha a bela sapateira...


Lourinhã, Porto das Barcas, > 9 de agosto de 2015 >  Dizem que é o porto lagosteiro mais antigo do mundo.. No concelho da Lourinhã há dois grandes viveiros de marisco (Porto das Barcas e Casal Novo) que fornecem as marisqueiras de Lisboa mas também... de Luanda.



Lourinhã, Porto das Barcas, > 9 de agosto de 2015 > > Tabela do marisco vivo... nos viveiros dos Frutos do Mar (passe a publicidade).,.. No concelho da Lourinhã há dois grandes viveiros de marisco (Porto das Barcas e Casal Novo) que fornecem as marisqueiras de Lisboa mas também... de Luanda.  No caso dos viveiros dos Frutos do Mar, é um negócio que passa por 4 gerações da mesma família.



Texto e fotos: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


Paisagens jurássicas

por Luís Graça


Praia de Paimogo:
estas pedras estão aqui
há milhões e milhões de anos,
e eu não sei dizer-te
por que é que estas pedras estão aqui
há milhões e milhões de anos.

Uma enseada, uma cratera, um lago,
a Praia de Paimogo foi talhada
a ferro e fogo,
mas se eu fosse deus,
o deus Vulcano,
todo poderoso senhor,
ou até simples rei mago,
tê-la-ia desenhado,
com muita ternura,
sob a forma de perfeito coração
ou de simples ferradura
só para ti, meu amor.

Estas pedras estão aqui
muito antes dos dinossauros
evoluírem e dominarem o planeta azul,
que afinal não era assim tão azul
quanto o pintavam.

Visto da janela do teu quarto,
em Candoz,
o vale era o mundo e era verde,
na aguarela do Eça de Queiroz,
em A Cidade e as Serras,
muito antes de descobrires o mar,
e o pôr do sol sobre o mar,
muito antes de saberes
onde ficava a praia da minha infância.


Nem vale, nem pombas, nem praia,
na Praia do Vale de Pombas,
procuro uma outra errância,
sinais de antigas e feras guerras,
mas aqui nunca te trouxe.
À maré cheia, à praia-mar,
há apenas um fio de água doce,
correndo entre juncos e canaviais,
que mantém os cordões umbilicais
do infinitamente pequeno da vida
ligados ao infinitamente grande
dos corpos celestiais.


Praia do Caniçal:
aqui gostaria de deixar a minha caixa preta,
antes de trepar
pela tua árvore genealógica, como o salmão,
até ao paleolítico superior,
pelo leito dos rios que sobem, secos,
pelo interior do planeta,
até às grandes fossas marinhas.

Praia de Vale de Frades:
mas que sabemos nós, amor, de cronogeologia
para dizer que estas pedras estão aqui
há tantos milhões de anos ?!
Sabes apenas que, de acordo com a teoria
das probabilidades,
estas pedras vão ficar aqui,
muito depois da tua morte,
muito depois da extinção da nossa espécie.


Praia da Areia Branca:
não te conseguiram amar
sem te possuir e violar.
Livro Sexto, de Sophia.

Praia do Areal:
há uma seta
que indica o sol, o sul,
a zona dos chapéus,
a bandeira azul,
o espaço rigorosamente vigiado
dos amantes,
o risco de cancro da pele,
a rota da seda,
a sede,
o desejo,
os amores de verão,
a morte a mais a norte,
a fuga do caranguejo,
o coração que bate forte.
Saio noutra estação.

Praia da Peralta:
o melhor do mês de agosto, amor,
é enterrar a cabeça na areia
e escutar,
o mar,
a voz rouca do mar
que chegou até aqui,
muito antes de mim e de ti,
e que vai ficar aqui
muito depois de mim e de ti.

Não há farol na Peralta,
para tu poderes avisar a malta,
enquanto o teu país arde
ou o que resta dele.
Aqui passam navios ao largo,
como manadas de elefantes,
tapando o sol, vermelho.
Na malhada grande,
poderíamos ter sido felizes, meu amor,
entre apanhadores de polvos, lapas e ouriços,
mesmo sabendo
que estas pedras estão aqui,
muito antes de ti e de mim,
há milhões e milhões de anos.

Porto das Barcas:
Aqui não há ciência, apenas sapiência,
que é a mais antiga das virtudes,
e o pensamento selvagem
dos molúsculos e dos crustáceos.
Um navio fantasmagórico
entra pela terra adentro,
daqui avistamos as Berlengas,
e a Nau Catrineta, em fim de viagem,
e que já nada tem para nos contar.
Nem encantar.

Praia do Zimbral:
aqui qui caiu uma chuva de estrelas e meteoritos,
hei de levar-te lá um dia
na hora mortal do nevoeiro matinal.
Para ouvires, nos búzios,
os náufragos e os seus gritos.

Porto Dinheiro:
um espesso nevoeiro
cobre as falésias.
Até aqui chegavam as galés dos romanos,
e muito antes os fenícios,
e depois os barcos de vikings e piratas.
Não sei se o sítio tem padroeiro
ou orago,
nem sei se por aqui passava
o teu caminho de Santiago.
Aqui deito contas à vida,
aqui conto as marcas do tempo,
aqui lanço a âncora,
aqui fui carpinteiro de naus,
aqui, Plínio, o Velho,
poderia ter fundado a paleontologia
mas, não: morreu em 69 a. C. a observar
a erupção do Vesúvio.


Praia do Valmitão,
ou do Vale do Ermitão:
podia ter sido ilha de corsário
ou baía de tubarão,
a ter bandeira, só a preta, com caveira.

Praia de Vale de Frades,
ao domingo,
na baixa-mar:
à volta de um prato de sardinhas,
a vida pode não ter
metafísica nenhuma
e mesmo assim ser
pura, emoção pura,
e simples, prazer simples.
Mandei pôr mais um prato
na mesa, sem toalha,
virada para o sul,
para o mar do Serro.
Não me esqueci do pão,
das sardinhas,
das batatas,
dos pimentos,
da salada e do vinho...
E eu esperava por ti,
que eras a oficiante da vida.

Volto à Peralta,
dando o dito por não dito,
o mar do Serro em frente,
para partilhar contigo,
como sempre,
a magia do sol posto
no Atlântico norte,
o amor em agosto
e, com sorte,
um prato de choco frito.


Lourinhã, Prais, agosto de 2004-2015

In: GRAÇA, L. (2015 ) - Amor(es), Guerra(s), Lugar(es): vol 1. Amor(es) (pré-publicação)



Lisboa > Beira Tejo > 5 de novembro de 2011 > Pôr do sol no Atlântico, no momento em que passava um porta-contentores na linha do horizonte... Uma foto feliz, tirada no estuário do Tejo, em Belém, junto ao Museu do Combatente (Forte do Bom Sucesso)...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14928: Manuscrito(s) (Luís Graça) (62): "I want you, dead or alive"

Guiné 63/74 - P15019: Os nossos seres, saberes e lazeres (111): Un viaggio nel sud Italia (2): De Roma para Salerno (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2015:

Queridos amigos,
Já estou em Salerno e o comboio deixa-me em pouco tempo perto de grandes belezas.
Sempre sonhei ir a Pompeia, e ficou comprovado que é um lugar espantoso. Pesto também me atraía muito, nós estudávamos no 3.º ano de História a expansão dos gregos em colónias que se estendiam até à Itália, a Magna Grécia, ora Pesto oferece-nos o que há de melhor em templos dóricos.
De seguida, vou viajar até Nápoles, outro sonho, tem a ver com romances de aventuras, capa e espada, talvez livros de história, sempre me seduziram aqueles filmes a mostrar ruas antigas, com enormes palácios. Vamos ver o que o destino me reserva, a temperatura não desce dos 40º, é uma contradição entre tanta curiosidade e o desejo de ficar à sombra, a saborear um refresco.
A aventura continua, este calor é menos palustre que o da Guiné...

Um abraço do
Mário


Un viaggio nel sud Italia (2) 

Beja Santos

As primeiras viagens na Campânia: Pesto e Pompeia

Ocorreu-me que a melhor homenagem que podia prestar a Curzio Malaparte era trazer a sua obra-prima, para esta viagem, "Kaputt" é o livro mais horrivelmente cruel e divertido que até hoje se escreveu sobre todas as guerras. O nome deste grande escritor é ainda motivo turístico em Capri a Villa Malaparte, que ele mandou construir, é mostrada pela sua peculiar modernidade. E há descrições de Nápoles em "Kaputt" que raiam o sublime. Estamos no início da obra, Malaparte foi visitar Axel Munthe em Capri, em plena guerra, falam da Alemanha e do seu povo doente. Vejamos o diálogo entre Malaparte e Axel Munthe:
“- Eles têm medo. Têm medo de tudo e de todos. Matam e destroem por medo. Não é que receiem a morte; nenhum alemão teme a morte. Também não têm medo do sofrimento. Têm medo de tudo aquilo que vive para além deles – e também de tudo aquilo que é diferente deles. O mal que sofrem é misterioso. O medo deles acordou sempre em mim uma profunda piedade.
- Então são ferozes? Então é verdade que eles massacram as pessoas sem nenhuma piedade? – interrompeu-me Axel Munthe.
- Sim, é verdade – respondi -,matam pessoas desarmadas, enforcam os judeus nas árvores das praças das vilas e aldeias, queimam-nos vivos nas suas casas como ratos, fuzilam os camponeses e os operários nos pátios dos kolkhozes e das fábricas. Viu-os rir, comer e dormir à sombra de cadáveres que se balançam nos ramos das árvores”.

Tinha saudades de Malaparte, trouxe-o até à Campânia, é uma estadia curta, bem queria percorrer o Golfo de Nápoles, visitar Caserta, Herculano, Avelino, passar um dia a olhar o Vesúvio. Há que disciplinar o tempo, o pior é o corpo espapaçado pela temperatura a roçar os 40º. Apanha-se um comboio ronceiro em Salerno, tem-se como companhia uma venezuelana que é guia turística e que refere a delicada situação económica da Itália, com um desemprego juvenil maciço e a chegada permanente dos norte-africanos, 40 minutos depois chega-se a Pesto ou Paestum, uma das jóias mais preciosas da arqueologia.


A lenda atribui a fundação de Pesto aos Argonautas, mas na realidade foram os habitantes de Síbaris que a fundaram no século VII antes de Cristo com o nome de Poseidonia, converteu-se num dos centros mais florescentes do Mediterrânio. Não dá para ver, mas Pesto conserva as melhores muralhas do mundo antigo, nenhuma ruína arqueológica lhe rivaliza, são quase cinco quilómetros. É a maior cidade da Grécia Antiga na costa do mar Tirreno. Faz parte da Magna Grécia.




A particularidade deste parque arqueológico são três templos dóricos do século V antes de Cristo, estão entre os melhores conservados da Antiguidade: o Templo de Neptuno, a Basílica e o Templo de Ceres. Os dois primeiros estavam destinados ao culto da deusa Hera. Atrelei-me a um grupo que tem um guia francês, é minucioso a descrever as riquezas destes templos dóricos, as conquistas posteriores até chegarem os romanos que enriqueceram a cidade de grandes edifícios, há belos vestígios do Fórum, das termas, do anfiteatro e do Templo da Paz. Depois veio o declínio, a vegetação tomou conta de tudo, estes templos dóricos ficaram a olhar para o mar. O fenómeno do Grand Tour, as viagens culturais de escritores, poetas, artistas e aristocratas das mais diversas nacionalidades, fenómeno que começou na primeira metade do século XVIII, levou à redescoberta deste prodigioso lugar. Olha-se e não é preciso pensar duas vezes que a arquitetura neoclássica europeia e norte-americana foi influenciada por este estilo dórico.


As obras mais espetaculares, em termos arqueológicos, de Pesto, Herculano e Pompeia, devem ser vistas em museus arqueológicos em Nápoles e mesmo Roma. Mas há um museu em Pesto, com uma rica exposição de documentos arqueológicos que vão da Pré-História à Idade Média. Esta peça é célebre no mundo inteiro, o desenho é encantador e, pasme-se, faz parte da arte funerária.


Regresso a Salerno, o meu habitáculo é na Via dei Mercanti, em pleno bairro medieval. Enquanto caminho ofegante pelo calor que não dá tréguas, depara-se-me esta cena, uma pizzaria suportada por uma coluna, sabe-se lá de que edifício romano veio. Encontra-se esta reciclagem por toda a Itália, preparem-se para mais surpresas. Salerno tem muito que ver: o castelo de Arechi, lá no alto, faz jus ao seu período de esplendor, creio que ainda não referi que por este ponto da Campânia andaram lombardos, normandos e depois os espanhóis. Não há nenhum médico que não saiba que a instituição médica mais antiga do Ocidente foi a Escola Médica Salernitana, um farol da ciência até ao século XVI. O passeio marítimo, com o nome de Trieste, é muito aprazível com as suas palmeiras e a sua vista espetacular do Golfo de Salerno.


E há um detalhe que não resisto a contar, os Apeninos, nunca vi uma cordilheira tão constante em toda esta Itália, é a barreira natural para onde se espraiam belezas naturais, vestígios arqueológicos, terras fecundas. Não sei se foi Goethe, Shelley ou Piranese que chamou a esta paisagem “Campania felix”, talvez induzido pela história milenária, os magníficos cenários naturais, e os Apeninos a resguardar Pompeia e Herculano e a Costa Amalfitana… Amanhã cedo, convicto que a temperatura vai baixar, tomo novo comboio até Pompeia, a cidade romana soterrada pela erupção do Vesúvio em 79 depois de Cristo, camadas de cinza com 6/7 metros de espessura mataram-lhe a vida.


Pompeia é seguramente o lugar arqueológico mais famoso do mundo. Percorrem-se termas, templos e altares evocativos, o Fórum, os mercados, os edifícios da administração, um sem-número de casas particulares, e sentimos que houve ali uma tragédia, e aquela gente morreu asfixiada, aliás veremos no museu os corpos agonizantes. Pompeia reserva-nos uma viagem única no tempo, aquela catástrofe permitiu congelar em boas condições a vida na Antiguidade, a vida pública e privada, temos ali objetos intactos, é tudo impressionante, ainda por cima cercados por uma gloriosa paisagem natural.







Desengane-se o leitor, não o vou atormentar com a planta arqueológica de Pompeia, não haverá descrição do Fórum, do Templo de Apolo ou de Vespasiano, as termas, as ruas, e até o picante lupanar, um edifício de dois andares com pinturas que retratavam os serviços oferecidos aos clientes, por ali cirandei a ouvir os risinhos de meninas asiáticas e nórdicas; e há as casas das grandes famílias, com mosaicos, frescos, pinturas em cores vivas sobre um fundo vermelho, os templos, os ginásios, os anfiteatros e teatros. Selecionei alguns detalhes, considero-os chamarizes, esta cidade é tão completa sobre o que era a civilização romana, com os seus deuses, os seus hábitos alimentares, os seus hortos, triclínios, estabelecimentos, arcos forrados de mármore e quem se preparar previamente mais usufruirá, não creio que fora de Pompeia seja possível encontrar tantas provas da existência da vida, tantas manifestações do génio romano na arquitetura e nos engenhos da vida doméstica.

Regresso amochado pelo calor, nunca bebi tanta água na minha existência, agora vou preparar o dia seguinte, Nápoles, tenho muita pena que seja só uma manhã e uma tarde, paciência, há mais marés que marinheiros, se tiver sorte e um dia ameno, pelo menos as ruas de Nápoles terão de conversar comigo.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 12 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14995: Os nossos seres, saberes e lazeres (110): Un viaggio nel sud Italia (1): De Roma para Salerno (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15018: Parabéns a você (947): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15014: Parabéns a você (946): Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira de Lisboa e António Melo de Carvalho, Coronel Inf Ref, ex-Cap Inf CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15017: Como Tudo Aconteceu (Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798): Parte III - A Guiné do Século XV e meados do Século XVI

1. Parte III do trabalho "Como Tudo Aconteceu", da autoria do nosso camarada Manuel Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), enviado ao nosso Blogue em 30 de Julho de 2015:


COMO TUDO ACONTECEU

PARTE III

A GUINÉ DO SÉCULO XV E MEADOS DO SÉCULO XVI


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14949: Como Tudo Aconteceu (Manuel Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798): Parte II - A costa da Guiné

Guiné 63/74 - P15016: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (16): De 23 de Junho a 6 de Julho de 1973

1. Em mensagem do dia 13 de Agosto de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74 

16 - De 23 de Junho a 6 de Julho de 1973


23 de Junho de 1973 – (sábado) – Aldeia Formosa; Descanso

Dia de descanso sem nada de especial a assinalar. Em Nhacobá não tem havido problemas, salvo o problema das minas.
O camarada Alf. J. A. C. P. falou comigo sobre a eventualidade duma estadia minha em Nhala como Cmdt. Int.º da nossa Companhia, uma vez que o Alf. C. L. já lá está há bastante tempo e o seu grupo está aqui em Aldeia Formosa, como os demais, mas comandado apenas por um furriel por o outro ter ido de férias. Concordei e ele falou com o Major M. D. que acedeu. Parto amanhã na coluna que vai a Buba e, no regresso da mesma a Aldeia Formosa, virá o C. L. Falei aos meus soldados à noite. Ficarão comandados pelos dois furriéis.


24 de Junho de 1973 – (domingo) – Aldeia Formosa; Nhala: o descanso merecido e os problemas

Parti de manhã com destino a Nhala, onde cheguei relativamente cedo. Troquei impressões com o camarada C. L. sobre o comando da Companhia e questões pendentes.

Finalmente vou ter oportunidade de descansar aqui algum tempo, se bem que estejam sempre a surgir pequenos problemas para resolver, mas que, comparados com a minha recente actividade operacional, são meras mesquinhices. Lamento apenas que, comigo, não pudessem ter vindo os meus soldados, esses sim, mais do que eu a precisarem de descanso e bom trato. É que eu, além de ter um tratamento diferente do deles, tenho a possibilidade de matar a fome bastando, para isso, abrir o porta-moedas. E eles? Como sobrevivem? Eles, a quem até os cantineiros negam uma cerveja se não tiverem dinheiro trocado. E, o pior, é que por cá não há trocos. Já tenho pago caixas de cerveja ao pessoal mas, infelizmente, não o posso fazer sempre.

Aqui em Nhala estão agora, além da Formação [?] da minha Companhia, a CCAÇ 3400 completa, do Capitão M.. Este anda totalmente desmoralizado, traumatizado mesmo, e em momentos de crise torna-se insuportável mas, até ver, não me causou problemas. Eu limito-me a assinar dezenas de papéis por dia e a resolver esta ou aquela chatice que, quase sempre, surgem com o pessoal ou com a população. Nada de grave até à data. A possibilidade aventada de um ataque em grande escala a Nhala continua de pé, se bem que, ultimamente, se dê menos importância ao facto.

Gabinete do Comandante. de Companhia de Nhala: Eu e o Fur. J. R., meu colaborador e amigo.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUN73/25 – Recebemos a visita do Exmo. CORONEL LEITÃO, CMDT DO CAOP-1

-  Terminaram hoje os trabalhos do Destacamento Engenharia na desmatação da periferia do Destacamento de NHACOBÁ, deixando portanto de haver companhias do BCAÇ empenhadas na protecção dos trabalhos de Engenharia.


Do meu diário: 

25 de Junho de 1973 – (segunda-feira) – Nhala: o descanso e o lazer

Hoje estou de Oficial de Dia, mas sem nada de especial para fazer, a não ser marcar presença no içar e arrear da bandeira, e providenciar os cuidados para o bom funcionamento e aspecto do aquartelamento. Rotinas.

Actualmente estou a dormir na tabanca do C. L., onde tenho relativa comodidade. Além de poder dormir descansado numa boa cama de madeira, tenho bastante espaço e uma boa ventoinha, além de que, o espaço interior é agradável. É que a minha tabanca ficou em péssimo estado aquando do tufão que por aqui passou há pouco tempo.

Hoje aproveitei a manhã a revelar filmes (película) no meu pequeno “estúdio”, para à noite poder passar umas horas a fazer fotografias. É um passatempo interessante e lucrativo, e o meu maior receio é que tenha de sair um dia definitivamente daqui para uma localidade que não tenha luz eléctrica. À noite, afinal, passei largas horas a ler o “Papillon”, o que me dá imenso prazer.

Nhala, 1973 – Aspecto geral da tabanca e da minha palhota.

Nhala. Arrear da bandeira quando entrava um Grupo de Combate.

26 de Junho de 1973 – (terça-feira) – Nhala; Nós e o IN

Levantei-me tarde hoje e nada fiz a não ser ler o Perintrep, (documento do QG enviado aos Comandantes de Companhia, de cariz confidencial e que deve ser incinerado 72 horas após a recepção). Este documento revela factos extraordinários, tanto sobre a nossa actividade operacional, como da actividade IN, potencialidades materiais IN, resenha dos acontecimentos importantes referentes ao período corrente, etc. Face a tais informações, ficamos cientes de que temos pela frente um IN cada vez mais numeroso, bem organizado e melhor armado que nós, fazendo supor um futuro de dificuldades crescentes.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUN73/27 – Conforme DIRECTIVA OP do CCFA o BCAÇ 4513 torna-se independente operacionalmente do BCAÇ 3852.

[Acrescenta o Doc Resumo dos Factos e Feitos do BCAÇ 4513]. (...) passando a actuar como Batalhão de Intervenção na Região de CUMBIJÃ-NHCOBÁ.

JUN73/29 – Desloca-se para o Destacamento de CUMBIJÃ o PC (posto de comando) do BCAÇ 4513, PEL REC e PEL SAP e 2.ª CCAÇ.

JUN73/30 – GR IN NESTM (Grupo IN não estimado) destrui com explosivos dois pontões na estrada MAMPATÁ-CUMBIJÃ.

[(Agosto/2015) - Viviam-se tempos difíceis em toda a região sob a responsabilidade de Cumbijã e, os tempos que se avizinhavam, a piorar o cenário, eram de incerteza e de incompreensão face ao que pretendiam os mais altos responsáveis militares. Adivinhava-se uma situação perto do colapso ou ruptura. Para se perceber melhor as sucessivas queixas e lamentos anotados à época no meu diário, transcrevo partes do resumo da actividade do mês de Julho/73, – hoje, com estes dados à mão, é fácil de entender -, referida no 2.º Fascículo (Período de 01JUL a 31JUL73) – HU-CAP II / págs. 9 e 10, com sublinhados meus a negrito:]

“SITUAÇÃO GERAL

Durante o período o Comando do Batalhão continuou sediado em Cumbijã, cumprindo a sua missão de intervenção numa área atribuída pelo COMANDO CHEFE, limitada a leste pelo RIO SARE HAGI, a norte pela picada MISSIRÃ-BOLOLA, a oeste pelo RIO SALANQUEUAL e a sul pelo RIO CUMBIJÃ.

De toda a esta área no início do período apenas era conhecida pelas NT uma pequena parcela. Havia que tornar mais extensos os patrulhamentos, que desvendar os mistérios das áreas ainda não exploradas, que criar ao IN sensação de insegurança e quanto possível fazê-lo abandonar a área atribuída à nossa responsabilidade. No entanto esta área abrange a região do UNAL, confluência dos corredores de abastecimento do IN, que do antecedente constitui um dos seus pontos fortes, concentrando ali, além da sede do seu 3.º CE, 5 bigrupos de Infantaria, uma Bat. Artª., um Pel. AA, e ainda um bigrupo de Fuzileiros e presumivelmente 1 grupo de mísseis. Torna-se pois pelos efectivos referenciados, como pela dificuldade de acesso, como ainda pela importância que a sua manutenção tem para a sua estratégia, um objectivo extraordinariamente difícil para as NT, agora agravado pelas limitações de apoio da nossa Força Aérea”.

[Quem foi que disse que nunca chegaram a haver estas limitações?].

“De acordo com o planeamento elaborado, são levadas a efeito sucessivamente acções sobre LENGUEL, SAMENAU, TUNANE, SAMBASÓ e BRICAMA. (...).
A seguir era o UNAL. [Isto tem qualquer coisa de evangélico e profético!]. (...) Como ir ao Unal? Tentando reconstruir o pontão? Fazendo a progressão no sentido N/S a partir de Buba? Optámos pela primeira modalidade, que embora nos pareça mais vulnerável tem a grande vantagem de ser mais próximo do objectivo, favorecendo qualquer necessidade de evacuação”.

[Afinal, foram usadas a primeira e a segunda modalidades e mais que houvessem... Estive na 1.ª e, na 2.ª esteve o meu grupo sem mim por motivos de saúde, mas deu para eu perceber que, ainda tão longe do Unal e já a “porta” que nos barrava o caminho era completamente blindada a tontices... Não era com cordões humanos infindáveis a caminhar pela mata, denunciando a intenção logo à partida, que chegaríamos ao Unal. Dizia-se que antes, muito antes, tinham sido lançadas sobre as imediações do Unal tropas especiais que nada conseguiram. A completar, (sublinhado a negrito), para se perceber o estado das nossas tropas, tantas vezes referido no meu diário, transcrevo a parte final do documento já referido].

“O pessoal começa a denunciar sintomas de cansaço consequente do ritmo de actividade que lhes tem sido exigida, agravada pelas deficientes condições de repouso, pois há mais de 3 meses que dormem em colchões pneumáticos, muitos deles, em barracas de lona”.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

(Sublinhados meus a negrito)

JUL73/04 - Inicia-se praticamente nesta data uma batida a zonas nunca dantes patrulhadas pelas NT
Forças da 1.ª, 2.ª e 3.ª CCAÇ, durante a acção “OVIEDO”, patrulham a região de SAMENAU e TUNANE, tidos como locais em que o IN se encontrava instalado. É a primeira acção que se realiza para esta área. O IN não foi encontrado, embora fossem detectados vestígios da sua presença. Foi detectada e levantada em SAMENAU 1 mina antipessoal PMD-6.

JUL73/05 - Forças da CCAV 8351 durante a acção “OTÍLIA”, na região de SAMBASÓ detectaram e destruíram 1 palhota celeiro que continha estimadamente 1 Ton de arroz, aproximadamente a 50 metros desse local detectaram a destruíram 100 atados de capim.


Do meu diário:  

6 de Julho de 1973 – (sexta-feira) – Nhala; Notícias desanimadoras

Porque não tem havido nada de especial, só hoje faço umas anotações. Aqui em Nhala tudo continua normal. Tenho tido imensos problemas para resolver nesta inopinada qualidade de Comandante de Companhia. Surgem com a população, surgem com os elementos da minha Companhia, (os que estão aqui e os que estão em Cumbijã), e surgem com o Comando do Batalhão, de quem recebo constantemente mensagens ou simples correspondência confidencial.

A única coisa a quebrar a monotonia, por aqui, continuam a ser as colunas que, de passagem, sempre trazem caras novas e notícias, além da nossa correspondência. Soube, através de elementos das colunas, que o IN não tem causado problemas no que diz respeito a flagelações, mas, pela terceira vez, fez ir pelos ares os dois pontões da estrada alcatroada entre Mampatá e Colibuia.

A minha Companhia, excepto a Formação que está aqui comigo, foi transferida de Aldeia Formosa para o inferno de Cumbijã e, ao que parece, definitivamente. Só de pensar nisso fico com ansiedade. Não que tenha medo da actividade IN que na zona é um bocado intensa, mas porque Cumbijã é um “buraco” onde não se tem o mínimo de condições para viver. Demasiada tropa e, agora, com o comando do Batalhão lá instalado. (...).

Nhala, 1973. Cair da noite sobre Nhala. Podem ver-se as garrafas de alarme aos pares no arame farpado.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Poste anterior da série de 11 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14993: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (15): 19 a 22 de Junho de 1973

Guiné 63/74 - P15015: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (21): Esta Europa vai definhar por anemia, implosão e autofagia (Francisco Baptista)

1. No seu bate-estradas do dia 9 de Agosto de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos da nossa velha Europa.

A minha mulher pediu-me para fazer algumas compras num super-mercado próximo. Antes de ir lá decidi passar pela minha amiga Lurdinhas, dona da tasca Badalhoca, a comprar dois tocos de presunto que podem ser bons para cozer e descarnar o bom presunto que têm, como para comer cru. O presunto junto do osso é o mais seco e o melhor.

Depois duma conversa amigável e apimentada, pois a Lurdinhas conforme o tom da conversa tanto pode chamar-me meu grande amigo como outros nomes que na gíria do Porto antigo e popular serão aceitáveis ou não, para isso tem que se pedir aos clientes que tenham olhos e ouvidos sensíveis, pois para além da audição conta muito expressão.

Depois fui ao banco onde uma funcionária simpática me disse que as minhas fracas poupanças depois de terem acabado o depósito a prazo só poderiam ter um juro de 1 por cento ao ano. Chegámos a tal ponto que para termos bancos como os países ricos, vamos ter que pagar a essa corja de ladrões, banqueiros, políticos e associados, que vão à falência mas quem fica na miséria somos nós.

Saí do banco, pouco confortado, mas sem vontade de descarregar a minha raiva sobre uma simples funcionária, a quem não podia imputar responsabilidades e para mais uma senhora, entre os 30 e 40 anos tão simpática e que nem será muito bem paga.

Depois fui ao supermercado fazer as compras. Dirigi-me a uma caixa. À minha frente estava somente uma cliente com bastante compras, na caixa ao lado estava uma jovem senhora africana, de aspecto urbano e delicado, com cerca de vinte cinco anos, que empurrava uma bebé num carrinho. O jovem de serviço da caixa contabilizou os artigos da senhora que somavam 24 euros e pouco. A cliente meteu um cartão multibanco que me pareceu tanto a mim como ao jovem da caixa ela não sabia utilizar muito bem. Depois de algumas tentativas e ensinamentos o "caixa" chegou à conclusão que o cartão não teria dinheiro de saldo. A jovem senhora em face disto, puxou da carteira e deu vinte euros, procurou outros trocos que não encontrou. Como tal começou a retirar artigos, talvez os menos necessários, o primeiro não recordo, sei que o segundo era massa italiana, o terceiro que o rapaz da caixa ia retirar-lhe do saco, não sei se eram batatas, ela não deixou, protege-o até como se do pão da vida se tratasse.

Logo atrás dela estavam três cavalheiros, com cerca de sessenta e tal, setenta anos. O que estava mais próximo começou a olhar para a senhora e para a menina no carrinho, com algum mal-estar patente na sua expressão facial. De repente vi-o tirar uma nota de dez euros da carteira que deu à senhora e dizer ao caixa: Por favor volte a meter tudo no saco. A jovem, muito agradecida, pagou e devolveu-lhe os 5 euros e tal do troco, apesar da insistência dele para que que ficasse com eles.

A seguir reparei que este homem depois de fazer essa dádiva, como quem se liberta de um pesadelo, ficou mais calmo. Reparando melhor eu reconheci o homem como sendo um camarada, ex-furriel que me disse uma tarde escura, sem sol, sem pássaros, com chuva, que tinha estado no norte de Moçambique. Era o camarada que encontrei, no Inverno, à saída de uma churrasqueira onde fui lanchar com três amigos para alegrar um pouco esse dia. Esse camarada com a pele já bastante curtida e engelhada pelo vento, pelo tabaco ou pelas agruras da vida, que me pareceu mais velho do que os anos que contava. Era o mesmo camarada que me tinha dito com tristeza que tinha conhecido e sentido a guerra em Moçambique, enquanto fumava um cigarro à porta do restaurante.

Muitas vezes, aos que por lá andámos, com pouca ou muita guerra, sobra-nos guerra para toda a vida. Uns digerem melhor do que outros as situações fáceis ou difíceis. Uns falam muito dela, outros não dizem nada, outros falam dela mas evitam falar das situações mais dolorosas. Alguns procuram guiar-se através duma memória muitos anos adormecida para trazer à tona essa realidade esquecida e só recordada em pesadelos.

Recordo-me dum cadete em Mafra que na carreira de tiro quando chegava a vez dele não conseguia disparar e punha-se a chorar, porque dizia ele que no alvo via um homem. Não é difícil entendê-lo, não há qualquer premonição nessa visão, afinal nas guerras os homens matam-se uns aos outros. Em Mafra como em tantos quartéis de Portugal estávamos a ser treinados para matar. Muitos perderam a guerra antes de chegarem à Guiné, uns por não acreditarem na vitória, outros por não acreditarem nas razões da luta. Entre eles estavam sobretudo oficiais e sargentos que por serem mais instruídos, tinham mais capacidade e informação, para pôr em dúvida a politica ultramarina do governo da ditadura.

Em Buba dei-me conta que a maioria dos militares do meu pelotão não punham em causa a defesa das colónias e a politica ultramarina do governo. Nesse tempo o atraso politico cultural e educacional em sentido lato era muito grande. Não minto se disser que pelo menos metade dos soldados do meu pelotão fizeram a quarta classe em Buba. Poucas fotografias trouxe da Guiné, na aldeia do interior norte do país onde me criei, os meninos e garotos como eu não tinham direito a fotografias, não havia máquinas nem fotógrafos, já na juventude não lhe senti a falta, não faziam parte da minha cultura que se alimentava mais da palavra escrita, a literatura sempre me fez sentir uma grande emoção estética. Só mais tarde me apercebi que a fotografia pode contar grandes histórias humanas, sociais e naturais.

Eis o meu pelotão da CCac 2616, desarmado, confesso que com armas se sabiam bater como leões, a opção da fotografia sem armas terá sido minha. 

Esta fotografia foi-me amavelmente remetida pelo António Granja, soldado do pelotão. Tenho pena de não ter uma foto semelhante do pelotão da CArt 2732, de Mansabá, onde estive sete meses. Tanto num pelotão como noutro conheci homens solidários e corajosos, a maioria deles, quase todos. Os nossos soldados eram os descendentes iletrados dos nossos marinheiros dos séculos quinze e dezasseis, que guardavam ainda a autenticidade e a bravura dos antigos lusitanos. Nas suas veias corria ainda o sangue duma Pátria milenar e vibravam ainda com a glória duma bandeira desfraldada orgulhosamente por todos os mares e continentes da Terra. A ditadura que lhes garantiu uma existência esfomeada deu-lhes também uma educação escassa, perseverando-os de ambições materiais para lá da alimentação necessária à vida. No seu espírito, imune às diferentes ideologias dum século em conflito, desprovido de ideais, cultivou com êxito o patriotismo e os valores da tradição gloriosa da Pátria.

Por vezes penso que atendendo ao espírito de sacrifício e à coragem dos nossos soldados, se eles tivessem comandantes que os motivassem e os soubessem orientar na arte da guerra, venderiam bem cara a derrota ou o abandono dos territórios ultramarinos, que dadas as circunstâncias adversas da politica internacional, com a conjugação do bloco comunista e capitalista, apostados na descolonização, tornaria muito difícil ou impossível a vitória.

Quando saí do super mercado, vi que a jovem africana tinha outra filha, que tinha ficado a brincar fora, com 5 ou 6 anos e a quem falou em francês. Deduzi, não sei se apressadamente, que seriam naturais do Senegal, da Guiné Conakri ou de outro país francófono africano. A sociedade de consumo é uma sociedade canibal já que tem sempre que andar à procura de recursos e matérias primas que irão empobrecer e matar povos menos desenvolvidos politica, social e tecnologicamente. Quando se fala nos pedidos de perdão dos grandes erros do passado, da Inquisição por parte da Igreja, de alguns povos pelos morticínios que fizeram noutros, era já tempo da Europa inteira indemnizar toda a África pela exploração dos recursos humanos e naturais que fez nos últimos séculos e que continua a fazer através de muitos políticos africanos corruptos, que tal como tantos ocidentais, somente vêem o bem deles, esquecendo o bem comum.

Li ontem um poste, P14985, muito elucidativo, de um nosso camarada que lutou em África, trabalhou em África, percorreu parte dela. Passo a citar um parágrafo dele: "A Europa vai pagar tudo com juros suportando as reclamações dos jovens africanos, pois é apenas a reclamar, aquilo que os africanos estão a fazer em Calais e no Mediterrâneo e em Ceuta. António Rosinha".

A velha Europa que se cuide pois os africanos já provaram tanto no Novo Mundo, como no Mundo Antigo que sabem resistir a todas as guerras e calamidades. Pelos seus conhecimentos, pelas suas vivências, pela sua seriedade, pela sua lucidez, o António Rosinha para mim é, o africanista, o analista político deste blogue, que melhor sabe interpretar a desgraça desses pobres do mundo que vindos do sul tentam atravessar o mar Mediterrâneo, onde muitos encontram a sepultura, quando tentam entrar na Europa, essa terra de promessas e ilusões. Por todas as regiões da Terra para onde se deslocaram ou para onde foram vendidos como escravos, os africanos estão em crescimento. Não se deixaram abater por doenças ou por guerras e morticínios como milhões de índios da América do Sul e do Norte. Os africanos continuam em expansão e os povos guardam por séculos a memória do bem ou do mal que lhes fizerem.

O meu pensamento dispara e divaga pela história antiga e pelo futuro que não é história e a mim parece-me que a Europa será submergida por vagas e vagas de povos africanos e orientais. Os povos demograficamente mais produtivos e menos decadentes, tomarão conta da Europa, tal como os Vândalos, Suevos, Visigodos, Francos, os Iberos e Celtiberos, os Germânicos e outros, tomaram conta do Império Romano do Ocidente no século quinto da nossa era. A Europa de tantas guerras, entre dois povos ou entre várias povos em aliança, uns contra outros, no último milénio foram guerras sem fim, guerras intermináveis, até houve uma guerra dos 100 anos, guerras cruéis e execráveis, piores em selvajaria e desumanidade do que as piores guerras de qualquer continente. Esta Europa que já não pode fazer a guerra, (as bombas nucleares só intimidam, não são para utilizar) para resolver ódios antigos e conflitos nunca resolvidos e para se revitalizar, vai definhar por anemia, implosão, autofagia.

A todos até breve.
Nove de Agosto de 2015, num dia de calor, aqui neste ponto do extremo ocidental da Europa.
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14999: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (20): Recordações "non gratas" da guerra da Guiné Operação Tridente (José Colaço)

Guiné 63/74 - P15014: Parabéns a você (946): Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira de Lisboa e António Melo de Carvalho, Coronel Inf Ref, ex-Cap Inf CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15011: Parabéns a você (945): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Guiné, 1968/70)