sábado, 29 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21303: Os nossos seres, saberes e lazeres (408): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Março de 2020:

Queridos amigos,
Ponte da Barca fora a minha fronteira em duas deambulações anteriores, partindo do Gerês e passando pelo Soajo. Fiquei maravilhado com a ponte e com o tratamento paisagístico derredor.
Agora era diferente, tratava-se de uma peregrinação limiana em homenagem a um querido amigo que mesmo cego queria saber com a maior regularidade possível o que se passava na terra-berço e concelhos limítrofes. Catorze anos consecutivos de leituras de jornais como Aurora do Lima, Cardeal Saraiva, Notícias da Barca ou Notícias dos Arcos, leituras onde se chegava mesmo a esmiuçar toda a necrologia, tinham forçosamente consequências em desenhar a peregrinação a redondezas limianas.
O meu saudoso amigo tinha várias obras sobre o românico minhoto, indiscutivelmente apegado ao que se fazia em Oviedo e terras da Galiza, mas que, como ele sublinhava atroador e abaritonado, era ali que estava o bilhete de identidade do nosso perdurável sentimento religioso. Por isso se foi a Bravães e no dia de hoje passeei por Ponte de Lima acenando-lhe entre o céu enevoado.

Um abraço do
Mário


No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (4)

Mário Beja Santos

Saí do arraial minhoto de Ponte da Barca, o fito é a Igreja de S. Salvador de Bravães, fundada entre 1080 e 1125, terá sido templo de um pequeno mosteiro rural beneditino, e mais tarde dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, que terão construído o edifício atual. Não esqueço a importância que lhe conferia o professor de História de Arte em Portugal, Jorge Heitor Pais da Silva, um comunicador espantoso, naqueles anos em que se mostravam slides. Ele explicava acessivelmente o Primeiro Românico, a partir do século IX, associado à Reconquista Cristã, a disseminação dos templos pelas terras portucalenses, a arquitetura da Reconquista, a singeleza da pedra, a escultura e a tumulária, a importância dos monges cavaleiros, como, na rudeza das tomas e retomas de território se impunha uma arquitetura onde o modelo básico da igreja era o basilical. E no caso português, este saudoso mestre ia direito ao Alto Minho, à bacia do Lima, e à importância estratégica de ligar Braga a Compostela. E a sua voz abaritonada subia de volume e entusiasmo quando nos mostrava Bravães.





Agora socorro-me do que se pode ler no primeiro volume da sua História de Arte Portuguesa, Círculo de Leitores, 1995, coordenado pelo historiador Paulo Pereira: “Com uma estrutura arquitetónica de grande simplicidade, é composta por uma só nave e capela-mor rectangulares, sendo de maiores dimensões a primeira, ambas cobertas por teto de madeira. A escultura ornamental encontra-se concentrada na porta principal, inserido num corpo avançado, constituindo um dos mais importantes programas iconográficos do românico português. Nos colunelos, o destaque vai para a representação da cena da Anunciação, com duas grandes estátuas-colunas figurando a Virgem e o Arcanjo S. Gabriel. As restantes colunas são preenchidas com motivos geométricos e zoomórficos, sendo particularmente interessantes os chacais e, sobretudo, o curioso entrançado formado pelas serpentes”.



Porta lateral

Porta lateral

O historiador Paulo Pereira analisa cuidadosamente os conteúdos escultóricos românicos, o Cordeiro de Deus, figuração simbólica do Cristo imolado, os leões, as serpentes (estas representam as forças primordiais/vitais existentes na natureza e que o homem tanto teme); mas também os leões-atlantes, o sol e a lua, a expressão do ser humano, a simbologia dos vícios e virtudes, o uso de pássaros afrontados e de todas as remissões que conduzam à devoção. Contempla-se Bravães, sente-se o berço da nacionalidade, a crença no divino nesta entrada fulgurante do românico português, marcador da nossa identidade. Debruço-me sobre uma inscrição indecifrável, a ver se encontro obra que me diga alguma coisa, regresso ao epicentro desta viagem que teve a sua razão de ser na homenagem que pretendo prestar a um limiano orgulhoso das suas origens, Carlos Miguel de Abreu de Lima de Araújo. À chegada, apeteceu passar pela ponte até Arcozelo, houve mesmo vontade de voltar ao carro para visitar as igrejas românicas de Ponte de Lima, Santo Abdão, na Correlhã, Espírito Santo, em Moreira e Santa Eulália em Refoios, talvez fique para mais tarde quando se organizar a visita ao património religioso da vila e da Além da Ponte. Mas não, vou até ao pelourinho de Ponte de Lima.


O pelourinho existia no areal do Rio Lima, símbolo do poder absolutista, estava fora das muralhas. Ganharam os liberais, foi transferido para a Praça da Rainha, seguiu-se um certo caos, houve dispersão dos elementos, a base e as pedras da plataforma foram utilizadas no passeio, o fuste numa hospedaria, o capitel no pátio interior do Asilo D. Maria Pia, o escudo na Fonte do Largo de S. João e a esfera armilar perdeu-se, só em 1936 se fabricou a atual estrutura. Independentemente de todas estas peripécias, há que reconhecer que é muito belo nas suas feições oitocentistas, destacando-se na parte frontal o “corpo de cantaria com escada de dois braços, de acesso ao segundo piso, rasgado inferiormente por vão em arco de volta perfeita”.


Regresso ao meu alojamento para arrumar tarecos, chuviscou e parece que a luminosidade nos transporta ao tempo medieval, não é verdade mas marca os contornos, vinca as linhas dos edifícios, o lajedo rebrilha, é uma consolação para o olhar, escolhem-se dois ângulos possíveis, para mim são impressíveis imagens que não gostaria de esquecer desta peregrinação, olho para aquele enevoado tão típico da terra minhota, e comovo-me.



Ponte de Lima tem lugar ímpar no conjunto dos solares de Portugal. Consegui um mapa que vai de Melgaço às Calhetas de S. Miguel. A parte de leão está na vila mais antiga de Portugal, a saber: Casa da Várzea, Casa do Barreiro, Casa do Crasto, Paço de Calheiros, Quinta da Aldeia, Casa de S. Gonçalo, Casa do Outeiro, Casa do Anquião, Quinta da Roseira, Quinta da Agra, Casa das Torres, Quinta de Santa Baía, Quinta do Casal do Condado, Quinta do Rei, Casa da Lage. Estamos a falar de solares que permitem alojamento, outras casas há que estão abertas ao público, e são solarengas, mas só se pode visitar o interior e os jardins. É o que se passa com a Casa de Nossa Senhora de Aurora, que mais tarde irei visitar. É esta profusão de solares, alguns deles palácios na verdadeira acessão da palavra, convocam o ouro e o açúcar vindos do Brasil, sobretudo nos séculos XVII e XVIII. E daí a espantosa profusão de brasões, não deve haver vila portuguesa com tanta presença fidalga.


O General Norton de Matos (1867-1955) era limiano, aqui nado e falecido. O seu pai era fidalgo da Casa Real e cônsul da Grã-Bretanha e Irlanda em Viana do Castelo. Militar com uma invejável folha de serviços, ministro e governador de Angola, onde passou a figurar na História, membro proeminente da Maçonaria e candidato presidencial pela oposição nas eleições de 1949, desistiu perante a patente falta de condições democrática. Não esquecer que também vinha aqui na mira de encontrar camélias floridas, deu gosto ver o destemido militar perto de uma cameleira simultaneamente viçosa e fenecente.


Ali perto do busto do General Norton de Matos está uma mansão que é um verdadeiro compósito de castelo e murada, seguramente que o proprietário gostava do neogótico, de merlões e seteiras e despendeu bom dinheiro pondo granito a toda a altura num edifício neorromântico e com pozinhos de Arte Nova. Era irresistível não ficar fascinado pela bizarria.


Quem diz solares barrocos não deve esquecer as capelas e outros templos religiosos, é caso da chamada Capela das Pereiras que se ergueu junto das muralhas, sofreu muito com o terramoto e ali está, no alto da escadaria, a falar forte e feio de traça barroco. Havia a sugestão de visitar o seu interior, no restauro foi encontrada pintura primitiva, encontrei sempre a capela fechada, mas fiquei muito satisfeito com esta imponência e a tocante discrição dos elementos escultóricos. Por hoje basta, estou ansioso por um bom caldo verde e um pãozinho com presunto, e acabar o dia despegado a ver correr as águas do Lima entre os focos de luz. Amanhã também é dia, vou passarinhar por aqui, ver se encontro um antigo combatente da Guiné e passear-me entre camélias.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21281: Os nossos seres, saberes e lazeres (407): No Alto Minho, lancei âncora na Ribeira Lima (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21302: Notas de leitura (1300): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Trata-se de um projeto de investigação financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, revisitar rotas que ligam historicamente Portugal a alguns países árabes e islâmicos (Marrocos, Mauritânia), alargando-se depois a outros países africanos (Senegal, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique) investido na análise de memórias, nostalgias e outros recursos patrimoniais.
Creio que para muitos haverá surpresa sobre o que se pode entender como a memória de presença portuguesa nesta região que hoje pertence ao Senegal, foi presença influente e depois diluiu-se, permitindo a intrusão francesa sobretudo a partir dos anos 1830, nesta tão fértil região de comércio.
Muita gente de Ziguinchor sentiu-se atraiçoada pelas negociações luso-francesas, foi um taco a taco diplomático em que Portugal teve a ilusão que ao entregar esta parcela de território ia receber vastas compensações, tudo fantasia.

Um abraço do
Mário


No Casamansa, à procura de memórias portuguesas

Beja Santos

“Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva, edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 é uma publicação associado a um projeto financiado pela Fundação para Ciência e Tecnologia, projeto que visa analisar reconfigurações étnicas e novas figurações identitárias em territórios pisados pelos portugueses e onde confluíram povos africanos das mais diferentes proveniências. É um projeto aliciante onde se fala de Marrocos, até de Marrocos no Brasil, de Portugal nos confins sarianos, do Casamansa, da ilha de Moçambique e até do primeiro cruzeiro de férias de colónias a bordo do paquete Moçambique, em 1935. Francisco Leitão é o autor do texto intitulado Existências e Utilizações Contemporâneas da Casamansa Portuguesa.

O autor começa por nos recordar que desde meados do século XV e início do século XVI, Portugal estabeleceu uma presença comercial na costa ocidental africana, assente no comércio de escravos, baseada na fundação de feitorias. Os portugueses chegaram a Casamansa principalmente interessados no ouro, no marfim e nos escravos. A partir de meados do século XVI, percorriam a área compreendida entre o rio Cacheu e a Gâmbia na senda destes comércios. Em troca dos escravos, nesta época, os portugueses traziam ferro, vinhos, algodão, cavalos, contaria da Índia, entre outros. O manuscrito de Valentim Fernandes não deixa dúvidas quanto ao facto de, 50 anos depois da sua descoberta, o rio Casamansa ser já frequentemente utilizado para o comércio pelos portugueses. Tudo se irá alterar com a evolução do comércio de escravos, com a descoberta e exploração da América que se irá expressar num dos mais famosos sistemas de comércio triangular (Lisboa – Santiago – Bissau ou Cacheu – Maranhão – Lisboa), que veio contribuir para o papel fulcral de Cabo Verde na influência portuguesa na região da Senegâmbia.

Desenvolve-se uma comunidade de lançados em Ziguinchor, em 1621 a povoação tinha 15 casas de comerciantes portugueses, uma igreja, um padre e muitos cristãos locais. Nos anos seguintes, a vila tornar-se-á no principal entreposto de troca no rio entre luso-africanos e bainuncos. Mais tarde, Ziguinchor será classificada como presídio dependente da capitania de Cacheu. Recorde-se que o objetivo destes presídios era proteger a rota vertical de escravos que ligava regiões do interior da atual Gâmbia a Cacheu e Bissau.

Mais observa o autor que a maioria dos dados atualmente disponíveis sobre a história do Casamansa e Ziguinchor saltam de 1645 diretamente para 1846 ou mesmo 1886, quando Ziguinchor é cedida a França. No período intermédio existe pouca ou nenhuma documentação. Sabe-se, no entanto, que gentes de Cabo Verde tinham grande influência sobre a costa Norte-Ocidental africana mas não se sabe como esta presença se coordenava com a presença portuguesa europeia. Em 1623, um holandês em Cacheu dividiu ali o comércio em dois tipos: aquele que era realizado com a metrópole e o que era feito com os que viviam na ilha de Santiago. No século XVII, Cacheu era muito visitada por embarcações provenientes, não só de Cabo Verde, mas também de Sevilha e de Portugal.

Em toda a literatura não existem praticamente referências a Casamansa e Ziguinchor, ou porque não há registos históricos ou porque não foram suficientemente investigados. Paradoxalmente, Casamansa é repetidamente referida como uma zona de influência portuguesa. Também não se ignora que os séculos XVII e XVIII foram um período de enfraquecimento da presença portuguesa. Seja como for, por volta de 1760, cresceu o ascendente luso-africano sobre Ziguinchor e o controlo português-europeu, aos poucos os luso-africanos foram substituindo os portugueses em lugares representativos. Mas no início do século XIX, encontramos Ziguinchor administrativamente órfã, nas mãos de uma burguesia portuguesa de origem cabo-verdiana e com ligações à Guiné. É um tempo em que o cargo de capitão passava de pai para filho, uma espécie de domínio dinástico que diz bem do abandono a que estava votada esta remota extensão do império português. Economicamente, a vila vivia de um comércio de pouca envergadura e à margem dos fluxos internacionais de troca.

Em sentido inverso à remota presença portuguesa, os franceses entram em cena nos anos 30 do século XIX, compram terrenos no rio e em 1838 principiam os trabalhos para se instalarem definitivamente em Sédhiou (em português Sedjo). Recrudescem os conflitos na região, acirram-se as disputadas de soberania que implicaram repetidas trocas de bandeiras, multas, alguns encerramentos e represálias sobre as populações. Os franceses, a partir de Goré, começam a insistir na anexação de Ziguinchor, movidos pela sua localização geográfica associada a motivações comerciais. Isto passa-se ao tempo em que não estão delimitadas as fronteiras entre o Senegal e a Guiné Portuguesa. Com a Convenção Luso-Francesa de 12 de Maio de 1886, Portugal cede oficialmente Ziguinchor e a região do Casamansa, recebe em troca o rio Cacine e direitos de pesca na Terra Nova. Em 1901, a população mestiça, cabo-verdiana e bainunco-descendente, com conexões a Bissau e falante de crioulo é relocalizada num bairro novo, periférico. É aqui que vão ficar os sinais da presença portuguesa. Para o autor distinguem-se, com segurança, quatro vetores da influência portuguesa no Casamansa: a situação geográfica e a proximidade com a antiga Guiné Portuguesa, os permanentes intercâmbios com Cacheu; os lançados, juntamente com os explorados e os comerciantes, funcionaram como agentes de disseminação de uma cultura portuguesa proveniente da metrópole: a população cabo-verdiana manteve um contacto próximo e regular com o continente e provavelmente com o Casamansa; por fim, os fenómenos de reprodução e evolução local, caso da língua e religião. Escreve o autor: “Esta reprodução foi mais acentuada em Ziguinchor e, pelo que apurei no terreno, a Leste desta vila, na região das atuais aldeias de Sindone e Adeane”.

A presença colonial francesa procurou passar uma esponja sobre o passado português. Mas qual é a realidade que o estudioso observou? Ele escreve: “Hoje, em Ziguinchor, reside uma população espacialmente concentrada que mistura influências bainunco e cristã que continua a utilizar o crioulo como língua principal de comunicação. O crioulo é falado por uma grande parte da população idosa de algumas zonas de Casamansa e o fluxo constante de migrantes da Guiné-Bissau contribui permanentemente para o reativar (…) A presença portuguesa relaciona-se intimamente com a história da etnia bainunco. Os bainuncos são a população autóctone e foram, em tempos, a etnia dominante de Casamansa. Tornaram-se virtualmente extintos, já que foram absorvidos ou conquistados por outros grupos”.

A memória portuguesa paira sobre o fenómeno separatista na região. Ainda é comum o uso da alegação que Casamansa não é francesa (e, logo, senegalesa) mas sim portuguesa (e logo, independente ou ligada, de alguma forma, à Guiné-Bissau). Trata-se de um discurso que predomina em jovens intelectuais independentistas muçulmanos de etnia diola.

Para o auto onde a existência portuguesa é mais evidente é nos edifícios e também a referência, muito frequente, de que foram os portugueses que colonizaram a ilha de Carabane, uma aldeia histórica que simboliza, talvez mais que qualquer outra, a presença colonial francesa em Casamansa, já que foi capital desta sub-região administrativa da África ocidental francesa. Há uma outra via de ligação ao passado português, a qual possui uma conotação que não poderia ser mais negativa: Ziguinchor, nas palavras de quase todos os casamansenses, é um nome que tem origem no português “cheguei e chorei” – a reação emocional à função esclavagista da vila (Ziguinchor foi um presídio esclavagista português) – que, por corrupção fonética, teria formado o nome da cidade. Outra observação do autor é que há inúmeros lugares na região onde alguém pode passar por nós e nos cumprimentar com um “bom dia” foneticamente tão português como se estivéssemos em Alfama.

A finalizar o seu trabalho o autor discreteia sobre o papel da memória e como a história não destruiu certos mecanismos coletivos, plurais e individualizados. Casamansa revela-se uma sociedade de memória, as utilizações do passado português por ali pululam, e ninguém sabe qual o seu destino. E deixa-nos uma frase sibilina: o remexer e vasculhar positivista e historiográfico do passado é o privilégio de um presente que não se agita facilmente. Para meditar.


A capa e contracapa deste livro é um verdadeiro achado, trata-se do tabuleiro do jogo “Cruzeiro ao Mundo Português”, da Majora, um género de jogo da Glória com as parcelas do império, começando pela viagem até à Índia e acabando na Torre de Belém. A Guiné era simbolizada pela fortaleza de Cacheu.

Ziguinchor
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21289: Notas de leitura (1299): “Capitães do Fim… Uma radiografia estatística”, por António Inácio Correia Nogueira; Chiado Editora, 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21301: Consultório militar do José Martins (52): O Estatuto do Antigo Combatente (2)

Em mensagem do dia 26 de Agosto de 2020, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dedica o seu "Consultório" ao Estatuto do Combatente recentemente publicado. Publica-se hoje a segunda parte.

Bom dia
Com a celeridade possivel, aqui envio alguns comentários ao recém publicado, mas, quanto a mim, ainda por regulamentar quase todos os artigos.
Caso haja alguma novidade entretanto, que não me parece viável devido às férias, juntar-se-ão os necessários ajustamentos e esclarecimentos.

Abraço
José Martins


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Nota do editor

Poste anterior de 27 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21299: Consultório militar do José Martins (51): O Estatuto do Antigo Combatente (1)

Guiné 61/74 - P21300: Parabéns a você (1859): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Manuel Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21296: Parabéns a você (1858): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21299: Consultório militar do José Martins (51): O Estatuto do Antigo Combatente (1)

  Em mensagem do dia 26 de Agosto de 2020, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), dedica o seu "Consultório" ao Estatuto do Combatente recentemente publicado.

Bom dia
Com a celeridade possivel, aqui envio alguns comentários ao recém publicado, mas, quanto a mim, ainda por regulamentar quase todos os artigos.
Caso haja alguma novidade entretanto, que não me parece viável devido às férias, juntar-se-ão os necessários ajustamentos e esclarecimentos.

Abraço
José Martins



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20702: Consultório militar do José Martins (50): Par de duas condecorações de um Capitão do Regimento de Caçadores

Guiné 61/74 - P21298: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (15): A famigerada iguaria sueca, Surströmming, arenque fermentado, ou melhor, "podre"... (José Belo,. régulo da Tabanca da Lapónia)


A famigerada iguaria sueca, Surströmming, arenque fernentado, ou melhor, podre... 

Foto: Alibaba.com, com a devida vénia... (Uma caixinha de menos de meio quilo, deste Roda ulven surstromming, custa à volta de 24 / 27 USA dólares...)


 

José Belo, em "assuecamento" há 40 anos


1. Mensagem do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:

Date: terça, 18/08/2020 à(s) 10:55
Subject: Culinária EXTREMA e ...típica sueca


Prometendo, e garantindo, uma longa pausa nesta série de "assuecamentos" vários, aqui segue um texto sobre uma verdadeira curiosidade alimentar sueca por muitos desconhecida e, atrevo-me a escrever, iincrível!

Os que o apreciam,  consomem-no em finais de Julho,  princípios de Agosto, no curto período do ano em que as condições metereológicas permitem festas ao ar livre. Festas entre familiares e amigos com forma de participação quase... religiosa.

Devido às quantidades de cerveja e vodka consumidas ( e acabarão por compreender que desta vez justificáveis) terminam sempre "bem" ou "mal", consoante as sensibilidades dos participantes.

O prato típico referido chama-se em sueco Surströming.que mais não quer dizer que... "Arenque fermentado"!  (Literalmente fermentado em fronteiras de podre!)

De tal modo fermentado que as bonitas latas amarelas em que é vendido apresentam-se sempre amolgadas pelos gás da fermentação do peixe no seu interior.

Os mais ignorantes das realidades relacionadas  com esta fermentação cometem sempre um erro que irão lamentar o resto da vida. Ou sejaM abrir a lata dentro de casa!

O cheiro adocicado a peixe podre torna-se de tal modo intenso que não é suficiente abrir todas as portas e janelas da casa. Fica impregnado no interior durante semanas.

Os que vivem em apartamentos citadinos, ao organizaram tal festa,  sentem-se sempre obrigados de avisar todos os vizinhos no prédio pois o cheiro espalha-se pela escada e elevadores.

E, atenção, isto não é história de Lapão a gozar c'a malta.

Um dos métodos recomendados aos citadinos ....abram sempre as latas estando estas colocadas debaixo de água, num alguidar ou balde!

Ajuda o desgraçado que o faz a não apanhar com a verdadeira explosão de gás mal-cheiroso que surge do primeiro orifício da abertura, porque quanto ao cheiro que surge da lata depois de retirada da água a diferença não é nenhuma.

Os que desconhecem a verdadeira intensidade do odor (normalmente incautos turistas) são obrigados a rapidamente abandonar a festa para vomitarem incontroladamente.

Os outros? Bom,  os filetes de arenque enlatado são prateados e apetitosos  como as nossas sardinhas .
Servem-se misturados com pequenas batatas frescas cozidas com manteiga e natas,acompanhados de cebola finamente picada.

São colocados sobre longas fatias de pão não levedado que se enrola cuidadosamente em volta destes ingredientes.

Muita cerveja e muitíssimos SKÅL com vodka que sempre acompanha cada golada da referida cerveja.
Depois de mais de quarenta anos posso garantir que se sobrevive a estas festas e que é possível passar-se a gostar deste arenque fermentado, para não escrever...podre!

As quantidades de cerveja consumidas?
As quantidades do vodka que as acompanha?
As sempre lindas suecas na festa?

Facto é, o arenque fermentado digere-se facilmente não provocando problemas gastrointestinais.

Para os mais "técnicos": a preparação deste tipo de arenque efectua-se em enormes barricas de carvalho onde o peixe fermenta durante longo período de tempo (o peixe inteiro e não limpo).

Junta-se sal, mas em quantidades tais que não prejudiquem a fermentação.

Posteriormente enlatado é vendido a alto preço em duas variantes: O arenque em filé ou o arenque inteiro não limpo das suas entranhas.

Os amadores compram o arenque fermentado em filé. os de "barba dura" consomem-nos inteiros.
 
Entre Lusitanos, creio que só os verdadeiramente PERVERSOS conseguem consumir os inteiros.

Um abraço do J. Belo

PS - Vd. aqui noYou Tube o vídeo "Jamie Oliver enjoys Surströmming" 

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Nota do editor:

Último pposte da série > 17 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21263: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (14): No "Chez Alice", as ostras da Lagoa de Óbidos

Guiné 61/74 - P21297: (Ex)citações (369): A política de misceginação e o major de artilharia Dimas Lopes de Aguiar, autor do opúsculo "Guiné Portuguesa - Terra de Lenda, de martírio, de estranhas gentes, de bravos feitos e de futuro" (1946) (António Rosinha)

Congo ex-Belga [, hoje República Democrática do Congo] > c. 1920 > "Troféus de caça"...  

Foto de Victor Jacobs (digitalizada e editada por LG.). 

Fonte: Louis Franck - Le Congo Belge, Tome I. Bruxelles: La Renaissance du Livre. 1928. p. 152, [ O autor, Louis Franck (1868-1937) foi um político, belga, de origem flamenga, jurista, escritor, antigo ministro de estado e antigo ministro das colónias; interessou-se por questões como a colonização belga no Congo, o atvismo flamengo, etc.; fundou a École coloniale supérieure,em Anvers, em 1920, mais tarde, em 1923, Université coloniale de Belgique].



Guiné Portuguesa : terra de lenda, de martírio, de estranhas gentes, 
de bons feitos e de futuro : conferência feita em 25 de Maio de 1946 
na Escola do Exército / Dimas Lopes de Aguiar. - : Edições 
Infantaria, 1946. - 31 p.


1. Citando Beja Santos (*): 

"O Major Dimas [Lopes] Aguiar mostra-se muito preocupado com a pouca população, sugere uma operação para atrair os descendentes dos indígenas que fugiram durante as campanhas de ocupação, era importante trazer as famintas populações cabo-verdianas e mais brancos metropolitanos. 

"Era uma situação demográfica que precisava de terapêutica urgente, não podia haver tão poucos brancos. Pelo censo de 1940, existiam na colónia 1419 indivíduos brancos, sendo 899 do sexo masculino e somente 520 do sexo feminino. E sentenciou:  'Não se pode concluir que estejamos no caminho de evitar a condenável e aviltante procriação de mulatos, que já então se contavam por 2200 almas' ”.



António Rosinha, Pombal, 2007

2. Comentário de António Rosinha:


(i) beirão, tem mais de 120 referência no nosso blogue; (ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua, ativo, a participar, com maior ou menor regularidade, no nosso blogue, como autor e comentador; (iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado; (iv) fez o serviço militar em Angola, em 1959, sendo fur mil, em 1961/62; (v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic); (vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil, já sem ouro, nem pedras preciosas...), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; (vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral; (viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho''; (ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos'; (x) ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui sabiamente citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]


Isto de ser contra a procriação de mulatos, penso que nem Norton de Matos ou outros africanistas tiveram tal pretensão.

Sempre andamos a copiar os outros , mas neste caso nunca seguimos os nossos vizinhos colonialistas.

É que ficava muito caro levar mulheres para acompanhar militares, funcionários, agricultores, mineiros, e comerciantes, etc.

Aprendi (ao vivo) que os belgas que fossem para o ex-Congo Belga, caso fossem casados e tivessem crianças para criar, e para evitarem de levar a família, o Governo proporcionava, caso pretendessem, o direito a uma "empregada doméstica" branca, (não li a norma, foi de ouvido).

Ou seja, tinham direito a "lavadeira branca", nos nossas "normas" coloniais desde Bartolomeu Dias.

Como comprovei isso? Quando foi da independência do Congo Belga (junho de 1960), os belgas fugiram porque começou uma guerra imediatamente que durou mais anos que a de Angola, e fizeram de Luanda um ponto de refúgio, enquanto não veio a ponte aérea.

Foram mobilizados hoteis, pensões, espaços escolares, e estranhou-se tantos casais sem filhos, e tantas mulheres dadas à paródia, e veio a explicação.

Ou seja, havia um certo apartheid natural no Congo Belga, mas aquilo já tinha uma exploração mineira que dava para ter "lavadeira importada"

Hoje, e já naquele tempo, os africanos não achavam muito mal, como se possa pensar, que os africanos estranhassem o apartheid.

Ao fim e ao cabo era a vivência natural mais semelhante à vida tribal.

Com os belgas "retornados" não vinham nem crianças nem adultos mulatos.

Será que este major estava certo? (**)

26 de agosto de 2020 às 12:06

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Guiné 61/74 - P21296: Parabéns a você (1858): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21291: Parabéns a você (1857): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21295: Efemérides (334): O Dia do Combatente Limiano, em 24 de agosto de 2020, foi partilhado com um "anjo da guarda", Rosa Serra (Mário Leitão)

Ponte de Lima > 24 de agosto de 2020 > Mário Leitão e Rosa Serra, dois ilustres membros da nossa Tabanca Grande.


Fotos (e legenda): © Mário Leitão (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de hoje, às 1h42, do Mário Leitão [ex- Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda, Delegação n.º 11 do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF), 1971 a 1973; famacêutico, membro da nossa Tabanca Grande; autor, entre outros, do livro "História do Dia do Combatente Limiano", lanaçdo o ano passado Museu da Farmácia, em Lisboa]

Caro Luís! Um abraço!

Que grata surpresa ter sido visitado pela Alferes Paraquedista Enfermeira Rosa Serra, neste 24 de Agosto, dia de S. Bartolomeu! 

Fez hoje 7 anos que iniciamos a homenagem anual do Dia do Combatente Limiano, que, na celebração de 2018,  contou com a presença dessa distinta Camarada Paraquedista.

Também esteve a meu lado no Museu da Farmácia, quando a ANF apresentou o livro "Heróis Limianos da Guerra do Ultramar", no qual ela está referida a propósito da evacuação do Sold António Capela, durante a Operação Ostra Amarga.

Eis três empolgantes momentos da minha vida partilhados com um Anjo da Guerra, em que a emoção e o registo histórico se configuram numa saborosa herança para deixar aos meus netos!

Sentes a minha vaidade?

Grande abraço, camarada!

Fur Mil Farmácia Mário Leitão
(Luanda, 71/73)

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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de agosto d3 2020 > Guiné 61/74 - P21224: Efemérides (333): Foi há 54 anos que parti para o CTIG, no T/T Uíge, para ir formar em Bolama o Pel Caç Nat 54 (Jose António Viegas)

Guiné 61/74 - P21294: Historiografia da presença portuguesa em África (228): Guiné Portuguesa - Terra de Lenda, de martírio, de estranhas gentes, de bravos feitos e de futuro (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Junho de 2017:

Queridos amigos

1946 foi um ano prolífico de eventos em torno das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné. Creio haver matéria de interesse nesta conferência do Major Dimas Lopes de Aguiar: o valor que atribui ao soldado guineense; a exaltação que faz das missões o Exército e da Marinha, sem estas instituições a Guiné portuguesa teria desaparecido do mapa; as suas opiniões sobre a economia e demografia merecem atenção, o conferencista não andava sozinho quando clamava por trazer mais cabo-verdianos e brancos metropolitanos, não esconde que era a desfavor da procriação de mulatos, havia que trazer para a Guiné um número equiparado de brancos e brancas...

Um abraço do
Mário



Guiné Portuguesa: Terra de Lenda, de martírio, de bravos feitos…

Beja Santos

Em 25 de Maio de 1946, na atmosfera das comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné, o Major de Artilharia Dimas Lopes de Aguiar, professor da Escola do Exército, profere nesta instituição uma conferência intitulada “Terra de lenda, de martírio, de estranhas gentes, de bravos feitos e de futuro”.

Enceta a comunicação com um punhado de dados históricos, referências ao clima e ao mosaico étnico. É claro nas suas apreciações: 

“Inicialmente, não nos interessámos pelo desenvolvimento económico do território que hoje é nosso e foi considerado apenas como útil centro de recrutamento de escravos para o povoamento de desenvolvimento de Cabo Verde”

Ao referir-se genericamente aos atributos das diferentes etnias, elogiou o militar guineense: 

“Militarmente falando, têm excepcionais qualidades para serem aproveitadas como valentes e bravos soldados, por neles predominar espírito belicoso, tem grande resistência física, conveniente formação moral sem lhes faltar bravura e elevado sentido da verdadeira camaradagem no combate, os Fulas, os Mandingas, os Papéis e os Balantas. Os Bijagós são óptimos marinheiros. É preciso, porém, para com eles se fazer a guerra enquadrá-los com oficiais e alguns sargentos europeus, uns e outros convenientemente instruídos na política indígena e em hábitos de higiene tropical… os indivíduos portugueses-guineenses têm especial vocação para a nobre profissão das armas, pois gostam de uniforme, adoram os distintivos garridos, são sóbrios, resistentes, bons observadores e exímios exploradores”.

É um orador que não teme o tratamento de questões sensíveis e aborda com liminar clareza as especificidades do esforço da ocupação: 

“Cabe exclusivamente ao Exército e à Marinha a grande honra de terem salvo a Guiné das cobiças estranhas que rondavam os nossos domínios. Na verdade, como nos meados do século XIX faltavam na Guiné as grandes instituições morais da civilização ocidental, como não existiam os elevados interesses económicos, como era fraca a assimilação rácica e quase nula a cultural, se a reduzida força armada de que dispúnhamos tivesse falhado na sua missão de soberania, não flutuaria hoje ali a bandeira das quinas”.

Detém-se o conferencista na hábil política de Honório Pereira Barreto, e atira uma outra verdade: 

“Como não teve continuadores, como falhámos a seguir na política indígena, perdemos algumas posições preponderantes a favor da França”.

É uma época de abatimento, de completa deriva:

“A despeito da resolução da questão de Bolama, o nosso prestígio estava muito abalado e logo em Janeiro de 1871 houve a revolta dos grumetes da velha praça de Cacheu, massacrando o Governador, Capitão Mário Teles Caldeira. A partir de 1895, aproveitando-se um período de paz relativa, esboçou-se a plano para pacificar a Guiné com a colaboração dos régulos nossos amigos. Foi sol de pouca dura. Em 1897, o Governador Pedro Inácio de Gouveia assume o comando das forças que partem de Bissau para Caió, a fim de castigar os Manjacos sublevados. Cumprida a missão, pensa em pacificar o Oio, leva consigo os chefes Lamine Indjai e Quecuta Mané que morre em combate”.

Fará referências às operações dos governadores Júdice Biker e Oliveira Muzanty, bem como a sublevação do Oio que se reacendeu em 1910, seguem-se as campanhas de Teixeira Pinto e mais à frente tece um comentário a Abdul Indjai: 

“A sua desgraça veio da situação de preponderância que criou na Guiné, do seu espírito irrequieto, da fraqueza de algumas autoridades, da duvidosa actuação de outras e da sua inadaptação a uma política fraternal para com os pacificados seus irmãos de sangue. Deve-se, sobretudo, ao facto de não ter sido nomeado governador da colónia após a ocupação efectiva o seu ídolo: João Teixeira Pinto”

Importa referir que está presente na sala o filho, também militar, do herói João Teixeira Pinto. Em jeito de apreciação final ao controverso Abdul Indjai e ao seu banimento, comenta: 

“Diremos que o triste fim do herói teve origem na sua índole irrequieta, na inveja provocada pela situação de preponderância que tinha criado, na falta de prestígio das autoridades administrativas, na duvidosa actuação do comandante militar de Bissorã e Farim e na falsa compreensão do que é deve ser uma boa política indígena”.

Começara, então, uma nova era, após a pacificação e refere a rede de estradas, as 43 empresas de transporte fluvial e o peso económico que a colónia pode vir a ter no futuro, enuncia as produções e exportações de amendoim, coconote, couros, cera, borracha, óleo de palma, arroz e madeiras. 

Não ilude, dentro da problemática religiosa, a insignificância do catolicismo dizendo que existem seis missões católicas com quatro filiais, oito missionários e doze auxiliares. A referência aos efetivos militares esconde veladamente uma crítica, pois em 31 de Dezembro de 1944, o Exército tem 10 oficiais e 59 praças, englobando sargentos, cabos e soldados; a Marinha está reduzida a 1 oficial e 4 praças e a polícia tem o magro efetivo de 2 oficiais, 6 chefes e subchefes e 30 guardas.

O Major Dimas Aguiar mostra-se muito preocupado com a pouca população, sugere uma operação para atrair os descendentes dos indígenas que fugiram durante as campanhas de ocupação, era importante trazer as famintas populações cabo-verdianas e mais brancos metropolitanos. Era uma situação demográfica que precisava de terapêutica urgente, não podia haver tão poucos brancos. Pelo censo de 1940, existiam na colónia 1419 indivíduos brancos, sendo 899 do sexo masculino e somente 520 do sexo feminino. E sentenciou: 

“Não se pode concluir que estejamos no caminho de evitar a condenável e aviltante procriação de mulatos, que já então se contavam por 2200 almas”.

Atendamos ao nível das mensagens, aos juízos expendidos, aos alertas demográficos, ao cuidado posto na atuação do Capitão Teixeira Pinto e ao seu valoroso colaborador Abdul Indjai, sobre o qual o orador é indulgente, como se fosse possível que o principal ajudante do herói das campanhas de ocupação não se pudesse ter transformado num homem da guerra, vaidoso e tirânico. Para que conste, e fique na análise das mentalidades há 7 décadas atrás.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21268: Historiografia da presença portuguesa em África (227): Aleixo Justiniano Sócrates da Costa - Um outro olhar sobre a Guiné em 1885 (2) (Mário Beja Santos