quinta-feira, 3 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15818: (De)caras (32): Visita a Fulacunda, em julho de 1974, de Bunca Dabó e do seu bigrupo, "armado até aos dentes"... (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 4A



Foto nº 4 B


Foto nº 5


Foto nº 5A


Foto nº 6


Foto nº 6 A

Foto nº 6 B


Foto nº 6C


Foto nº 6 D


Foto nº 7 A


Foto nº 7

Fotos: © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem, de 15 de fevereiro último,  do Jorge Pinto [, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça, foto à esquerda; é professor do ensino secundário, reformado]:


Aqui vai o segundo pacote de fotos:

(i) As duas primeiras (Fotos nºs 1 e 2) retratam um patrulhamento das NT, feito ainda em junho de 1974;

(ii) As outras retratam a primeira visita dos militares do PAIGC à tabanca de Fulacunda, com destaque para a 3ª e 4ª foto, onde a população ouve atentamente o comissário politico, sobre as "mudanças" que se avizinham;

(iii) Nesta sessão também é visível o Administrador de Posto, Sr, Norberto  (Fotos nº 4, 4A e 4B) ;

(iv) As fotos nºs 5 e 6 retratam a visita, a pedido expresso, dos militares do PAIGC ao porto de Fulacunda, por onde era feito o nosso reabastecimento [, porto fluvial, no rio Fulacunda, vd, poste P12368];

(v) A última foto (nº 7) retrata, à entrada da messe de oficiais, o comandante de bigrupo, Bunca Dabó, que atacou várias vezes o aquartelamento e a tabanca de Fulacunda, durante os dois anos em eu que lá estive.

As fotos evidenciam que a "confiança", por parte dos militares do PAIGC, ainda estava para nascer!!! ....(Já estávamos em Julho de 1974...)  Também ficou por explicar a utilidade desta visita, pois não fomos fazer nada nem ver nada de novo.

Recebe o meu forte abraço amigo e desejos de que a semana te corra otimamente bem 

  JPinto

2. Comentário de um leitor distraído:

Manda-me o editor dizer que corrigiu o nome do comandante do bigrupo, Bunca Dabó... Jorge, na tua mensagem, o apelido vinha grafado D'Abó... Ele julga que seja apelido beafada, Dabó. Se estiver errado, ele depois corrige... Parece que eles têm, na Tabanca Grande, um tal Cherno Baldé, que é o assessor científico deles, em Bissau,  para as questões étnico-linguísticas e religiosas... Ele poderá confirmar ou  infirmar essa suposição do editor...

Jorge, ele manda dizer que o título do poste não é teu, mas que não ofende ninguém (nem foge à verdade factual) quando ele diz que o bigrupo do tal Bunca Dabó vinha "armado até aos dentes"... Pelo menos, para uma visita de "cortesia a ti", aos teus camaradas e aos teus fregueses de Fulacunda... Porra, só RPG, a contar pelos tubos,  são mais do que os elementos do bigrupo (que parece muito reduzido)...

O editor tem outra dúvida: o comandante... será mesmo o comandante ou o comissário político ? É um "caixa d' óculos", tem ar "citadino", de "intlectual", parece demasiado novo para ser comandante... Deve ter vindo da URSS, ou da Europa de leste, ou de Conacri, ou do liceu de Bissau, ou de Dacar... E, pelo apelido, seria um beafada...

Pergunta o editor, e eu só transmito o recado que ele me pediu para te dar, já que sou teu conhecido e vizinho e tu és amigo do meu pai: como é que aquele homem (, parece-me mais novo do que eu, que tenho 30), se sentiria, uns tempos antes, atacando Fulacunda onde provavelmente teria parentes ?...

Enfim, reflexões serôdios de um "tuga" (,diz o editor, ) que passou, há quase meia centena de anos, por tabancas fulas, mandingas, balantas, e andou no mato aos tiros contra homens armados de Kalash, "costurinhas" e de RGP, e já se interrogava, "in loco",  nessa altura, em 1969/71, sobre o raio do sentido da guerra, em geral, e daquela guerra, em particular... "Guerra de libertação" ou "guerra civil" ?... Guerra, "tout court", meu estúpido, diz ele, o editor: pior que a peste (do latim, "peius", a pior doença), é a guerra... (Enfim, o raio do vosso editor parece que gosta muito de ir à origem etimológicas das palavras).

E mais manda dizer,  por este leitor distraído que sou eu: lembras-te, Jorge, tu que foste professor de história, e és da terra dos monges, Alcobaça, lembras-te da ladaínha que o nosso povo rezava na santa missa de domingo,   "Da peste, da fome e da guerra [, em voz alta,] ,... e do bispo da nossa terra [, baixinho,], 'libera nos, Domine'!" [... livrai-nos, senhor!]...

O que terão dito, nessa altura, os teus habitantes de Fulacunda que estavam sob a tua proteção?...  Em tempo de peste, fome e de guerra, bispo, comissário político, senhor da guerra, comandante de bigrupo, chefe de posto, e tropa... são tudo a mesma coisa, mensageiros de  desgraça e de morte... "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (Luís de Camões)...

Agora , Jorge, amigo do meu pai e meu vizinho,  deix-me, a mim, leitor distraído, fazer-te uma pergunta e um agradecimento: que será feito deste  Dabó ? E dos outros Dabós ?... E da tua tropa que passou por Fulacunda ? E daquela pobre gente que lá "vivia" em Fulacunda, e que era tão portuguesa como os tipos da tua terra, Turquel, Alcobaça ? Ou que vivia no "mato" a que o Bunca Dabó chamava "zona libertada" ?

Olha,  Jorge, obrigado na mesma, mas as fotos da guerra, com gente fardada e com armas, fazem-me sempre impressão. Não fiz tropa,  nasci em 1985, no meu tempo, felizmente, já tinha acabado a guerra. Mas o meu pai também andou nessa guerra.... e não sabe (ou, melhor, não quer) explicar-me certas coisas....

É talvez por ele, que não é nada dado a estas coisas da Net, que eu às vezes paro por aqui, neste blogue, e fico a ver e a ler estas merdas... O meu pai ralha-me: "Ó filho, deixa-te disso e trata mas é da tua vida. A guerra nunca existiu. Ou então foi  como um pesadelo: tens um  sonho mau, de noite, mas no dia seguinte acordas, felizmente vivo e inteiro, e não te queres lembrar mais dessa merda, desse pesadelo"...  Eu acho que ele não razão, a guerra existiu mesmo, estas fotos são prova disso...

Cumprimentos lá em casa,  A.
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de março de 2016 >  Guiné 63/74 - P15813: (De)Caras (31): José Manuel Lopes (Josema), o poeta duriense de Mampatá... Relembrando um dos seus poemas de antologia, Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

quarta-feira, 2 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15817: Os nossos seres, saberes e lazeres (143): O ventre de Tomar (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2016:

Queridos amigos,
O tempo convidava à vadiagem, e passear sem bússola é aceitar as benesses dos imprevistos. E foram vários, nessa tarde, não é a qualquer hora que se encontra uma perita em latoaria artística, de desempregada entrou num desses programas para criar pequenas empresas e lá vai subsistindo, dando alegria a muita gente com artefactos destinados à Festa dos Tabuleiros, bijutaria e até lancheiras e caixas para ferramentas.
No fim do dia, resolvi reverter a meu favor estas deambulações pelas vísceras da cidade, foi confrontado com uma fachada soberba, tenho para mim que é no tempo histórico deste edifício que está o último assomo dos bons tempos industriais que seguramente já não voltam a Tomar.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (7)

Beja Santos


É tudo uma questão de gosto, não discuto. Mas quem teve a ideia de repescar o genial património de Rafael Bordalo Pinheiro e de o replicar no presente, merece o meu respeito. O que é belo ganha intemporalidade, qualquer uma destas réplicas tem o condão de se misturar bem com o mais antigo e até com o que está na moda. Diante destas réplicas de alguém que correu todos os riscos para criar uma fábrica de cerâmica nas Caldas da Rainha, quando já estava consagrado como o maior desenhador de humor, pasmo de admiração, bem merecia ser apontado como figura cimeira e exemplar do nosso empreendedorismo. É bom revê-lo e levá-lo para casa.


Não sei se é a obra mais valiosa do núcleo de arte contemporânea de Tomar. Este Júlio Resende justifica que aqui o viajante se detenha perante um testemunho inigualável de alvorada da pintura abstrata. E caso curioso, regresso à atualidade de Rafael Bordalo Pinheiro: o que nasce excelente, excelente permanece, e ainda bem que haja outras obras-primas fora do Museu do Chiado e de Serralves. Há para aqui muito conteúdo para trazer os alunos a aprender ver o que de melhor se pintou em Portugal.


Esta é a maqueta de El Rei D. Sebastião, a escultura está em Lagos, com outros matizes, tanto quanto me parece. Não sei o que idealizou o mestre João Cutileiro, este jovem parece muito inocente, inocente caminha para o holocausto que ele próprio desenhou. Reza a história que o jovem era reguila, desencabrestado e até vândalo. Mas a arte é assim mesmo, este menino Sebastião fica-nos na memória por ir até Alcácer Quibir onde morreu e deixou saudades. Em vez de um deus grego, mestre Cutileiro esculpiu o menino redentor que há de regressar numa manhã de nevoeiro, e salvar Portugal.





De há muito que desejava fazer esta visita a uma oficina de metais que privilegia a latoaria artística. Passava por aqui e via pelos vidros artefactos obrigatórios na Festa dos Tabuleiros. Entrei em hora vaga para a artesã, descobri que isto da latoaria é assunto sério, mete mãos engenhosas, um sentido apropriado para revigorar as tradições, da lata também se faz bijutaria, lancheiras e caixas de ferramentas, a artífice surpreende-me com o esplendor da coroa, parece prata iridescente, equilibrada pela Cruz de Cristo, tão austera. O viajante tem as suas fraquezas, como é um desastrado manual olha para estas mesas de trabalho como se tivesse o privilégio de ver Picasso a trabalhar, há para ali instrumentos para torcer e retorcer, para cortar e afinar, e ele ali fica especado vendo transformar um pedaço de lata em arte fundente.


Um dia, há semanas, almoçava todo lampeiro um prato de povo à lagareiro e tinha pela frente, ali bem perto, alguém que falava com boa disposição, que se levantou e partiu. Então, não é que, bem pouco depois o viajante ao entrar nesta oficina não deu de frente com aquele outro que se amesendava, tão bem disposto? Explicou-lhe o viajante que não vinha comprar mas conhecer, pedia licença para ver como se repara ou cria de raiz, tirou imagens à vontade, escolheu esta porque a madeira fala a verdade, uma carpintaria tem poeira e há um outro aspeto nesta imagem que é a arrumação do ferramental e talvez umas colas e vernizes bem linhados, para melhorar a cenografia. Palavra de honra que hei de voltar!


Aviso desde já que esta imagem inverte deliberadamente os propósitos destes registos de imagens, sei muito bem que isto é pele, pele é exterior, e o ventre é interior. Mas o que acontece é que houve uma força irresistível, parecia ser o melhor prémio de consolação que naquele dia me podiam dar, tantas vezes por aqui passei, devo ter passado sempre com os olhos no chão, esta fachada Arte Deco, já com sinais de transição, é esplendorosa. Reparem bem na escala volumétrica, na harmonia das varandas e como aquele envidraçado se ergue, retilíneo qual coluna vertebral que alevanta a reta proporção e que define a harmonia da escala. Merecia este bálsamo para os olhos depois de ter passado a tarde metido nos interiores, naquelas vísceras das redes comerciais onde também desaguam os nossos sonhos. Ainda bem que te contemplei de frente, foste a última saudação numa tarde de sol, depois de uma doce caminhada em territórios tão aprazíveis.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15789: Os nossos seres, saberes e lazeres (142): O ventre de Tomar (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15816: Inquérito 'on line' (38): Os três principais problemas das NT em setembro de 1963: Deficiência ou inadequação de (i) instrução militar, (ii) equipamento, e (iii) instalações... Nº de respondentes até agora: 61... Prazo de resposta até 6ª feira, dia 4, 17h36

Os nossos "bu...rakos": Cantacunda, 1967.
Foto de A, Marques Lopes
OPINIÃO: LISTA DE PROBLEMAS NO CTIG,  LOGO EM 1963 (COM-CHEFE, BRIG LOURO DE SOUSA)...VOTA NOS QUE CONCORDARES


1. Deficiente instrução das tropas e quadros  > 
46 (75%)

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno  > 41 (67%)



6. Instalações inadequadas  > 41 (67%)



7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão  e voltar para a metrópole >  
38 (62%)


4. Abastecimento (material, munições, víveres e água)  > 
24  (38%)

3. Falta de pessoal / insuficiência de efetivos  > 
21  (34%)


5. Falta de enquadramento / aproveitamento militar 
dos guineenses > 
17 (27%)


8. Outros problemas não referidos acima 
(pelo Com-chefe, brig Louro de Sousa)  >
 13  (21%)



Votos apurados: 61
Responder até 6ª feira, dia 4, 17h36


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Nota do editor:

terça-feira, 1 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15815: XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 16 de Abril de 2016 (2): Lista provisória com os 68 primeiros inscritos

XI CONVÍVIO DA TERTÚLIA DO NOSSO BLOGUE

DIA 16 DE ABRIL DE 2016

PALACE HOTEL DE MONTE REAL



Caros camaradas e amigos tertulianos
Neste primeiro dia de Março estamos a dar notícia do nosso XI Encontro Anual, publicando a lista provisória dos inscritos para o Almoço/Convívio de 16 de Abril próximo.

Embora as inscrições só encerrem daqui a algumas semanas, é com muito agrado que registamos já 68 marcações, entre as quais algumas caras novas. A maioria dos presentes corresponderá àqueles que já não podem passar sem esta confraternização anual, que está para durar.

O ano passado facilmente esgotamos a sala, pelo que este ano não nos contentaremos com menos. Duzentas inscrições é a meta. Um dia, quando chegarmos às 500, o Palace Hotel de Monte Real terá de nos servir nas frondosas matas que ladeiam a avenida até às Termas.

Brevemente o camarada Joaquim Mexia Alves confirmará a hora em que se celebrará a Missa de Sufrágio pelos camaradas que caíram em campanha ou que nos deixaram posteriormente porque para eles a morte chegou cedo demais. Incluímos nestes últimos, também os nossos familiares e amigos, especialmente aqueles que fizeram parte dos nossos Encontros e que connosco estarão sempre pensamento.

Terminamos, como se de de uma comunicação rádio se tratasse, passando à escuta, o mesmo querendo dizer que ficamos na expectativa de mais inscrições, que devem ser feitas para: carlos.vinhal@gmail.com.


Ao vosso dispor:
Luís Graça
Joaquim Mexia Alves
Miguel Pessoa
Carlos Vinhal
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Nota do editor

Poste anterior de 19 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15770: XI Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 16 de Abril de 2016 (1): Primeiras informaçóes e abertura de inscrições

Guiné 63/74 - P15814: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (40): A moeda relíquia e as mães dos combatentes

1. Em mensagem do dia 26 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma das suas Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

40 - A moeda relíquia e as mães dos combatentes

A minha mãe, nos tempos que antecederam o meu embarque para a Guiné, não conseguia esconder o seu enorme sofrimento, causado pela ansiedade e pelo medo. Mas há já vários anos que a ideia do meu embarque a atormentava, descrente de uma reviravolta política que pusesse fim à guerra colonial. Nas vésperas da minha partida, para minha surpresa, entregou-me uma moeda de 10$00 e disse-me que a levasse comigo para a Guiné, mas que tinha de regressar com ela, para lha devolver. Naquele momento não pude evitar rir-me da sua imaginação e do ar solene que emprestou à ocasião. Mas depois, percebendo que ela estava a tomar aquilo muito a sério, prometi-lhe que cumpriria a sua vontade. Longe de imaginar que, num futuro distante, iria valorizar com carinho a lembrança da entrega da moeda e a própria moeda, mesmo se, durante muitos anos, tivesse esquecido tudo nos recônditos da memória.

Um dia, após o seu falecimento em 2001, encontrei entre as suas coisas pessoais um papelinho muito bem dobrado a guardar uma moeda de 10$00. Foi emocionado que li o papelinho, uma pequena folha de agenda de 1965 que, no interior dizia:
“Esta moeda de 10$00 (1971) é uma relíquia. Acompanhou o António à Guiné e voltaram juntos”.

Saberia a minha mãe que outros, em tempos diversos e remotos, também se fizeram acompanhar de relíquias nas suas viagens aventureiras? É que, por absoluta casualidade, há meia dúzia de anos, ao ler uma revista de um semanário qualquer, deparei-me com uma imagem e uma legenda que me deram um sobressalto:
“São Rafael: esta imagem foi à Índia com o Gama e de lá tornou”.
Acudiu-me logo a ideia de juntar esta relíquia à minha. Digitalizei a imagem do São Rafael, procurei a fotografia que tinha feito da minha moeda e juntei as duas, como mostro a seguir.

Relíquias

Ainda guardo a minha moeda religiosamente embrulhada no mesmo papelinho, pelo que significou para a minha mãe, antes e depois do meu regresso. Quanto deve ter sofrido, ela e todas as mães daquela época... Em 1974 tinha-me a mim na Guiné e ao meu irmão José Alberto em Moçambique. Fortuna a dela e nossa que tivéssemos regressado sãos e salvos, sem as tragédias que se abateram sobre tantas famílias daquela década.

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Mulheres de Buba

Não recordo a data (1973 ou 1974) nem a razão deste evento em Buba, com grande aparato de viaturas, mulheres e militares à mistura, mas garanto que foram momentos de grande descontracção os que nos proporcionaram as mulheres de Buba, com a sua alegria, vitalidade e carácter forte. Reconheço na assistência, soldados do meu grupo de combate e de outro grupo de Nhala. No meio da roda de dançarinas, pode ver-se o Cap. João Brás Dias da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Buba, animando a festa. Na foto 2, estou eu, sentado num Unimog entre as mulheres.
Tudo isto é o pretexto para deixar a seguir um pequeno álbum.











Mulheres de Buba.

Fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15784: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (39): De 1 a 24 de Agosto de 1974

Guiné 63/74 - P15813: (De)Caras (31): José Manuel Lopes (Josema), o poeta duriense de Mampatá... Relembrando um dos seus poemas de antologia, Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 (1972/74) > "Uma mina A/C e três A/P. Das dezenas que o Vilas Boas e o Fernandes levantaram. Ainda hoje me interrogo como só tivemos uma baixa em minas, além dos seis trabalhadores que foram vitimas de uma mina A/C ao beber água de um carro cisterna que molhava a terra da estrada acabada de terraplanar para lhe dar consistência. A picagem era mesmo um trabalho bem planeado e bem feito,onde o método, o rigor, a paciência eram fundamentais. A pica era mesmo o sexto sentido dos soldados da CART 6250, Os Unidos."

Foto (e legenda): © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservado



1. Pica na mão à procura delas..., tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!

por Josema [José Manuel Lopes] (*)

Estradas amarelas,
corpos cobertos de pó,
pica na mão à procura delas,
o polegar ferrado no pau,
tac, tac, tac, tac, tac, tac,
tacteando por sons diferentes,
o Fernandes, com cara de mau,
espeta no solo o ferrão da pica,
tac, tac, tac, tac, tac, TOC!!!...


O calafrio,
depois o grito,
anunciando o perigo!


O
grupo é mandado parar,
chega o Vilas à frente,
e a todos manda afastar:
de joelhos no chão,
numa simulada carícia,
afaga a terra com a mão,
com gestos simples e perícia,
vai cavando devagar...

Hei-la... está aqui,
lisa, preta, a brilhar,
parece inofensiva,  a maldita,
deita-lhe a mão e grita:
– És minha , já te tenho.

Volta-a,
tira-lhe o detonador
e entre dentes, diz:

– Esta, não,
esta não causará dor.



 Josema, Guiné, s/l, c. 1972/74 [Revisão e fixação de texto: LG]


2. Mensagem do José Manuel  Lopes, com data 28 de abril de 2009:



[José Manuel Lopes, vitivinicultor, duriense, poeta, ex-fur mil, CART 6250/72, "Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74]


"Camarada Luís: Enviei até agora 62 poemas que tinha guardados. Algures em casa de minha avó, na
Régua, onde vivi até me casar em 83, devo ter mais alguns junto às coisas que trouxe da Guiné. Me lembro que numa altura, perturbado, sem saber o que fazia, destrui parte do que trouxe.

Tudo que conseguir recuperar enviarei para o nosso Blogue, por agora pouco mais tenho para enviar, pois algumas coisas são muito pessoais e outras podem ferir a sensibilidade de terceiros.

Um abraço, José Manuel"


3. Nota do editor:

Havia 5 armas do IN (e seus aliados "naturais") que nos infundiam respeito, em campo aberto, nas picadas ou no mato, de noite ou de dia:

1 - As abelhas selvagens, as formigas bagabaga, os mosquitos, a cobra verde, a bolanha,, os rios...
2 - As minas e armadilhas
3 - O RPG 2 e 7
4 - A Kalash
5 - A "costureirinha" (PPSH)...

Este poema do Josema merece figurar em qualquer antologia da poesia da guerra: é uma homenagem aos nossos "picas" e sapadores, metropolitanos e guineenses, que eram na altura os melhores do mundo...

É também um grito contra essa arma, a mina (A/C, A/P),  que era um "assassino silencioso", usado tanto pelo IN como pelas NT... Todas as armas são "sujas", esta era talvez a pior de todas... Há centenas e centenas de camaradas nossos que ainda hoje trazem no corpo e na alma as suas "marcas", fora os que infelizmente morreram por ação, direta e indireta, de minas e armadilhas...

Obrigado, Josema!
LG
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de


Guiné 63/74 - P15812: Inquérito 'on line' (37): O moral das tropas... lá no cu de Judas! (António Rosinha / José Colaço)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Pessoal do 2º Grupo de Combate, atravessando em coluna apeada a bolanha de Finete na margem direita do Rio Geba, no regulado do Cuor, em frente a Bambadinca (que pertencia ai regulado de Badora). O destacamento que havia mais a norte, era o de Missirá (guarnecido pelo Pel Caç Nat 52, no tempo do alf mil Beja Santos, 1968/70, e depois pelo Pel Caç Nat 63, do al

A tabanca de Finete, em autodefesa, guarnecida pelo Pelotão de Milicia nº 102, é visível ao fundo. No primeiro plano, para além de municiador da Metralhadora Ligeira HK 21, Mamadú Uri Colubali (se não erro), vê-se o fur mil op esp Humberto Reis e o 1º cabo António Branco.

Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) >  c, 1969/1970 > Pessoal do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 atravessando em coluna apeada a bolanha de Finete, No primeiro plano, para além de municiador da Metralhadora Ligeira HK 21, Mamadú Uri Colubali,   vê-se o fur mil at inf Tony Levezinho, ao meio (com o tapa-chamas da sua G3 devidamente protegido por uma cápsula de plástico verde, cuidado que era raro haver entre as NT), ladeado pelo 1º cabo António Branco (à sua direita, com duas granadas defensivas à cintura) e pelo 1º cabo José Marques Alves, de alcunha, o "Alfredo" (à sua esquerda) (infelizmente, já desaparecido, em 2013),


Fotos: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados (Edição e legendagem: LG)


Comentários ao poste P15807 (*)

I. António Rosinha 

[ ex-fur mil, Angola,1961/62; viveu no Brasil,
 no pós-25 de abril;  foi topógrafo da TECNIL,
como "cooperante", na Guiné-Bissau, em 1979/93]



Nunca houve quarteis no interior em que a moral não fosse do piorio, mesmo sem guerra, nem tiros, nem ataques, nem baixas.
Exceptuando as unidades nas cidades, com especialidades burocráticas, o chamado apoio de rectaguarda, transmissões, abastecimentos, administrativos, que teriam algum alheamento do perigo e do isolamento, tudo o resto, em qualquer território africano, a tropa vivia ansiosa a dar baixa dos dias no calendário da parede.

Como vivi, por necessidade de ofício no interior de Angola (estradas, pontes e levantamentos) acampei em Angola durante anos, em lugares em que geralmente ou havia uma companhia, ou um pelotão ou uma secção, por perto.

E como fui furriel na guerra e não me sentia bem com arame farpado, capitães, e majores, aliás, acima de alferes nunca acertei, só tive duas porradas leves, mas por ser bom rapaz, como digo que para mim foi chata a tropa, custava-me ver a tropa da metrópole naqueles cus de judas, como chamou o Lobo Antunes umas terras lindíssimas, só que fosse livre de arame farpado.

Mas um dos martírios da tropa do interior, era não haver um programa de rotatividade de pequenos grupos se deslocarem às cidades para um pequeno banho de civilização (mudar de ambiente, mudar o óleo, e até de comida do mesmo cozinheiro).

Mas o pior, é que a tropa nem convivia com africanos, por não falar a mesma língua, nem com os europeus como eu, a quem por exemplo um capitão me atirou à vara que estava ali, porque eu tinha andado a tratar mal os pretos.

Ou seja, além da falta de moral, ainda havia a revolta.

Luís e António, não podiamos abandonar aquilo sem guerra. Entregar ao Amílcar Cabral, jamais, que ainda era novo, precisava viver.

Mas era preciso 13 anos? Porque não parou a meio, quando o homem de Santa Comba caíu da cadeira?

Porque os capitães de Abril ainda só eram alferes nesse tempo?

Luís Graça, quando tornares a fazer um inquérito,  questiona tudinho, mais do que questionavam os comandantes

Cumprimentos, Antº Rosinha.


II. José Colaço  

[ex-soldado trms, CCAÇ 557, Cachil,Bissau e Bafatá, 1963/65]

Respondendo ao nosso inquérito, assinalo os seguintes pontos:

(i) a deficiente instrução das tropas e quadros;

(ii) o deficiente equipamento das unidades no terreno;

(iii) as faltas de pessoal e insuficiência de efectivos;

(iv) os problemas nos abastecimentos das unidades em material, munições, víveres e água;

(v) a falta de enquadramento e aproveitamento dos nativos em operações de segurança...


Sou do início da guerra da Guiné, fui lançado na Operação Tridente só com um mínimo de preparação, eu e os meus camaradas de especialidade, inclusive o furriel (transmissões) e todas os outras especialidades até os atiradores; devido a nossa inexperiência e falta de conhecimentos houve alguns acidentes com a desconhecida G3...Por outro lado, receber uma mensagem era repetição constante dos grupos fonéticos e ter que pedir para o emissor transmitir devagar, pausado, que o operador era (maic) (maçarico)... mas como nós somos um povo do desenrasca tudo se resolveu.

Para transmitir para Catió nós não conseguíamos, comunicávmos com alguma dificuldade (principalmente durante a noite) com o BCAÇ 490 que estava em Cauane, no outro lado da Ilha do Como, e eles retransmitíam a nossa mensagem. Devido a esta dificuldade alguém do comando mandou ao Cachil um segundo sargento electromecânico e ensinou-nos como montar (e montou ele) uma uma antena horizontal.

Com este aparte, é só para dizer que concordo com todos os pontos que o meu primeiro comandante chefe na Guiné, Brigadeiro Louro de Sousa, mencionou pois tive oportunidade de os comprovar no terreno.

Mas discordo do ponto nº 1 em 50%: que os milicianos tivessem essa deficiência, concordo em absoluto, mas os quadros não: são ou eram profissionais de carreira, tinham por obrigação, dever de profissionalismo, estar preparados a 100% para todos os reveses que a profissão reserva.

Um abraço, Colaço.

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Nota do editor:

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15811: Ser solidário (195): A ONGD portuguesa "Afectos com Letras" acaba de lançar o guia turístico "À descoberta da Guiné-Bissau", em português, espanhol, francês e inglês



Elementos da capa do guia turístico "À descoberta da Guiné-Bissau", em quatro línguas., Trata-se de um trabalho elaborado por Joana Benzinho e Marta Rosa em nome da ONG Afectos com Letras, financiado pela União Europeia e com o apoio do Ministério do Turismo e do Artesanato da Guiné-Bissau.



1. Mensagem da ONG Afectos com Letras

Sent: Wednesday, February 17, 2016 8:53 AM
 Subject: Lançamento do Guia Turístico "À Descoberta da Guiné-Bissau"

No passado dia 12 de Fevereiro, decorreu em Bissau o lançamento do Guia Turistico "À descoberta da Guiné-Bissau", um trabalho elaborado por Joana Benzinho e Marta Rosa em nome da ONG Afectos com Letras, financiado pela União Europeia e com o apoio do Ministério do Turismo e do Artesanato da Guiné-Bissau.

Presidiu a este evento o Primeiro Ministro da Guiné-Bissau, Engº Carlos Correia, que teve como oradores a Presidente da ONG Afectos com Letras, Joana Benzinho, o Embaixador da União Europeia na Guiné-Bissau, Victor Madeira dos Santos, o Ministro do Turismo e do Artesanato da Guiné-Bissau, Dr. Malan Djaura, e contou com a presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Engº Artur Silva, do Embaixador de Portugal, Dr António Leão Rocha, do Embaixador de Angola, Dr Daniel António Rosa e de diversos operadores turísticos e distintos convidados.



Guiné-Bissau > Bissau > 12 de fevereiro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "À descoberta da Guiné-Bissau" > Da esquerda para a direita: (i) Artur Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros; (ii) Malan Djaura, Ministro do Turismo e do Artesanato; (iii)  Carlos Correia, Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau; (iv) Victor Madeira dos Santos, Embaixador da UE na Guiné-Bissau; e (v) Joana Benzinho, Presidente da ONG Afectos com Letras

Fonte: Cortesia do blogue Afectos com Letras



Na cerimónia foi assinado um memorando de entendimento entre a ONG Afectos com Letras e o Ministério do Turismo e do Artesanato da Guiné-Bissau em que ficou estabelecido que receitas da venda do livro, efetuada pelo mesmo Ministério, serão revertidas para a promoção de um turismo sustentável e solidário no país.

O Guia Turístico com um preço de capa de 6560 XOF / 10 Euros pode ser adquirido através do contacto com o Ministério do Turismo e do Artesanato da Guiné-Bissau (Aude Pereira, Directora Administrativa e Financeira, Ministério do Turismo e Artesanato, Tel: +245 95 522 26 34) e está agora disponível na versão electrónica em português, francês, inglês e espanhol na página da Delegação da União Europeia na Guiné-Bissau e, num futuro próximo, na página da ONG Afectos com Letras.

[Versão em formato digital, em pdf, em português, 17 MB, clicar aqui]

Da nossa parte ficam os votos de bons passeios!

Associação Afectos com Letras, ONGD
Rua Engº Guilherme Santos, 2
Escoural
3100-336 Pombal
NIF 509301878
tel - 91 87 86 792



"A Afectos com Letras, Associação para o Desenvolvimento pela formação, saúde e educação, é uma Instituição de Utilidade Pública, reconhecida e registada como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, que foi fundada em Setembro de 2009 e que possui uma delegação na Guiné-Bissau desde Agosto de 2012. Tem como missão e objetivos a conceção, promoção, execução e apoio a programas, projetos e ações de cariz social, cultural, ambiental, cívico, educacional e económico."

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15772: Ser solidário (194): Obrigado, Portugal, da Guiné, Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)

Guiné 63/74 - P15810: (Ex)citações (304): Duas Actas e a mesma evidência: Não foram os soldados a falhar na Guerra da Guiné!... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

1. Em mensagem de 28 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705,  Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), afirma, após leitura da Ata da reunião do CEMGFA, Costa Gomes, com os comandos do CTIG, Bissau, em 8/6/1973, que não foram os soldados portugueses que falharam na Guerra da Guiné.


Duas Actas e a mesma evidência: 
Não foram os soldados a falhar na Guerra da Guiné!...



Coutinho e Lima (P15777) Oficial Superior do Exército, veterano de três comissões na Guiné e principal actor da famigerada “Retirada de Guileje” e José Matos (P15731), jovem civil, formado em Astronomia e investigador independente, enriqueceram o acervo histórico deste blogue com as duas actas das duas reuniões de Comandos, no Comando-Chefe das FA da Guiné, no Forte da Amura, que antecederam o colapso da Guiné, documentos eloquentes, de prova de que a sua “descolonização exemplar” não passa de publicidade enganosa: a Guiné não foi descolonizada; foi abandonada…

As guerras são normalmente dirigidas por um “alto comando”, que vai e permanece nos TO, como se desempenharam D. Afonso Henriques, D. Nuno Álvares Pereira, Hitler, Churchill, Marshall, De Gaulle, Giap, etc.

A guerra grande da grande África Portuguesa foi desde o início dirigida formalmente por uma “alta instância” em Lisboa, e finar-se-á sob a alta responsabilidade do Almirante Américo Tomas, marinheiro notabilizado na I e II Guerras Mundiais, seu Comandante Supremo, o Professor Marcelo Caetano, Chefe do Governo de Portugal pluricontinental e o General Costa Gomes, o seu mais alto chefe profissional, no desempenho de Primeiro Soldado de Portugal.

Os actores dos actos da Acta de 18 de Maio de 1973, foram: General António de Spínola, CCFA´s da Guiné; Brigadeiro Leitão Marques, CCAdjunto; Ten-Cor. Baptista Beirão, Chefe da REP/INFO; Ten-Cor. do CEM Pinto de Almeida, Chefe REP/OP e o Brigadeiro Luís Banasol, Comandante do CTIG – que passamos a referenciar pelas respectivas siglas.

Os actores da reunião de 8 de Junho de 1973 são os mesmos, mais o General Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Portuguesas (CEMGFA) e os Comandantes da Defesa Marítima e do Comando da Zona Aérea da Guiné e Cabo Verde.

A reunião de 18 de Maio aconteceu já as FARP do PAIGC tinham fechado o cerco a Guidage, após 10 dias de renhidos combates, tendo conseguido concretizar o corte das suas acessibilidades; a reunião de 8 de Junho aconteceu com o PAIGC a lamber as feridas da sua derrota militar em Guidaje, retirado para o Senegal pela calada da noite, no rescaldo da retirada de Guileje, Nino Vieira tinha tinha entrado no seu aquartelamento, a bordo do seu tanquezinho e bebido whisky “para uso exclusivo das FA Portuguesas” e já a batalha de Gadamael perdia vigor, a tender para fim idêntico ao de Guidaje – o PAIG a retirar, para onde podia lamber as feridas.

Na 1.ª reunião, circunscrita ao Exército, o CCh explanou: A nossa guerra da contra-subversão e da defesa das populações atingiu um patamar que impõe o reequacionamento do trinómio missão-inimigo-meios.

O CCAdj. informou que o IN preparava condições para a destruição e conquista das guarnições de Guidaje, Buruntuma, Guileje e Gadamael. Como maior receio focou a manobra psicológica da captura massiva de prisioneiros. Testemunhara os seus efeitos devastadores na retaguarda, que levaram os americanos a abandonar o Vietname.

O Chefe da REP/INFO do CCh acrescentou 6 guarnições-objectivo à referenciada manobra do IN, prevendo a intervenção dos seus carros de combate na zona Sul.

O Chefe da REP/OP do CCh expressou-se com objectividade, racionalmente e sem pessimismo, considerando que a maior fragilidade para o futuro da guerra residia na não reocupação do Boé.

O comandante do CTIG reiterou que o seu exército não tinha condições de reocupar o Boé, mas que, com mais algum apoio, nomeadamente da Marinha, poderia apoiar as guarnições objectivo da destruição pelo IN. E o CCh concluiu a expressar a sua preocupação política e diplomática: confrontavam-se com a manobra do IN pela ocupação com fins exclusivamente políticos e promocionais. Não alteraria o dispositivo de superfície e deu 48 horas para os Comandantes-Adjuntos apresentarem a estimativa dos meios necessários, que pediria às “instâncias superiores”.

A 2.ª reunião foi presidida pelo CEMGFA que começou por se mostrar preocupado com os efeitos desmoralizadores da retirada de Guileje, das baixas nas batalhas nos 3 G´s e a elogiar a actuação enérgica do CCh, por obviado em Gadamael o acontecido em Guileje.

O Chefe da REP/OP computou a força do IN em 9000 a 10 000 combatentes, evocou a superioridade do seu armamento, o apoio das FA dos países vizinhos e afirmou a incapacidade para enfrentar a força aérea do IN, estando-lhe referenciados 8 MIG 17 e 6 MIG 19.

O CCAdj. advogou a manobra militar global em profundidade, de acção retardadora organizada, susceptível de permitir uma solução política ao conflito – manobra materializada no retraimento do dispositivo ao longo da fronteira, livrando as suas guarnições da cobiça da sua desactivação.

O Comandante do CTIG corroborou o redimensionamento do dispositivo de superfície, pela economia de forças e realçou a extrema gravidade do previsível ataque aéreo a Bissau, dado que os órgãos vitais da retaguarda e da prossecução da guerra não tinham defesa.

O Comandante da Defesa Marítima corroborou a manobra referida ao dispositivo, manifestando algum receio pelo agravamento das ameaças vindas do mar.

O Comandante da Zona Aérea garantiu que os Strela apenas condicionaram a acção da FA mas que esta perderá a superioridade aérea se o IN estiver dotado de força aérea tão actualizada. Está a favor da remodelação do dispositivo, pela concentração.

Conclusão:
Sintetizada, ante a dimensão e profundidade do tema, muita documentação certamente por desclassificar, um desafio aos investigadores isentos da contaminação ideológica, um repto especial à Fundação Mário Soares (diz-se que respira com dinheiros públicos), para que sobreponha a informação na posse do nosso ex-inimigo, contornando a desculpa de que anda perdida, às suas continuadas ninharias.

Aquela guerra de “contra-subversão e defesa das populações” só podia ser domada, desorganizada e enfraquecida pelo Exército, se toda a sua cadeia de comando enformasse de hierarquias competentes e motivadas – a exemplo do PAIGC. Marinha e Força Aérea não ganham guerras – ajudam a ganhá-las. E que ajuda, sobre a terra e sobre o mar! Em contraposição, o pobre do PAIGC não tinha nem Marinha nem Aviação - e não perdeu…

Em dois momentos, os comandos do Exército evidenciam a mistura da preocupação com o pavor de “contra os canhões, marchar! marchar!” sustentados em notícias, não escrutinadas, a exorbitar o potencial do IN (plausivelmente da autoria do próprio…), que a realidade não se cansará de desmistificar.

- O objectivo a aniquilar era Buruntuma, sobre a linha de fronteira (vivi um ano aí, aboletado na casinha da Guarda Fiscal) e não os três G´s, que distavam alguns quilómetros dessa linha. O insuspeito e nosso grande tabanqueiro António Martins Matos escreveu, neste blogue, que a malta de Bissalanca ousara voar sobre o ninho do PAIGC em Koundara e espatifara-lhes a concentração com umas “bilhas”. O fogoso comandante do Leste, Bobo Quetá, só realizará essa missão, já depois do Acordo de cessar-fogo, ao escorraçar facilmente a maioria da guarnição de Buruntuma...

O Comandante do CTIG receava o ataque aéreo do IN a Bissau, aos órgãos vitais da retaguarda da guerra, apoiava o redimensionamento do dispositivo de superfície e descartou liminarmente a reocupação do Boé, de tão trágica memória. Abramos parêntesis de justiça histórica e ad homine ao Ten-Cor. Pinto de Almeida pela sua serena análise da situação global, sem alarmismos, e pela sua visão estratégica pela reocupação do Boé, como o calcanhar de Aquiles da situação, ante a fase que a guerra estava a atingir, confirmado pela declaração unilateral da independência, seis meses depois; e ao General António de Spínola, pela justeza das suas análises, condescendendo com a sua inversão posterior, consentânea com as fragilidades da idade e o insuperável desgaste físico e mental acumulado, dos 5 anos naquela vida.

- A avaliação do efectivo do IN, em 9000 a 10 000 combatentes acusa um “coeficiente de cagaço” na ordem do triplo, enquanto o aparelho combatente, político, diplomático e “funcionalismo público” do PAIGC nunca atingiu os 4000, no seu conjunto. Em 1973, o efectivo português cifrava-se em 32 035 militares, sendo 25 610 metropolitanos, 6425 naturais (in Guerra em África do Major-General Sérgio Bacelar) e chegava aos 45 000, se lhe acrescentarmos as forças militarizadas - milícias, polícias e em autodefesa.

- Para lançar os ataques aos três G´s, o PAIGC teve de reunir meios e reduzir em 70% a sua actividade bélica no restante território.

- O PAIGC disporia apenas de 2 carros blindados, do género de “chaimite” mais avantajada, um no Sul, utilizado por Nino Vieira e outro no Norte, para utilização de Luís Cabral. O do Sul serviu para Nino Vieira ir beber o seu copo a Guileje e o do Norte será o que mais tarde participou na manobra de cerco e tentativa de golpe-de-mão ao destacamento de Copá, em apoio à retirada dos seus feridos, que os seus 29 defensores rechaçaram, após a deserção dos elementos nativos, neutralizando-o a tiro de morteiro de 60, saga contada neste blogue pelo camarada António Rodrigues.

- Apesar das baixas sofridas no contexto dos 3 G´s, o seu nível atingido em 1973 foi igual ao de 1969, o ano de ouro da Spinolândia…

- A mesma estatística indica que a sua esmagadora maioria foi causada não pelos morteiros 120, os obuses 150, os Katiuskas, etc, mas pela infantaria e sapadores, em emboscadas e minas…

- O Comandante da Defesa Marítima concorda com a manobra referida ao dispositivo militar, sem alarmismo, manifestando algum receio das ameaças vindas do mar. A União Soviética havia dotado o PAIGC de 6 vedetas, rápidas e com autonomia marítima, mas Alpoim Calvão e a sua malta haviam esconjurado a sua perigosidade, afundando-as na Operação Mar Verde.

- O comandante da Zona Aérea diz que a FAP ultrapassara a ameaça dos Strela, as suas aeronaves “rastejariam” sobre a terra e sobre a água sempre que necessário, mas avisa que essa superioridade aérea será perdida, se tão actualizados MiG´s comparecessem a dar-lhes batalha.

Segundo Nino Vieira, Amílcar Cabral havia permanecido muitos dias em Moscovo, conseguido os Strela em desespero de causa, para finais de 1972, convencendo o general russo com a invocação:
- “A nossa luta tem sede e morrerá de sede, se não nos ajudarem; salvem-nos, dêem-nos água, essa água!”...

O PAIGC terá gasto 88 misseis, no contexto da crise dos 3G´s, para obter o proveito de abater 6 aeronaves e nenhum helicóptero, desperdício que o responsável da cooperação russa reportou a Moscovo, com a recomendação do corte de fornecimento.

- A força aérea do PAIGC era tão actualizada, que até foi invisível…

- O CEMGFA fechou a reunião: 

“A Guiné não teria reforços, além dos da lista anexa … A missão continuará a ser cumprida; o dispositivo de superfície reconvertido e adaptado à situação; a imperiosidade de impedir o isolamento de qualquer guarnição, não concedendo ao IN qualquer facilidade de destruição; economizar meios, em favor da dinamização das guarnições, do melhoramento da eficácia no apoio logístico; manter a iniciativa e liberdade de acção.

- E reportará aos pares da “alta instância”, em Lisboa: “A Guiné é defensável”.

Spínola desistirá da luta, em Agosto, não obstante pai nutrício do MFA (o seu embrião foi spinolista, mas perderá rapidamente Spínola), que a oficialidade marxista e comodista criará e engordará, iniciando o seu esplendor em 26 de Abril, no mesmo Forte da Amura, limbo dessas duas reuniões…

Manuel Luís Lomba
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Notas do editor

- Itálicos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 6 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15452: (Ex)citações (303): Eu e o marinheiro a bordo de um avião da TAP, a caminho de Lisboa... Um conto do vigário: o 'negócio chorudo' das fotografias do deserto do Sara... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

Guiné 63/74 - P15809: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (17): O Moral das Tropas é Bom!

1. Em mensagem de 28 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos a sua apreciação sobre o moral das nossas tropas face ao contexto em que era feita e vivida a guerra na Guiné. 
Vd. a propósito os postes P15795 e P15796 do nosso tertuliano, José Matos.
Como sempre, as opiniões do camarada Pereira da Costa são inseridas na sua série: "A Minha Guerra a Petróleo".


Não conheci o Brigadeiro Louro de Sousa. Na Guiné, sou do tempo do já General Arnaldo Schulz. Apenas tenho o texto de uma comunicação sua proferida na Sessão Comemorativa do 120.º Aniversário da “Revista Militar”, em 23 de Maio de 1968. O título da comunicação – A Subversão no Ultramar – e a pessoa a quem se dirige no fim do texto (Presidente da República) dão uma ideia dos pontos de vista nela expressos. Mesmo assim, alguns blocos de texto terminam com conselhos do que se “há-de fazer…”. Pelos resultados que hoje podemos ver em toda a África teremos que concluir que os seus comentários e de outros participantes no processo, como Hélio Felgas, são muito pertinentes. Não terá deixado rasto muito profundo na Guiné talvez porque não se demorou por lá muito tempo e apanhou uma altura de transição entre a “Paz Colonial” e o início do terrorismo.

Nunca ouvi falar da tal exposição “ao poder em Lisboa” (4 de Setembro de 1963), onde terá apontado uma série de problemas que se punham à sua acção e que dificultavam a resposta militar das autoridades portuguesas à acção do PAIGC e não me admiro de que o tal “Poder” tenha reagido mal às suas afirmações. É mau, ainda hoje, ser clarividente, ainda que por experiência obtida no terreno (até parece que é pior…) e prever o que aí vem. Os detentores do poder não gostam de ser confrontados com a inteligência e conhecimento e… arremedam soluções, depois de triturarem devidamente o portador do alerta.

Todavia, as sete primeiras razões que o Brigadeiro Louro de Sousa evoca merecem uma reflexão que, hoje, passados mais de 40 anos, podemos fazer. Creio que a oitava razão, pelo seu carácter amplo, não é de negligenciar, embora só o texto da exposição o possa esclarecer. Esta “guerra” é um fenómeno sociológico abrangente onde é sempre possível encontrar causas a que poderemos chamar menores apenas por serem menos frequentes, embora possam ser influentes.

Quem viveu o ambiente nas unidades operacionais e mesmo nas de serviços – em Bissau, Nova Lamego, Bafatá, etc. – poderá, embora com “efeitos retroactivos”, tentar responder a uma questão que mensalmente se punha no momento em que as unidades de nível companhia respondiam à pergunta: - Como é o moral das tropas? Nunca ouvi que uma unidade tivesse declarado que era mau, mesmo quando as coisas tinham corrido mal durante o mês em apreço e quais as consequências de uma opinião mais pessimista.

António J.P. Costa

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O Moral das Tropas é Bom!

Era das NEPES!

Embora alguns não o conheçam, o SITPES era uma das nossas dores-de-cabeça mensais. Mais um papel que era necessário fazer com resultados pouco palpáveis! Nunca na minha Unidade senti efeitos directos da sua elaboração. Segundo as NEP (Normas de Execução Permanente) da 1.ª Rep. do QG/CTIG, quase todas as Unidades de nível Companhia tinham que o fazer. Hoje, não sei que é feito dele, mas este relatório mensal poderia fazer muita luz sobre o nosso passado. Fui revisitá-lo naquele volume considerável com capa de cartolina castanha, com letras pretas, escrito à máquina com caracteres “micro” e reproduzido em stencil.

Nele ficavam registados todos os movimentos de pessoal e respectivas causas: os mortos, os feridos (ligeiros e graves), os recompletamentos, os louvores e condecorações, as punições de todos tipos e uma série de pequenos detalhes que, hoje, reconstituiriam tantos momentos da nossa vivência. Mas o que mais me atraiu a atenção foi o Anexo 2 – “Relatório do Estado Disciplinar e Moral da Força”. Era uma “exposição concisa sobre o estado moral das tropas” que daria indícios, se bem explorado, sobre o sentir do pessoal, a sua motivação, a sua aceitação das tarefas do dia-a-dia, abreviando: a sua vontade de vencer. As preocupações do Brigadeiro Louro de Sousa inserem-se directa ou indirectamente na Área do Pessoal.

O articulado terminava com três quadros sem designação, o que prova que os peritos em gestão de pessoal esperam sempre que surjam situações que não previram e que terão efeitos na área que dizem dominar. Não creio que estes quadros alguma vez possam ter passado e ser utilizados e com que designação.
Havia quadros a que poderemos chamar menores, pois só com valores consideráveis se tornam significativos, como sejam certas ocorrências: as faltas disciplinares e os acidentes de viação. Outros que se podem ler nas entrelinhas, como é o caso dos pedidos de transferência. Seriam raros, mas quando se tenta trocar uma colocação numa Unidade Operacional por outra em idênticas circunstâncias, algo vai mal no relacionamento entre o militar e a sua Unidade.

O número dos desertores e dos ausentes sem licença mediria a aceitação voluntária e assumida do que se fazia, a saturação e a vontade de ali permanecer. Sabemos que o número de deserções para o campo do inimigo foi muito menos que residual. Porém, a deserção entre os que vinham de férias teve alguma – embora pequena – expressão. Será mais um aspecto a considerar numa das tais causas que o Brigadeiro Louro de Sousa indica. Creio que não se desertava para o inimigo por não haver dúvidas acerca do tratamento que nos estaria reservado. Com muita certeza os maus-tratos seriam longos e abundantes e a possibilidade de comunicação com a família ou eventual repatriamento eram hipóteses que nem sequer se punham. Se não se contactava com a família dos prisioneiros, nem se punha a hipótese do seu repatriamento, como é que tal seria possível com os desertores, criminosos, à luz da legislação em vigor? E que confiança teria o inimigo na colaboração de um desertor? E estaria ele disposto a dá-la? Por outro lado, ao contrário de outras guerras, a deserção, em frente do inimigo, não era possível para outras regiões ou países, eventualmente “neutros”. A ausência sem licença ou por excesso dela só por despiste teria lugar. Tive, na minha Companhia um soldado que ia na nona ou décima ausência e sempre pelo mesmo motivo: frequência assídua do Pilão, em Bissau, durante as frequentes baixas ao HM 241.

Portanto, ficava-se ou regressava-se mesmo sabendo ao que se ia, porque… se calhar, não poderíamos “cá” ficar todos e o que seria se o número de recusas ao reembarque aumentasse? Além disso, começávamos a ser “Homens” e os Homens não fogem. No fundo, ainda nos restava uma ténue esperança de que estávamos a fazer algo válido e necessário.

Instintivamente, temos todos a ideia de que os problemas de 1963, não eram muitos diferentes dos de 1968, 1974...

Das causas referidas por Louro de Sousa encontramos algumas que se prendem directamente com o “Moral das Tropas”: Deficiente instrução das tropas e quadros; Falta de pessoal/insuficiência de efectivos; Falta de enquadramento. Outras influenciam-no (muito), mas não directamente: Deficiente equipamento das Unidades no terreno; Abastecimento (material, munições, víveres e água); Instalações inadequadas, mas todas têm a mesma consequência: Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a Metrópole.

Os que foram em Unidades constituídas sabem bem as deficiências da sua preparação que era consequência de locais adequados para a instrução, certas restrições (de índole financeira) ao consumo de alguns meios, impreparação dos instrutores – especialmente das praças – que, na maior parte dos casos não sabiam mais do que vagamente se lembravam da sua formação e uma resistência atávica e subliminar, que se radicava numa resistência não escrita nem reconhecida por ninguém a ir para a guerra. Os que foram em rendição individual sabem o que tudo isto significa, mas para pior, uma vez que foram parar a uma Unidade com pessoal já rotinado nas tarefas a desempenhar.

A falta de pessoal e insuficiência de efectivos foi algo que todos pudemos constatar, quer na dificuldade com que se processavam os recompletamentos, quer no embarque de Unidades incompletas em maior ou menor grau. Quem não se lembra do tempo que esperou pelo seu substituto ou pela lentidão com que as baixas de todo o tipo eram colmatadas? Para o fim da guerra há mesmo caso de Unidades que tiveram dificuldades em obter um número considerável de elementos já que o potencial humano do país começou a revelar-se insuficiente para as necessidades, mesmo recorrendo ao “recrutamento da província”. Desta insuficiência resultava um esforço considerável sobre quem estava “lá”, com o correspondente desgaste físico e psicológico.

Da insuficiência de meios humanos resultava também um enquadramento que atingiu níveis baixíssimos especialmente depois de 1972, quando nas Companhias de Quadrícula ou de Intervenção só havia dois profissionais que eram sargentos e, mesmo assim, normalmente com funções administrativas. Este deficiente enquadramento só ampliava os problemas determinados pelas duas causas anteriores. Podemos também referir a redução do número de médicos nos batalhões, que todos notámos.

E entramos na questão do equipamento/armamento ou da falta dele. Ainda recentemente afirmei e ilustrei a deficiência de equipamento da artilharia. Mas, quem não se lembra das dificuldades que tínhamos ao nível das Transmissões? E aquele bendito “algeroz” que dava pelo nome de bazooka de 8,9 cm que se prendia em todo o lado, não dava jeito nenhum e que, tirando em defesa do aquartelamento, não tinha utilidade? E mesmo assim… Já está demonstrado que o abastecimento (material, munições, víveres e água) se processava com “dificuldades”.

Sobre esta questão limito-me a recordar o considerável número de aquartelamentos sem água (Gandembel, Guileje, Banjara, Cutia, entre outros) e as consequências que daí advieram. Poderia falar das dificuldades no reabastecimento de material de aquartelamento, mas isso já pode ser considerado como exigência excessiva. É que, como se recordam, tínhamos camaradas que até censuravam que quiséssemos viver bem (um pouco melhor) no aquartelamento era excessivo.

“Que diabo! Com a Pátria em perigo este gajo quer cadeiras e mesas? Desenrasque-se!”
“Abrigos reforçados com cimento? Vá para as valas para não perder agressividade!”

E as instalações? Compreende-se que uma Unidade que toma conta de um sector “tomado ao In” ou que ocupa uma tabanca no início da guerra se governe com a “prata da casa”, mas tornar esta situação cronicamente provisória só pode ter efeitos negativos. Às vezes de tão inadequadas até se tornavam perigosas. Quem não se recorda de ter herdado esta ou aquela instalação “dos velhinhos” que, pouco tempo depois, estava inutilizável ou perigosa, o que obrigava a sua reconstrução, com o esforço inglório que se adivinha?

Do somatório não necessariamente algébrico e às vezes até em progressão geométrica resultava a mesma consequência: Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a Metrópole. Se a esta ânsia acrescentarmos a impaciência relativamente ao desfecho favorável ou ao receio de um desfecho desfavorável da população metropolitana e à passividade da população rural – a mais próxima de nós – teremos um caldo de cultura que veio a piorar desde 1963, de acordo com o raciocínio do Brigadeiro Louro de Sousa. Se a isto juntarmos a tendência para embaratecer a guerra perfilhada pelo Salazar e a desproporção entre os meios necessários e os existentes para que a situação se invertesse veremos que pouco ou nada mudou desde 1963.

António J.P. Costa
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Notas do editor

- Negritos e itálicos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15634: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (16): “A Tropa vai fazer de Ti um Homem!”

Guiné 63/74 - P15808: Notas de leitura (812): “Os Caminhos de Gadamael-Porto”, de Manuel da Silva Fernandes, edição de autor, Ponte de Lima, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Manuel da Silva Fernandes foi 1.º Cabo Operador Cripto numa Unidade que ficou conhecida como os Gaviões de Gadamael. O seu relato é incomum, nunca vi tanta imagem de gente entre o passado e o presente, em viagem para a Guiné, nas LDM a caminho de Gadamael, em eventos de enorme significado como a homenagem aos mortos em Ponte de Lima, ele é limiano assumido e aproveita este documento memorial para falar dos heróis da terra, como o malogrado capitão Tinoco de Faria, que agonizou e fechou os olhos a pedir coragem aos seus homens.
Temos aqui a prova provada de que o livro só se fechará quando o último de nós apagar a luz, deixando a narrativa a interpretes da História.

Um abraço do
Mário


Os Gaviões de Gadamael

Beja Santos

Em “Os Caminhos de Gadamael-Porto”, Guiné 1970/72, os Gaviões de Gadamael, Edição de autor, Ponte de Lima, 2014, viajamos até ao Sul da Guiné e acompanhamos uma inequívoca demonstração de companheirismo do autor pelos camaradas limianos e pelos da sua unidade, a CCAÇ 2796. Não é comum tão extenso repositório fotográfico e tanto registo de depoimentos e testemunhos de gente amiga. Porque é de um fervoroso limiano de que estamos a falar, alguém que se orgulha da ligação de Zeca Afonso a Ponte de Lima, como ele escreve: José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu em Aveiro, era filho de José Nepomuceno Afonso, juiz, nascido em Aveiro, e de Maria das Dores Dantas Cerqueira, professora primária, nascida em Ponte de Lima. O 1.º Cabo Operador Cripto Silva Fernandes lembra que chegaram a Gadamael-Porto quando a povoação estava muito disposta depois da retirada das nossas tropas de vários aquartelamentos, Ganturé, a três quilómetros de Gadamael, mas também de Sangonhá, Gandembel e Cacoca.

Os Gaviões foram-se juntando no RI 2, em Abrantes, constituíam uma Companhia um pouco excêntrica, incluíam gente oriunda de um “plano de recuperação e inserção na sociedade civil”, vulgo malta com cadastro, presidia ao conjunto o Capitão Assunção Silva, que irá morrer em combate. Do Pidjiquiti seguem para Brá, 17 dias depois marcham para o Sul em duas LDM.

Mal arribados, começam as flagelações, logo em 16 de Dezembro de 1970, a 20 sofrem uma flagelação tremenda, nem escaparam à noite de Natal nem ao fim de ano. Compendia todas estas flagelações: 8, 10 e 11 de Janeiro. Em 24 de Janeiro uma grande tragédia na primeira e única emboscada durante uma patrulha de reconhecimento, escreve que ocorreu na área de Tamabofa, num trilho de passagem do IN perfeitamente identificado. Uma única bala de uma PPSH, de alguém escondido por trás de um morro de bagabaga abateu aquele que era a maior referência dos gaviões, morreu perto das antigas tabancas de Canturé.

Ainda não refeitos do choque da perda do Comandante de Companhia, a 28 nova flagelação, procede-se a patrulhas de reconhecimento e descobrem-se e desativam-se 20 minas antipessoais e uma mina anticarro. São relatórios minuciosos, sugerem-se os itinerários do inimigo que dispõe de um enorme campo de manobra.

Uma das originalidades deste documento de Silva Fernandes é a correspondência com as madrinhas de guerra. Vejamos a carta que recebeu em 22 de Dezembro:

“Manolo: 

Antes de mais deixa-me tratar-te por este diminutivo. Quem sou eu e como cheguei a ti: através de uma revista feminina encontrei uma série de nomes militares onde era feito um apelo para os apoiar nas frentes de guerra. Enchi-me de coragem e lá fui à procura desse mistério, não sabendo que tipo de pessoa está desse lado, de onde veio e o que faz. Um outro interesse despertou a minha curiosidade: a tua habilitação militar, Operador Cripto. Sou professora em Odemira, no ensino primário; tenho 21 anos de idade, 1,64 metros de altura, olhos castanhos e cabelo curto. Gosto muito de ler, de passear e tenho uma grande admiração e respeito pela natureza. 
Manolo: 

O que eu posso oferecer nesta altura é o incentivo de que passes os teus dias da melhor forma. Olha o sol, as estrelas, provavelmente o calor, as tempestades, mais que provável isolamento de tudo, olha tudo isso com fé e coragem. Protege-te da guerra com uma estampa de S. Sebastião que te mandarei na próxima carta. O meu objetivo neste momento não é procurar namoro. Estou muito mais motivada por uma correspondência que eleve a tua moral, saber que sou útil a alguém que deve estar a necessitar de incentivo de quem está por fora da guerra”.

Logo a 3 de Janeiro Silva Fernandes responde à madrinha, manifesta regozijo de saber que é professora, informa que o pai é Guarda-Fiscal, explica-lhe o que é um Operador Cripto e diz-lhe onde e como vive: “Não saio do aquartelamento a não ser para as tabancas que circundam Gadamael, um quartel com casernas à base de zinco, madeira e chapa aproveitada do bidons de combustível”. E despede-se, pedindo permissão para mandar um beijinho e esperar que essa vontade de relacionando vá até onde Deus queira que vá. Somos informados também que a alimentação em Gadamael era horrível. Estamos em Maio, na flagelação do dia 8 a Unidade sofre dois mortos, dois feridos graves e dois feridos ligeiros. Ainda hoje Silva Fernandes chora os seus mortos. Em Junho, mais três flagelações em Gadamael. E abruptamente, o que é muitíssimo comum na nossa literatura memorial, os registos aceleram, misturam o passado com o presente, o ano passou depressa, somos levados a supor.

E em 24 de Janeiro uma parte da unidade segue para Quinhamel, em Fevereiro ainda experimentam uma flagelação e o resto da Unidade deixa Gadamael em 22 de Fevereiro. A Unidade em Quinhamel desdobrava-se pelos destacamentos de Biombo, Ponta Vicente da Mata, Bijmita e reordenamentos de Blom e Quiuta. É neste contexto que em 30 de Março a Base Aérea é flagelada durante alguns minutos. Silva Fernandes disserta abundantemente sobre a política africana, as ações de Spínola e como o Portugal pós 25 de Abril calou as suas responsabilidades com os africanos que comprometeu na guerra. Silva Fernandes tem credenciais como plumitivo, as badanas do seu livro descrevem a intensidade das suas intervenções.

O seu testemunho tem este lado curioso de ser uma História da Unidade contada na primeira pessoa, um Operador Cripto que não é nada dado a farroncas, que descreve sem se manipular na ocultação, sem manifestar ufania pelas amizades que fez, guardando total descrição sobre o volumoso número de flagelações que conheceu em Gadamael. E tocantes fotografias, em abundância, mostram sem necessidade de legendas como a camaradagem dos "Gaviões" irá até ao fim das suas vidas, aconteça o que acontecer.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15799: Notas de leitura (811): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15807: Inquérito 'on line' (36): Os muitos problemas com que nos defrontávamos no início da guerra, em 1963 (Paulo Salgado / João Martins / Mário Serra de Oliveira)



Vila Real > Agosto de 1963 > CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) > O regresso a casa... Na foto, o 1º pelotão... Repare-se no fardamento, o caqui amarelo... O cmdt era o então cap inf José dos Santos Carreto Curto, hoje ten gen reformado, natural de Castelo Branco.

Foto: João Baptista (1938-2010), autor do blogue Fulacunda.  [Edição: LG]

Comentários ao poste P15802 (*):



I. Paulo Salgado


1. Os problemas ou assuntos colocados pelo Com-chefe Louro de Sousa traduzem de forma excelente o que se vivia nessa época - 1963.

No entanto, outras circunstâncias ocorriam, já então, e ocorreriam posteriormente, que porventura não seria expectável que fossem denunciados: 

(i) o facto de o IN já se ir preparando para a guerra de forma segura, psicológica e belicamente segura;

(ii) a manifesta incoerência de uma guerra, mal explicada e fora dos contextos internacionais que, já em 1958, a França experimentara na Argélia de que nós, amargamente, não colhemos lição - o que veio depois a confirmar-se no Congo belga, em Angola e, antes, na Índia.

2. No que respeita ao historiador José Matos que aborda muito bem a sublevação das gentes da Guiné, recordo que, historicamente, as sublevações foram constantes ao longo dos séculos - basta compulsar diversas obras (algumas eu tenho na minha posse e delas faço uso em diversas reflexões) para se confirmarem estes factos históricos.



Opção Resposta 8:

(i) falta conhecimento das necessidades das populações e falta de apoio no desenvolvimento económico e social;

(ii) falta de aproveitamento e de promoção social dos quadros mais qualificados (ex: Amílcar Cabral);

(iii) falta de aproveitamento político das estrutras tradicionais do poder (ex: régulos);

(v) militares de carreira com formação em guerra clássica, mas, sem preparação e conhecimentos em guerras de guerrilhas, que têm cariz muito mais político do que militar, sobretudo, ao mais alto nível das forças armada;

(v) poder político sem visão e sem carisma suficiente para enfrentar uma guerra com carácter mais político do que militar. Era fundamental encetarem-se conversações com muito mais acutilância e determinação:

(vi) falta de suficiente capacidade de esclarecimento político e mobilizadora das tropas para enfrentarem e sofrerem grande desgaste psíquico.


III. Mário Serra de Oliveira

Concordo:

1. Deficiente instrução das tropas e quadros

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno 

5. Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses 

6. Instalações inadequadas

7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole

Concordo, com atenuante somente no meio de transporte, porque fartura existia:

4. Abastecimento (material, munições, víveres e água) -

Discordo:

3. Falta de pessoal / insuficiência de efetivos

Outros problemas:

8. Outros problemas não referidos acima - Aproximação pedagógica mais respeitàvel, junto das populações.

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Nota do editor:

(*)Vd. poste de 27 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15802: Inquérito 'on line' (35): Lista de problemas no CTIG em setembro de 1963, segundo o Com-Chefe Louro de Sousa...Camarada, vota nos que concordares (Resposta múltipla)