domingo, 24 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20379: In Memoriam (354): Eduardo Jorge Pinto Ferreira (1952 - 2019), ex-alf mil, Polícia Aérea, BA 12, Bissalanca, 1972/74, régulo da Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã: o funeral é amanhã, 2ª feira, no Vimeiro, às 14h00


Lourinhã > Porto Dinheiro > Tabanca de Porto Dinheiro > Convívio anual > 18 de agosto de 2017 > A chegada do régulo, Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019). O Eduardo era uma "festa" onde e quando chegava. TInha uma invulgar capacidade de empatia, simpatia, altruísmo... Além de ser um "proativo", um agregador, um organizador, um líder nato..

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné]


1. A notícia chegou-nos ontem, no sábado, ao fim da tarde. Brutal... Pela voz da Maria do Céu Pinto de Carvalho, do outro lado da linha. E o primeiro a quem eu a retransmiti, depois de confirmada, foi  ao nosso João Crisóstomo, com conhecimento a alguns dos nossos amigos comuns, ligados à Tabanca de Porto Dinheiro / Lourinhã:


Data - sábado, 23/11/2019, 20:29

Assunto - Terrível notícia



João: assim de chofre...Acabo de saber e confirmar que morreu o nosso querido Eduardo Jorge... Não tenho grandes pormenores: terá sido no hospital, no bloco operatório, na sequência de uma cirurgia de rotina (extração de uma pedra no rim)

Estamos destroçados: era um dos melhores de todos nós: um grande coração, generoso, solidário, afável, prestável, voluntarioso, amigo do seu amigo...

Um chicoração fraterno... Luis


2. Fui de imediato repescar alguns dos dados que constam na base de dados da Tabanca Grande sobre o nosso querido e já saudoso Eduardo Jorge Pinto Ferreira (1952-2019), para editar  este primeiro In Memoriam (*)

O nosso amigo, vizinho e camarada Eduardo Jorge Ferreira, que morre agora aos 67 anos...

(i) era natural do Vimeiro, Lourinhã, onde nascera em 1/10/1952 (, no Dia Mundial da Música, diz o Ruii Chamusco, seu colega de profissão, seu amigo do peito);

(ii) a família reside na Rua Nova, 16, Pinheiro Manso,  Sobreiro Curvo, 2560 A dos Cunhados;

(iii) passou pelos seminários diocesanos de Lisboa (Penafirme, Santarém e Almada)

(iv) ofereceu-se para a Força Aérea, em 1971, como voluntário, por um período de 6 anos;

(v) foi alf mil da Polícia Aérea, na BA 12, Bissalanca, de 20 de janeiro de 1973 a 2 de setembro de 1974, colocado na EDT (Esquadra de Defesa Terrestre);

(vi) passou ainda, em Lisboa, pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS (Gabinete de Imprensa) e pelo Estado Maior General das Forças Armadas (1ª Divisão);

(vii)  passou à disponibilidade em junho de 1977;

(viii) tirou entretanto o curso de Instrutores de Educação Física e,  mais tarde, a licenciatura em Administração Escolar, realizando o percurso normal de professor até uma determinada altura a que se seguiram 15 anos de ligação à gestão escolar, no Agrupamento de Escolas de Ribamar, Lourinhã dos quais 12 como presidente;

(ix) voltou a ser unicamente professor nos 9  últimos anos lectivos,  acabando a sua  carreira profissional em abril de 2011;



(x) era destacado membro da  Associação para a Memória da Batalha do Vimeiro (AMBV), de que cujos órgãos sociais fez parte, tendo dedicado os últimos anos da sua vida a esta causa;

Esta Associação deixou na sua página do Facebook as seguintes palavras de homenagem: 

"Hoje perdemos um amigo, um companheiro que pertencia à categoria rara das pessoas que irradiam simpatia, dedicação e generosidade.
"A AMBV apresenta a toda a família as mais sentidas condolências e o nosso abraço apertado! Obrigado, Eduardo, por tudo o que nos deste...Até sempre,  Comandante!"

(xi) entrou para a nossa Tabanca Grande em 31/8/2011 (**);

(xii) tem cerca de meia centenas referências no nosso blogue;

 (xiii) era casado com a São, inspetora do trabalho, na ACT - Autoridade das Condições de Trabalho; deixa dois filhos, João e Rui, e 4 netos;

 (xiv) noutra encarnação  sabemos que foi sargento, integrado no exército luso-britânico que derrotou o exército napoleónico na batalha do Vimeiro, Lourinhã, em 21 de agosto de 1808;

(xv) repousa agora no Olimpo dos nossos Heróis, aqueles que são mais doque homens, e menos do que deuses;  e contamos com a sua proteção, enquanto a vida nos deixar andar por cá, por esta Terra da Alegria, que ele tanto amava.


3. Algumas das primeiras homenagens que nos chegaram,  da autoria de amigos, condiscípulos e camaradas:

João Crisóstomo (Nova Iorque), sábado, 23/11/2019, 21h30

Não sei o que dizer…

Juntamo-nos e estamos com vocês neste momento de dor. Entregamo-lo nas mãos do Senhor . Como há uma missa agora vou assistir e pedir ao Celebrante que o lembre também. Grande abraço, 
João e Vilma




À
BOA MEMÓRIA
DO
EDUARDO




Quem foi? quem te abateu tão de traição,
Meu bravo e generoso companheiro?!
Na última batalha do Vimeiro
Tombaste, já não és mais "sargentão"

Foste mestre do bem e do amor,
Ensinaste os caminhos da concórdia;
Se aonde foste, houver misericórdia,
Ela te sirva glória e louvor!

Que a tua eternidade agora seja
O prémio dessas lutas que travaste,
E tenhas paz onde quer que estejas!...

Não foste tu que nos abandonaste…
Foi Deus que te recrutou, com inveja
Daqueles que te amam e que amaste.
















Joaquim Pinto Carvalho (Vila Nova / Vilar / Cadaval)


Rui Chamusco (Lourinhã, Malcata / Sabugal, Timor)

Guiné 61/74 - P20378: Blogues da nossa blogosfera (116): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (31): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

SE EU FOSSE UM AVIÃO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Se eu fosse um avião
tinha um motor em cada mão
e voava…
Não sei para onde
mas voava para fora deste mundo…
Não há nada como um cabritinho assado
à beira da pista
com dois copos de tinto ali à mão
a força que levanta do solo
a alma de qualquer artista.
Ah! Ah! Ah!
Aquele avião amarelo
do lado de lá
mesmo á vista de quem está
do lado de cá…
Ai se eu fosse um avião
com um copo em cada mão
não esperava por malinhas de rodas
e voava…
não sei para onde
mas voava…
para fora da ilusão.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20357: Blogues da nossa blogosfera (114): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (30): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P20377: Blogpoesia (647): "O corvo negro", "O encanto da vitória" e "Abram clareiras!...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


O corvo negro

Sobre o alto daquele prédio em frente, está poisado um corvo negro.
Astuto. Atento a tudo.
Na sua vida.
Eu aqui a vê-lo.
Nada de mim ele sabe. Nem sequer se existo.
E eu dele. Senão que ele ali está.
Domina o mundo. Voa livre e poisa onde quer.
Pega e vai.
Que ideia fará de nós, mortais?
Caminhamos lentos sobre terra firme.
uns latagões.
Não imagina como vão cheios pelo ar acima aqueles passarões gigantes, tão estranhos.
Não batem as asas e, num instante, desaparecem no infinito dos céus.
Ainda lá está o corvo negro. Sua cabeça não pára.
Afinal, é o mesmo de ontem…

Berlim, 17 de Novembro de 2019
8h37m
Jlmg

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O encanto da vitória

Vencer é conseguir alcançar o bom.
Sempre e em todo lugar.
Aprender com as falhas.
Da próxima será melhor.
Tem seu preço.
O esforço que faz doer o corpo.
Não a alma, onde se guardam todas as vitórias.
A paz e a tranquilidade, o motor do nosso viver, só se ganham à força dos nossos braços.
Que sabor teria a vida se tudo nos fosse ofertado?
Não tem preço a alegria que nos dá um diploma.
A simples carta de conduzir.
Ou o duma licenciatura em qualquer ramo do saber.
Chegar à meta à frente e olhar de pé o pelotão que ainda vem subindo…

Ouvindo Músicas Clássicas Lindas
Berlim, 18 de Novembro de 2019
10h14m
Jlmg

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Abram clareiras!...

Faça-se silêncio. Vai passar o concerto para piano e orquestra, nº 3 de Rachmaninoff.
Vai arrasar todo o passado de harmonia e exaltação.
Chegam ao céu seus trinados comoventes.
Derretem os corações empedernidos seus acordes vigorosos.
Descem vagabundos seus andamentos como corcéis pela serra abaixo até ao rio.
Como vagas enfurecidas sobre a praia, cavalgam os dedos da pianista transfigurada.
O piano se transforma num vulcão efervescente de sons arrepiantes.
Receia mesmo não resistir ao que lhe pede a artista galvanizada por uma melodia incandescente nunca ouvida.
Que duelo aterrador entre um piano tão sentido com os ademanes duma orquestra titubeante!
Ficou para a história a vitória retumbante do piano preto de cauda aberta pelas mãos divinas da pianista.

Que pena não poder estar presente na plateia o seu autor!...

Ouvindo Rachmaninoff: Piano Concerto No. 3 - Anna Fedorova
Berlin, 19 de Novembro de 2019
19h54m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20355: Blogpoesia (646): "Pé-ante-pé sobre o mar...", "Páginas inúteis" e "Brincando com as formas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20376: Parabéns a você (1714): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)



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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20372: Parabéns a você (1112): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

sábado, 23 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20375: Lições de artilharia para os infantes (8): Algumas características técnicas do obus 14 e da peça 11.4 (C. Martins, ex-cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1973/74; João Martins, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69)


Guiné > Região de Gabu > Coluna Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Picada a caminho de Nova Lamego, com três peças 11.4.  As peças foram desembarcadas em Bambadinca, vindas de Bissau, na LDG 101. Seguiram depois em estrada alcatroada, até Bafatá. Só mais tarde é que foi construída uma estrada alcatroada entre Bafatá e Nova Lamego, com seguimento até Piche. Estas peças participaram na Acção Mabecos, 22-24 de fevereiro de 1971.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (*)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do  Pel Art ali destacado.

Foto (e legenda): © João José Alves Martins (2012).   Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].(**)


VI Encontro Nacional da Tabanca Grande, 4 de junho de 2011.
Uma das  raras fotos do C. Martins, aqui de óculos escuros,
ao lado do J. Casimiro de Carvalho,
dois heróis de Gadamael.
Foto: Luís Graça (2011)
1. Comentário ao poste P20370 (***), por parte do nosso C. Caria , ex-alf mil art, cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1973/74


O C. Martins - nosso leitor e camarada, mais conhecido por ter sido o "último artilheiro de Gadamael" , comandante do Pel Art 23, que acabará por (con)fundir-se com o 15, mas também médico, reformado,  a viver no Portugal profundo, - não faz parte formalmente da nossa Tabanca Grande (TG), por razões que ele invocou, de natureza  deontológica, éticas e profissional, razões que sempre  entendemos e respeitámos. . Isto quer dizer que: (i) nunca pediu para aderir à TG; (ii) nunca aceitou o nosso convite para ingressar na TG; (iii) nunca se apresentou ao "pessoal da caserna", como mandam as NEP do blogue; (iv) nem nunca enviou as duas fotos da praxe. Tem cerca de 3 dezenas de referências no blogue, foi em tempos presença assídua nos Encontros Nacionais da Tabanca Grande, em Monte Real

Alcance do obus 14...16 km. E da peça 11,4...18 km
Peso de ambos sensivelmente 7 toneladas

Para pôr a peça ou obus em posição de tiro,(abrir sapatas,colocar espoleta na granada e introduzi-la no tubo, colocar carga,fechar culatra principal,introduzir escorva na culatra auxiliar, puxar cordel para accionar disparo) levava no mínimo 1 minuto para artilheiros experientes.

Após o obus estar pronto para disparar,  o comandante introduzia os dados de tiro no aparelho de pontaria,  verificava níveis e fazia a respectiva rectificação com a cruzeta colocada normalmente atrás do obus.

Convém referir que em situação normal de estacionamento em quartel, o obus estava em posição de tiro e as granadas estavam já com a respectiva espoleta e as cargas à disposição.

A espoleta era armada pela rotação da granada após a saída do tubo.

A velocidade da granada à saída era de 600 m /s

A elevação do tubo ía de -5º a 45º-

Se se fizessem vários tiros directos com uma elevação baixa corria-se o risco de rebentar os hidráulicos.

O grande perigo que todos os artilheiros temiam era o rebentamento da granada à boca do tubo..Invocava-se Santa Bárbara e vai disto!...

Se bem que a dotação de cada obus 14 fosse de 10 serventes,  fazia-se tiro com menos, dependia da experiência de cada um.

Havia um Pel Art  algures na guiné que conseguia fazer tiro de 20 em 20 segundos e,  para gáudio dos infantes,  terminava-se sempre com 3 tiros em simultâneo,  era um "mini ronco".

Ah!, já me esquecia,  a granada do 14 pesava 45 kg e da peça 11,4 25 kg. (**)

Saudações artilheiras

C.Martins

2. Informação do João Martins (ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69; vive em Lisboa: tem 55 referências no nosso blogue]


Sobre o obus 14 (cm e não mm...), ele já nos deu, em tempos,  as seguintes explicações técnicas (**)::

(...) "14 cm é o diâmetro da alma do canhão. Recordo que um obus é constituído por "reparo", a parte que assenta no chão e que tem duas "flechas" à retaguarda para que não recue, o "canhão" que começa na "culatra" que é a parte onde se colocam as "granadas" e os "cartuchos" com diferentes dimensões e cargas, conforme a força impulsionadora que se pretende, e que está relacionada com a distância, e, finalmente, a "massa recuante" que é o sistema hidro-pneumática que, após o tiro, leva o "canhão" à posição inicial.

Quando estive em Bedanda, e antes de rumar a Gadamael-Porto, com destino a Guileje, os 3 obuses estavam dirigidos para 3 direções bem distintas porque os ataques eram provenientes de 3 lados bem diferenciados, pelo que, regra geral, não disparavam simultâneamente, além de que estavam em extremos do aquartelamento.

Recordo-me que um dia, alguém vestido de modo "estranho" me perguntou se os obuses disparavam só para longe, ou, também, para perto. Respondi que só para longe. É claro que, naquela noite, perceberam quando queriam entrar no aquartelamento, que também disparava para perto. Os africanos que se encontravam no interior da moranças é que não gostaram do "festival" porque as granadas, que pesam 45 kg, passaram-lhes a rasar, eu diria que entre 1 metro e 2 metros. Numa das fotografias das minhas memórias, vê-se um furriel a acimentar o chão, onde o obus rodava... 


Enfim, algumas das minhas muitas recordações...que não esquecerei facilmente.. (...) (**)

Portanto, , no  essencial, pode dizer-se o seguinte:

(i) a peça de 11.4 cm e o obus 14 cm eram parecidos (mesmo reparo );

(ii) a peça 11. 4 era de menor calibre mas tinha o tubo mais comprido que o obus 14.(****)
____________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9947: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VI: Bedanda, com o obus 14: um dos locais que me deixou mais saudades...

(***) Vd. poste de 22 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20370: Fotos à procura de uma... legenda (113): Camaradas artilheiros, quando media, em comprimento, o conjunto Berliet ou Mercedes ou Matador + reboque + obus 14 ou peça 11,4 ?.. 15 metros!... E quanto pesava ? 15 toneladas!... Façam lá o TPC: 9 bocas de fogo, mais 9 rebocadores, mais 9 Unimogs e Whites, mais 300 homens em armas... mais 500 granadas... Qual o comprimento (e o peso= de uma coluna destas, a progredir numa picada, no mato, de Piche, a caminho da fronteira, "Acção Mabecos", 22-24 de fevereiro do século passado, numa guerra do outro mundo ?!..

(****) Último poste da série > 30 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20107: Lições de artilharia para os infantes (7): Tal como o Strela reduziu a liberdade do nosso movimento aéreo, o radar de localização de armas (vulgo contra-morteiro) teria congelado a artilharia do PAIGC... (Morais da Silva / António J. Pereira da Costa / Luís Graça / Manuel Luís Lomba)

Postes anteriores:

10 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10019: Lições de artilharia para os infantes (6): O obus 14 de Bedanda em tiro direto... (C. Martins / Rui Santos)

17 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9915: Lições de artilharia para os infantes (5): Quando o oficial de dia fez um levantamento de rancho... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

4 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9852: Lições de artilharia para os infantes (4): O que era uma bateria (ou bataria)... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9496: Lições de artilharia para os infantes (3): Fazer a rotação, de 180º, do obus 14, para apoiar Jemberém (C. Martins, CMDT do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

15 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7791: Lições de artilharia para os infantes (2): O artilheiro Doutor, Mansambo, CART 2339, 1968/69 (Torcato Mendonça)

14 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7782: Lições de artilharia para os infantes (1): Como era feito o tiro de obus 14 (C. Martins, ex-Alf Mil, Pel Art, Gamadael)

Guiné 61/74 - P20374: Notas de leitura (1239): "Um ranger na guerra colonial"..., de José Saúde, Edições Colibri, Lisboa, 2019. Prefácio de Luís Graça.


Capa do livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial: Guiné-Bissau, 1973/74: memórias de Gabu". Lisboa: Edições Colibri, 2019, (Coleção "Memórias de Guerra e Revolução", 20).

O lançamento do livro já está agendado para o dia 10 de dezembro de 2019, em Beja, na Biblioteca Municipal, às 21h30. E no dia 8 de fevereiro de 2020 será apresentado, com pompa,  circunstância e... "cante alentejano", na Casa do Alentejo, em Lisboa, com apresentação a cargo do nosso editor Luís Graça.


Prefácio

A guerra colonial (1961/75) terá sido possivelmente o acontecimento mais marcante da sociedade portuguesa do Séc. XX. Foi-o, pelo menos, para a nossa geração, a minha e a do José Saúde. Estamos a falar de mais de um milhão de combatentes, portugueses, mas também guineenses, angolanos e moçambicanos (que estiveram de um lado e do outro da “barricada”…). O seu desfecho levou não só à restauração da democracia em Portugal, com o 25 de Abril de 1974, mas também ao desmantelamento dum império colonial que verdadeiramente nunca chegou a sê-lo, e ao nascimento de novos estados lusófonos, a começar pela Guiné-Bissau, mais de cento e cinquenta anos depois da independência do Brasil (em 1822).

Em contrapartida, não creio que Portugal, meio século depois, tenha feito ainda o balanço (global) de uma guerra que, contrariamente a outras (por ex., invasões napoleónicas e guerras civis no Séc. XIX) se passou a muitos milhares de quilómetros de distância da Pátria, na África tropical. 

Portugal nunca fez o luto da guerra colonial (ou está agora a fazê-lo, lenta, tardia e patologicamente). E, no entanto, tem vindo, sobretudo depois da descolonização, a aumentar o interesse por esta guerra (que alguns preferem continuar a chamar “guerra do ultramar” ou “guerra de África”): veja-se a literatura de memórias, a produção ficcional e poética, a animação nas redes sociais de que o nosso blogue foi pioneiro, a investigação historiográfica e científica, a comunicação social, escrita e falada, etc.

É neste contexto que podemos situar este livro de memórias do José Saúde, o testemunho privilegiado de um português e militar que soube fazer tanto a guerra como a paz… Foi Furriel Miliciano de Operações Especiais (Ranger) na Companhia de Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Artilharia (BART) n.º 6523 (Guiné, Região de Gabu, Nova Lamego, agosto de 1973/setembro de 1974)… 

Na realidade não chegou a cumprir os esperados 21 meses de comissão de serviço, porquanto nove meses depois sua chegada começou a desenhar-se, a partir de abril de 1974, a tão ansiada solução política para aquele interminável conflito armado que opunha as autoridades portugueses ao PAIGC, mas que também tinha muitos outros “stakeholders”, dada o seu contexto geoestratégico (estava-se em plena "guerra fria") e os interesses em jogo (a nível local, regional, nacional e internacional).

Não é de jogos de guerra de que aqui se fala, nem sequer de grandes batalhas, mas de simples memórias vividas e contadas na primeira pessoa do singular e do plural… Não é História com H grande, mas “petite histoire” sem a qual não se poderá perceber o que foi aquele conflito… 

De que é que trata, afinal, este livro de mais de 200 páginas ? O autor não poderia fazer melhor síntese ao dizer que são “histórias que nos conduzem a uma viagem onde a Guerra se cruzou com a Paz”. E justamente numa região da Guiné, o leste, o Gabu, o “chão fula”, onde se tinha verificado uma escalada da guerra, desde pelo menos o meu tempo (Bambadinca, 1969/71), mas onde o PAIGC estava longe de ter conseguido conquistar o “coração” das gentes… e muito menos o seu território.

O presente volume reúne uma seleção de pequenas crónicas de um lote de cerca de 90, que o autor foi publicando, desde 2011, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Tudo poderia começar pela clássica frase “Menino e moço, abalei da casa dos meus pais"... Aldeia Nova de S. Bento, Beja, Tavira, Lamego, Bissau, Nova Lamego (Gabu)… 


São memórias de pessoas e de lugares, que correm o risco de desaparecer no limbo do esquecimento: a evocação da incontornável viagem de LDG (Lancha de Desembarque Grande), Rio Geba acima, de Bissau ao Xime, com o fantasma do inimigo em Ponta Varela, antes da chegada ao destino; a bela e acolhedora cidadezinha colonial, que dava pelo nome de Bafatá, a capital do leste, conhecida no meu tempo como a “Princesa do Geba”; os “piras” e os seus rituais de iniciação e adaptação (ao clima, à guerra, às duras condições de vida nos quartéis e destacamentos lá no fim do mundo onde, de repente, se podia imaginar uma 5ª Avenida; a perda da inocência (o mesmo é dizer, da juventude) com a primeira morte de uma camarada; as colunas de reabastecimentos até a Bafatá, onde se ia buscar o pão para a boca e as "bazucas" (garrafas de 0,6 l de cerveja) do nosso contentamento… mas também a necessário provisão de caixões para os mortos; o privilégio de se ter um rádio que nos traz notícias do outro lado do mundo; o “batismo de fogo”, mesmo que atabalhoado; os dias de folga da guerra, em que o camuflado se trocava pela roupa civil, as tardes passadas nas tabancas com os seus frondosos e sagrados poilões, aprendendo com a sabedoria dos mais velhos, e deliciando-se com a alegria e a inocência dos mais novos, as encantadoras mas desprotegidas crianças da Guiné; o conhecimento, mesmo que superficial, de usos e costumes ancestrais como o batuque, o "fanado", o trabalho no campo, a família, o patriarcado, a condição da mulher, entre os fulas ; e sobretudo a ternura para com a “menina do Gabu”, loira e de olhos negros, “filha do vento”, de amores em tempo de guerra.… 

É um impressionante desfiar de memórias, fragmentadas, que não segue uma sequência rigorosamente lógica nem cronológica. Enfim, há outros tópicos “incontornáveis” como o comércio do sexo, num país em guerra e num chão que era dos fulas, “nossos aliados”; as nossas afáveis e alegres lavadeiras e a fonte do Alecrim ou a “aldeia da roupa branca” (neste caso, verde e castanha); a “mascote”, o Alberto, o benjamim da Companhia, como o havia em quase todas as companhias, o “djubi” que era protegido e acarinhado pelos “tugas”; o primeiro e único Natal passado no mato, em 1973; figuras locais como Jau, o guia, o milícia Jaló, o Seidi, o magarefe, ou o Mário, antigo guerrilheiro e depois impedido do comandante…

Mas onde se fala ainda de notícias de deserção (o amigo desde Tavira e Lamego, “ranger”, cabo-verdiano que se pira para o PAIGC); a rotina da atividade operacional (incluindo a segurança à pista de aviação de Nova Lamego); a terrível experiência da sede e a importância vital da água; as alegrias da mesa e do convívio, à volta de um cabrito assado no forno; a continuação da “militarização” dos fulas, com a formação de novas companhias de milícias; as alegrias, as expectativas eas perplexidades do 25 de Abril de 1974 (vividas em plenas férias, no Alentejo, ainda só com nove meses de Guiné); o regresso ao Gabu em maio de 1974, os primeiros contactos com o inimigo de ontem, a apreensão da população  fula face aos seus “libertadores”…

Amante do futebol, o autor não podia deixar de evocar as tardes de domingo, as futeboladas, a alegria de ir visitar, desarmado, os camaradas de Madina Mandinga em tempo de paz ainda precária (mas já sem o temor das minas e das emboscadas)… E, “last but not the least”, a transferência de soberania (na noite de 3 para 4 de Setembro de 1974, “um momento inesquecível”), a despedida, o regresso a casa, o segundo regresso ao Gabu, 25 anos depois, através de fotos de 1999, a catarse vivida com “lágrimas (…) de saudade e de ternura”…

O José Saúde, desportista e jornalista, é também o exemplo de um  "coraçºão grande", de um grande lutador, de um grande sobrevivente e de um grande comunicador. Bastaria ler a sua história de vida e os seus livros “AVC – Acidente Vascular Cerebral na Primeira Pessoa” (Estarreja: Mel Editores, 2009, 162 pp.), ou AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade (Chiado Editora, 2017, 179 pp). Com o seu nono livro, agora dado à estampa e complementado com novas narrativas, ele não vem (nem precisa de) provar nada a si próprio nem aos outros: vem apenas confessar que viveu, que viveu momentos difíceis mas também bonitos e solidários no seu Gabu, na sua Guiné, naquela terra verde e vermelha, por cuja sorte o seu bom coração, de alentejano e português, ainda continua a bater.

Luís Graça, fundador e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (desde 2004) (**)


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Notas do editor:

(*) Colecção: Memórias de Guerra e Revolução Direcção: Carlos de Almada Contreiras:

1 – O 25 de Abril e o Conselho de Estado. A Questão das Actas Maria José Tíscar
2 – A Viagem da Corveta. Uma Década de Episódios Navais Manuel Begonha
3 – Diplomacia Peninsular e Operações Secretas na Guerra Colonial, 2.ª edição Maria José Tíscar
4 – Terra-Mar-e-Guerra. Cogitações de um Marinheiro Alentejano José Faustino Ferreira Júnior
5 – Revolução de Abril. As Praças da Armada José Boto, Cabo C; José Brinquete, Marinheiro L; José Bruno, Cabo C, Vítor Lambert, Cabo L (coordenadores)
6 – A Contra-Revolução do 25 de Abril. Os “Relatórios António Graça” sobre o ELP e AGINTER PRESSE Maria José Tíscar
7 – 5.ª Divisão – MFA – Revolução e Cultura Manuel Begonha
8 – A Última História de Goa 2.ª edição revista e aumentada do livro N.R.P. Sirius – Índia 18 de Dezembro de 1961 – Três Casos de Marinha Manuel José Marques da Silva
9 – Retalhos de Vidas de Marinheiros Geraldo S. Lourenço
10 – A Descolonização da Guiné-Bissau e o Movimento dos Capitães, 2.ª edição Jorge Sales Golias
11 – A Guerra nos Balcãs. Jihadismo, Geopolítica e Desinformação. Vivências de um Oficial do Exército Português no Serviço da ONU Carlos Branco
12 – Operação Viragem Histórica – 25 de Abril de 1974, 2.ª edição Organização de Carlos de Almada Contreiras
13 – A PIDE no Xadrez Africano. Conversas com o Inspetor Fragoso Allas, 2.ª edição María José Tíscar
14 – A Guerra na Antiga Jugoslávia Vivida na Primeira Pessoa. Testemunhos de Militares Portugueses ao Serviço das Nações Unidas Coordenação de Carlos Branco, Henrique Santos e Luís Eduardo Saraiva
15 – A Noite que Mudou a Revolução de Abril – A Assembleia Militar de 11 de Março de 1975 Coordenação de Carlos de Almada Contreiras
16 – Todos ou Nenhum. A libertação dos presos de Caxias João Menino Vargas
17 – O MFA em Moçambique – Do 25 de Abril à Independência Aniceto Afonso
18 – A Verdade Escondida – O 25 de Novembro e as Praças da Armada José Boto, José Brinquete, Fernando Marques, Florindo Paliotes (Coordenação)
19 – Kosovo – A Incoerência de uma Independência Raul Cunha
20 – Um Ranger na Guerra Colonial – Guiné-Bissau (1973-74) José Saúde

Guiné 61/74 - P20373: Os nossos seres, saberes e lazeres (365): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
É passeio sacramental cirandar sem tempo pela Lagoa das Furnas, subir até à mata-jardim José do Canto, leva-se um livro e umas vitualhas para passar uma boa parte do dia, o tempo ajuda, a natureza saltita de alegria, não faltam florescências, das plantas endémicas à multiplicação das azálias, até pomposidade das magnólias.
Este Éden é uma atração turística para os amantes dos passeios pedestres, num dado ponto chegam autocarros que trazem turistas de vários continentes que se cingem a ver as caldeiras e os tachos dos cozidos em laboração. É um passeio pedestre sem rival, segue-se pelo Pico do Ferro e desce-se por vereda até ao Vale das Furnas, não há ponto de Portugal que mais impressione o viandante neste fulgor primaveril, descem-se as veredas com o rumorejar das águas, seguem em cachão no meio de verdadeiros jardins, entra-se na vila, a natureza não faz tréguas.

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (7)

Beja Santos

É a despedida da Lagoa das Furnas, dia ensolarado, coisa curiosa, as águas têm tons de mercúrio, talvez se deva à passagem de nuvens velozes, vão ensombrando certas imagens que aqui se colhem, logo a Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, à vista desarmada até parece um lugar assombrado, é um dos legados desse homem avançado para a sua época, José do Canto que, para além desta ermida neogótica, deixou uma vivenda e um chalé franco-suíço e uma esplendorosa mata-jardim, dez hectares com arruamentos ladeados por cameleiras e um vale de fetos que parece estar próximo do paraíso, é bem agradável por ali passear entre camélias e sequoias, e contemplar a queda de água que dá pelo nome “Salto do Rosal”. Como ficar indiferente a esta ermida neogótica, parece um testemunho vitoriano bem junto à lagoa, aqui está sepultado o casal, vista mais frondosa não podiam ter.



Anda o viandante a cumprir a rota circular pelas furnas, começou junto do Largo das Três Bicas, passou pela Poça da Dona Beija, caminhou até ao Pico do Milho, daqui se desfruta a bela vista sobre o vale, entra-se na lagoa, já se passou pela Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, mataram-se saudades na mata-jardim José do Canto, caminhou-se para um edifício recente e de boa arquitetura chamado Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, desfruta-se de toda esta vasta flora a mergulhar nas águas, aqui há de tudo, incenso, camélias, araucárias, flores silvestres, rescendem odores de toda esta vegetação que se molha na lagoa, sobe a temperatura, muda a cor da lagoa, vai-se por um caminho plano, ainda estão longe as famosíssimas caldeiras, a energia determinante do prato típico da terra, o cozido.





Convenhamos que o ângulo da imagem é um tanto distorcido, foi ato deliberado, pretende o viandante mostrar ao leitor a comunhão entre o arvoredo e as árvores, o seu diálogo permanente, inclinam-se os troncos das árvores, debruçam-se os ramos como se fossem abraçar o meio aquático, há raízes à mostra, parece que esta flora é sedenta do que a lagoa oferece, passeia-se entre a espessura de um arvoredo que vai subindo para os cumes deste vulcão adormecido e do outro lado temos este arvoredo perto da água. Cenário natural mais apaziguante não pode existir.


Aqui estão as caldeiras das furnas. Tudo por causa da atividade geotermal, é um dos cartazes turísticos de S. Miguel, não só porque temos aqui o tradicional cozido à portuguesa que se deve ao calor interno do vulcão das Furnas, mas esta fumarada permanente, o esbranquiçado, os roncos intimidantes geram um envolvimento bem diferente do que se vive em pleno Vale das Furnas.




E pronto, o viandante está de saída, passou pelo cruzamento para o Miradouro do Pico do Ferro, chegou à estrada regional, vira à direita e avança para o centro da freguesia, segue melancólico, olha o despontar das hortênsias ou hidrângeas, aqui e acolá irrompem verónicas, é o tempo esplendoroso das azáleas, as plantas endémicas estão exuberantes, despedimo-nos com esta magnólia branca, deslumbrante. Amanhã, último dia nesta abençoada terra, o viandante vai despedir-se do Parque Terra Nostra, apanha o autocarro até Ponta Delgada, mais jardins e depois o aeroporto, sempre a dizer consigo “até à próxima”.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20353: Os nossos seres, saberes e lazeres (364): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (6) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20372: Parabéns a você (1713): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20363: Parabéns a você (1111): Mário Migueis da Silva, ex-Fur Mil Rec Inf (Guiné, 1970/72)

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20371: Notas de leitura (1238): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (33) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
Os ventos não sopram de feição para as unidades do BCAV 490, há um acréscimo de luta e da minha parte procuro contextualizar o que o bardo regista em verso. Confesso ser um dos aspetos mais estimulantes aqui do meu trabalho, andar a pinçar as diretivas e as instruções correspondentes a este período, e não escondo a surpresa de encontrar comprovativos de que os Altos Comandos, com os recursos disponíveis, procuravam firmar o dispositivo, ser ofensivos na manobra, proteger as populações, fazer ação psicológica; acontece que o PAIGC estava numa alta, consolidara posições na região Sul, em zonas do Corubal, possuía um bastião no Morés, havia largas manchas de floresta onde se concentrava a sua população fiel, e o seu armamento melhorava de dia para dia.
É ponto assente que uma guerra de guerrilhas se define pela desigualdade na presença dos contendores, um tem posições fixas, vive entrincheirado, patrulha ou nomadiza, precisa de reforços e às vezes de forças especiais para tentar desinquietar quem lhe é hostil; o guerrilheiro prima pela maleabilidade, dissimula os seus armazéns e armamento, por vezes distantes das suas casas de mato, espalha minas e a muito mais procede para aterrorizar quem vive nos campos entrincheirados.
O período em análise é a guerra das posições, ver-se-á adiante numa importante diretiva de Arnaldo Schulz, de 1966, de que há poucas ilusões de que aquele inimigo possa ser abafado ou anulado. Muito ainda há a estudar para nos aproximarmos com rigor da verdade histórica do que foram aqueles anos de que mais tarde Spínola dirá cobras e lagartos.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (33)

Beja Santos

“Foi ferido o Capitão Arrabaça,
Alferes Mota se atingiu
Inácio numa emboscada
com 7 colegas se feriu.

O sofrimento a continuar,
não sei até quando será,
temos 15 meses já
e não deixamos de penar.
Sorte tem quem escapar
de tudo o que cá se passa.
O inimigo ameaça
as nossas Companhias.
Ainda há bem poucos dias
foi ferido o Capitão Arrabaça.

Só nos pensam em matar,
fazem grandes espionagens,
não passam de uns selvagens
que nos querem desgraçar.
Emboscadas nos vêm armar,
como isto nunca se viu.
Um dia, um ataque surgiu,
ficando pouca gente mal
e junto a outro oficial
Alferes Mota se atingiu.

Foi-se ao mato novamente
e mais uma coisa ruim:
feriu-se o amigo Clarim
e junto a ele muita gente.
O inimigo estava à frente,
jogando muita rajada.
O Maneta, com uma granada
um ferimento grave fez;
e atingiu-se a primeira vez
Inácio numa emboscada.

No Batalhão de Cavalaria,
o Chicha, um homem valente,
oferecendo-se, voluntariamente,
muitas escoltas fazia.
Não era desta Companhia
mas há tempos cá adiu
o azar o perseguiu
e ao 70 também;
e o 16 em Jumbembem
com 7 colegas se feriu”.

********************

Estamos num período em que o bardo repertoria sucessivas penas, acidentes, feridas e feridos. O contexto em que tudo isto decorre não nos deve deixar indiferentes, já aqui se registou diretivas de dois comandantes-chefes, ordens de operações, o que se pretendia fazer na ação psicológica, sabe-se bem o papel desempenhado pelo BCAV 490 na Operação Tridente, consultada a documentação da Resenha Histórico-Militar sabe-se que os Altos Comandos não descuraram as regras em que devia assentar a autodefesa das populações, por vezes escrevem-se coisas curiosas, como esta, por exemplo:
“Para se compreender a atitude dos Fulas face à subversão, é necessário salientar que sempre se julgaram superiores aos outros povos da Província. Com o início do terrorismo, os Fulas sentiram um desabamento. Os seus régulos e cipaios, que dominavam em ‘chão’ alheio, acharam-se, de um momento para o outro, atacados, chegando muitos a serem as primeiras vítimas dos terroristas. Colocaram-se logo no início ao lado das autoridades. Com a evolução da luta armada, observa-se uma franca colaboração com as autoridades”.
E repertoriam-se as diferentes ações em que os Fulas procuraram combater os independentistas, logo em março de 1963, no mato de Catió. O governo de Salazar terá verificado da necessidade de dar armas à população, e assim em abril de 1963 o Secretário-Geral da Defesa Nacional propunha “por tabanca”, promover a criação de uma milícia sob a autoridade de um chefe respeitado pela população e o seu armamento deveria permitir-lhes que não se inferiorizassem perante o inimigo. E daí as instruções para a autodefesa das populações, preocupação que jamais abandonará as diretivas dos comandantes-chefes para os seus subordinados. O Brigadeiro Louro de Sousa redigiu com clareza as medidas a tomar no final do ano de 1963: continuar as ações no Oio e a vigiar os fluxos desta região; fechar a fronteira Sul; estabelecer um tampão na parte final do rio Geba; ocupar-se Gadamael Porto por uma Companhia, precedida esta de um desembarque de fuzileiros especiais; e ocupar as ilhas do Como.

Insista-se que enquanto decorre a batalha do Como, na península de Quitafine irá decorrer o chamado Congresso de Cassacá, tomam-se decisões fundamentais na organização, o ano militar irá superar de feição para os nacionalistas, melhorará o seu material militar, crescerá o número de efetivos a combater. O Brigadeiro Louro de Sousa anuncia em 2 de janeiro do ano seguinte o crescimento das forças terrestres, não obstante a presença do PAIGC no interior do território guineense passou a ser uma realidade. As populações à volta de Guilege deram a saber que tinham decidido ficar, o destacamento foi reforçado. A ocupação de Guilege, Cumbijã e Ganturé moralizou as populações. O PAIGC quando não tem apoio dos chefes gentílicos não hesita em ameaçar. Nicolau Correia, do PAIGC, enviou ao régulo do Cuor, Malan Soncó, duas mensagens com conteúdo semelhante, era instado a mandar retirar as tropas de Missirá, caso contrário haveria futuramente um ajuste de contas, nem que demorasse dez anos.
Ainda em janeiro de 1964 foram publicadas instruções para a colaboração dos nativos nas operações militares, enquadra-se os módulos da instrução e dão-se indicações para remunerações e subvenções.
Estava dado o ponto de partida para a africanização da guerra.

Arnaldo Schulz é o substituto de Louro de Sousa, chega à Guiné em 21 de maio de 1964, remexe no dispositivo, cria-se um batalhão de reserva do Comandante-Chefe, há três Comandantes de Agrupamento localizados em Mansoa, Bafatá e Bolama. Cada agrupamento era constituído por três batalhões. Bula, Farim, Mansoa, Fá Mandinga, Bafatá, Nova Lamego, Tite, Buba e Catió são as sedes militares mais importantes das forças terrestres.
Dá vontade de recuar um pouco até ao passado, dar voz a um militar, neste caso a um furriel de armas pesadas de nome Joaquim Fernando Santos Oliveira que chegou a Bissau no dia 19 de setembro de 1964 e que em 2019 publicou as suas recordações no livro “A Guiné no meu tempo”, Chiado Books, 2019. Parte para Tite, veio em rendição individual, será integrado no Pelotão Independente de Morteiros 912, que regressará em outubro de 1965. Este pelotão colaborara na Operação Tridente e permanecerá no Como no destacamento de Cachil, Santos Oliveira irá calcorrear um pouco do Sul, andará pelo Enxudé, Tite, e depois cai-lhe na rifa o destacamento de Cachil, irá contar com algum detalhe o ataque do PAIGC com Nino Vieira à frente ao anoitecer de 16 de novembro de 1964, ajudou a contribuir para o desaire dos nacionalistas, como escreve:  
Santos Oliveira
“Na manhã de 17 de novembro, o balanço da flagelação era dantesco. Massa humana do atacante por entre fragmentos de armas, pedaços de armas, a orla da mata tinha recuado de 30 a 40 metros (as palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas), apenas um corpo mais ou menos inteiro do elemento inimigo em muito mau estado, uma PPSH e, o mais espantoso, entre três Poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie de salão inexpugnável (a Morteiros) e que denominávamos enfermaria, um Unimog recolheu duas cargas de ligaduras sanguinolentas e alguns apetrechos médicos”.
Conheceu o futuro capitão João Bacar Djaló em Catió, trocaram cortesias. Dá-nos um repertório de imagens íntimas, por ali perpassam ternura, a vida dos aquartelamentos, não esconde a deceção por faltas de camaradagem e por não ter visto o seu labor militar convenientemente reconhecido.

É tempo de relembrar que em Binta está a CCAÇ 675, liderada pelo Capitão do Quadrado, dependente do BCAV 490, sediado em Farim. Entraram na guerra em turbilhão, quando se lê o diário de JERO, a partir do mês de julho de 1964, são golpes de mão, limpeza de picadas, emboscadas bem-sucedidas, contatos com a população senegalesa, o mês de agosto também se revela imparável, com nomadizações, destruições de casas de mato, participa-se numa operação ao Oio, mas a 5 de agosto o Capitão do Quadrado acidenta-se, é ferido em combate, JERO dá pormenores:
“Apesar de recomendado ao soldado do morteiro para ter cuidado com as árvores de grande copa que ladeavam a estrada, o seu excesso de zelo e ardor combativo levou-o a disparar a morteirada com tal precipitação que a granada foi rebentar num ramo alto de uma árvore do lado esquerdo, crivando de estilhaços o lado direito onde se encontrava o nosso capitão e alguns soldados. Encostado ao tronco de uma árvore com a mão no ombro esquerdo, o nosso capitão deixou-se escorregar lentamente para o chão. Um jato de sangue saía em repuxo do local que comprimia com a mão, sem poder evitar um esgarro de dor”.

Segue-se uma descrição de profunda estima, a consternação manifestada na evacuação do comandante de companhia é um belo momento de prosa, como iremos ver.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 15 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20347: Notas de leitura (1236): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (32) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20361: Notas de leitura (1237): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (2): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20370: Fotos à procura de uma... legenda (121): Camaradas artilheiros, quando media, em comprimento, o conjunto Berliet ou Mercedes ou Matador + reboque + obus 14 ou peça 11,4 ?.. 15 metros!... E quanto pesava ? 15 toneladas!... Façam lá o TPC: 9 bocas de fogo, mais 9 rebocadores, mais 9 Unimogs e Whites, mais 300 homens em armas... mais 500 granadas... Qual o comprimento (e o peso= de uma coluna destas, a progredir numa picada, no mato, de Piche, a caminho da fronteira, "Acção Mabecos", 22-24 de fevereiro do século passado, numa guerra do outro mundo ?!..



Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Porto fluvial", no Rio Fulacunda > Montagem de segurança > Um obus 14, rebocado por uma Berliet. Para o que desse e viesse... Mas eram mais de 15 toneladas de aço em movimento... Um conjunto com 15 metros de comprimento...


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Infografia da emboscada de 22/2/1971, no decurso da Acção Mabecos, que envolveu forças do BCAV 2922, numa operação de escolta e segurança a forças de artilharia no trajecto Amedalai - Sagoiá - Rio Sagoiá - Rio Cimangru [... e não Camongrou] - Piche 4E545 - Rio Nhamprubana. As baixas das NT  (3 mortos, vários feridos graves e ligeiros, 1 desaparecido...) foram todas da CART 3332 que ia na altura na cabeça da coluna.

Mortos nesse dia: 1º cabo at art Justino de Sousa Costa; sold at art Simplício Borges da Mota. sold at art João Peixoto de Araújo. Feridos graves: alf mil at art Art. José Agusto F.F.Rodrigues e sold at art Art. José Augusto S. Faria, mais 3 feridos ligeiros,  todos do 3º Gr Comb da CART 3332. O 1º cabo at art  Duarte Dias Fortunato, capturado pelo IN, foi  liberto depois do 25 de Abril.

Por acidente com uma bazuca, quando se preparavam para participar na Acção Mabecos,  morrerarm também nesse dia, na caserna da CCAV 2749, três militares:  sold at cav Leonel Pinto,  sold at cav Mário da Costa Morgado, e 1º cabo at cav Joaquim António Carregueira Correia (este a caminho do HM 241, em Bissau). Houve vários feridos.

Foto (e legenda): © Domingos Robalo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > Rio Campa > 22 de fevereiro de 1971 > "10 segundos antes da emboscada. O 4º pelotão da CART 3332 abrigou -se na mata à direita onde estava postado,"


Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 23 de fevereiro de 1971 > Entre nevoeiro, pó e fumo: bombardeamento matinal, após uma noite dramática, à posição Foulamory (Guiné Conacri)



Guiné > Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 23 de fevereiro de 1971 > Os obuses, no regresso. O cenário é o da emboscada no dia anterior. [As viaturas com as bocas de fogo parecem vir coladas umas às outras no regresso...como se os condutores temessem uma segunda emboscada...Ninguém queria ficar para trás...]



Guiné > Região de Gabu > Piche > Acção Mabecos > 24 de fevereiro de 1971 > "Regresso dos guerreiros a casa (Piche). Empoeirados e tristes e com sede de vingança. A missão 'soube' a derrota"


Notáveis fotos do ex-alferes at art Jorge Carneiro Pinto, CART 3332 (1970/72). Legendas: Eduardo Teixeira Lopes, ex-1º cabo trms, CART 3332 ( Bolama, Piche, Nhacra, Dugal,Fatim, Chgué, 1970/72) Reproduzida. aqui. com a devida vénia- Fonte: "A guerra nunca acaba para quem se bateu em combate": terça-feira, 22 de fevereiro de 2011 > Guiné : Operação Mabecos, 22 de fevereiro de 1971


1. A Berliet Tramagal GBC 8KT CLD tinha as seguintes dimensões : comprimento máximo: 7.28 m - Largura: 2.4 m- Altura: 2.7 m... O peso era uma brutalidade:  8 toneladas (sem carga). A peça rebocada devia ter outro tanto de comprimento... 

Recorde-se que a peça 11.4 é mais comprida do que o obus 14... A viatura devia rebocar outro tanto peso: já não me lembro quanto pesavam aqueles mastodontes... E ainda faltam as granadas: 380, cada um com de 45 quilos mais ou menos (as de obus Agora ponham nove viaturas destas (Berliets ou equivalentes)  a rebocar 9 bocas de fogo, com uma segurança mínima de 30 /40  metros entre cada uma, dava mais de meio de quilómetro (equivalente ao comprimento de 5 campos de futebol)... 

Agora ponham mais 9 Unimogs e Whites - de acordo com o croqui acima reproduzido - além de 4 grupos de combate da CART 2332, 2 Gr Comb da CCAV 2749, 3 secções de milícia (=1 Gr Comb), mais 1 secção de morteiro 81, 3 Pel Art (Sare Bacar, Piche, Canquelifá)...o que dá 10 pelotões x 30 homens = 300 homens em armas...

Não se sabemos se a coluna ia toda motorizada ou  se havia combatentes apeados... Temos no mínimo mais meio quilómetro... Numa picada no mato, com todos os obstáculos que surgem (árvores, curvas, buracos... mesmo sabendo que estamos na época seca), as forças envolvidas na Acção Mabecos quando se deslocavam para o objetivo e foram emboscadas, deviam parecer um cobra gigante  com mais de um quilómetro da cabeça à cauda...300 homens, 9 bocas de fogo (não contundir om os  morteiros 60 e 81...), mais de 400 granadas, cerca de 20 viaturas...

De qualquer modo era uma massa impressionante de homens e aço em movimento, dando até uma falsa sensação de segurança a quem ia, a 3 metros do solo, empoleirado...Mas, ao mesmo tempo, cada homem sente que pode ser um alvo a abater... Eu fiz escolta e segurança a várias colunas logísticas, com dezenas de viaturas, também passei por essa estranha sensação...

2. Recorde-se o que já aqui escrevemos  sobre o Obus 14 cm:

 (...), de origem inglesa, foi recebido em Portugal, em 1943, para equipar as Unidades de Artilharia pesada, substituindo os Obuses 15 cm T.R. m/918 e 15 cm / 30 m/41. O Obus foi concebido para tracção auto exercida pelo camião tractor de 8 ton A.E.C. (Matador) 4x4 MA/46 e pelo camião tractor de 8 ton Magirus – Deutz 4x4 MA78. Serviu operacionalmente nos teatros de guerra da Guiné, Angola e Moçambique, entre 1961 e 1974, tendo sido substituído, em 1987, pelo Obus M114 155mm/23"... O obus 14 pesava mais de 6 toneladas... Cada granada pesava c. 45 kg... Tinha um alcance de c. 15 km... e uma cadência de tiro de 2 granadas por minuto... Tinha uma guarnição de 10 militares... (Fonte: Exército Português).

3. Em bicha de pirilau, ainda era pior: 250 homens (8 grupo de combate  + carregadores e guias), separados de cinco em cinco metros, a progredir no mato, de madrugada, na antiga picada Xime-Ponta do Inglês, toda já coberta de mato, o comprimento da coluna era de cerca de 1300 metros, quando a cabeça caiu numa emboscada em L e a secção da frente foi toda massacrada à "roquetada"...

 A cauda levou com armas pesadas, morteiro 81 e canhão s/ r... O IN teve tempo de sacar as G3 dos mortos e deixou-nos apenas os cadáveres  o que restou deles: tripas, pernas, braços, trocnos, cabeças: 6 mortos, 9 feridos graves... enquanto a "cobra" se recompunha do tremendo fogachal que apanhámos à frente, a meio e atrás... 

Foi a 26 de novembro de 1970, no subsetor do Xime, 4 dias depois da Op Mar Verde.  O senhor major de operações tinha dado um estranho nome, esotérico, ao raio da operação que era para fazer manga de ronco nas hostes inimigas, enquanto o PAIGC lambia as feridas em Conacri: Operação Abencerragem Candente!... 

Teve dedo de cubanos, tal como a emboscada sofrida, 3 meses depois, em Piche, na região do Gabu...Afinal, os nossos "crâneos" não aprendiam nada com os desaires dos vizinhos... Mas quem é que planeia uma operação destas,  a nível de batalhão, num raio de uma guerra como aquela do toque e foge ?!.. .E com os olhos e os ouvidos da população do Xime que tinha "parentes no mato", tal como os de Nhabijões, ali ao lado ? 250  homens dão muito nas vistas...E para mais entrando e saíndo duas vezes no Xime...A segunda saída, por razões de segunda, devia pura e simplesmente ter sido anulada... Mas, não, a obsessão de "fazer ronco", a todo o custo, por parte do comando do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) deu em tragédia...

As grandes vítimas foram os "periquitos" da CART 2715, comandados por um jovem, mas bravo, capitão de artilharia Vitor Manuel Amaro dos Santos, para quem a guerra acabou nesse dia... 

Sei do que falo porque, partindo do meio da coluna, fui dos primeiros camaradas da CCAÇ 12 (que atrás da CART 2715) a chegar à cabeça da coluna, para socorrer os feridos e resgatar os mortos... Ainda hoje tenho pesadelos quando me lembro do raio deste dia 26/11/1970... 

4. Desafio aos leitores: qual o comprimento, de facto, da coluna que progredia de Piche para o Rio Campa, na fronteira, com 9 bocas de fogo e cerca de 400 granadas de artilharia para flagelar Foulamory,   ali em frente ? E quantas toneladas de ferro, aço e carne humana deslocava a coluna ? Quem foi o génio militar que planeou uma operação destas ? (*)


Pelas minhas contas por alto, temos... x quilómetros,  x toneladas... Façam  alguma coisa, façam lá o TPC, camaradas....

PS - Não confundir esta Acção Mabecos com a Op Mabecos Bravios, dois anos antes (retirada de Madina do Boé, que culminou no desastre no Rio Corubal, em Cheche, na manhã de 6 de fevereiro de 1969: 47 mortos, afogados). Há uma diferença entre Acção e Operação... Não sei se existia, na altura, no território da ex-Guiné Portuguesa, o Mabeco (Lycaon pictus, "lobo pintado"), o cão selvagem africano... "A espécie já foi comum em toda a África subsaariana (exceto em áreas de floresta tropical ou densa e zonas desérticas). A sua distribuição geográfica actual limita-se ao sul da África especialmente em Namíbia, Zimbábue, Zâmbia, Botswana e sul da África Oriental na Tanzânia e norte de Moçambique. É uma espécie ameaçada de extinção", diz a Wikipédia...

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Nota do editor: