sábado, 18 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21179: Da Suécia com saudade (77): Os Vikings, os capacetes... e os cornos (, que só aparecem em 1820 e que hoje são de plástico, "made in China") (José Belo)

José Belo
1. Mensagem de José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:



Date: terça, 14/07/2020 à(s) 09:58

Subject: Os Vikings...Os capacetes...Os cornos.


Caro Luís 

Estando o mundo,e não menos os Estados Unidos,a atravessar uma situação infelizmente sobre o controle de um daqueles políticos messiânicos que sempre surgem nestas ocasiões, será talvez a altura mais apropriada para esclarecer alguns leitores do blogue (sempre interessados nestas coisas civilizacionais!)quanto ao facto de os Vikings [, ou víquingues,]usarem,ou não,cornos nos seus capacetes de combate. 

Porquê misturar os States nesta Saga?

Simplesmente porque ,nos tempos mais modernos,terem sido as superproduções de Hollywood, e alguns autores de banda desenhada (também),  responsáveis pela mesma.

Sem entrarmos em profundas dialéticas quanto a costumes,necessidades,instintos sexuais dominantes da natureza humana, etc, etc, etc....e nos "etc" está sempre muito do dramático destas coisas...

Será óbvio que as prolongadas e regulares viagens destes heróis destemidos para locais sempre distantes, não só lhes traziam as riquezas e a muito cobiçada fama pessoal,como uma enorme possibilidade (estatística!) de usarem os famosos cornos, não sobre o capacete de combate mas.....por debaixo do mesmo!

Poucos,dos que profundamente se interessam por este particular da nossa cultura tão Ibérica ,terão dificuldades em compreender que as mitológicas mulheres escandinavas durante estas prolongadas e incertas viagens dos seus companheiros, não procurassem "fontes de calor". Gostei desta imagem digna de um Luciano de Castilho!

(E aqui há que relembrar os infindáveis, escuros e gelados Invernos locais que em tudo abonam em favor das virtudes femininas escandinavas.)

"Fontes de calor" certamente fáceis de encontrar entre alguns "chicos espertos" Vikings que sempre se desculpavam com a última gripe para não se ausentarem das quentes lareiras...oferecidas.

E para mais,porque andariam estes guerreiros a navegar de um lado para o outro com tão especiais capacetes, tão fáceis de serem arrancados pelos adversários nos combates corpo a corpo?

Para não referir o facto de serem recebidos com gargalhadas nos campos das batalhas na Península Ibérica,na sua tão única e original cultura sobre o assunto.

Mas facto é que os tais cornos não existiam nos capacetes vikings. Historiadores e arqueólogos estão hoje em total acordo quanto a isto.

Julga-se ter este mito surgido em 1820 com a publicação de uma coletânea de lendas Escandinavas por um artista sueco contratado para ilustrar as histórias.

Teria,erradamente, buscado fontes de inspiração nas roupas típicas de algumas tribos Celtas e Germânicas,entre as quais era comum o uso de peles e cornos de animais nas suas cerimónias ...religiosas.

Anos mais tarde este mito veio à generalizar-se quando, entre 1848 e 1874, o compositor alemão Richard Wagner escreveu uma série de quatro Óperas,  chamadas "O Anel dos Nibelungos " onde as personagens eram originárias da mitologia nórdica e apareciam em cena vestindo peles e usando elmos com cornos.

O resto? Hollywood,autores anglo-saxônicos  de bandas desenhadas,e as nossas imaginações.

A feliz imagens ficou estabelecida,para proveito das lojas de vendas de recordações turísticas em Estocolmo e Oslo, com os seus ridículo elmos de plástico barato adornados com cornos...made in China!

Um abraço do J.Belo

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Nota do editor:


sexta-feira, 17 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21178: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (11): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
O arrependimento pós-guerra era inevitável, havia que assumir causas do incumprimento, de pura negligência, de comportamentos menos corretos, atendendo à qualidade daquele capital humano, gente fidelíssima que me seguia no mato, aquela população civil vivia na maior das misérias e que, paradoxalmente, esperava que lhes levássemos outros padrões de civilização, dentro da tormenta da guerra. Aqui se fala de dois casos de arrependimento, havendo mais. Não foi suficiente saber, no regresso, que eu ia acompanhando quem aqui vivia com próteses ou outros infortúnios, e que nessa dimensão se cumpriu bem e deu atenção.
As desatenções ainda hoje me pesam, embora eu sinta algum alívio em dizê-lo publicamente.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (11): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Chère Annette,
Continuo muito comovido com a sua longa carta que chegou ontem, já a li vezes sem conta, gratíssimo fico pelas suas manifestações de ternura. Não se deixe dominar pela ansiedade, dentro de breves dias indicarei a data do meu regresso, estou impaciente pela sua companhia, preciso da viva-voz para lhe falar do que tem sido a minha vida e como a sua companhia me subtrai aos desertos da alma, depois dos meus amores frustrados. Mas continuemos a falar da Guiné, como tanto insiste. Estou a desvelar os primeiros meses, apresento-lhe o meio em que me insiro, sou subjugado à pressão dos acontecimentos: é crucial remodelar o aparelho defensivo, as estacas do arame farpado apodreceram, já lhe falei dos abrigos que têm palmeiras cheias de bichos, é tudo inseguro, o lugar em que comemos, pomposamente chamado messe, é uma imundície, dentro de dias vai começar o trabalho de trolha para cimentar as paredes e ladrilhar o chão, estou ansioso que cheguem os bidões e venha um bom volume de chapas para se renovar o balneário, é para o facilitar para os homens da população civil; falta constantemente arroz, mais ou menos de 15 em 15 dias é necessário fazer uma coluna para Bambadinca e trazer a viatura com sacas, são toneladas; foi-me distribuído um auto de averiguações referente à deflagração de uma granada incendiária que feriu gravemente uma criança, tenho que fazer deprecadas, isto é, contactar oficiais, sargentos e praças de uma determinada unidade militar que aqui esteve há uns anos atrás para procurar apurar a responsabilidade de quem deixou uma granada abandonada num reboque que essa criança acionou; com os meus colaboradores reparto um sem-número de atividades que vão desde o expediente burocrático, à verificação de existências, à elaboração dos mapas de pagamentos, nunca descurando os tais patrulhamentos naquele local chamado Mato de Cão, são 25 quilómetros a qualquer hora do dia ou da noite, com chuvas torrenciais ou a fornalha do sol. E procuro resistir, há quem pense que eu sou insociável, os minutos disponíveis são para escrever aerogramas, ler, ouvir música, recordar quem sou, quais as minhas bases culturais, manter a chama acesa para o que pretendo fazer após a guerra; este agora é o meu território, sou o responsável n.º 1 pela defesa intransigente destes homens, mulheres e crianças. Daí a necessidade de com eles conviver, percorrer o interior de Missirá ou Finete, sentar-me à porta das moranças e conversar, quando é extremamente penoso para o meu interlocutor, só fala crioulo ou mandinga, peço ajuda ao Cabo Domingos Silva para interpretar, ao fim de umas semanas deste trabalho de intérprete perguntou-me se eu vou escrever algum livro sobre estas pessoas a quem pergunto de onde vêm, o que sonham fazer depois da guerra, o que eu devo fazer para as ajudar, o Cabo Domingos Silva andou numa escola de missionários e já me perguntou se eu tinha andado a estudar para padre… Daí voltar a falar-lhe neste Adulai Djaló, valoroso soldado, arranja-me problemas porque é um galanteador infrene e os maridos ou pais não estão pelos ajustes; a fotografia em que eu estou a caminho de uma operação, que como lhe disse, não serviu para coisa nenhuma a não ser para nos moer os ossos, é tanto quanto me recordo a primeira fotografia a cores que tenho desse tempo.

Chère Annette, demorei muitos anos a perceber esse sentimento tão profundo que dá pelo nome de arrependimento. Arrependimento de quê, já que estou a falar da Guiné? De não ter cuidado, nem acompanhado nem manifestar a minha presença a camaradas em provação ou apoiado a tempo e horas quem precisava de mim. Fora deste contexto destes primeiros anos de guerra, conto-lhe só aquilo que mais tarde irá ter um peso enorme do meu olhar sobre a dor e o sofrimento humano, uma mina anticarro que roubou uma vida e feriu sete soldados, escapei milagrosamente, só com o rosto queimado e os olhos em péssimo estado, um oftalmologista em Bissau fez prodígios, recuperei rapidamente.

 Adulai Djaló, bazuqueiro e grande destroçador de corações das bajudas de Missirá

A caminho de uma operação na região do Xime

Veja-me nestas obras de reconstrução, a pressão do tempo era horrível, dentro de escassas semanas ia começar a época das chuvas, estávamos a renovar abrigos, aproveitavam-se os tijolos anteriores e usava-se o material novo para a cobertura, cimentando as paredes exteriores, seguiam-se algumas instruções dadas a partir do Batalhão de Engenharia em Bissau. Alguém captou a imagem em que eu conversava com os meus soldados exatamente quanto ao bom assentamento daqueles troncos de palmeiras, eles eram conhecedores da boa técnica. Ao fundo, do lado esquerdo, está o 1.º Cabo Alcino Barbosa, um colaborador como não há memória, muito discreto, ouvindo e cumprindo, responsável por uma secção de um furriel que fazia para se ausentar em consultas médicas, um calaceiro e um verdadeiro biltre, o Alcino trabalhava noite e dia, fora assim a sua vida desde pequeno. Muito mais tarde, Annette, depois dessa mina anticarro que em 16 de outubro de 1969 alterou a vida do Alcino, que ficou com fratura no calcâneo, e depois evacuado para Bissau, jamais procurei saber dele, muitos anos depois escrevi-lhe uma carta, um documento público, expressando o meu arrependimento:
“Escrevo-te pedindo-te perdão pelo meu silêncio e pela minha ausência. É legítimo que tu nunca me tenhas perdoado a incúria de ter esquecido, de não te ter procurado como se tu não fosses o meu caríssimo Alcino por quem eu nutria uma amizade correspondida. Não sei exatamente porque te escrevo hoje, talvez por me ter aparecido uma fotografia da Capela de Bambadinca, e associei que fora junto da sua porta que tu me apresentaste. Busco alívio nesta minha confissão. Vivemos num mundo onde não há barreiras informativas para se descobrir onde tu ou eu estamos. A ver se ganho coragem e te procuro. Mas se acaso tu leres esta carta, ou alguém te falar dela, meu estimadíssimo Alcino, tal como nós dizíamos nos aerogramas, que a mesma te encontre cheio de saúde e prosperidade”.

 Durante os trabalhos de reconstrução de Missirá, junho de 1969

Exterior da capela de Bambadinca, imagem do blogue

Continuo a falar consigo sobre o arrependimento. Aprendi que quando se comunica com um familiar a morte de um filho na guerra, há que tentar procurar suavizar a dor, evitando aspetos mais dolorosos, escrevendo sempre que o filho ou marido não sofreu muito. Pois nessa mina anticarro de 16 de outubro de 1969 morreu o condutor, com que sofrimento, praticamente todo desmembrado nos membros inferiores, dava gritos lancinantes, não havia maqueiro nem material para o socorrer, foi transportado numa padiola improvisada até Finete, eu entretanto fui a Bambadinca pedir o apoio médico, nada pôde fazer perante a gravidade das contusões, o helicóptero veio buscá-lo na manhã seguinte, levou um morto. Escrevi ao pai, procurei suavizar a morte do Manuel Guerreiro Jorge. O pai exigiu a clara certidão da verdade, uma descrição cabal dos últimos momentos. Andei vários dias a remoer a história, e quando voltei a escrever de novo menti, fora uma morte rápida, morrera na explosão da mina, e apressei-me a dizer que esperava em breve visitá-lo, no concelho de Ourique. Ele prontamente me respondeu. A vida trocou-me as voltas, não mais nos encontrámos, perpassa uma mágoa de ter faltado ao cuidado, ser solícito com quem estendia as mãos, aquele homem sabia que tinha visto tudo, aquele testemunho era tão importante, ou quase, como a urna lhe entregaram naquele ponto do Alentejo.

Annette, esta foi uma expressão de arrependimento, mas há muito mais para contar, quando, com a sua preciosa ajuda, escrevermos este livro. Ainda não me habituei a tratá-la por tu, não é estranheza, é uma ponta de pudor, vai passar, talvez já com o nosso próximo encontro. Bien à toi, Mário




(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21157: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (10): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21177: Agenda cultural (750): Novo livro de Catarina Gomes, "Coisas de loucos: o que eles deixaram no manicómio" (Lisboa, Tinta da China, 2020, 264 pp.)







Sinopse do livro, editado pela Tinta da China 

Prefácio: Djaimilia Pereira de Almeida
Fotografias de Paulo Porfírio
Julho de 2020 | 264 PP | 21x14
ISBN: 978‑989‑671‑553‑3
Preço de capa: 17,90€


1. Mensagem, com data de 14 do corrente, da nossa amiga, jornalista e escritora, Catarina Gomes [ tem cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue; não pertence formalmente à nossa Tabanca Grande, por razões de independência e deontologia profissional]: 

Olá a todos,

Há mais de oito anos encontrei no sótão do primeiro hospital psiquiátrico português, o Miguel Bombarda, em Lisboa, uma caixa de cartão empoeirada cheia de objectos de antigos doentes. Há anos que persigo as suas vidas passadas. Que agora são, finalmente, livro. Chama-se «Coisas de Loucos-O que eles deixaram no manicómio» e chega finalmente às livrarias esta sexta-feira [, 17 de julho].

Por causa da pandemia não há ainda data certa para o seu lançamento, que deverá acontecer em Setembro. Nessa altura, receberão um convite. Por agora fica a notícia
Abraços
Catarina

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Guiné 61/74 - P21176: Historiografia da presença portuguesa em África (221): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - III e última Parte (1882 -1918) (Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > Vista da fortaleza da Amura.  Fonte: Valdez, Francisco Travassos - "África Ocidental : notícias e considerações : dedicadas a Sua Magestade Fidelíssima El-Rei O Senhor Dom Luiz I". Lisboa : Imprensa Nacional, Tomo I, 1864,  406 p., gravuras. Imagem do domínio público.


Guiné > Bissau > s/d > Vista do interior da fortaleza da Amura... Do lado direito, os seculares poilões que povoavam o interior da fortaleza, alguns dos quais chegaram aos nossos dias. Do lado esquerdo, a antiga casa do Comando demolida em 1911 para no mesmo lugar se construir novo edifício. Origem: Fototeca da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Guiné > Bissau > c. 1912 > Vista do interior da fortaleza da Amura: edifício do comando militar...  


Guiné > Bolama > c. 1912 ] > Primitiva ponte-cais... À direita, em segundo plano o palácio do governador. [Bolama foi capital da província até 1943].


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > c. 1912 ] >  Antiga Fortaleza.


Imagens do domínio público: cortesia de Armando Tavares da Silva. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné

As três últuimas imagens são provenientes de: Carlos Pereira,” La Guinée Portugaise”, Lisboa, 1914.

Imagens: cortesia de Armando Tavares da Silva


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva: 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [ III e última Parte , de 1882 a 1918]. 

 Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

III e última Parte  (1882-1918)

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1882, 11 Fevereiro  
Bordo do Guiné                    
Tratado de paz, amizade e obediência do régulo de Gam Pará,  representado por Senne Dabri
1882, 11 Fevereiro  Bordo do Guiné                      Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Jabadá, Bambi Jai e o governo da província da Guiné Portuguesa [, Pedro Inácio de Gouveia, 1881-1884]
1882, 30 Junho Geba                            Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Indorná, Dembel Alfabacár, e o governo da Província da Guiné Portuguesa 
 1882, 27 Outubro Buba                     Tratado de submissão, obediência e vassalagem do régulo do Forreá, Bakar Kidaly 
1883, 5 Abril      
Ilha de Djeta                          
Tratado de paz, amizade e obediência com o rei das Ilhetas, Adjú Pumol, na presença do comandante militar de Bissau, capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões 
1885, 16 Abril  Escuna Forreá                         Auto de vassalagem do rei das Ilhetas, Jepomon, perante os delegados do governo da província
1885, 15 Junho  Cacheu                              Auto de perdão aos gentios de Cacanda,  representados, entre outros, por Calotarcô, rei de Bernim e Ampanamacá, fidalgo de Bassarel, perante o capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões
1885, 4 Dezembro Buba                             Tratado de paz entre os fulas e beafadas por intervenção do governo e respectiva documentação anexa 
1886, 3 Dezembro  Buba                             Tratado de obediência e vassalagem ao governo por Iáiá, régulo do Forreá, Labé, Cabú e Cadé
1887, 4 Abril    Farim                          Tratado de paz, obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, prestada pelo rei de Dembel, senhor do chão de Faladu, perante o secretário-geral Augusto Cezar de Moura Cabral 
1891, 14 Fevereiro  Bissau                          Auto de submissão e vassalagem do régulo de Antula, Incamundé, feito em Bissau na presença do comandante militar, tenente Julio Cezar Barata Feio
1892, 2 Maio    Geba                             Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabomba, Denbá Methá
1892, 4 Maio    Geba                              Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cocé, Sambel Cumbandi e seus fidalgos 
1892, 7 Maio    Geba                           Auto de vassalagem a pedido do régulo de Corubal, Damão Jábú e seus fidalgos, estando presente o secretário-geral Cezar Gomes Barboza
1892, 28 Agosto Buba                         Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabú e Forreá, Mamedi-Paté-Coiada, acompanhado dos seus conselheiros e chefes principais das tabancas dos dois territórios, e na presença do tenente Sebastião Casqueiro
1893, 27 Março Bissau                          Auto de vassalagem a pedi do do régulo de Chime [Xime,] e seus vassalos, perante o comandante militar, capitão Zacharias de Souza Lage
1894, 22 Julho Bissau                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine [Cacine,],  perante o governador Luis Augusto de Vasconcellos e Sá  [1891-1895]
1895, 9 Março Cassine                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine perante o comandante do presídio de Buba, tenente Annibal Augusto da Silveira Machado Júnior 
1895, 10 Abril  
Barro (Farim)         
Auto de vassalagem a pedido do régulo de Barro,  perante o comandante militar de Farim, tenente Jayme Augusto da Graça Falcão 
1898, 31 Janeiro  Bolama                            Acordo entre o governador Álvaro Herculano da Cunha [1899-1900] e o alferes de 2.ª linha Cherno Cali, chefe do Forreá 
1898, 23 Março Bolama                           Auto da Audiência concedida pelo governador Álvaro Herculano da Cunha a representantes das tribos de Cayó [ Caió]
1899, 13 Maio Bolama                            Auto de preito e homenagem prestado ao governo portuguez pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes
1903, 4 Maio  Bissau                           Auto de vassalagem prestado pelo chefe dos balantas de Pache, Bembeça, e seus grandes,  perante o comandante militar de Bissau, Manoel José do Sacramento Monteiro
1909, 14 Agosto Bissau                             Auto de vassalagem prestado pelos régulos de Intim, Bandim e Antula perante o governador Francelino Pimentel  [1909-1910], no edifício da residência
1918, 6 Janeiro Bolama                            Auto de submissão prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque), perante o governador da província [Carlos Ivo de Sá Ferreira, 1917-1919]

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[Atualizámos a grafia de alguns topónimos conhecidos, como por exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG] 

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Nota do editor:

 Último poste da série > 15 de julho de 2020 >  Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21175: Parabéns a você (1839): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Guiné, 1971/74); Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-Alf Mil Paraquedista do BCP 21 (Angola, 1970/72) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21163: Parabéns a você (1838): António Tavares, ex-Fur Mil SAM do BCAÇ 2912 (Guiné, 1970/72) e Rogério Ferreira, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2658 (Guiné, 1970/71)

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21174: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (19): Uma desditosa criança do Biombo

Biombo >  Destacamentio de Ondame > Aula de condução
© José Nascimento


1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 14 de Julho de 2020:


UMA DESDITOSA CRIANÇA DO BIOMBO

A tranquilidade daquela manhã no nosso pequeno destacamento do Biombo foi interrompida por um africano, que com grande ansiedade nos pedia ajuda, "menino muito doente" exclamou.

Dou pressa ao cabo enfermeiro (O Pastilhas) e com a brevidade possível dirigimo-nos para a tabanca de Ondame no "burrinho de mato" que eu próprio conduzo.
Chegados ao local deparámos com uma criança prostrada sobre uma enxerga, assim que o nosso enfermeiro se debruçou sobre o rapazinho verificou que as hipóteses de o salvar eram muito poucas ou nulas, respirava com grande dificuldade. O cabo enfermeiro ainda tentou encontrar-lhe uma veia para lhe dar soro, fez o melhor que sabia e o que estava ao seu alcance, mas os seus esforços foram em vão, a criança sucumbiria de seguida.

- Meu furriel está morto - sussurrou o enfermeiro, mais nada havia a fazer.

Estivemos mais alguns minutos no local, até que dissemos às pessoas que nos rodeavam, que o menino tinha falecido. Imediatamente as mulheres que estavam em nosso redor desataram a carpir, como é tradicional na cultura guineense e nós afastámo-nos do local com uma enorme frustração, por ter sido em vão o nosso esforço para não deixar morrer a infeliz criança.

O tempo passa, meio século já lá vai, mas ainda guardo com alguma mágoa no meu baú de memórias a imagem do desditoso rapazinho africano.

Um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21070: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (18): Um pequeno desentendimento

Guiné 61/74 - P21173: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (15): Álbum fotográfico - Parte VIII

1. Mensagem do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70) com data de 15 de Julho de 2020:

Boa tarde Carlos Vinhal
Como sempre tenho acompanhado tudo o que se vai postando na Tabanca Grande e, claro está, o trabalho que te tenho enviado e que acho que está muitíssimo bem.
Hoje aqui te mando o N.º 8 do meu Álbum de Fotos.
Pelo tempo em que andei afastado, agora não te dou descanso pois para além das fotos ainda há mais artigos para a Tabanca.
Sem mais de momento, um Abraço para todos vocês Chefes de Tabanca e ainda para todos os que nela gostam de estar.
Albino Silva


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21154: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (14): Álbum fotográfico - Parte VII

Guiné 61/74 - P21172: Memória dos lugares (411): Sintra, Colares, Praia das Maçãs (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/68)



Praia das Maçãs | José Malhoa (Caldas da Rainha, 1855- Figueiró dos Vinhos, 1933) | 1918 | Óleo sobre madeira, 69 cm x  87  cm | Cortesia de Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNACC), Lisboa | Imagem do domínio público

(...) "Numa ambiência pretensamente elegante, nesta esplanada da 'Varanda do Grego', Malhoa cria específicas situações cromáticas e luminosas. A sensação transmitida expressa uma certa leveza, delicadeza e finura. Registe-se a marcação impressiva da pincelada que, curiosamente, se alia a um sublinhar de contorno das figuras, pouco frequente na sua pintura, diluída em jogos de luz. Rodelas de sol mancham o chão, provocando uma sensação de jovialidade e frescura acentuada pelo contraste que com o forte azul marinho se estabelece." (...) (Maria Aires Silveira)


Mário Gaspar
1. Mensagem com data de 15 do corrente, às 00h28, de Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68):


Camarada Luís

Como dirigente da APOIAR, e quando o meu Grande Amigo Jorge Manuel Alves dos Santos era o Presidente, e tínhamos uma Advogada ao nosso serviço, fui confrontado pela mesma que me disse cabalmente:
– O senhor Mário não deve assinar os Artigos no Jornal com o seu nome. É perigoso para si e também para a APOIAR!

Assinava todos os Artigos por Mário Gaspar. Considerei tão caricato a sua opinião que lhe respondi:
– A partir de agora assinarei tudo com o meu nome completo.

Assim tenho feito. Discordei sempre de publicar artigos copiados de qualquer jornal, muito menos da Internet. O meu filho mais velho é dos poucos Portugueses, podem-se contar pelos dedos, que tem uma Pós-Graduação, em Portugal, em Direitos de Autor. Em 1962 fiz uma crítica, publicada no Jornal "Eco Académico" – fui um dos 9 fundadores, em 1961 – e escrevi: "A cópia é e será sempre a mais rendida homenagem ao original".

Hoje não mudo aquilo que escrevi. Portanto Luís, era escusado perguntares se sou o autor daquele artigo [, de que reproduzimos excertosm a seguir, sobre as praias de antigamente]. Se fosse tinha assinado.


Nasci no centro da Vila de Sintra e fui inúmeras vezes à Praia das Macãs, de eléctrico. Sou das primeiras pessoas a frequentar a Praia Grande. Até possuo fotos (uma publicada no meu livro "O Corredor da Morte"). Só lá vivia um casal de Pescadores.

Interessa-me tudo aquilo que diga respeito à minha terra. O único trabalho que tive foi procurar e depois sacar aquilo que diz respeito à Praia. Por vezes dou muitas voltas e perco noites quando verifico ser possível encontrar o que procuro, tenho conseguido sempre.

Sabes que sou Lapidador de Diamantes! Sou um bom técnico, fui dos últimos despedidos da DIALAP. Perguntaram-me diversas vezes qual o segredo de não ter "acidentes", nunca ter dado cabo de milhares de contos. A resposta é simples:
– Tratava os diamantes sempre do mesmo modo, quer valessem milhões, milhares… ou tostões! Eram diamantes.

Gostaria que as pessoas fossem iguais, tivessem os mesmos direitos. Nunca gostei da pobreza. As pessoas não são iguais. Conheci um Médico – não é anedota – que respondeu a um doente:
– Os comprimidos engolem-se, pela boca, os supositórios metem-se no cu!

Infelizmente existem seres que deviam engolir supositórios, tanta é a merda que acumulam diariamente na boca.

A Guerra que levei ao Blogue foi uma mentira, sou um mentiroso, por ter omitido. A omissão é uma mentira. Se tiver tempo – tenho 77 anos e tenho sido muito maltratado por este SNS – voltarei a publicar "O Corredor da Morte", mas revisto. Muitas, mas muitas histórias, estão mal contadas.

O Blogue foi importante, mas nunca teve em conta a diferença entre os anos de 62 a 67 e 67 ao fim. Em 1967 quase que não existia Guerra na Guiné e é a partir dos fins deste ano que tudo se complica. Já é tarde e tenho uma Consulta às 8 horas.

No texto qie te enviei em anexo,  podes ver como cheguei ao artigo que referes. A montagem é da minha autoria, de resto tudo copiei e na íntegra. Não deixa de ser uma justa homenagem ao original.

Um Abraço

Mário Vitorino Gaspar

Nota: Só tens de clicar aqui


2. Excerto de "As praias de antigamente", de Manuela Goucha Soares, Expresso Multimédia,  2019 (com a devida vénia... não se reproduzindo as fotos)




(...) O banho de mar acalmava os nervos. Homens, mulheres e crianças, mergulhavam vestidos, sob o olhar atento do banheiro. O banho de sol entorpecia o corpo, vulgarizava a tez, e não era recomendado. 

No princípio do século XX a praia era um local de encontros, lazer e descanso. Ricos e pobres iam a banhos nas mesmas praias, mas não se cruzavam. 

O Expresso desafia os leitores a recuarem cem anos e viajarem de Norte a Sul do país por nove estâncias balneares mencionadas pelo guia “As Nossas Praias - Indicações gerais para uso de banhistas e turistas”, publicado pela Sociedade Propaganda de Portugal em 1918. (...)


PRAIA DAS MAÇÃS: A Praia do Elétrico e do Atentado



Nesta nossa ‘viagem’ de Norte para Sul pelas estâncias balneares dos nossos antepassados, a Praia das Maçãs é a primeira que Ramalho Ortigão não referiu em 1876, mas mereceu menção no guia que a Sociedade Propaganda de Portugal publicou 38 anos depois
A inauguração do elétrico que ligava Sintra à praia em 1905 [em 1904 foi inaugurado o troço Sintra-Colares], a construção do Hotel Royal Belle-Vue em 1908, do premiado arquiteto Miguel Ventura Terra, e um atentado abortado contra o primeiro-ministro Afonso Costa em outubro de 1913, deram visibilidade ao local escolhido pelo autor da música do Hino Nacional para construir uma residência de verão para a sua família.

(...) A casa que Alfredo Keil mandou construir ainda existe, e foi uma das primeiras a abrilhantar a Vila Nova da Praia das Maçãs, complementando assim os planos do empresário Eugénio Levy para esta estância balnear, que já tinha uma ligação rápida e quase direta a Lisboa.

(...) Uma das funções do elétrico era assegurar a viagem das pipas e tonéis do vinho produzido nas areias de Colares – com o seu inconfundível e apreciado travo acre – das adegas Visconde Salreu e regional de Colares até à sede de concelho. 

O guia de 1918 explica-nos que a praia deve o seu nome ao facto de “ter ali a sua foz o ribeiro das Maçãs”, e lembra que “já existiu, em lugar sobremodo pitoresco, sobre um rochedo enorme, mesmo à beira mar, um magnífico hotel. Era, porém, cedo demais para se manter, e teve de fechar a breve trecho, visto que a concorrência de hospedes não era a suficiente para cobrir as respectivas despesas de exploração” [do Hotel Belle-Vue]. 

Nesse ano em que os portugueses contavam os mortos e perdas da participação nacional na Grande Guerra, os banhistas “estacionavam pelos hotéis de Cintra e Colares, fazendo todos os dias o seu passeio matutino [de elétrico] para irem tomar o seu banho e virem depois almoçar com redobrado apetite”.

(...) A praia tinha “dois agrupamentos de barracas para banhos, o de Afonso Lopes e o de João Cláudio; na freguezia há médico permanente e nada menos de três farmacias”, informa o guia de 1918 (...).

 O edifício onde funcionou o hotel Hotel Royal Belle-Vue sofreu um incêndio em 1921. A bomba de picota que os bombeiros possuíam foi transportada numa vagoneta atrelada ao elétrico, que também levou os homens, “num tempo considerado recorde – 25 minutos” [cf. obras completas de José Alfredo da Costa Azevedo], mas só se salvaram as paredes.

Texto e pesquisa Manuela Goucha Soares 

Ⓒ Expresso - Impresa Publishing S.A. 2019



Para ler na íntegra o dossiê, clicar aqui : "As praias de antigamente".

[Revisão / fixação de texto para efettos de reprodução neste blogue: MG / LG]

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quarta-feira, 15 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Os Boletins da Sociedade de Geografia, neste período áureo de ocupação do território, encerram tesouros estranhamente explorados pela historiografia. Admito a pura ignorância, mas nunca li trechos desta viagem do Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira que em 1889 foi receber a região de Cacine como território português e entregou às autoridades francesas o nosso património na bacia do Casamansa.
O que descreve é do melhor que há de literatura de viagens, é tudo escrito com uma sinceridade de quem pela primeira vez percorre aqueles pântanos e aquelas matas e rapidamente se apercebe que a nossa presença, até então, era uma pura ficção, não é por acaso que ele descreverá detalhadamente a região mais próxima, onde de facto tínhamos uma presença multisecular, o rio Grande de Buba e Bolola, que naquele período vivia numa completa tragédia nas guerras entre Fulas, Fulas-Forros e Fulas-Pretos, a que se adicionou a cobiça cruel dos Beafadas, guerras que culminaram na ruína económica da região. É um puro deleite esta viagem cheia de riscos, de alguém que comove as autoridades francesas ao caminhar desfraldando a bandeira da Monarquia Portuguesa.

Um abraço do
Mário


Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (2)

Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia, 8.ª Série, N.º 11 e 12, 1888-1889, traz um importantíssimo trabalho do Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira, sócio da Sociedade de Geografia e que fora o comissário português encarregado de estudar a demarcação das fronteiras à luz da Convenção Luso-Francesa. É um documento precioso, na minha modesta opinião, um dos mais valiosos sobre a época em referência. Como se poderá ver neste e textos subsequentes. Costa Oliveira fora nomeado para dar execução ao tratado assinado por Portugal e a França, parte com o adjunto, um antigo secretário-geral da Guiné, o Sr. Augusto César de Moura Cabral. Já saiu de Bolama e embrenhou-se no mato, trata-se da segunda parte deste preciosíssimo documento, a incursão das comissões portuguesa e francesa têm o ponto de encontro em território francês, Kandiafara, pelo caminho ocorrerão episódios que o capitão-de-fragata regista com um fulgor raramente visto em viajantes:
“Às seis horas da manhã, depois de termos tomado o nosso café e alguns decigramas de sulfato de quinino, abalámos, indo o guia na frente, eu no centro da linha de carregadores e Bacelar na retaguarda para vigiar e instigar a marchar aqueles que, menos habituados a longas caminhadas, ficassem atrás para descansar, sem ser ocasião própria.
Em marcha era costume nosso, de duas em duas horas, fazer um auto junto de algum curso de água, não só para nos dessedentarmos mas também para descansar, e às dez horas tencionávamos acampar para almoçarmos; porém, o homem põe e Deus dispõe. Às nove horas entrávamos em uma tão densa floresta que a claridade do dia dificilmente ali penetrava, em virtude da espessa folhagem das árvores colossais que a constituíam. As trepadeiras enroscando-se nos grossos troncos e passando de uns para outros, formando uma espécie de rede de malhas largas e guarnecidas de acerados espinhos, muito dificultavam a marcha dos carregadores, sendo preciso até irem dois homens na frente, de machado e faca em punho, abrindo o caminho. Ainda assim, as cargas colocadas sobre a cabeça batiam amiudadas vezes de encontro aos ramos e caíam pesadamente no chão, arrastando na sua queda o carregador que se esforçasse em as segurar.

Quando saímos da floresta, deparou-se-nos o espectáculo mais grandioso que observámos durante a nossa viagem. Uma vasta planície, um oceano de verdura, povoado por centenares de antílopes, que se estendia na nossa frente até aonde a vista podia alcançar!
Água havia, mas negra, fétida, pestilencial. O terreno lodoso e mole era cortado por inúmeros regatos e alagado em muitos quilómetros de extensão. E sobre tudo isto um sol abrasador, ainda próximo do zénite!
Por duas vezes deixámos os burros atolados nos lameiros e de ambas os indígenas de Kabu, que nos acompanhavam, pegando-lhes em peso, os salvaram do abandono a que estavam condenados. Tal foi o meu debute como viageiro!
Derribar árvores, cortar arbustos, capinar a palha e plantas espinhosas, foi o trabalho de toda a gente durante uma hora, mas finda ela tínhamos espaço suficiente para estabelecer o acampamento. Acenderam-se fogueiras, cordas fabricadas com a casca de uma espécie de vime, cobriram-se imediatamente de casacos, camisas, panos, botas, tudo em uma promiscuidade e confusão pitorescas! A água chiava nas caldeiras e cafeteiras, o que nos enchia de prazer, pois ninguém comia havia mais de treze horas, e os pretos não são sóbrios.

Ao alvorecer do dia seguinte abalámos. O terreno modificara-se completamente e a viagem fez-se bem até Biquese, aonde chegámos às duas da tarde. Na Guiné, como todos sabem, a nenhum estranho é permitida a entrada nas tabancas ou praças, sem prévia autorização dos chefes; por isso, quando Sayon soube da nossa chegada aos seus domínios, enviou imediatamente uma numerosa embaixada para nos cumprimentar e introduzir na povoação, aonde nos esperava com a sua corte. Quando avistámos a embaixada fomos agradavelmente surpreendidos com o aspecto ao mesmo tempo imponente e alegre da comitiva. Na vanguarda vinham os músicos, tocando uma espécie de marcha guerreira. Seguiam-se-lhes uns oito homens, vestidos com um certo luxo, eram os grandes, e após estes uns cem soldados ou homens de guerra, armados de espingarda e espada mandinga.
a uns cinquenta passos aproximadamente de distância, os soldados de Sayon pararam, e os músicos e os grandes continuaram a marchar gravemente para o local onde estávamos assentados. Fomos cumprimentados em nome de Sayon e convidados a seguir o marabu até à povoação.

Concluídas estas formalidades, que os indígenas nunca dispensam, partimos ordeiramente. À entrada de Biquese, pelo lado do rio Cacine, existem duas renques de formosíssimas árvores que marginam e dão sombra ao caminho da praia. Debaixo destas árvores, e a um lado e outro do caminho, haviam colocado bancos de madeira pintada, e no centro uma cadeira com assento de palhinha, que supunha ser para Sayon. Ao fundo, por de sobre a porta da tabanca e em mastro apropriado, tremulava o pavilhão francês. Sayon e a sua corte aguardava-nos neste delicioso recinto, e logo que nos avistou veio ao nosso encontro saudar-nos e felicitar-nos por haver feito a viagem “sem novidade”, como lhe dissera o guia. Convidou-nos a descansar na cadeira, e os seus músicos, assentados no chão e na minha frente, cantaram, acompanhando-se várias canções indígenas.
Sayon-Salifú, filho de Dinah-Salifú, que esteve em Paris em julho de 1889, é um preto retinto, de estatura regular e distinta. Fala francês com facilidade, escreve o inglês e entende o alemão. Disse-nos ter sido educado na Bélgica, aonde estivera sete anos, porém, mais tarde, soubemos que fora marinheiro em um navio daquela nação. Veste à europeia, com o tradicional bubu, e parece-nos ser muito respeitado pelos Nalus, e afeiçoado aos franceses, que o haviam nomeado chefe do rio Cacine. Sayon convida-nos a tomar posse dos belos alojamentos que havia mandando preparar, e oferece-nos um copo de água. À noite, grande batuque, simulacro de guerra, etc.”

A viagem prosseguirá na lancha Cacine, que o leitor registe o dado histórico fulcral, Portugal através deste homem, o Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira, está a tomar posse de uma nova parcela do Império Português na África Ocidental, a região de Cacine, no termo da sua viagem, como veremos, sem esconder o pesar, entrega o Casamansa às autoridades francesas. Um relato sem rival, uma narrativa de grande sinceridade, não faltam ataques de abelhas e de formigas devoradoras, carregadores medrosos, e o assombro da comitiva portuguesa que descreve o fascínio do interior daquela Guiné, como é o caso das belezas do Cantanhez.

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de14 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21168: Historiografia da presença portuguesa em África (219): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Parte II (1856 -1881) (Armando Tavares da Silva)