quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19050: Os nossos capelães (11): Não, não fui chamado à presença do gen Spínola, mas sim de um outro militar de alta patente que de resto teve um comportamento civilizado comigo (Arsénio Puim, ex-alf mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/71)


Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O ex-Alf Mil Capelão Arsénio Chaves Puim (, que vive na ilha de São Miguel, Açores) e o ex-Alf Mil Trms Antero Magalhães Pacheco da Silva (, que vive no Porto).

Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edikção e kegendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em 18 do corrente, enviámos a seguinte mensagem ao nosso camarada e amigo Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), na sequência do poste P19024 (*)


Arsénio, amigo e camarada:

Há séculos que não falamos!... Por favor, lê o texto e os comentários [, Poste P19024] (*)...Julgo que tu e o Rebelo nunca mais se voltaram a encontrar, depois da tua saída forçada de Bambadinca e do CTIG... É importante o teu testemunho...Por dever e direito de memória...

Já és avô ? Vejo que continuas vivo, ativo, produtivo, saudável...

Um alfabravo do Luis, um xicoração da Alice...


2. Resposta de ontem do Arsénio Puim:

Caro amigo Luís

Há muito que não nos vemos, mas não nos esquecemos. É como a brasa debaixo da cinza: não aparece, mas está viva.

Impossível apagarmos as recordações e sentimentos que nos imprimiu um ano tão forte e marcante de vivência comum na - para bem e para mal - sempre lembrada Guiné. O mesmo posso dizer em relação a todos os velhos companheiros do nosso Batalhão.

Eu continuo vivo, e com alguma actividade , ao ritmo da idade e das consequentes e naturais limitações. E estou preparado e feliz por viver com a qualidade possível a minha quarta idade, que, como é natural, marca o fim de uma vida.

É verdade: sou já avô duma linda neta, com quase 4 anos, e duma outra que vem a caminho e chegará no fim de Novembro.

Ora o «Romance do Padre Puim», que o próprio autor [, o Carlos Rebelo,]  me remeteu com o curioso endereço «onde quer que se encontre» e que acabou por me chegar às mãos através de um funcionário da Caixa Geral de Depósitos,  de Vila Franca do Campo, foi um momento muito gratificante e emocionante para mim.

O  Carlos Rebelo foi dos últimos elementos do Batalhão [, o BART 2917,]  com quem me encontrei na Guiné, pois ele encontrava-se em Bissau e participou no jantar de homenagem que um pequeno grupo de camaradas de Bambadinca me promoveu antes de embarcar para Lisboa. Depois, é verdade, tive oportunidade de contactar com os filhos no convívio de Viana em 2009.

Quanto ao texto e o seu conteúdo, acho que a composição demonstra o talento do autor neste género e que ele apreendeu realmente a verdade de fundo do «romance» do capelão de Bambadinca em relação à sua missão no meio duma guerra colonial, sem deixar, como é natural, de «romancear» alguns pormenores descritivos. 

A propósito, posso dizer que não se tratava do General Spínola, mas sim dum militar de alta patente, cujo nome já não recordo. (**)

Termino,  reiterando ao Luís e Alice a minha sincera amizade e os meus melhores cumprimentos. E aproveito a oportunidade para enviar a todos os velhos companheiros da Guiné - e não esqueço também as Companhias do Xime, Mansambo e Xitole - as minhas amistosas saudações com um grande abraço.

Arsénio Puim
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de setembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19024: Os nossos capelães (10): O "romance do Padre Puim", por Carlos Rebelo (1948-2009), ex-fur mil sapador, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

Dois comentários de LG:


(i) (...) O que fizeram ao Puim, os seus comandantes, os do BART 2917, o AC e o BB, foi de uma grande pulhice humana...Afinal, o que ele fez foi em perfeito alinhamento com as orientações da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"!...

O Puim, enquanto português, homem, cidadão, capelão e oficial do Exército Português, insurgiu-se, protestou ou chamou a atenção para a situação desumana, degradante, em que viviam, numa espécie de galinheiro, em Bambadinca, velhos, mulheres e crianças que foram "recuperados" de uma tabanca no mato, sob controlo do PAIGC (que "eles" chamavam, pomposamente, "áreas libertadas", na famigerada áera do Poindon / Ponta do Inglês onde demos e levámos muita porrada ao longo da guerra...)!

Porra, não eram "TURRAS"!... Era população civil, desarmada, andrajosa, miserável, esfomeada, apavorada... As crianças tinham nascido no mato e entravam em pânico ao ouvir o roncar de uma GMC...no quartel.

Muito provavelmente estes "pobres diabos" foram trazidos pela minha CCAÇ 12 em abril ou maio de 1971... Eu tinha acabado de chegar à metrópole, há coisa de um mês e tal... (...)


(ii) (...) O "romance" escrito pelo Carlos Rebelo não pode ser lido "à letra"... O Rebelo nunca mais viu o seu camarada e amigo Puim... Daí a dedicatória: "Para o Padre Puim, onde quer que se encontre, tantos anos depois"...

Quando o Puim veio à metrópole, em 2009, ao 3º convívio do pessoal da CCS/BART 2917, já foi demasiado tarde... O Rebelo tinha acabado de morrer...

O Rebelo imaginou esta cena, o Puim, vítima mas corajoso, enfrentando o seu juiz, o general, prepopente mas fraco, e saindo porta fora com a dignidade e a superioridade dos que têm a razão moral...

Mas ninguém pode garantir, a não ser o próprio Puim, que as coisas se tenham passado assim... Nem sei sequer se o Puim esteve com o Spínola. É de todo improvável...Sei, pelas conversas que tive com ele, em Lisboa, na casa dos filhos, que houve, isso, sim, uma discussão azeda, amargurada, entre ele e o capelão-chefe, lá no "Vaticano", em Bissau...

Não estou a defender o Spínola, mas se ele tivesse chegado a saber a história como devia ser (, a história dos desgraçados dos prisioneiros civis, em Bambadinca, abril ou maio de 1971) quem teria levado uma "porrada" era o comando do BART 2917, o AC e o BB (...)



(**) Vd.poste de 25 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

(...) O nosso capelão ainda teve uma semana em Bissau, a aguardar transporte, e outra semana em Lisboa, até ser reenvaiado para os Açores...

 Em Bissau, foi recebido por uma alta patente militar (que ele não consegue identificar, mas que até teve com ele um comportamento civilizado) bem como pelo seu superior hierárquico, o Major Capelão Gamboa (....). 

Em contrapartida, os amigos e camaradas de Bambadinca que na altura estavam de passagem em Bissau, fizeram-lhe um jantar de despedida, onde também esteve o 1º sargento Brito, como faz questão de frisar. (...)

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19049: Historiografia da presença portuguesa em África (132): Relatório de um alto funcionário maltratado na Revolução Triunfante, 1931 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Parecia que estava tudo escrito e dito sobre os acontecimentos da revolta de 1931, ninguém ignora que houve uma certa recetividade, rendidos os revolucionários da Madeira, era certo e seguro que os da Guiné iriam pelo mesmo destino. Os elementos da Junta Governativa saíram da Guiné, seriam quase todos severamente punidos, o Estado Novo fazia-se impor e não condescendia aos democratas.
Esta peça que faz parte do acervo dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa tem o seu encanto e alguém propõe como assunto o seu quase fuzilamento… Ele, que nada tinha a ver com aquela aventura, vinha, com as necessárias mesuras burocráticas, explicar-se convenientemente ao Sr. Governador interino, Soares Zilhão.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Relatório de um alto funcionário maltratado na Revolução Triunfante, 1931

Beja Santos

Não se pode dizer que o assunto do relatório não tenha um título exuberante: Relatório feito pelo Director dos Serviços e Negócios Indígenas, Dr. José Peixoto Ponces de Carvalho, entregue ao Governador nomeado pelo Poder Central, Sr. Coronel João Soares Zilhão, referindo-se à ocorrência, e do qual constam os maus tratos sofridos a quem foi submetido pelos revoltosos, a ponto de, mercê da intervenção de um amigo – revoltoso também – escapou milagrosamente de ser fuzilado, chegou a ser encostado a um muro. É um delicioso relatório constante do acervo dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. O texto não é integral, julga-se, no entanto, que guarda o essencial:

“Exmo. Sr. Governador da Colónia da Guiné
Foi às 3,30 horas do dia 17 do passado mês de Abril que os tiros que iniciaram a revolução me despertaram. Mandei chamar o 1.º Oficial desta Direcção, António Pereira Cardoso. Demorado a comparecer, enviei novo recado. Pela resposta soube ter sido preso. Ao amanhecer soube mais: aquele funcionário fora violentamente espancado, bem como o Amanuense Mário Augusto de Serpa Rosa, detido, como o primeiro, no Armazém da Alfândega.

Já dia claro: nas ruas inúmeros civis – deportados, cadastrados e alguns espontâneos – passam armados. Depois, camionetas com metralhadoras, civis, cabos e sargentos.
É neste ambiente que à hora regulamentar me dirijo para o serviço. Ao entrar, um revolucionário deportado mostra-me uma intimação da chamada Junta Governativa, mandando comparecer na Repartição Militar os Magistrados Judiciais e do Ministério Público, Chefes de Serviço e de Repartição.

Na secretaria, todos os funcionários, com excepção dos referidos presos, trabalham nas suas mesas. Às 12 horas, apresentei-me na Repartição Militar, onde, com todos os intimados, assinei o compromisso de acatamento às ordens da Junta, repetindo o juramento feito quando tomei posse do meu cargo. Por duas razões o fiz: a convicção de que não cometia qualquer infracção; a certeza de que à recusa do acatamento corresponderia a da minha imediata prisão, o que necessariamente contribuiria para a desordem dos serviços e desprestígio de um alto funcionário, cujo cargo, para ser útil e eficaz, tanto cumpre fazer respeitar pelo elemento nativo.
O signatário, porque muito preza a verdade – contra a qual os interesses do seu amor-próprio não podem prevalecer – não quer omitir a hipótese de que a perspectiva de inúteis incómodos físicos e morais muito tivesse contribuído para a sua prudente resolução…

Em suplemento ao número 16 do ‘Boletim Oficial’ foi publicado um ‘convite’ a todos os funcionários e entidades oficiais para assistirem à posse do Governador Interino nomeado por ‘Resolução da Junta Governativa da Guiné’. Todos os funcionários compareceram, assinando o respectivo ‘termo de posse’. Nenhum outro contacto houve entre os funcionários da Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas e a revolução. Dentro da quase completa estagnação que os acontecimentos provocaram, não se verificou a mais pequena solução de continuidade na pontualidade e compostura dos funcionários que aqui trabalham.
Durante o período revolucionário, nenhum diploma ou portaria foram publicados sobre a proposta, sugestão ou parecer desta Direcção.

Tendo exposto a V. Ex.ª. o comportamento e a atitude dos funcionários e a maneira como decorreram os serviços desta Direcção, durante o período revolucionário creio ter cumprido o que por V. Ex.ª foi determinado, 
15 de maio de 1935,
 José Peixoto Ponces de Carvalho”.



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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19028: Historiografia da presença portuguesa em África (130): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19048: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulos 66 e 67: "mas porque é que esta rapariga não arranjou outro rapaz nestes meses todos e está à espera daquele bandalho?"


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > O 1º cabo cond auto José Claudino da Silva, no início da comissão.


Foto: © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cortesia do autor,  página do Facebook.
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome daPátria") do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à direita, com a esposa Amélia, no dia em que fazem 43 anos de casados] (*):

(i) nasceu em Penafiel, em 1950, "de pai incógnito" (como se dizia na época e infelizmente se continua a dizer, nos dias de hoje: que o digam mais de 150 mil portugueses!), tendo sido criado pela avó materna;

(ii) trabalhou e viveu em Amarante, residindo hoje na Lixa, Felgueiras, onde é vizinho do nosso grã-tabanqueiro, o padre Mário da Lixa, ex-capelão em Mansoa (1967/68), com quem, de resto, tem colaborado em iniciativas culturais, no Barracão da Cultura;

(iii) tem orgulho na sua profissão: bate-chapas, agora reformado; completou o 12.º ano de escolaridade no âmbito do programa Novas Oportunidades; foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção);

(iv) tem página no Facebook; é membro n.º 756 da nossa Tabanca Grande.


2. Sinopse dos postes anteriores:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, dos percursos de "turismo sexual"... da Via Norte à Rua Escura;

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1.º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3.ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré; o dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau, e fica lá mais uns tempos para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(v) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas da companhia; partida em duas LDM para Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos' (ou vê-cê-cês), os 'Capicuas", da CART 2772;

(vi) faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(vii) é "promovido" pelo 1.º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe"; a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda";

(viii) Dino, o "cabo de reabastecimentos", o "dono da loja", tem que aprender a lidar com as "diferenças de estatuto", resultantes da hierarquia militar: todos eram clientes da "loja", e todos eram iguais, mas uns mais iguais do que outros, por causa das "divisas"... e dos "galões"...

(ix) faz contas à vida e ao "patacão", de modo a poder casar-se logo que passe à peluda; e ao fim de três meses, está a escrever 30/40 cartas e aerogramas por mês; inicialmente eram 80/100; e descobre o sentido (e a importância) da camaradagem em tempo de guerra.

(x) como "responsável" pelo reabastecimento não quer que falte a cerveja ao pessoal: em outubro de 1972, o consumo (quinzenal) era já de 6 mil garrafas; ouve dizer, pela primeira vez, na rádio clandestina, que éramos todos colonialistas e que o governo português era fascista; sente-se chocado;

(xi) fica revoltado por o seu camarada responsável pela cantina, e como ele 1.º cabo condutor auto, ter apanhado 10 dias de detenção por uma questão de "lana caprina": é o primeiro castigo no mato...; por outro lado, apanha o paludismo, perde 7 quilos, tem 41 graus de febre, conhece a solidariedade dos camaradas e está grato à competência e desvelo do pessoal de saúde da companhia.

(xii) em 8/11/1972 festejava-se o Ramadão em Fulacunda e no resto do mundo muçulmano; entretanto, a companhia apanha a primeira arma ao IN, uma PPSH, a famosa "costureirinha" (, o seu matraquear fazia lembrar uma máquina de costura);

(xiii) começa a colaborar no jornal da unidade, os "Serrotes" (dirigido pelo alf mil Jorge Pinto, nosso grã-tabanqueiro), e é incentivado a prosseguir os seus estudos; surgem as primeiras dúvidas sobre o amor da sua Mely [Maria Amélia], com quem faz, no entanto, as pazes antes do Natal; confidencia-nos, através das cartas à Mely as pequenas besteiras que ele e os seus amigos (como o Zé Leal de Vila das Aves) vão fazendo;

(xiv) chega ao fim o ano de 1972; mas antes disso houve a festa do Natal (vd. cap.º 34.º, já publicado noutro poste); como responsável pelos reabastecimentos, a sua preocupação é ter bebidas frescas, em quantidade, para a malta que regressa do mato, mas o "patacão", ontem como hoje, era sempre pouco;

(xv) dá a notícia à namorada da morte de Amílcar Cabral (que foi em 20 de janeiro de 1973 na Guiné-Conacri e não... no Senegal); passa a haver cinema em Fulacunda; manda uma encomenda postal de 6,5 kg à namorada; em 24 de fevereiro de 1973, dois dias antes do Festival da Canção da RTP, a companhia faz uma operação de 16 horas, capturando três homens e duas Kalashnikov, na tabanca de Farnan.

(xvi) é-lhe diagnosticada uma úlcera no estômago que, só muito mais tarde, será devidamente tratada; e escreve sobre a população local, tendo dificuldade em distinguir os balantas dos biafadas; em 20/3/1973, escreve à namorada sobre o Fanado feminino, mas mistura este ritual de passagem com a religião muçulmana, o que é incorreto; de resto, a festa do fanado era um mistério, para a grande maioria dos "tugas" e na época as autoridades portuguesas não se metiam neste domínio da esfera privada; só hoje a Mutilação Genital Feminina passou a a ser uma "prática cultural" criminalizada.

(xvi) depois das primeiras aeronaves abatidas pelos Strela, o autor começa a constatar que as avionetas com o correio começam a ser mais espaçadas; o primeiro ferido em combate, um furriel que levou um tiro nas costas, e que foi helievacuado, em 13 de abril de 1973, o que prova que a nossa aviação continuou a voar depois de 25 de março de 1973, em que foi abatido o primeiro Fiat G-91 por um Strela;

(xvii) vai haver uma estrada alcatroada de Fulacunda a Gampará; e Fulacunda passa a ter artilharia (obus 14); e o autor faz 23 anos em 19 de maio de 1973; a 21, sai para Bissau, para ir de férias à Metrópole; um grupo de 10 camaradas alugam uma avioneta, civil, que fica por um conto e oitocentos escudos [equivalente hoje a 375,20 €];

(xviii) considerações sobre o clima, as chuvas; em 19/5/1973, faz 23 anos... e vem de férias à Metrópole, com regresso marcado para o início de julho de 1973: regista com agrado o facto de o pai, biológico, ter trazido a sua tia e a sua avó ao aeroporto de Pedras Rubras para se despedirem dele;

(xix) vê, pela primeira vez, enfermeiras, brancas, paraquedistas; apercebe-se igualmente da guerra psicológica; queixa-se de a namorada não receber o correio; manda um texto para o jornal "O Século" que decide fazer circular pelo quartel e onde apela a uma maior união do pessoal da companhia, com críticas implícitas ao capitão Serrote por quem não morre de amores: na sequência disso, sente-se "perseguido" pelo seu comandante...

(xx) vai de baixa médica para Bissau, mas não tem lugar no HM 241; passa o Natal de 73 e o Ano Novo de 1974 nos Adidos; conhece a "boite" Chez Toi onde vê atuar alguns elementos do grupo musical Pop Five Music Incoporated, a cumprir o serviço militar na Guiné;

(xxi) grande ataque, em 7/1/1974, ao quartel e tabanca de Fulacunda com canhões s/r, resultando danos materiais, feridos entre os militares e a população e a morte de uma criança.

(xxii) faltam 5 meses para acabar a comissão... e há mais uma "crise" nas relações com a namorada...


3. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 66 e 67

[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve, das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. E muito menos fazer autocensura 'a posterior', de acordo com o 'politicamente correto'... Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


66º Capítulo > ERAS TU

A maior de todas as coisas que aprendi, entre as muitas coisas que a vida me ensinou na Guiné e, principalmente, dentro daquela prisão, talvez tenha sido “perdoar”. Quem me conhece não consegue entender como, com tão pouco, tenho tanto. Aos 67 anos de idade, não tenho a mais pequena dúvida em afirmar que quem aturou uma raiva da minha parte,  sabe que alguns minutos depois já estava arrependido de a ter. Infelizmente, não agradei a todos e dói-me ter entre as pessoas a quem não agrado algumas das mais importantes da minha vida. É por elas que a frase na minha página do facebook diz: “Por vós, lamento imenso não ter a imagem que querem que eu tenha”.

Apenas de duas pessoas, nestes anos que levo de vida, me recordo de algo de mal que me fizeram; de todos os outros, se os houve, não me lembro. É assim com a minha Pátria. Não tenho qualquer rancor ao meu país pelo que me fez. A dor transformou-me num sobrevivente. Ninguém me derrotou, apenas perdi pequenas batalhas.

As cartas que li ou reli nestes últimos dias, e que quero divulgar para quem tenha a curiosidade ou a paciência de conhecer o que nelas está vertido, embora escritas num tempo já longínquo, mostram que mesmo no meu pior, tenho de me sentir bem.

Ainda me faltam ler algumas dezenas de cartas e aerogramas para terminar esta tarefa. Não sei o que vou encontrar, nem sei se terei surpresas agradáveis ou desagradáveis, mas sei que tenho aqui, na minha mão, um texto que foi escrito para a mulher da minha vida e que mais uma vez afirmo: sem ela, este livro não podia ser editado. A do dia 21 de Janeiro de 1974 foi dirigida à minha namorada; hoje é… para a minha mulher e para todas as mulheres do mundo.

Sim eras tu!
Com teus cabelos castanhos!...
Com os teus olhos castanhos
Brilhando como o luar.
Foste tu com o teu caminhar, silencioso, ondulante!...
Foste tu com o teu sorriso provocante!...
Foste tu com o teu vestido esvoaçando ao vento
Eras tu surgindo em cima de uma onda que se aproximava
Eras tu fazendo vibrar em meu espírito um sentimento profundo
Eras tu! – AMOR
Oh! Eras tu sim! Conseguindo com tuas palavras provocantes, com teus sorrisos aliciantes, a minha inteira admiração.
Foste tu, sim! Que me fizeste homem 

Foste tu que me fizeste sofrer
Mas foste tu que me ofereces-te a alegria
Mas foste tu quem me ofereceu o que sem ti jamais iria encontrar
A FELICIDADE



67º Capítulo > SERÁ QUE ELE NÃO MUDOU MUITO?


Se o capítulo anterior encerra um certo romantismo, e como quero cumprir com o máximo rigor a sequência da minha vida em nome da pátria, como está datada, previno os mais descuidados de que está a chegar uma altura muito má para os mancebos enamorados, que ainda resistem aos muitos meses de separação, a começar por mim. Querem ver?

“Disseste-me há dias que a tua mãe está farta de discutir contigo e te ver perder tempo a escrever-me, e o teu irmão também, vou dizer-te o que penso.

Faltam-me mais ou menos cinco meses para acabar a comissão e regressar à Metrópole o que significa que há dezanove meses que esperas por mim. Tenho a certeza que conhecendo a tua mãe e embora tu negues, sei que ela não gosta de mim, neste momento deve pensar. Por que é que esta rapariga não arranjou outro rapaz nestes meses todos e está à espera daquele bandalho? Se calhar aquele merdas chega aqui e nem passa mais cartão à minha filha”.


Acreditem que o que escrevi naquele tempo correspondia à realidade. Muitas raparigas passaram um mau bocado por terem esperado os namorados. Alguns, no seu regresso, trocaram-nas por outras e estas ainda eram desdenhadas por outros rapazes. A miséria do ser humano expressa-se das diversas maneiras. E esse foi, indiscutivelmente, também um dos danos colaterais da guerra colonial. Mesmo com alguns que cumpriram a sua palavra, muitos dos casamentos pouco duraram, coisa que, se agora é banal, há uns anos atrás não era.

Já o disse quase no início deste livro que pouco e pouco fui diminuindo a intensidade dos contactos com familiares e amigos, como vos falei das várias crianças mulatas que vivem nas tabancas. Com que cara um soldado enfrentava a namorada que o esperou dois anos dizendo-lhe:
-Olha! Tenho um filho duma negra na Guiné?

Sabem que mais? Vocês estão-se nas tintas porque não se viram nelas, mas as futuras sogras tinham muita razão em ficar apreensivas.

Tinham tanta razão que no dia 5 de Fevereiro de 1974, dentro duma carta, devolvi um aerograma que tinha recebido.

“Se achas que a tua mãe e o teu irmão têm razão fica com eles. Devolvo-te esse aéro ridículo que não quero ver mais. Só porque disse, o que acho que a tua mãe pensa, já sou eu que penso isso e chego aí não te passo cartão e ponho-me a andar.

Vê bem a data do aéro, demorou 14 dias a chegar aqui, se esta carta demorar o mesmo tempo, vai chegar aí no dia 28, mais 14 dias da tua resposta, e assim sucessivamente tão cedo não me entendo contigo, talvez até chegue aí antes de nos entendermos. Por isso se não confias em mim, segue os conselhinhos da mãezinha e do irmãozinho e não esperes. Tens rapazes aos pontapés, já agora eu é que te dou um conselho. Arranja um que não venha para aqui.
Sinto que o teu amor por mim é que acabou, se assim é diz-me”.

Oh que caramba! desculpem lá. No aerograma seguinte, a Amélia voltava a jurar-me o seu amor e escrevi-lhe logo a dizer que aceitava.

Estão para aí todos a pensar: este tipo é um idiota chapado. Concordo plenamente convosco. Avisei-vos que a minha guerra não tem nada a ver com as outras guerras que vos contaram. Nas reuniões de ex-combatentes só ouço falar de mortes, corpos cortados à catanada, cabeças penduradas nas árvores e, principalmente, muitas fodas dadas nas pretas e barris de cerveja. Eu não posso dizer isso porque poucas mulheres havia onde estive e barris de cerveja, pelo menos no quartel, nunca vi nenhum.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19047: Parabéns a você (1502): António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65) e Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando da 38.ª Companhia de Comandos (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19037: Parabéns a você (1501): Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do CMD AGR16 (Guiné, 1964/66)

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19046: (D)o outro lado do combate (36): Bigene, agosto de 1972, «Operação Silenciosa"... (Jorge Araújo)


Bigene, a oeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

BIGENE, AGO'1972: «OPERAÇÃO SILENCIOSA»: A NEUTRALIZAÇÃO DA ARTILHARIA PESADA COLONIAL  [AO TEMPO DA CART 3329]


MEMÓRIAS DO BRIGADEIRO-GENERAL DAS FARP ALBERTINHO ANTÓNIO CUMA (EX-COMBATENTE)


Entrevista publicada em «O Defensor», órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição n.º 22, dezembro de 2015, p.10.- "Grupo de guerrilheiros neutraliza artilharia colonial"

(Parte I)

1. INTRODUÇÃO

Já aqui foi referida a existência da revista «O Defensor», órgão de Informação Geral do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, por iniciativa do camarada José Teixeira, 1.º cabo aux enf da CCAÇ 2381 (1968/70), ao partilhar/divulgar a entrevista dada em 2001 por Arafam Mané (1945-2004), aquele que historicamente é referido como tendo sido o principal líder do ataque ao quartel de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, data que marcou o início do conflito armado no CTIGuiné [P16794].


Com a presente narrativa, a segunda elaborada tendo por base a mesma revista, a n.º 22, de Dezembro de 2015, seleccionámos uma outra entrevista dada por outro combatente – Albertinho António Cuma [hoje, Brigadeiro-General das FARP] – que em Agosto de 1972 chefiou o grupo de bazucas que assaltou o quartel de Bigene com o objectivo de neutralizar as peças de artilharia aí existentes: dois canhões de 130 mm, cuja missão foi designada por «Operação Silenciosa».

Pela sua importância histórica, pelo interesse colectivo que certamente despertará em cada um de nós, em particular do contingente das NT que naquela data passou por aquela experiência, tomámos a iniciativa de a divulgar, com a devida vénia.

Ainda que não tenhamos registos oficiais em relação à unidade que aí estava instalada naquela data (ou período), acreditamos tratar-se da CART 3329, uma Companhia Independente mobilizada pelo Regimento de Artilharia Ligeira n.º 3, de Évora.

De acordo com a investigação realizada, e embora esta unidade não tenha qualquer membro registado na nossa «Tabanca» ou aqui divulgadas quaisquer acções da sua actividade operacional (1970/72), conseguimos apurar que a sua comissão decorreu entre 19 de Dezembro de 1970 (chegada a Bissau) e regresso a Lisboa em Dezembro de 1972.

Para além destes elementos cronológicos, localizámos mais dois fragmentos históricos retirados do vasto espólio do blogue da «Tabanca», a saber:

● P2416 – A CART 3329 rendeu em 3 de Março de 1971 a CCAÇ 2527 (1969/71) no subsector de Bigene (A. Marques Lopes, ex-Alf Mil, 1968/69).

● P5534 – A CCAÇ 4540 (1972/74), após ter terminado o período de sobreposição com a CART 3329, assumiu toda a responsabilidade administrativa e operacional desse subsector. No dia 15 de Novembro de 1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene (Eduardo Campos, ex-1.º cabo trms, 1972/74).

Por outro lado, seria interessante que a esta história pudessem adicionar-se outros depoimentos elaborados por quem tivesse vivido este acontecimento.

Aguardemos!


2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS - FRENTE NORTE

"Para desencravar a Zona Norte – criar um corredor livre e seguro entre Farim e Barro – com vista a facilitar a movimentação da guerrilha e a população que apoiava a luta, o PAIGC tomou a decisão de assaltar o quartel colonial de Bigene, principal obstáculo ao avanço da luta armada naquela área, que tinha duas peças de canhões de 130 mm cujos disparos causavam perdas humanas e danos materiais e morais entre os combatentes da área e dificultavam as movimentações tanto no Norte como no sentido Leste – Norte.

O aumento no seio dos combatentes, de novos quadros militares formados nos países amigos, e a formação de novos Corpos do Exército Regular nas fileiras da guerrilha [CE 199-X-70] revolucionou a sua capacidade táctica e combativa. Assim, estavam criadas as premissas de mudar a forma de luta para derrotar o inimigo [NT] e expulsá-lo dos territórios ocupados. Intensificaram-se as operações contra os quartéis e contra as colunas militares coloniais que faziam a ligação entre eles, desse modo, viam as suas manobras cada vez mais limitadas.

Graças a essa evolução, positiva, a Direcção Superior do Partido decidiu, sob as orientações do Secretário-Geral, Amílcar Lopes Cabral [1924-1973], criar entre Farim e Barro, além da fronteira com o Senegal, corredores livres para facilitar as movimentações dos guerrilheiros ao longo daquele espaço norte".

[Oito meses após a «Operação Silenciosa», que serviu de ensaio para uma nova forma de agir no terreno, o PAIGC inicia em Abril de 1973 uma nova estratégia, levando à prática o isolamento de Guidaje (um pouco mais a norte de Bigene) que culminou com a «Batalha de Kumbamory». Concluído este confronto bélico de grande envergadura, facto gravado para sempre na História da Guiné como «Operação Ametista Real», realizada em 19 de Maio de 1973, as NT contabilizaram uma das maiores capturas e destruições de material da Guerra de África].


3.  O CASO DA «OPERAÇÃO SILENCIOSA» EM AGOSTO'1972

Considerando a importância histórica da «Operação Silenciosa», o Brigadeiro-General Albertinho António Cuma, Chefe de Divisão da Educação Cívica, Assuntos Sociais e Relações Públicas do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, que esteve presente no teatro das operações [imagem ao lado, à data com a patente de Coronel], dá conta dos principais factos da sua missão.

[É de referir, neste contexto, que a primeira parte da entrevista é assinada pelo Major Ussumane Conaté, director do jornal «O Defensor», órgão das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, publicada na Edição n.º 22, de dezembro de 2015, p. 10 (primeira versão em http://www.farp.gw/?p22 ).

Existe uma outra versão, disponível no sítio das FARP, marcador "notícias",  http://www.farp.gw/?news09, com data de 25.07.2017).  Quanto à existência de uma segunda ou mais partes da entrevista, ainda não nos foi possível localizá-la (s)].


3.1 - ENTEVISTA [PARTE 1] COM 3 QUESTÕES:


i - A Direcção Superior do Partido tomou a decisão de assaltar o quartel colonial de Bigene e neutralizar os canhões de 130 mm que não davam tréguas aos guerrilheiros da zona. Com que forças contava o Partido para o sucesso da operação?


BGAC – Tudo tornou-se possível a partir do momento em que se mudou a estratégia e o sistema de combate com a chegada, às fileiras da guerrilha, de novos quadros militares formados nos países amigos do PAIGC. Nesta óptica, um grupo de guerrilheiros da Frente Norte recebeu instruções do Partido para neutralizar, por completo, o quartel colonial de Bigene, nomeadamente, as duas peças de artilharia terrestre (canhões de 130 mm) que impediam as movimentações dos combatentes.

É bom sublinhar que a tabanca de Bigene, que se encontra situada a cerca de 16 quilómetros da fronteira com o Senegal, tinha um quartel fortificado equipado com dois canhões de 130 milímetros, que não davam tréguas. Deste modo, a Direcção Superior do Partido tomou a iniciativa de destacar um grupo de guerrilheiros corajosos, bem treinados, equipados, que tinha como missão fundamental assaltar, em plena luz do dia, o quartel de Bigene e destruir os dois canhões.

A perigosa e complexa missão dirigida pelo valente Comandante Joaquim Mantam Biagué foi cumprida com êxito, no período indicado por Amílcar Cabral. Para realizar com êxito a missão, os guerrilheiros aproveitaram o momento em que o grosso da força colonial saiu para uma patrulha na estrada que liga Bigene – Barro. Conseguiram penetrar no interior do quartel colonial, destruir as duas peças de artilharia pesada bem como o arsenal, incluindo as munições, incendiar o depósito de combustível e dar à população a oportunidade de saquear algumas lojas.

O assalto que ocorreu na época das chuvas, no mês de Agosto de 1972 [?], surpreendeu toda a força colonial que não conseguiu disparar nem um tiro. Não houve perdas humanas nem material do lado dos guerrilheiros.

O reduzido número de tropas coloniais que na altura se encontrava no quartel não teve outra solução senão abandonar o local para se salvar.

ii - Como foi preparada a "Operação Silenciosa"?

BGAC – A operação foi preparada e planeada a partir de Conacri pelos dirigentes do Partido e depois comunicada ao comando da Frente Norte em Sambuia [Osvaldo Vieira; 1938-1974] o qual enviou, mais tarde, um lote de fardamento (camuflado português), incluindo armas, lança roquetes, AKM novas, cintilas cubanas e mantimentos para os homens alinhados para a missão. Na Frente Norte foram destacados um total de 25 guerrilheiros, sendo 19 da base de Ermon Kono e 6 da base de Cumbanghor [Kumbamori].

Depois da distribuição dos equipamentos, os guerrilheiros receberam durante três dias, as instruções sobre a realização da missão incumbida pelos órgãos superiores do Partido. [Quando terminou o período de instrução, os 25 guerrilheiros, bem equipados, deixaram Ermon Kono de carro para o acampamento de Fayar e depois para Cumbanghor [Kumbamori] onde permaneceram durante 5 (cinco) dias antes de passarem para o local a partir do qual devia ser lançada a operação.

Como base central, para a realização da operação, foram escolhidos os acampamentos de Sindina e Pabedjal. Tínhamos como guias os camaradas Ansu Bercko, Comandante de um dos acampamentos da área, Issufo Bodjam e Adjal Manga. Os acampamentos de Sindina e de Pabedjal estavam situados entre 9 e 12 quilómetros da tabanca de Bigene.


Citação: (s.d.), "Mapa da zona Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40225 (2018-9-2)

Mapa (croqui) com as localidades de Barro, Bigene e Farim (Guiné) e Ziguinchor, Samine e Sidju (Senegal) no arquivo de Amílcar Cabral (Pasta: 07063.036.001)

O nosso destacamento [acampamento] estava instalado nessa área vigiando as movimentações das tropas coloniais e procurando buracos (oportunidade) para realizar em plena luz do dia, o assalto relâmpago contra o quartel e destruir as duas peças de canhões 130. Para se ocupar das nossas refeições diárias, o Comando da missão atribuiu-nos dois rapazes. Tínhamos igualmente connosco alguns bolos tradicionais preparados à base de farinha de milho preto pelas mulheres da aldeia de Samanancunda Kolda [Senegal].

iii - Qual era o objectivo da vossa presença nesse local?

BGAC – Era permanecer e estudar as possibilidades de chegar a Bigene, entrar na tabanca e dar um golpe duro ao quartel. Tínhamos como Comandante da missão, Joaquim Mantam Biagué. No grupo estavam eu, enquanto chefe do grupo de atiradores de bazooka, e os camaradas Gabriel Iabna Kundock, Alupa Manga e Adjal Manga.

Fazíamos pequenas incursões secretas até perto dos lugares onde a população cultivava a mancarra, um espaço livre que nos permitia ver o quartel e depois voltar ao nosso esconderijo. Os apoios da população ajudavam de facto na observação dos movimentos dos tugas e segui-los atentamente. O que sempre nos interessava, não obstante os riscos, era procurar uma posição favorável para realizar o assalto planeado contra o quartel, o que devia acontecer somente no momento em que chovia porque era o único período propício que se podia aproveitar para avançar até ao quartel atravessando os vastos campos lavrados, sem ser vistos ou sem que ninguém desse conta.

Era a altura em que os lavradores ficavam mais ocupados nas suas actividades e as tropas coloniais também iam à patrulha. Era o momento favorável para avançarmos sem despertar a atenção da população porque nós vestíamos uniformes camuflados do tipo usado pelas tropas coloniais. Tudo o que fazíamos eram instruções dadas pelo Secretário-Geral do Partido, camarada Amílcar Cabral.

O grupo ficou no mato nos arredores de Bigene vigiando as movimentações das tropas portuguesas e, também, aguardando a queda oportuna da chuva para poder atravessar os grandes espaços de mancarra antes de penetrar no quartel.

Por esta razão, fomos obrigados a permanecer nos arredores de Bigene durante uma semana fazendo constantes vaivém entre o acampamento e as proximidades do quartel. Todos os dias deixávamos o acampamento de manhã e voltávamos à noite. Era preciso ter paciência, persistência e espírito de patriotismo.


A principal rua de Bigene – foto de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), in https://aventar.eu/2011/01/07/guerra-da-guine-pequenas-memorias-3/ (com a devida vénia).


3.2 - As acções militares do mês de Agosto de 1972 divulgadas em comunicado do PAIGC assinado por Amílcar Cabral.

Considerando que o entrevistado omitiu na sua narrativa a data completa da acção, procurámos encontrar resposta a esta interrogação nos arquivos de Amílcar Cabral existentes na Casa Comum – Fundação Mário Soares, tendo encontrado o comunicado em título, escrito em francês, do qual faremos referência abaixo.


Tradução do comunicado escrito em francês, da nossa responsabilidade (,só os três primeiros parágrafos colocados no interior da caixa).

"Durante o mês de Agosto [1972], os nossos combatentes realizaram 77 acções importantes, das quais 51 ataques contra os campos fortificados portugueses, 19 emboscadas e outros encontros [contactos]. Foram atacadas as cidades de Catió (no sul do país, no dia 18) e Bafatá (no centro-leste, no dia 24).

No período de 1 a 10 de Agosto efectuámos 20 ataques contra as posições fortificadas inimigas, acções realizadas em memória dos mártires do massacre de Pidjiguiti (3 de Agosto de 1959).

Foram também realizados ataques a guarnições [aquartelamentos] importantes particularmente: Enxeia, Ingoré, Mansabá, Bigene, Olossato, S. Domingos e Cuntima (no Norte do País), Kebo (duas vezes), Cabedu, Guileje, Bedanda, Empada e Fulacunda (no Sul); Bambadinca (duas vezes), Xitole, Pirada e no porto fluvial do Xime (a Leste)"

 [neste último caso, foi uma flagelação ao quartel do Xime. em 03.08.1972, 5.ª feira, às 05h18, durante 20 minutos, e com RPG… eu estava lá…].



25 de Setembro de 1972, [ou seja, há quarenta e seis anos].

Amílcar Cabral, Secretário-Geral



Citação: (1972), "Comunicado do PAIGC sobre as acções militares do mês de Agosto", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42413 (2018-9-2)

Para que esta história fique completa, para memória futura, falta a versão dos camaradas da CART 3329 (1970/72). Ficamos a aguardar esse importante contributo histórico.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
14SET2018
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de julho de  2018 >  Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P19045: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLIV: Mais etnorretratos: bajudas e mulheres de Nova Lamego, Bissau e São Domingos


Foto nº 19 > Mulher grande, felupe, São Domingos


Foto nº 13 > Bajuda mandinga, Nova Lamego


Foto nº 16 > Bajuda, mandinga, Nova Lamego


Foto nº 18 > Bajuda manjaca, Nova Lamego


Foto nº 11 > Bajuda papel, Bissau


Foto nº 11 > Bajuda manjaca, São Domingos


Foto nº 17 > Mulher grande, felupe, São Domingos


Foto nº 14 > Bajuda balamta, Nova Lamego


Foto nº 15 > Mulher felupe, São Domingos



Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e Dão Domingos, 1967/69) > Mulheres grandes e bajudas

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: 
T301 – Postais de Nus Etnográficos:
B - Mulheres e Etnias na Guiné há 50 anos:
 NOVA LAMEGO, BISSAU, SÃO DOMINGOS 


I - Anotações e Introdução ao tema:

 Mais ums série de 10 "etnorretratos" de  Bajudas - que são as raparigas solteiras, bem como de Mulheres Grandes – as casadas.

São tudo imagens puras das nossas mulheres guineenses,  de diferentes etnias,  que vi e conheci na Guiné, entre 1967/1969, em diversos locais por onde passei (Bissau, Nova Lamego, São Domingos).

Este Tema já foi já parcialmente publicado noutras datas anteriores, ficaram outras fotos por esquecimento. O texto que vou inserir nesta fase e em outras fases é o mesmo, adaptando-se a cada tipo de fotografias e mulheres.

As fotos que se seguem, na sequência de outras anteriores e as seguintes, fazem parte do meu álbum pessoal; As fotos aqui representadas, referem-se a raparigas bajudas ou mulheres grandes, de diferentes etnias, habitantes do território da Guiné, na sua diversidade.

Capturadas predominantemente em São Domingos, Susana e Varela, na zona Norte, onde passei a maior parte do tempo – 18 meses, bem como na zona Leste de Nova Lamego, nos primeiros 5 meses onde permaneci nesta zona, e algumas em Bissau ao longo da comissão.

Em São Domingios existiam vários tipos de etnias, felupes, fulas, balantas, caboianas, manjacos, banhuns, mancanhas, cassangas, mandingas, e outras.

Em Nova Lamego, predominavam de longe os fulas, depois os mandingas e pajadincas, E entre os fulas havia castas, tais como, futa fulas, futa fula preto, fula forro, fula preto.

As felupes já andavam avançadas 50 anos em relação ao Ocidente, pois usavam apenas tanga e fio dental, como se pode ver em algumas fotos deste meu álbum dos ‘nus etnográficos’ . Já utilizavam muitas pulseiras e colares por todo o corpo, era ume espécie de selecção entre elas.

As fotografias a preto e branco foram capturadas entre Setembro 67 até Fevereiro de 68 em Nova Lamego e depois desta data algumas em Bissau em Março 68, finalmente em São Domingos a partir de Abril de 68.

As fotografias – slides – a cores só começam em finais do 1º semestre de 68, embora também tenha a preto e branco depois dessa data, pois que, ora fazia fotos a preto e branco, ora a cores, conforme a Camara Fotográfica, e os rolos que havia disponíveis.

Era mais fácil tirar fotos às ‘bajudas ‘ raparigas solteiras e ainda muito jovens. As ‘mulheres grandes’ só deixavam tirar fotos se o régulo ou o marido autorizassem, e depois combinava e dava-lhes uma foto para elas, em troca do favor.

Não afirmo que todas as etnias estejam certas, era o que escrevia nas fotos, mas a maioria só escrevia passado algum tempo, e depois nos slides não dava para escrever, é apenas por intuição e lembrança das mesmas.

As felupes são fáceis de identificar, pela sua nudez, tanga e fio dental, pelos roncos usados como pulseiras nos braços, no tronco, colares ao pescoço, cabelos trabalhados, pelas tatuagens no corpo todo, e por tudo aquilo que desse mais nas vistas aos rapazes guineenses, era isso a que normalmente se dizia de ‘fazer ronco’.

Espero que quem as visualizar, goste, é esse o meu propósito, sem qualquer interesse que não seja mostrar as gerações vindouras como eram as diferentes culturas  e tipologias humanas no nosso antigo território da Guiné.

II – As Legendas das fotos:


F11 – Bajuda Papel, Bissau, Abril 68

F12 – Bajuda Manjaca, Nova Lamego, 68

F13 – Bajuda Mandinga, Nova Lamego, 68

F14 – Bajuda Balanta, Nova Lamego, 67

F15 – Mulher Grande Felupe, São Domingos, 1968.

F16 – Bajuda Mandinga, Nova Lamego, 68

F17 – Mulher Grande Felupe, São Domingos, 1968.

F18 – Bajuda Manjaca, Nova Lamego, 67

F19 – Mulher Grande Felupe, São Domingos, 1968.

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BÇAÇ 1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

NOTA FINAL DO AUTOR:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados.


Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder.


Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘juízos de valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.

Em, 2018-09-19

Virgílio Teixeira

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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19044: Ser solidário (218): Talvez a nossa existência seja irrelevante para 99,9% da população, mas estou certa que faz a diferença na vida das crianças que aprenderam a ler e a escrever nas escolas que patrocinamos (Joana Benzinho, fundadora e presidente da ONGD Afectos com Letras)





1.  Resposta, de hoje, às 18h07, de Joana Benzinho, fundadora e presidente da ONGD Afectos com Letras, ao poste P19043 (*)

[Nasceu em Pombal, em 1976; licenciou-se em direito pela Universidade de Coimbra (1999);  especializou-se em direito europeu, pelo Instituto de Estudos Europeus / Universidade Livre de Bruxelas (2002); vive em Bruxelas, desde 1999; é assessora do Parlamento Europeu; foi uma das fundadoras e é  presidente da ONGD Afectos com Letras: é co-
autora do livro para crianças A Papaia Mágica (Lisboa, Chiado Editora, 2011), e de
Guia Turístico: À Descoberta da Guiné-Bissau,. 2ª edição revista e atualizada (2018)]



Queridos amigos,

Muito obrigada pelas simpáticas palavras que nos dedicam no vosso interessante blogue. A vossa " provocação" não estraga de forma alguma a celebração deste dia, que para nós, e particularmente para mim, é muito significativo.

O nosso trabalho como ONGD talvez fuja um pouco do habitual. Somos um pequeno grupo de pessoas, todas com a sua vida profissional organizada e que dedicamos o nosso tempo livre a este trabalho na Afectos com Letras de forma totalmente gratuita e voluntária.

Temos 14 pessoas a trabalhar com a organização, todos guineenses, e esses sim, recebem um salário. Temos aliás a honra de poder contar com a mesma equipa desde o início dos nossos projetos. Não trabalhamos num espírito de caridade mas sim de pura cooperação com quem, daquele lado, quer dar oportunidades aos mais jovens da nação.

Não nos queremos substituir ao Estado, nem temos a veleidade de achar que vamos transformar estruturalmente o país. Não nos cabe a nós esse papel. Trabalhamos com as comunidades locais que se organizam para dar melhores condições aos seus filhos, à falta de um Estado que lhes garanta acesso à educação, tentamos com as mães e os pais criar condições para que aprendam a ler e a escrever.

A educação é a melhor arma para mudar o estado das coisas e o nosso papel é tão só o de lhes proporcionar o acesso a um ensino de qualidade, em que as meninas podem aceder à escola em igualdade de circunstâncias com os meninos e podem todos aprender com mesas e cadeiras onde se sentar, material didático para escrever, livros para sustentar a sua aprendizagem e professores com comprovada qualidade pedagógica.

Talvez a nossa existência seja irrelevante para 99,9% da população, mas estou certa que faz a diferença na vida das crianças que aprenderam a ler e a escrever nas escolas que patrocinamos. E isso, por si só, justifica o entusiasmo e o empenho que continuamos a colocar em tudo o que fazemos.

Abraço amigo e estão desde já convidados a conhecer o nosso trabalho no terreno.



2. Poste de Joana Benzinho. com data de hoje, na sua página do Facebook:

Em 2009 não fazia ideia do que ia ser a Afectos com Letras. Apenas tinha uma enorme vontade de ajudar a dar um futuro às crianças que vi a vender bananas nas ruas de Bissau, no chuvoso agosto de 2008, para poderem pagar a matrícula na escola.

A Afectos com Letras tem hoje centenas de crianças a estudar nas escolas que construiu ou cofinanciou no país; tem livros espalhados em pequenas bibliotecas de jardim por toda a Guiné-Bissau; tem máquinas descascadoras de arroz em aldeias onde as meninas deixaram a morosa tarefa da descasca manual e podem agora frequentar a escola. E tem muitas outras pequenas coisas que fazem uma enorme diferença num país como a Guiné-Bissau.

Passados estes 9 anos e olhando para o que foi feito, não posso deixar de me sentir feliz e sobretudo muito agradecida por ter cruzado o caminho de tanta gente boa que me tem ajudado a tornar este meu sonho realidade.
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19043: Ser solidário (217): 9 anos de Afectos com Letras, 25 concretizações, tendo como objetivo o de "resgatar as crianças guineenses da iliteracia, dando-lhes os nossos Afectos através da educação e das Letras"...


Guiné-Bissau > s/l > 2015 Joana Benzinho, fundadora e presidente da ONGD Afectos com Letras. Foto de cronologia da sua página no Facebook. (Editada e reproduzida, com a devida vénia, pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)





1. Mensagem, de hoje, aniversário da independência da Guiné-Bissau, enviada pela direção da ONGD Afectos com Letras, à sua rede de contactos (parceiros e amigos, incluindo o nosso blogue):


 Car@s Amig@s

Foi há nove anos que começou a nossa aventura da ONGD Afectos com Letras.

Neste dia [, 24 de setembro,] tão importante para a Guiné-Bissau, o dia da celebração da sua independência, deixamos um sentido abraço de agradecimento a todas e a todos os que nos têm ajudado a alcançar os objetivos a que nos propusemos aquando da nossa constituição: resgatar as crianças guineenses da iliteracia, dando-lhes os nossos Afectos através da educação e das Letras. Tanto na Guiné-Bissau como cá deste lado.

Até agora o balanço que fazemos é muito positivo e só foi possível com a vossa ajuda.
Muito Obrigada!


2. Mensagem da Luísa Leão Rocha, de há duas horas atrás:

Nove anos a espalhar sorrisos, educação e , muitas vezes, a única refeição diária. Não tarda muito, estamos a chegar ao objectivo de ver algumas destas crianças, o futuro da Guiné-Bissau, a sair da universidade para desenvolver este País maravilhoso. Todos os dias agradeço por o meu caminho na vida ter cruzado o vosso.

 Parabéns, Afectos, e parabéns, Joana.


3. Comentário do nosso editor LG:

"A Afectos com Letras, Associação para o Desenvolvimento pela formação, saúde e educação, é uma Instituição de Utilidade Pública, reconhecida e registada como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros Português, que foi fundada em Setembro de 2009 e que possui uma delegação na Guiné-Bissau desde Agosto de 2012. Tem como missão e objetivos a conceção, promoção, execução e apoio a programas, projetos e ações de cariz social, cultural, ambiental, cívico, educacional e económico."

A sede é em Pombal. A ONDG Afectos com Letras tem o bom hábito de prestar contas. E o seu sítio na Net marece uma visita. Bem como a sua página no Facebook

Parabéns, nomeadamente à Joana Benzinho, fundadora e presidente da ONGD (que eu não tenho prazer de conhecer pessoalmente) e à sua equipa. Joana, espero que a vossa organização continue a ter força, motivação, energia, liderança e recursos para prosseguir a sua missão, por mais 9 nove anos, pelo menos. As crianças da Guiné-Bissau precisam de todos nós...

Mas, às vezes, assalta-nos dúvidas sobre a "bondade" e a "utilidade" das ONGD que trabalham na Guiné-Bissau... Não é o vosso caso... Mas ocorre-nos perguntar: se a caridade não resolve os problemas estruturais da pobreza, em Portugal, as ONGD também não resolvem o problema estrutural do subdesenvolvimento da Guiné-Bissau... E, se não existissem,  isso faria "alguma diferença"?... 

Espero que esta pergunta, um pouco brutal, não estrague os merecidos festejos dos vossos 9 anos... Porque há ONGD e ONGD... 
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Nota do editor:

Último poste da série >  22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19034: Ser solidário (216): Vim a Bissau ver o meu filho e preciso de cuidados médicos... Quem conhece aqui um bom ortopedista? (Manuel Neves)

Guiné 61/74 - P19042: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIX: Petra, Jordânia, com o Lawrence da Arábia como cicerone, e o Indiana Jones como guarda-costas...



Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Petra, Jordânia,  s/d, dezembro de 2016


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu


Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 220 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

[Foto à esquerda: Hai Yuan e António Graça de Abreu]


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga; visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016; volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(vi) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29/10/2016, à cidade de Melbourne, Austrália; visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e a esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(vii) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro); Phuket, Tailândia (12-13 de novembro); Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

(viii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016);

(ix) com 2 meses e 20 dias, depois da Índia, os nossos viajantes estão no Dubai, Emiratos Árabes Unidos, passando por Muscat, e Salah, dois sultanatos de Omã, em datas que já não podemos precisar (, as fotos deixam de ter data e hora...), de qualquer modo já estamos em finais de novembro/ princípios de em dezembro de 2016;

(x) tempo ainda para visitar Petra, na Jordânia, e atravessar os 170 km do canal do Suez (Egito), antes de o "Costa Luminosa" entrar no Mediterrâneo; a viagem irá terminar em Civitavecchia, porto de Roma, antes da chegada do novo ano, 2017
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3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Patra Jordânia, s/d, dezembro de 2016] (pp. 22-25], da terceira e última Parte, que nos foi enviada em formato pdf]


Petra, Jordânia

Segunda visita a estas paragens, agora com entrada triunfal pelo mar Vermelho e pelo golfo de Aqaba. Estranhas terras de majestosas paisagens e retorcida História.

Desta vez trago como cicerone, a viajar sozinho e quase incógnito numa suite no nono piso do nosso Costa Luminosa, o cidadão inglês Thomas Edward Lawrence, mais conhecido por Lawrence da Arábia. Desembarco em Aqaba, o lugar certo, com o cicerone certo num país incerto. A oeste, o Egipto, com as terras massacradas do Sinai, do outro lado, os desertos da Arábia Saudita cheios de petróleo. No fim do golfo, duas cidades encostadas ao rebordo das montanhas, olhando-se no espelho uma da outra. São Eilat, território de Israel e, em frente, o burgo jordano de Aqaba, conquistada aos otomanos em 1917 pelo meu cicerone, o loiríssimo inglês de olho azul, o tal Lawrence da Arábia disfarçado de Peter O’Toole.

 Atravessada Aqaba, é altura de rumar a Petra, para norte, escondida entre montanhas róseas. Desta vez avanço por uma estrada diferente. Em lugar do chamado “Caminho dos Reis”, percorrido em 2008, seguimos pela recém construída auto-estrada do Deserto, pelo meio de montanhas quase surreais, por povoados pobres em solos secos e inóspitos, ao lado do inacreditável deserto de Wadi Rum. Lawrence, o cicerone, pisca-me o olho. Foi nestes vales – que de Wadi Rum conduzem a Aqaba – , que ele organizou os 5 mil homens que aqui haveriam de derrotar os otomanos.

Hoje os tempos são outros, temos carros de polícia e soldados espalhados estrategicamente ao longo dos 110 quilómetros de estrada, até chegarmos a Petra. Por cima da Jordânia ficam o Iraque e a Síria, terras ensanguentadas pela insensatez dos homens onde impera a lei do canhão e da bala. Só o Costa, o navio, despachou 1.600 turistas em 45 autocarros para a visita a Petra. A necessária segurança – imaginem o que seria os radicais islâmicos metralharem um dos nossos autocarros –, parece funcionar.

Perto da cidade rosa, iremos encontrar dois helicópteros estacionados numa plataforma ao lado da estrada e soldados de espingarda, aí de trezentos em trezentos metros. Não será apenas por nossa causa. Estamos mais protegidos porque neste mesmo dia visita Petra o rei Carlos Gustavo, da Suécia.

Chegamos à cidade de Wadi Musa. Estacionado o autocarro, uma caminhada curta e iniciamos a descida suave para o desfiladeiro apertado entre rochas que se elevam até ao céu, em pedra cor-de-rosa, meia translúcida, mágicos rubores, e mil cores. De súbito, quilómetro e meio adiante, abre-se a garganta na montanha e aí está, numa apertada clareira, o Al-Khazneh, o Tesouro, mais a sequência das ruínas da que foi, há dois mil anos, e continua a ser hoje, uma das mais espantosas urbes construída pelo engenho dos homens. 

Avanço pelo espaço de uma cidade quase mais velha do que o tempo, ainda envolta em mil mistérios. Quem foram os nabateus, o povo que construiu Petra? Seriam provavelmente berberes, ou beduínos do deserto que por aqui se fixaram há dois mil e quinhentos anos, sendo então Petra um entreposto de caravanas nas rotas de norte para sul, de leste para oeste em terras do que viria a ser a Arábia. 

Verdade é que os nabateus se eclipsaram, desapareceram do mundo e vieram os romanos, mais tarde os bizantinos. Todos abandonaram Petra e a cidade, abalada por terramotos, pela falta de água, pela mudança do itinerário das caravanas, acabou quase em ruínas. O perpassar dos séculos cumpriu o seu dever, foi reduzindo os palácios a pedras caídas e a pó, os túmulos, a buracos suspensos nas falésias que unem céu e terra, as casas a montes informes de lajes pelo chão.

Redescoberta em 1812 por um explorador suíço, de nome Johannes Burkhart, Petra voltou a existir, mas ninguém estava preocupado em desvendar os seus segredos. Foi preciso um senhor norte-americano, de nome Steven Spielberg e sua equipa se lembrarem, em 1989, de Petra e do Al-Khazneh para aí esconderem o segredo do Graal, no terceiro filme da saga Indiana Jones e colocarem o Harrison Ford, no fim da película, a sair vitorioso a cavalo do espantoso Al-Khaznek. 

Petra começou então a ser conhecida em todo o mundo. Com vinte séculos de idade, o Al-Khaznek, miraculosamente conservado, seria, segundo os arqueólogos, o lugar onde se esconderia o valioso tesouro de um faraó, ou abrigaria talvez o túmulo de um rei nabateu, ou poderia ainda ser um templo dedicado a um deus desconhecido. Tem 43 metros de altura, seis colunas helenísticas encimadas por uma espécie de três grandes nichos decorados e resguardados por telhados, tudo recortado na rocha cor-de-rosa. O Al-Khaznek, revisitado, deixa-me outra vez suspenso nas asas coloridas do assombro.

Existe mais Petra continuando a caminhada. Há um teatro romano do século I, todo talhado no vermelho escuro da pedra, com capacidade para sete mil pessoas, há mais palácios e conjuntos de túmulos em fachadas monumentais rasgadas na falésia, há restos de um templo e de uma igreja bizantina, do século VI. 

Lá longe, depois da subida difícil de 800 degraus cortados quase ao acaso na pedra, chegamos a Ad-Deir, o Mosteiro construído no século II, outro gigantesco edifício com semelhanças com o Al-Khaznek, e que é a segunda maior atracção de Petra. Chamam-lhe o “Mosteiro” porque no interior foram encontradas não sei quantas cruzes bizantinas, provável evidência de que no século VI terá sido transformado em igreja ou mosteiro. Visitei-o na viagem de 2008, mas agora, com as pernas mais delapidadas pelo avançar dos anos, não valeria a pena o esforço de subir outra vez ao Ad-Deir.

 No regresso a Wadi Musa e ao autocarro, andei à procura do cicerone, o tal inglês loiro, o Lawrence da Arábia que desaparecera na chegada a Petra. Disseram-me que havia partido montado num camelo, a toda a brida, em direcção ao deserto de Wadi Rum onde tinha um encontro com o seu amigo Ali Abn el Karish, disfarçado de Omar Sharif, para porem a conversa em dia e beberem um chá no deserto.

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Nota do editor: