sábado, 22 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21282: Meu pai, meu velho, meu camarada (65): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III




Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > "23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R.I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques". [Partida a 18 de Julho de 1941, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, Lisboa]. Fonte: Arquivo da família.


Cabo Verde >S. Vicente > Mindelo > 14/8/1942. Desfile de tropas, no dia da infantaria. 
Foto Melo. Arquivo da família.




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 23/7/1941. Chegada à ilha e defile das tropas expedicionárias do RI 5. Lê-se no verso da foto: "O senhor governador da colónia passando revista ao batalhão expedicionário do RI 5, acompanhado pelo nosso comandante. Passa neste momento [revista] à 3º companhia. Meu capitão Martens (ou Martins ?) Ferraz". Não tenho a certeza do sítio, talvez seja Praça Nova. O governador seria, na altura, o capitão José Diogo Ferreira Martins.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte III



3. O Luís Henriques que faria cem anos, no passado dia 19 de agosto de 2020, se fosse vivo. Hoje, sábado, dia 22, vai ser celebrada na igreja de Ribamar, Lourinhã, uma missa, em sua memória, às 18h30. O celebrante será o padre Batalha, seu velho amigo e pároco de muitos anos na Lourinhã.

Tinha memórias muito fortes (incluindo registos fotográficos, de que se selecionam aqui alguns) dos difíceis tempos que passou no Mindelo, Ilha de São Vicente (26 meses, entre julho de 1941 e setembro de 1943; nos últimos 4 meses esteve hospitalizado, por problemas pulmonares, entre maio e agosto de 1943). Mas voltemos à partida, em 18 de julho de 1941, do paquete "Mouzinho de Albuquerque, que teve honras de título de caixa alta no vespertino "Di
ário de Lisboa":






Excertos do Diário de Lisboa (diretor: Joaquim Manso), sexta-feira,  18 de julho de 1941, p. 5,  Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos.



Foi, então, no T/T "Mouzinho", da Companhia Colonial de Navegação, que o 1º cabo inf Luís Henriques e outros expedicionários do 1º batalhão do RI 5, das Caldas da Rainha, rumaram para Cabo Verde, ilha de São Vicente, em 18 de julho de 1941, conforme notícia do "Diário de Lisboa", acima reproduzida. A viagem não era isenta de riscos, bem pelo contrário (, como jávimos no poste anterior): estávamos em plena II Guerra Mundial e estava acessa a batalha do Atlântico Norte.

O Batalhão do RI 5 (Caldas Rainha) ( a que pertencia o Luís Henriques e outros camaradas, naturais do concelho da Lourinhã) será depois integrado no RI 23 ,constituído em Cabo Verde, na Ilha de S. Vicente, sob o comando do Brigadeiro Augusto Martins Nogueira Soares (Agosto de 1941 a Dezembro de 1944).



Cabo Verde > S. Vicente > Mindelo > Praia da Matiota > Maio de 1943 > "Matiota e a sua baía que é a melhor de S. Vicente, aonde se passa um bocado divertido", lê-se no verso. Possivlement Foto Meo. Fonte: arquivo da família.

 As forças do RI 5 estavam aquarteladas no Lazatero, no sopé do Monte Cara,a oeste do Mindelo. Na altura não havia aeroporto (hoje em São Pedro). Nem a Baía das Gatas era uma praia turística...



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mapa de 2007, da autoria de Francisco Santos. Imagem copyleft. As forças do RI 5 focaram estacionadas no Lazatero, no sopé do Monte Cara,a oeste do Mindelo. (Fonte: Cortesia de Wikipédia. Reedição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

(Continua)
 
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Notas do editor:

Último poste da série > 21 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21277: Meu pai, meu velho, meu camarada (64): Foto do sargento Joaquim José Fitas, o meu tio Quim, na véspera de partir para Cabo Verde, como expedicionário, em plena II Guerra Mundial (Mário Fitas)

Guiné 61/74 - P21281: Os nossos seres, saberes e lazeres (407): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Hoje é dia da primeira saída de Ponte de Lima. É uma estranha sensação ter andado catorze anos a ler periodicamente os jornais de Viana, Ponte da Barca ou de Arcos de Valdevez, entre outros, tudo esmiuçado, até a necrologia, sempre que se falava numa publicação, havia que fazer um telefonema para encomendar a obra, o primo em Viana do Carlos Miguel ficava responsável pelo caudal das compras, casos havia em que eu telefonava para bibliotecas e arquivos, começava um tempo de impaciência até chegarem as obras, tudo quanto se publicava sobre o Alto Minho tinha prioridade.
O Carlos Miguel tinha os seus ciclos nostálgicos, umas vezes dizia-me que não queria morrer sem que lêssemos certas obras, a tudo eu dizia que sim, e lembro-me perfeitamente de um dia ele me ter dito que já não sabia onde tinha posto a Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro, perguntei-lhe se achava bem a minha edição com ilustrações de João Abel Manta, estou ainda a vê-lo com uma pose quase religiosa quando comecei: "Quando se procedeu ao restauro da casa grande, que foi solar dos Meneses e Montenegros, houve que demolir paredes de côvado e meio de bitola em que há um século lavrava a ruína, ocasionando-lhes fendas por onde entravam os andorinhões de asas abertas e desníveis com tal bojo que a derrocada parecia por horas. Num armário, não maior que o nicho de um santo, embutido na ombreira da janela, que a portada, em geral aberta, dissimulava atrás de si, encontrou-se uma volumosa rima de papéis velhos".
E começou uma nova saga de leitura, peripécia vivida ali para os lados de Paredes de Coura.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (3)

Mário Beja Santos

Hoje é dia de Ponta da Barca, mas sem ir ao Lindoso. Dentre as assinaturas que o meu saudoso amigo Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo fazia de jornais de imprensa regional constava o Notícias da Barca, que lhe lia religiosamente quando chegava. Não é a primeira vez que venho à região, em férias no Gerês era inevitável passar pelo Soajo e, sempre que possível, parar aqui para admirar a ponte e o casco histórico em Alto Minho, Carlos Ferreira de Almeida refere: “Rústico, montanhês, mas também fidalgo, o concelho de Ponte da Barca tem uma curiosa evolução. Na Idade Média, quando o transporte fluvial no Lima era relativamente intenso, Barca era, a jusante, o último embarcadouro possível. Desde a foz até aqui, o rio desliza, brando, serpenteando entre margens de salgueiros e bancos de areia. Daqui para montante, o Lima corre em leito geralmente baixo, com bastantes pedras e saltando de degrau em degrau”. Agora percebe-se como é itinerário apetecível para a lampreia. Tudo foi feito para aqui amesendar, o dia está relativamente acinzentado, para fazer horas para o almoço e despertar o apetite nada melhor que subir a ladeira e descer até ao rio. Se é verdade que o lugar relevante do seu património vai para a ponte, há muito a ganhar em visitar a Matriz, deve o seu risco ao engenheiro vianês Manuel Pinto de Vilalobos, harmoniosamente posicionada, com escadaria monumental, capelas laterais, valioso recheio, altar-mor rococó e cá fora brasão. Antes de lá chegar deu-se com quinta fidalga, coisa que não é nada incomum por estas bandas.






Ferreira de Almeida, muito curiosamente, entronca a vida rural circunvizinha a este casco histórico, os Paços do Concelho, dos meados do século XVIII, a Casa dos Farias, com muro fronteiro, ameado e brasonado, e a Casa de Santo António, edifício da segunda metade de 700, dotado de uma bela fachada e capela lateral com retábulo da época. É sabido que há farta discussão sobre a terra-berço de Diogo Bernardes, há a crença de que o bardo, figura-suprema do bucolismo, nasceu na margem direita do Lima, numa casa pertencente à família dos Pimentas, a Casa da Prova de Baixo e a da Prova de Cima, à cautela, e por pura ignorância na matéria, abstenho-me de comentários, seja o que Deus quiser. Segue o passeio e encontram-se belos azulejos a decorar o portão de casa da vila, irresistível não captar a imagem pela elegância dos desenhos e cores. E fica-se especado a contemplar a Capela de Nossa Senhora da Lapa, lá está bem à vista o brasão de armas dos Magalhães, confrange o mau estado relativo deste templo que transita do maneirismo para o barroco, paciência, é elegante e um dia terá obras.



Desce-se até à ponte, e dá-se a palavra ao que escreve Carlos Ferreira de Almeida: “A ponte tem um lugar relevante por ser, no género, uma das mais notáveis obras construídas no Portugal medieval. Ela é um singularíssimo exemplo de quanto uma arquitetura modifica uma paisagem que lhe cria novos volumes e outros pontos referenciais. Aí, nada ficou igual depois da sua construção. Com perto de duzentos metros de comprido de dez amplos arcos, apoiados em fortes pilares com talha-mares, conservando a altura dos primeiros templos, esta obra teve duas grandes reformas, uma nos fins do século XIX que visou o alargamento do seu piso e outra, em 1761, reconstruiu e modificou os dois arcos centrais. Da construção medieval conservam-se oito arcadas, ligeiramente quebradas. São as que se apoiam nos pilares que apresentam olhais. Foi, sem dúvida, uma obra inspirada no prestigiado modelo da de Ponte de Lima”.




Ponte da Barca tem, desde o século XVIII, feira quinzenal, que alterna com a dos Arcos de Valdevez. Junto da ponte há um edifício icónico que alguém da terra disse ser conhecido pelo velho mercado. O que importa é que está muito bem requalificado, e ali bem perto desponta, bem garboso, o pelourinho. Não deixa de ser curioso quando andei a arrecadar literatura avulsa sobre o verdejante Alto Minho encontrei uma brochura alusiva em que era o castelo de Lindoso a proposta mais apetecível para fazer turismo. Será, a visita fica para a próxima, o próximo agora é ir para a mesa e saborear rojões, à tarde quero passar por Bravães e mais alguma coisa, o meu saudoso amigo disse-me um dia que é preciso olhar para Bravães para perceber o sentimento português. Assim seja.


Imagine o leitor, e tome isto como ciência certa, que após o obrigatório caldo verde e a pratada de rojões e um café abagaçado para esmoer as banhas da fritura, se veio para a rua para passeio pedestre à beira Lima e seguir para outras paragens. A roda do destino trocou as voltas, andava-se por ali naquela amenidade a ouvir as águas revoltas do Lima quando se começaram a soltar as notas das concertinas, era festa rija com certeza, talvez romaria ou filarmónica a desfilar. Fui ver, e dali não saí e uma hora passou veloz. Não se percebe o minhoto sem a música e o baile. No interior da farta tenda concentrava-se no centro, em círculo, os mestres da concertina, jovens e adultos de diferentes idades, viola e creio que um reco-reco. A alegria dos bailantes era esfusiante. Como quem não sabe é como quem não vê, cheguei-me a alguém que era nitidamente da terra e que cumprimentava, prazenteiro, quem chegava e quem partia. Que festa era aquela, seria o orago da terra, quando se realizavam os bailes e outras perguntas adjuvantes. O dito senhor mirou o forasteiro e deu-lhe as seguintes explicações ou coisa parecida: “Meu caro senhor, o minhoto sem bailarico não pode andar alegre. O que aqui vê acontece todos os domingos, começa por esta hora e vai até os músicos e os bailantes se cansarem. Está-nos na alma este ritmo, este modo de dar ao corpo, temos diferentes modalidades de música folclórica, dança-se aos pares, as concertinas aceleram e anda tudo num rodopio. Onde há minhoto há concertina, temos ranchos folclóricos em todas as povoações, a música está-nos no sangue”. E ali estive, compartilhando à distância o que de vibrante há nos sentimentos lúdicos minhotos. E agora, não sem algum pesar, deixa-se esta festa para ir até Bravães, convém não esquecer que esta rota de saudade tem por mercê um limiano, um tanto vianês, que amou o seu terrunho até ao último dia da sua vida, e de quem fui cúmplice catorze anos a fio, lendo-lhe os jornais, os livros, as revistas, e ele escutava, fazia comentários, regressava até à Casa da Feitosa, guardava infinitas saudades, as tias, os primos, a consoada. E a viagem prossegue.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21256: Os nossos seres, saberes e lazeres (406): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21280: Parabéns a você (1854): José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21275: Parabéns a você (1853): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21279: (In)citações (165): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 18 de Agosto de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana", do qual publicamos hoje a Parte I


Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana

A Resolução n.º 1542 ou “Declaração Anticolonialista”, de Janeiro de 1960, fomentou a litigância de Portugal com a ONU (Organização das Nações Unidas) durante 14 anos e espoletou a sua guerra ultramarina, que durou 12. Como não é possível evocar “todos os nomes”, esta narrativa homenageia a Geração de 40, as centenas de milhares de portugueses, europeus e africanos, seus “varões assinalados” e carne para canhão dessa guerra, que libertou Portugal do seu Ultramar, mas que tarda a libertar os seus Povos.
A ONU como comunidade internacional, interestadual, com fins da estabilização das nações, foi concepção e projecto de Theodore Roosevelt, então Presidente dos USA, concretizado em 1945 pelo seu sucessor e parceiros vencedores da II Guerra Mundial, e foi também o inspirador da dissolução dos impérios coloniais da Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Portugal incluído, o 3.º país mais antigo do Mundo, menos colonialista que eles, cuja admissão a União Soviética vetou até 1955 – a inveja de um império euro-asiático, formado pela II Guerra Mundial, por um império ultramarino, com 500 anos de história.
A ONU é pessoa colectiva, uma soma de pessoas singulares, logo capaz de todas as grandezas e misérias da condição humana, inclusive os pecados da incongruência e de não olhar a meios para atingir fins.
Até a essa Resolução e sua circunstância, a Guiné (e Angola, Moçambique, etc.), não era nem de Salazar/Caetano nem fascista, era portuguesa de facto histórico e de direito internacional, convencionado fazia precisamente 500 anos, pela Bula Papal “Romanus Pontifex”, de 8 de Janeiro de 1455, em troca da desistência do rei D. Afonso V do senhorio da Galiza e da desistência dele e do Infante D. Henrique do senhorio das Canárias (ambas a favor da Espanha), reconhecido em 1885, nos termos da Conferência de Berlim (escapou de ser francesa, inglesa ou alemã) e confirmado pelo Pacto da Sociedade das Nações, em 1920.

A partir de 1960, a ONU e Amílcar Cabral resolveram reescrever a sua história.

A Colonização é a dominação de uns povos por outros, é um poder do conhecimento, fenómeno transversal a todos os estádios evolutivos do homem, com registo sociológico e histórico quase tão antigo quanto a humanidade. Os povos sempre se invadiram, se dominaram uns aos outros, miscigenaram e mutuaram as suas economias e as suas culturas. A sabedoria popular diz “quem não está bem muda-se” e Karl Marx pensou fazer revolução com quem não está bem.

Colonialismo e Descolonização são conceitos políticos do século XVIII, gerados pela Revolução Francesa, criados pela Revolução Americana, nutridos pelo “jornalismo amarelo” do ex-Soldado de Cavalaria Joseph Pulitzer (pró-descolonização de Cuba), de efeito dirigido aos interesses americanos e ao termo do colonialismo da Espanha na América Latina (Portugal deixara de ser americano, em 1822, com a descolonização do Brasil), perfilhados pelo Partido Democrata americano e por Theodore Roosevelt, então secretário da Marinha dos USA, apropriados pelo russo Lenine, para tarar a carga psicológica e psiquiátrica da sua revolução, extensivamente propagados na década de 30 do século passado.
Lenine, sectário de Marx e revolucionário russo, começou por contribuir para a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, pela instigação às amotinações e à deserção massiva dos soldados russos dos campos de batalha do então aliado, exterminou a dinastia russa, ocupou o trono do czar e foi o arauto da “dilatação da fé e do império” da União Soviética, que Estaline concretizou. Theodore Roosevelt organizou a vitória da II Guerra Mundial, pela derrota da Alemanha, Itália e Japão, as “potências do Eixo” e o seu imperialismo, deixou-se manipular por Estaline, pela sua promoção a libertador e propiciou-lhe a “cortina de ferro” ou o “colonialismo soviético” nas nações da Europa do Leste.
A Liberdade precisou (precisa e premeia) do jornalismo de Pulitzer, para seu sustento, a Humanidade precisa dos ideais do Comunismo (não necessariamente leninistas e estalinistas) para impulsão das mudanças sociais, mas seria mais feliz, se prescindisse de líderes sociopatas e criminosos, do jaez de Hitler, Lenine, Estaline, Mao e seus herdeiros.

Amílcar Cabral, nacionalista visionário, português guineense, Eng.º Agrónomo e Alferes Miliciano do Estado Português na disponibilidade, foi homem do seu tempo, tão ambicioso quanto talentoso, renunciou à nacionalidade mas acabou como os portugueses de antanho – “morreu o homem, ficou a fama”.
Já trintão avançado e no cúmulo de 10 anos de trabalho – 5 de funcionário público, pelas veigas de Trás-os-Montes, campinas do Ribatejo, herdades do Alentejo, bolanhas da Guiné, e 5 na iniciativa privada (capitalista e colonialista) em Angola, na Sociedade Agrícola do Casseque, C.ª de Açúcar de Angola, C.ª da Agricultura de Angola e na C.ª dos Diamantes de Angola (Diamang), descobriu que a Guiné era o “calcanhar de Aquiles” do Portugal ultramarino, dedicou o resto dos seus dias ao fim da portugalidade africana, acabou às mãos de seguidores e passou à história como fundador da nacionalidade bissau-guineense.

O senhorio plurissecular de Portugal na Guiné não se sustentou apenas no facto histórico e no direito internacional. Este blogue de Camaradas da Guiné veiculou-nos há dias a investigação do Armando Tavares da Silva de, entre 1826 (na alvorada do conceito Descolonização) e 1918 (fim da I Guerra Mundial), ao longo de 90 anos, Portugal celebrou 76 Tratados e Convenções com as suas autoridades naturais, muitos por iniciativa delas próprias; e, com as suas recensões de tudo o escrito sobre a Guerra da Guiné, o Mário Beja Santos veiculou-nos que, entre 1901 e 1936, durante 35 anos, Portugal desencadeou mais de 30 grandes operações militares de pacificação, transversais à quase totalidade das etnias, à excepção da Fula.
A perda da soberania da Guiné não implica a lavagem da sua história nem a perda dos direitos de autor de Portugal de colónia nem a perda da patente da sua formatação em país. Os colonialistas portugueses que a descobriram e promoveram a exponenciação da sua escravatura (não foi Portugal que inventou ou instituiu a escravatura) foram os mesmos que lhe derramaram a civilização dita ocidental, que respeitaram a sua identidade e culturas, mormente a sua faixa da civilização oriental, que delimitaram as suas fronteiras físicas e, também, os mesmos que lhes levaram e foram o garante da sua paz.

Antes da emergência da ONU e do fenómeno Amílcar Cabral, a resistência guineense bélica à colonização portuguesa não passara de heterogénea, étnica, regional ou local. A sua única resistência armada, à dimensão nacional, foi a levantada por Amílcar Cabral, o seu PAIGC e o intrometimento internacionalista.
Em 1974, ao forçar o seu apressado abandono por Portugal, por exibicionismo e cantatas de vitória, o PAIGC desnatou a Nação guineense do seu mais importante activo - o seu elemento unificador. “Erros meus, má fortuna” - não por culpa de Amílcar Cabral, mas por culpa do “vão-se embora”, o “diktak” dos seus herdeiros, o cabo-verdiano Pedro Pires e o angolano José Araújo, negociadores do Acordo de Argel. A Guiné seria a mesma de hoje se, a par das ajudas internacionais, Portugal tivesse condições para investir o orçamento da sua guerra no seu desenvolvimento, num período de 5 anos de autonomia-transição?
O General Spínola quis ser para a Guiné o que De Gaulle fora para a Argélia; os negociadores de Argel quiseram ser para Portugal, o que Sékou Touré fora para a França. “Diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem és”!

Amílcar Cabral fez a sua iniciação revolucionária com a ideia da união política da Guiné e Cabo Verde e com a visão da independência das duas colónias com o nome de República da Guinela (antiga designação da região de Buba). Meteu Cabo Verde no mesmo saco e terá adoptado essa onomástica, plausivelmente para subtrair sustentabilidade e embargar qualquer apoio internacional à ambição expansionista de Sékou Touré de formatar a sua Grande Guiné, com a anexação da portuguesa; este havia declarado a intenção de vir a anular ou violar a Convenção Luso-Francesa de 1885 (celebrada no contexto da crise do Mapa Cor-de-Rosa), ao arrepio do postulado da ONU e da OUA (Organização da Unidade Africana), do respeito pelas fronteiras anteriores à descolonização. Desde 1956, que o seu Partido Democrático estendia a propaganda da Grande Guiné pela região continental e insular de Catió, onde chegou a formar “clubes de trabalho”, como meio para atingir os seus fins. A peia da sua ambição expansionista foi ter a transformado a Guiné-Conacri num país faminto e sem vintém, com a sua incompatibilidade com De Gaulle e a sua ruptura com a França.

A onomástica Guiné-Bissau é criação da imprensa internacional, que ignorou nos seus despachos a diferenciação cabralista de República da Guinela.
Amílcar Cabral tinha sentimentos e ADN português, era neto biológico do padre António Lopes da Costa, natural da freguesia de S. Tiago de Cussarães, Mangualde, e Leopold Senghor, poeta e filósofo da Negritude, se não tinha ADN português, tinha o apelido, por pertinente razão. Se esse Presidente da República do Senegal fosse do jaez do ditador guinéu, ele teria levantado o PAIGC e o seu exército, inicialmente não o investiria contra as Forças Armadas Portuguesas, seria seu aliado, para que a Guiné-Bissau não fosse riscada do mapa.
Pela abolição dessa Convenção, a região de Cacine regressaria à Guiné-Conacri, a Guiné-Bissau deixaria de ter massa crítica de país, e ele poderia formatar a Grande Guiné dilatado até à actual fronteira à fronteira de Casamansa. Leopold Senghor jamais alinharia nisso, não obstante Sékou Touré lhe ter oferecido como contrapartida a consideração da Gâmbia como área da expansão natural do Senegal e todo o apoio à anexação. Argumentação: a falta de equidade dessa Convenção, o facto de essas fronteiras não ser divisória das etnias, a indiferença destas pela sua delimitação e do lado português haver mais falantes de francês que de português. Queria fazer e deixar obra.

Sékou Touré invejava e subavaliava o fenómeno Amílcar Cabral mas receava Portugal, potência da NATO, enquanto Leopold Senghor, inconvicto dos princípios e fundamentos marxistas, começou por o descartar e ao seu PAIGC, tendia para o apoio aos movimentos independentistas pró-ocidentais, como a UPG (União dos Povos da Guiné), liderada por Henri Laberi, o seu preferido era o MLG (Movimento da Libertação da Guiné), liderado por François Mendy, que autorizara a basear-se em Dandula-Turene.

Amílcar Cabral tombou em 20 de Janeiro de 1973, à vista da família e à porta de casa, vizinho de Sékou Touré, no perímetro do complexo residencial governamental, ocorrência alvo de três investigações, todas diáfanas e inconclusivas no referido ao mandante, a judicial guineana, o inquérito internacional conduzido pelo líder rebelde angolano Agostinho Neto e o inquérito do Conselho Superior de Luta, que resultou no fuzilamento de cerca de 200 compatriotas – o esplendor do PAIGC, como “máquina da morte” dos seus concidadãos.
No final do ano havia declarado, ante os quadros do PAIGC, a certeza de não estar na mira das armas dos portugueses, que lhe reconheciam o valor (optimismo decorrente dos encontros de Maio, entre o General Spínola e o Presidente da República Senghor, em superação dos anteriores, veiculados por Mário Soares, (comerciante de Pirada), manifestara-se suspeitoso das lealdades do seu “balneário”, escondera o esfriamento da relação com Sékou Touré e o seu temor do ego xenófobo e invejoso do seu anfitrião. Enquanto a sua estrela, sendo mulato, pequeno de estatura, apenas aspirante errático a estadista dum pequeno e putativo país, brilhava na galáxia política internacional, a dele, africano genuíno, apessoado, e líder de um grande país era fosca.

O assassinato foi perpetrado poucos dias depois do regresso dele da Conferência do Comité de Libertação de África, em Acra. Em Fevereiro de 1972, na reunião do Conselho de Segurança da ONU, na sede da OUA, em Adis-Abeba, havia influenciado a derrota diplomática de Sékou Touré, com a sua oposição à expulsão de Portugal da ONU; com a sua tradicional loquacidade, dia antes de ser assassinado havia respondido, pelo mesmo meio e no mesmo tom, às críticas tecidas na primeira página do principal diário argelino, a verberar a sua teimosia no ensino da Língua portuguesa nas “áreas libertadas”; e, ao saber que ele iniciara diligências junto do Mali e do Senegal (foram federação até 1960), tentando a formação de uma coligação militar, para correr com Portugal da sua vizinhança, ignorando ostensivamente o PAIGC e a escalada da sua guerra independentista, fizera-lhe saber que se a Guiné-Bissau tivesse que ser colónia, lutaria para que continuasse portuguesa e não de nenhum outro país africano.
“A Guiné só é Guiné porque é Portugal”, veredicto do Almirante Sarmento Rodrigues, ao despedir-se de seu Governador para ser ministro do Ultramar. Premonição? A antiga Guiné Portuguesa correrá o risco de deixar de ser Guiné-Bissau?

As recorrentes diferenciações de Guiné-Conacri e Guiné-Bissau, mais consentâneas com a sua história (iniciativa de patriotas bissau-guineenses?), constituirão antídoto à ameaça da perda da identidade bissau-guineense?
Nessa altura, em 1972, as Forças Armadas portuguesas na África eram o maior exército a sul do Sahara e o exército do PAIGC era considerado pequeno, o melhor preparado e o mais eficaz dos africanos.
Em 1974, a Guiné-Bissau saiu da órbita portuguesa, é lusófona em teoria, mas na órbita francófona, e, passados 60 anos, aquela argumentação de Sékou Touré será mais actual, plausível culpa dos seus governos, sempre de mão estendida ao neocolonialismo da “cooperação” e, também, ao experimentalismo da “reforma educacional pela controvérsia política”, perspectiva do teórico brasileiro Paulo Freire, o primeiro consultor do seu primeiro “comissariado” da educação do seu primeiro governo nacional. A propósito, trazemos à colação a declaração do nosso camarada da Guiné, Francisco Henriques da Silva, notável Embaixador em Bissau, em 1988, gestor magistral da crise Ansumane Mané, negociador com a Junta Militar do exílio do Presidente da República Nino Vieira em Portugal e da libertação da missão francesa refugiada na embaixada de Portugal, em como a instabilidade política da Guiné-Bissau tem o dedo da França…

Amílcar Cabral formou-se engenheiro e semeou a Guerra da Guiné à custa do Estado Português, convenhamos não a tempo inteiro do seu horário laboral, por ter produzido um notável trabalho tecno-profissional.
Regressou à Guiné para trabalhar nos Serviços Provinciais de Agricultura, em substituição do colega e amigo Eng.º Sousa Veloso, futura vedeta do programa “TV Rural” que desistira a seu favor. Em Agosto de 1953, o seu Chefe de Serviços Provinciais, Eng.º Agrónomo Nobre da Veiga, encarregou-o do estudo, planeamento e execução do Recenseamento Agrícola, coincidente com o início do mandato do Capitão-de-Mar e Guerra Mello e Alvim, transitado de Governador da Zambézia para Governador da Guiné, que lhe dispensou todo apoio, inclusive a importação do Senegal duma caravana francesa, para a sua logística.
Esse Recenseamento foi a oportunidade soberba do seu contacto, em extensão e profundidade, com a Guiné profunda, com as etnias tendencialmente revoltosas e para o seu diálogo instrutivo-subversivo com os “homens grandes” das tabancas balantas, manjacas, nalús, etc., ganhando-lhes a veneração de “homem grande” de Bissau. Em plena época das chuvas de 1964, nas “operações de intervenção” de “cerco e assalto” no Sul, entre a tralha propagandística do PAIGC, capturamos fotos suas encaixilhadas, de formato postal, bem ataviado, engravatado e enchapelado, a decorar as paredes das tabancas, ao lado das dos Governadores Melo e Alvim e Vasco Rodrigues, nas suas fardas n.º 1 de Oficiais Superiores da Armada.

O seu primeiro momento revolucionário terá sido a criação com a malta da Granja de Pessubé do MING (Movimento da Independência da Guiné), em 1955, tertúlia ou espécie de partido informal, que sequenciou com o projecto e diligências da fundação de uma associação desportiva nativista, com a ideia-força da pedagogia nacionalista da juventude, exclusiva aos “filhos da Guiné”, não arriscando a infiltração no Sport Bissau e Benfica, clube formal e da maior implantação (ele fazia parte dos seus corpos sociais), então tendencial ao poder colonial.
A polícia (PSP) pusera o Governador Mello Alvim ao corrente do seu activismo, nas suas viagens pelo interior seguia-lhe a peugada subversiva, admoestou-o pelo telefone como “mau-mau” guineense, indeferiu-lhe o requerimento, retirou-lhe o seu apoio, despediu-o da Estação Agrária de Pessubé, considerou-o “persona non grata”, cancelou-lhe a residência permanente - mas atendeu-lhe e autorizou-lhe a visita anual à mãe, a permanência de 8 dias em Bissau, e, no tempo de espera para emigrar com a família para Angola não o sujeitou a qualquer coacção.

Iva Pinhel Évora, mãe de Amílcar Cabral
Foto editada

Amílcar Cabral e Maria Helena Rodrigues, sua esposa
Foto editada
Com a devida vénia a Expresso

Com a escalada do seu activismo independentista, Amílcar Cabral “chamou” a PIDE para Bissau, e, se a sorte não o tivesse protegido com a demora na sua instalação (em finais de 1958), a minha (nossa) história de combatentes e a história da Guiné-Bissau talvez fossem diferentes. Homem determinado e incapaz de arrepiar caminho, ele não deixou de registar para a posteridade a adoração pela mãe e a gratidão ao Governador Melo e Alvim.
Em 1959, o casal deixou Angola, ele despediu-se do emprego na Diamang, a Maria Helena de professora do liceu de Luanda, vieram passar os 8 dias a Bissau, o ambiente da cidade era o rescaldo do famigerado “massacre do Pidjiquiti” ou a morte de 16 marinheiros e estivadores das embarcações de cabotagem da Casa Gouveia, uma crise social, instigada por agitadores dos partidos na clandestinidade MLG e PAI (o seu irmão Luís Cabral era o técnico de contas da Casa Gouveia e militava nos dois, que é registado como advento da guerra independentista.
Ambos fundados em Bissau, o partido MLG (Movimento da Libertação da Guiné) era liderado pelo manjaco François Mendy, ex-combatente da Guerra da Argélia e ex-sargento do exército francês, e o PAI (Partido Africano da Independência), fundado em 19 de Setembro de 1956 e presidido por Rafael Barbosa, pedreiro natural de Safim, como ele filho de mãe guineense e de pai cabo-verdiano, militante do Partido Comunista Português, que cooptara os militantes residuais do extinto Partido Socialista da Guiné, também fundado por ele, e do informal MING, de Amílcar Cabral, sob o patrocínio da comunista alentejana Drª Sofia Pombo Guerra, proprietária da Farmácia Lisboa, na Bissau antiga, vizinha de porta com porta do chefe da PIDE.

(Continua)

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OBS:
- Links, negritos e itálicos da responsabilidade do editor
- Pesquisa das fotos, edição e legendagem da respondabilidade do editor
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21147: (In)citações (164): Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonial (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Guiné 61/74 - P21278: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (16): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2020:

Queridos amigos,
Agora é mesmo o romance dentro do romance, a paixão apresenta a sua fatura, os cinquentões começam a dimensionar que há consequências, há distâncias inelutáveis, obviamente que fazem sofrer. Paulo Guilherme lança um SOS a um grande amigo, é menos um pedido de auxílio e mais um desabafo para se aliviar, ele é contumaz e conta-lhe uma história que considera modelar para a constituição da sua personalidade. Não há saída, nem luz no túnel, tudo se perspetiva para que tenham quinze anos pela frente a andar cá e lá, é tudo uma questão de amor verdadeiro e saber demonstrar a tenacidade.
Resta saber se pelo caminho não se levantarão outro tipo de escolhos, para isso é que os romances têm que possuir uma arquitetura com ciclos de alta voltagem, para que o leitor não desfaleça. A ver vamos.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (16): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Cher Gilles Jacquemain, tenho boas notícias para ti, já consegui tradução para francês do meu papel sobre o acesso dos consumidores à Justiça (enviei-te por correio urgente o volume, também em francês, da conferência que se fez em Lisboa, na Presidência Portuguesa de 1992), penso que ainda estamos numa fase experimental, o importante é que a Comissão fique sensível e abra mão à constituição de centros de arbitragem de conflitos de consumo com apoio autárquico e com a captação das empresas, é a lógica da justiça voluntária. Quanto à revisão da legislação do Time Sharing, depois da denúncia destes clubes de férias que andam a intrujar as pessoas, é forçoso criar um tempo de reflexão, algo como dez dias úteis, para que os consumidores anulem os seus contratos, tantas vezes assinados em atmosferas de grande pressão. Ando aqui a conversar com vários juristas, dar-te-ei notícias muito em breve, já que a nossa reunião do comité consultivo se realiza daqui a duas semanas.

Mudando de agulha, e não tendo outro confidente belga tão fraternal como tu, recorro à tua grande disponibilidade para me dares conselho, ao menos acolheres as minhas inquietações. Não restam dúvidas, tanto para Annette como para mim, vivemos uma relação amorosa intensa e promissora. A Annette em caso algum pode abandonar a sua profissão de intérprete na Bélgica, nem pensar em vir para Portugal. Lembras-te seguramente a conversa que tivemos a quatro, em tua casa, ela obtém, pelo facto de viver em Bruxelas e estar bem perto dos serviços de interpretação, bons trabalhos quer na cidade, quer noutros pontos da Bélgica e é bastante bem remunerada nas conferências fora do país, daí o conforto financeiro em que ela vive, podendo ajudar os filhos, creio que já te disse que o ex-marido é um modesto bibliotecário, refez a sua vida, tem mais dois filhos desta relação, os filhos do primeiro casamento não podem receber mais apoio dele. Vir para Portugal era gerar uma grande instabilidade, certamente com consequências nefastas para os seus rendimentos, por falta de trabalho de interpretação aqui, o mercado está saturado e as remunerações são mais baixas. Tu conheces a minha situação, sou funcionário público, dou aulas, aceito algumas consultorias que possam ser compatíveis com o meu estatuto funcional, escrevo nos jornais, os livros não dão dinheiro nenhum, só consolações, o resto é benevolato puro; é certo que recebo ajudas de custo pelas reuniões em serviço oficial, quanto à Associação Europeia de Consumidores paga-me a viagem e viva o velho. Não posso, pois, pedir reforma, quando tenho um cenário de quinze anos de trabalho pela frente, e filhos a viverem em condições por vezes aflitivas.

Por enquanto, não há dilema nenhum, viajo com alguma frequência, a Annette terá também as suas oportunidades de passar curtas temporadas aqui, pelo menos as férias, sabes tão bem quanto eu que os serviços da Comissão começam a abrandar na segunda quinzena de julho e só passam a carburar em pleno em meados de setembro. Temos pois as incertezas para os próximos quinze anos, nenhum de nós pode arredar pé, é evidente que a comunicação é bastante fácil, tratamos de tudo pelo telefone e por correio eletrónico. Quando nos despedimos em Zaventem a Annette teve uma crise de choro, soluçava baixinho, dava-me punhadas no peito, “agora que encontrei o amor tão desejado, recebo-o às prestações, é duro de roer, sei muito bem que não temos saída, felizmente que por ora me dás um lenitivo sublime, a tua inesquecível Guiné”. Procurei sossegá-la, todo o tempo disponível que aparecer será votado à sua companhia. “Juro por Deus que não desfalecerei, foi esse o principal ensinamento que recebi na Guiné”.

Ajuda-me, cher Gilles, anima-me, diz-me ao menos que com coragem a Annette e eu iremos resistir a estas duras ausências. Ela entranhou-se na ficção que eu prometi escrever, faz-me perguntas a torto e a direito. Junto-te uma imagem da Missirá reduzida à fuligem, foi uma flagelação na noite de 19 de março de 1969, noite quente, um calor abrasador, todo aquele colmo das moranças (habitações nativas) recebeu balas incendiárias, pareciam tochas. Foi a única flagelação de Missirá onde eu não estive, naquele exato momento tinha tido alta depois de uma operação em que me extraíram uma cartilagem por detrás da rótula do joelho direito, fruto de uma grande queda que dei de uma bicicleta. Anunciaram-me, quando fui buscar a guia de marcha para apanhar um voo, à queima-roupa, “É o Alferes de Missirá? Olhe, já não tem quartel, vários feridos entraram ontem no Hospital Militar”. Atordoado, alguém me levou ao hospital, não sei como me foi possível, com um grande emplastro à volta do joelho e amparando-me numa canadiana, subir tão depressa ao andar superior e andar por ali aos tombos à procura dos meus feridos. Um deles era o régulo, tinha estilhaços no peito, ainda estava combalido. Deu-me conta dos acontecimentos, do incêndio de, pelo menos, um terço das habitações, grandes perdas em haveres pessoais, muita gente em dificuldade. Sosseguei o ancião, dei-lhe a minha palavra que iria reconstruir Missirá. O que aconteceu, mantendo, mesmo a uma escala mais reduzida, as minhas obrigações operacionais, e que não eram poucas, uma delas vigiar a navegabilidade do rio principal, crucial para que nada faltasse numa região chamada Leste. Tudo isto contei a Annette, os meses que se seguiram, eram uma corrida contra o tempo, tinha em breve a época das chuvas e seria a desolação total. Recebi inúmeras ajudas, em Bambadinca deram-nos roupa, fez-se mesmo uma quotização para ajudar os mais necessitados.

Quando regressei a Missirá, dois dias depois, o meu guarda-costas vinha a balbuciar, pedia-me perdão por não ter conseguido suster o fogo que me queimou a morança, a mais evidente tu vês na fotografia. Sobraram os ferros de uma cama, e Cherno Suane mostrou-me um crucifixo em prata, completamente enegrecido. Entendi a mensagem e aceitei a corrida contra o tempo, saímos todos vitoriosos. Penso que a Annette ouviu esta narrativa e tratou-a como uma parábola para as nossas existências. É uma mulher temperada por muitas agruras, pela educação dos filhos e pelo sentido do dever. Tenho uma grande esperança de que vamos vencer esta corrida contra a distância.

A ajuda que te peço em nada te compromete, sou eu que tenho de responder pelo meu destino, mas tu és o meu amigo belga mais fiel e não me negarás o conselho que te peço, como agir a partir de agora, ciente que tu estás da vida que a Annette e eu levamos. Dá-nos estímulo, bem precisamos. Escreve ou telefona. É muito tarde e estou a cair de sono, terei amanhã um dia absorvente. A Annette partiu para Helsínquia, segue para o Luxemburgo, as malfadadas estatísticas e os medicamentos. Mando-lhe mensagens, desculpa eu estar a sorrir, parecemos dois garotos, dois adolescentes deslumbrados, sem fazer contas com o dia de amanhã. Acho que é positivo, é o risco de viver, é o risco de aceitar que agarramos pela gola as vibrações do destino. E eu estou tão feliz, Gilles! Não me desampares, preciso de outros olhares límpidos, como o teu. À tantôt, Paulo

(continua)

A banda desenhada sempre presente na arquitetura de Bruxelas

Tintin e o seu criador, Hergé, Museu da Banda Desenhada, Bruxelas

Gare du Nord, a primeira estação ferroviária de quem vem do aeroporto

Alberto I, o Rei Soldado, à entrada do Monte das Artes, com a Capela Real ao fundo

Um pormenor do Jardim Botânico, com o contraste chocante do arranha-céus 

A Missirá destruída na flagelação de 19 de Março de 1969
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Nota do editor

Último poste da série de14 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21253: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (15): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21277: Meu pai, meu velho, meu camarada (64): Foto do sargento Joaquim José Fitas, o meu tio Quim, na véspera de partir para Cabo Verde, como expedicionário, em plena II Guerra Mundial (Mário Fitas)



O sargento Joaquim José Fitas, expedicionário em Cabo Verde, na II Guerra Mundial. Faleceu como sargento ajudante. Alguém sabe qual foi a sua unidade mobiliadora ? E onde foi colocado, em São Vicente ou no Sal ?

Foto (e legenda): © Mário Fitas  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 20 do corrente, às 19h30, do Mário Fitas [, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, natural de Vila Fernando, Elvas; foi funcionário a TAP; cofundador da Tabanca da Linha;  tem mais de 140 referências no nosso blogue]
 

Caro Luís, em anexo envio a foto de meu tio, sargento Joaquim José Fitas no embarque para Cabo Verde na 2.ª Guerra Mundial.

Um grande abraço 

Mário Fitas
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

Guiné 61/74 - P21276: Blogues da nossa blogosfera (136): J. M. Correia Pinto, no seu blogue "Politeia", em 22/1/2013, faz uma recensão do meu livro "Diário da Guiné", de 2007 (António Graça de Abreu)


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > O Marcelino da Mata, mostrando o livro, "Diário da Guiné: lama, sangue e água pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007), que o autor, António Graça de Abreu, lhe ofereceu autografado. (*)

 Na altura,  o Marcelino da Mata, ten cor ref, era  um participante relativamemnte  frequente dos convívios da Tabanca da Linha.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem coomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem,  com data de 20 do corrente, 20h31, do António Graça de Abreu [ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com mais de 260 referências no nosso blogue;  é poeta, escritor, tradutor, sinólogo, autor de livros de poesia (8), história (4), traduções (7), e viagens (3)]:

Meu caro Luís

Se achas que deves publicar, avança. O livro nunca teve recensão neste blogue [Luís Graça & Camaradas da Guiné]  pelo Mário Beja Santos.

Ignorava completamente este texto publicado em 2013 no blogue Politeia por J. M.  Correia Pinto, sobre o meu Diário da Guiné, o livro editado em 2007 pela Guerra e Paz, escritos sobre a minha experiência na Guiné 1972/74, num Comando de Operações, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, no norte, centro e sul do território em fogo. (**)

Na foto [, acima,] , estou em Cascais com o Marcelino da Mata, o mais condecorado de todos os militares portugueses.

Abraço,

António Graça de Abreu


Capa do livro do António Graça de Abreu, "Diário da Guiné" 
(Lisboa, Guerra e Paz, 2007, 220 pp)


2. Blogue Politeia: comentário político-económico-social > terça feira, 22 de janeiro de 2013 > Diário da Guiné: um livro de António Graça de Abreu 

Vem a propósito do quadragésimo aniversário da morte de Amílcar Cabral falar num livro publicado há cerca de seis anos mas de que somente há dias tive conhecimento – Diário da Guiné, escrito por António Abreu, entre Junho de 1972 e Abril de 1974, quase dia por dia o tempo da minha comissão de serviço na Guiné, em Bissau, na secção de Justiça do Comando da Defesa Marítima.

Para além da enorme diferença que à época representava ser colocado em Bissau ou no mato, há ainda uma outra porventura não menos negligenciável: fazer o serviço militar na Marinha ou no Exército. A diferença era sob todos os aspectos abissal.

António Abreu foi mobilizado para a Guiné com 23 meses de tropa cumpridos em Portugal, tendo sido sucessivamente colocado em Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Mansoa e Cufar. Ou seja, quanto mais a comissão se aproximava do seu termo mais perigoso era o local para onde o mandavam.

Tendo muito presente as grandes datas dos dois últimos anos de guerra e as ocorrências que tragicamente as assinalam, segui, como se estivesse a reviver esses mesmos tempos, esta narrativa contada por quem viveu de muito perto esses mesmos acontecimentos.

O livro de António Abreu é, a vários títulos, um testemunho notável do que foram os dois últimos anos de guerra na Guiné não apenas no plano militar, mas também no plano das relações entre os milicianos e os soldados, do comportamento das chefias militares mais próximas, do estado de espírito dos combatentes, do relacionamento dos soldados com a população, das dificuldades correntes do quotidiano que se agravavam dramaticamente quanto mais perigoso era o teatro de operações, da filosofia de vida com que se encarava a inevitabilidade de uma comissão de 22 ou 24 meses, da incerteza sobre o dia seguinte, a partir de certa altura, do minuto seguinte…

Tudo isto António Abreu conta numa prosa elegante, sempre com muita grandeza de espírito e notável humanismo. O modo como salpica a narrativa com alguns episódios burlescos acontecidos no dia-a-dia da guerra e a fina ironia com que os trata fazem lembrar alguns dos melhores gags de Chaplin. 

Por outro lado, o equilíbrio das suas apreciações e o sentido de justiça sempre presente, mesmo nas condições mais difíceis, fazem com que ele seja capaz de apreciar as qualidades e até as virtudes daqueles de cuja acção discorda. A suposta ingenuidade com que aceita o inevitável, mantendo-se sempre íntegro e igual a si próprio, e a sua vasta cultura contribuíram certamente para que tenha saído sem traumatismos de uma guerra que se ia tornado mais violenta à medida que se ia aproximando fim.

Das muitas leituras sobre a Guerra Colonial, desde as narrativas de militares até à obra de ficcionistas consagrados, passando pela obra dos historiadores, tenho na minha modesta capacidade de apreciação literária o Diário de Guerra, de António Abreu como uma das obras mais interessantes que sobre o tema já li.[Publicado por JM Correia Pinto]

JM Correia Pinto, editor do blogue Politeia, desde fevereiro de 2008

"Fiz o liceu em Viana do Castelo e a universidade em Coimbra. Depois, fui assistente na Faculdade de Direito e militar na Guiné, na Reserva Naval. A seguir ao 25 de Abril, estive no Governo (IV e V) durante o período revolucionário. Andei depois pela cooperação para o desenvolvimento, no MNE, e fui professor na Faculdade de Direito de Lisboa (Clássica) e mais tarde na UAL. Agora estou 'retirado' ".]

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(**) Último poste da série > 3 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (134): Esquadrão de Bula: modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)

Guiné 61/74 - P21275: Parabéns a você (1853): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21271: Parabéns a você (1852): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21274: (Ex)citações (367): "O relógio da vida": uma prenda poética do Joaquim Pinto Carvalho e uma palavra de gratidão da aniversariante Alice Carneiro

 







1. O Joaquim Pinto Carvalho, advogado, natural do Cadaval, membro da Tabanca da Lourinhã, membro da Tabanca Grande desde 7/12/2013, ex-alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e da CCAÇ 6 (Bedanda), 1971/73, é também poeta de grande sensibuilidade. E costuma presentear os amigos e familiares com versinhos como este, que escreveu no aniversário natalácio da Alice Carneiro (*).

Seria uma pena este texto, uma pequena obra.prima,  não poder ser lido também pelos nossos leitores...Tem  um toque filosófico, e faz-nos lembrar o poeta António Aleixo, grande artesão da quadra popular. 

Com a devida vénia ao autor e com a autorização expressa da homeageada, aqui fica para apreciação dos amigos e camaradas da Guiné "O Relógio da Vida", do nosso camarada Joaquim Pinto Carvalho.





2. A nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro pede-nos, entretanto,  para, aqui, publicamente agradecer, em seu nome,  as inúmeras mensagens de carinho, estima e amizade que recebeu, no dia do seu aniversário, não só da família, dos seus amigos e amigas, mas também  como dos camaradas da Guiné, alguns dos quais nem sequer conhece pessoalmente. Como o dia foi curto, só agora anda a ler a sua págna do Facebook, bem  como a página do Facebook da Tabanca Grande e ainda o nosso blogue, (*)

Quer agradecer em especial ao coeditor Carlos Vinhal pelo postalito de parabéns que nunca se esquece   publicar no nosso blogue, no dia 18 de agosto (**). E quer também os parabéns, atrasados, ao seu parceiro do dia, o António Melo Carvalho.

E  sente-se lisonjeada por ter recebido poemas como este, do amigo e vizinho Pinto Carvalho  (que ela  faz questão de partilhar, publicamente,  com malta da Tabanca Granda, om a devida vénia ao autor )  mas também  do José Teixeira, e naturalmente do seu próprio companheiro de uma vida e pai dos seus filhos (*). 

Em verso ou em prosa, em comentários emitidos  nas redes sociais,  ou em mensagens recebidos por email ou por telemóvel, foram belíssimas e tocantes as palavras que lhe dirigiram... A todos/as gostaria de poder responderm,. pessoalmente, se a tarefa não fosse hercúlea...

Deseja, isso, sim,  a todos/as  os/as que perderam um bocadinho do seu tempo para lhe dar os parabéns,  uma boa continuação deste verão do nosso descontamento mas onde continua a haver lugar para bonitas provas de amizade e apreço  como estas. Bem hajam! (***)

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(**) Vd. também18 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira

(***) Último poste da série > 9 de agosto de  2020 > Guiné 61/74 - P21239: (Ex)citações (366): Álcool e canábis na guerra colonial: o conteúdo e o "timing" do artigo da jornalista do "Público" não são "inocentes" quando desde o início do ano se fala do "estatuto do (antigo) combatente" (José Martins)

Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  O navio da marinha mercante "Serpa Pinto”.  Junho de 1942 > "Paquete Colonial que tantas as vezes esteve em S. Vicente", lê-se no verso. Possivelmente Foto Melo. Fonte arquivo da família.

 


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Março de 1942 > "A escola Sagres em São Vicente durante o seu cruzeiro  no Atlântico". Foto: arquivo da família.

Este não é o navio-escola Sagres atual... Este é o antigo veleiro, de 3 mastros, Rickmer Rickmers, ao serviço da Marinha Portuguesa, como navio-escola Sagres, entre 1927 e 1962...Também conhecido por Sagres II. Foi substituído, em 1962, como navio-escola da Marinha Portuguesa, pelo Sagres III (antigo NE Guanabara da Marinha do Brasil),




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  29 de setembro de 1942 (?) > Navio inglês, não é indicado o nome no verso... "Esteve em S. Vicente no dia 29 de setembro com diplomatas. [Eu] estava no hospital quando ele cá esteve".  O ano deve o de 1942. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > " No dia 11 de Abril [de 1942] chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942".  [Sabemos que se tratava dos navios Vulcania e Saturnia, porque há uma outra foto, no nosso arquivo com a seguinte legenda: "No dia 23 de dezembro [de 1942]  os barcos hospitais italianos “Vulcania” e “Saturnia” em São Vicente  pela 2ª vez".]




Lembrando, no centenário do seu ascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

(Continuação)


2. Um mês antes do Luís Henriques partir para Cabo Verde, no  T/T “Mouzinho” (em 18 de julho de 1941), Portugal acabava de perder um barco de pesca  e um navio da marinha mercante:

(i) o barco de pesca "Exportador I" fora cobarde e miseravelmente  atacado a tiro de canhão por um submarino italiano. a sul do Cabo de São Vicente, em 1/6/1941....

(ii) o navio da marinha mercante portuguesa, de carga e passageiros, da Companhia Colonial de Navegação, o “Ganda”, de 4.333 toneladas brutas, com 72 tripulantes e passageiros a bordo, tinha sido atacado e afundado, em 20/06/1941, ao largo da costa de Marrocos, pelo submarino alemão U-123, sob o comando do capitão tenente Reinhard Hardegen (1913-2018): moreram 5 tripulantes e os s náufragos foram deixados à sua sorte, num salva-vidas, mas mais tarde recuperados por um navio de pesca português e outro espanhol.

Uma das glórias da nossa marinha mercante foi o “Serpa Pinto” e a sua história (1914-1954) merece ser conhecida: navio de passageiros, era operado também pela CCN - Companhia Colonial de Navegação na carreira da América do Norte (Lisboa–Nova Iorque), na "Rota do Ouro e Prata" (Lisboa–Rio de Janeiro–Buenos Aires) e na "Rota das Caraíbas" (Lisboa–Havana), entre 1940 e 1955.

Terá sido o navio de passageiros que, durante a Segunda Guerra Mundial mais viagens transatlânticas realizou entre Lisboa, Nova Iorque e Rio de Janeiro, transportando refugiados da guerra em geral, e particularmente judeus, fugidos do nazismo, e trazendo, de volta à Europa, cidadãos de origem germânica expulsos dos países do Novo Mundo. Era tão popular que ficou conhecido pelos epítetos de 'Navio da Amizade', 'Navio Herói' e 'Navio do Destino'… (Vd. foto a seguir.)

Para mostrar aos beligerantes da II Guerra Mundial, que pertencia a um país neutral, o navio era pintado de negro, o casco, e com o nome de Portugal, bem visível, pintado a branco,  tal como o nome do navio. Toda as  tripulações da nossa marinha mercante, bem como da nossa frota bacalhoeira, e da demais pesca do alto,  sem esquecer a marinha de guerra, foram verdadeiros heróis, naquela época. E não poucos, bravos marinheiros e pescadores, perderam a vida, engrossando a lista de vítimas da nossa história trágico-marítima. 

Perdidos do Atlântico, c0m fracas comunicações com a Metrópole, os nossos expedicionários acompanhavam os dramas da II Guerra Mundial, como a chegada e partida de navios-hospitais. 

A Itália, por exemplo, viu afundar-se 12 dos seus 18 navios-hospitais. Na realidade, os navios aqui referidos não eram navios hospitais mas 4 dos navios transatlânticos (incluindo o “Duilio” e o “Giulio Cesare” que, com mais 2 petroleiros, “Arcole” e “Taigete”, conseguiram, numa operação conhecida, resgatar e repatriar cerca de 28 mil pessoas, entre crianças, mulheres e homens, da África Oriental, sob a égide da Cruz Vermelha Internacional em três viagens de circum-navegação do continente africano, entre 2 de abril de 1942 e agosto de 1943. O "Duilio e o "Guilo Cesare" serão afundados no bombardeamento aéreo dos Aliados na baía de Muggia em julho de 1944. Num total de 25 mil tripulantes inscritos, a Marinha Mercante italiana na II Guerra Mundial, perdeu cerca de 1/3 (7164).



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Navio hospital italano "Duilio" [No verso, pode ler-se a legenda, muito sumida: "Hospital de diplomatas (sic) italiano que esteve em São Vicente em 1/6/194 (?). Foto Melo. Aequivo da famíia de Luís Henriques


Segundo a imaginação, algo delirante e voyeurista, dos nossos  expedicionários, 3300 acantonados numa pequena ilha de 15 mil habitantes, os passageiros, que não terão desembarcado, travavam uma luta atroz contra a falta de álcool a bordo... Contava-se que, à falta de bebibas no bar, bebiam álcool puro!...Recordo-me do meu pai contar esta história... O navio de passageiros "Duilio" tinha 23 636 toneladas, será afundado em julho de 1944.