segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21671: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (18): recordando o meu Natal no mato, em Piche, 1970 (Hélder Sousa, ex-fur mil trms TSF, Piche e Bissau, 1970/72)



Guiné > Região de Gabu > Piche > BCAV 2922 (1970/72) > Jantar de Natal de 1970 > Em primeiro plano, uma travessa de leitão... A cerveja era Cristal... Dos comensais, reconheço da esquerda para a direita, os Furriéis Mouta (Cripto), Pacheco (Trms da CCS), Hernâni (no topo da mesa) , eu e, à minha esquerda,  o Ferreira (Trms da CCav 2749)-



Guiné > Região de Gabu > Piche > BCAV 2922 (1970/72)  >  Jantar de Natal de 1970 > Um brinde!...  (com Martini ?)...Em primeiro plano, do lado esquerdo o Luís Borrega, de camuflado (CCav 2749) (, infelizmente já falecido, em 2013) e à direita o Herlander (Vagomestre da CCav 2749), sendo que os restantes são os que estão na outra foto. os Furriéis Mouta (Cripto), Pacheco (Trms da CCS), Hernâni (no topo da mesa), eu e, à esquerda,  o Ferreira (Trms da CCav 2749).


Fotos (e legendas): © Hélder Sousa(2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Hélder Sousa, (ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, 1970/72):

Foto atual à esquerda: 

(i) é membro da nossa Tabanca Grande desde  10 de abril de 2007; 

(ii) nosso colaborador permanentem, tem cerc de 170 referências no nosso blogue;

(iii) foi Furriel Miliciano de Transmissões, do STM, cumprindo a comissão de serviço na Guiné entre 9 de Novembro de 1970 e 10 de Novembro de 1972, tendo estado cerca 7 meses em Piche (ao tempo do BCAV 2922, 1970/72 e o resto da comissão ao serviço do Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné;

(iv) natural de Vila Franca de Xira, mora em Setúbal, é engenheiro ténico;

(v) tem página no Facebook.


Data:20/12/2020, 18h02
Assunto: Texto para o Natal, no Blogue.

Caros amigos

A propósito do Natal e das nossas memórias sobre estas efemérides e para enquadramento nesta "campanha" de "Natal em rede", aqui envio um texto que na sua maioria foi publicado na "Tabanca do Centro" e de que obtive o consentimento para esta republicação "corrigida e melhorada".
O texto vai acompanhado das fotos referidas e de uma foto minha mais recente,

Aproveito também a ocasião para endereçar os meus votos de "Boas Festas" e a esperança de que o "Novo Ano" possa ser um "Ano Novo", com o retomar dos nossos "encontros".

Abraços
Hélder Sousa


OS MEUS NATAIS NA GUINÉ 

por Hélder Sousa

É normal e natural que encontremos memórias das coisas que se passaram quando as respetivas datas nos “batem à porta”. Por isso, muito recentemente, encontramos aqui no Blogue as memórias das “partidas” ou das “chegadas” que muitos camaradas nos relataram, tendo em conta a data do Natal e que agora é mesmo, também, objecto das recordações de como essa época, essas festividades foram passadas ou vividas durante a nossa permanência em terras da Guiné.

Deste modo, e tendo em conta dar o meu contributo para o conhecimento de como os meus Natais, principalmente o que fará agora 50 anos, ocorrido em 1970, foram vividos, fui repescar um texto que escrevi a propósito disso para a “Tabanca do Centro”, com a devida vénia e autorização de “pessoa amiga”, que aqui utilizo com os acrescentos que, entretanto, introduzo.

Ora, tendo chegado à Guiné em Novembro de 1970 e regressado em Novembro de 1972, é certo que os Natais de 1970 e de 1971 foram passados durante esse período e como por essas épocas não estive de férias, é então certo que foram passados lá.

O problema é que tenho pouca memória desses eventos. O Natal de 1970 foi passado “no mato”, em Piche, onde estive agregado ao BCAV 2922 desde o início de Dezembro desse ano até quase ao fim da Maio do ano seguinte.

Desse Natal de 1970 muito pouco relembro. Procurei apoio de memória em dois camaradas que estiveram comigo no CSM em Santarém e que integravam o referido Batalhão, os então Furriéis Fernando Boto e Herlander Almeida mas nada consegui que me pudesse ajudar.

O Boto disse-me que, após a Guiné, “apagou” todas essas memórias e que não me poderia valer. O Herlander foi no mesmo sentido, que não se lembra praticamente de nada, mas que agradece tudo o que eu tenho feito (escrito) e que, em certa medida, também o ajuda.

Quem poderia ser mais contributivo era o Luís Borrega, também membro da “Tabanca Grande” mas, entretanto, já falecido. Quando vivo, foi um dos impulsionadores de encontros e convívios entre o pessoal das várias Companhias desse Batalhão e mesmo de encontros parcelares. Portanto, por aí, também nada consegui.

Contudo, tenho umas fotos que o Borrega em tempos me facultou e que julgo terem sido desse Natal de 1970 e de aqui junto duas delas.

Na que diz “Jantar Natal 1970” em que se vê uma travessa com leitão, reconheço da esquerda para a direita, os Furriéis Mouta (Cripto), Pacheco (Trms da CCS), Hernâni, eu e o Ferreira (Trms da CCav 2749) à esquerda.

Na foto que diz “Brinde”, que se passa na mesma mesa, tem agora em primeiro plano do lado esquerdo o Luís Borrega, de camuflado (CCav 2749) e à direita o Herlander (Vagomestre da CCav 2749), sendo que os restantes são os que estão na outra foto.

Não me recordo de pormenores mas tenho a ideia que foi uma noite passada com alegria, nesse jantar, com a protecção adequada no exterior. Depois, no recato, em solidão, os pensamentos voaram para longe, para junto dos familiares tentando visualizar como estariam de saúde e como estariam celebrando essa ocasião.

Já o Natal de 1971 foi passado em Bissau.

Estava de serviço no meu turno na “Escuta” que, recordo bem, era das 19:00 de 24 às 01:00 já do dia 25 de Dezembro.

Por tal motivo não participei no jantar coletivo que ocorreu na Messe de Sargentos do QG em Santa Luzia, que contemplava o “velho” bacalhau, pois comi mais cedo e tive direito a um reforço alimentar, composto por duas sandes de queijo e fiambre e uma lata de leite com chocolate, holandês. Dadas as circunstâncias não tenho nenhuma foto ilustrativa.

Recordo apenas que durante a solidão do turno tive tempo, muito tempo, para me interrogar sobre o que fazia ali, sobre o que e como seria o futuro após o fim da comissão, sobre o que e como poderia fazer para contribuir para que aquela guerra não se prolongasse indefinidamente.

Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF
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Guiné 61/74 - P21670: Notas de leitura (1330): A Operação Tridente: Quando o delírio se disfarça de objetividade na reportagem (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos, 

Nesta preocupação de juntar todas as peças inerentes ao conflito guineense, encontrei esta reportagem da Felícia Cabrita na revista do Expresso comemorativa dos vinte anos da publicação. 

É impossível não ficar estupefacto não só pelo tom da escrita, é o desmazelo pela verdade histórica disfarçado nessa ilusão de ouvir uns e os outros, esboça-se uma atmosfera apocalíptica e insinua-se permanentemente que houve para ali uma derrota, tinha que acontecer o que aconteceu, já que o decisor político só queria é que desaparecesse da cena internacional a atoarda de que o PAIGC possuía território que indiciava a independência. Operação caríssima e escola de aprendizagem - para quem tinha a honestidade de tirar lições de uma guerra de guerrilha, tal como o Como provou. 

Não sei exatamente para que servem estas reportagens, se para provar que a repórter esteve lá e cá ouviu gente, mas seguramente que não fica um quadro idóneo das etapas essenciais da operação. E, como sempre, tudo aparece inscrito em sede militar, como se de facto a Operação Tridente não tivesse sido, do princípio ao fim, uma decisão de Lisboa, que temeu a atoarda da república independente e que achou demasiado tempo, aqueles mais de 70 dias, que durou a operação, deve-se ter tido receio de que estava para ali um Vietname. 

O que verdadeiramente aconteceu ainda pode ser contado por muito boa gente que seguramente não se revê nesta enxurrada de delírio que saiu do punho de Felícia Cabrita.

Um abraço do
Mário


A Operação Tridente: Quando o delírio se disfarça de objetividade na reportagem

Mário Beja Santos

A Revista Expresso comemorativa dos 20 anos do jornal foi um acontecimento editorial, ainda hoje é um documento de consulta. O número especial incluía uma reportagem de Felícia Cabrita sobre a Operação Tridente, profusamente ilustrada, imagens cedidas da operação propriamente dita e testemunhos do presente. 

Trinta anos depois, aquela que é considerada a operação de maior envergadura de toda a guerra colonial merecia um tratamento mais digno, menos hipóteses e presunções e uma redação menos pesporrente e chocarreira. A jornalista achou que era conveniente dar um toque à Norman Mailer ou Hemingway, e dá-nos logo um parágrafo em tom épico: 

“Os soldados tinham abandonado a metrópole de alma limpa, sem saberem muito bem o que era a guerra, estavam até ufanos por se livrarem da açorda e da azeitona no pão e dos míseros testões da jorna. E trocaram sem regatear enxada e martelo por arma. Com as primeiras baixas, depressa se esqueceram que não era de bem matar e entregaram-se ao mister da guerra, ganharam expediente em cortar orelhas e dedos e a torturar gente indefesa. Ainda não tinham passado pela hora da verdade quando os segredos se revelaram, a valentia a impropério. 

Em 1964, mil e tal homens partiram para ocupar uma ilha que era já lenda. Levaram no bolso as suas santas, multiplicaram devoções, mas Deus da sua morada não olha para outros caminhos. Eles tornaram-se farrapos, durante dois meses e meio intérpretes de uma missão falhada. Os habitantes da ilha tenebrosa ficaram de pé até ao fim, muitos morreram, mas a morte o que é senão incerteza? Os que ficaram mantiveram-se insurretos, contentes com o mundo e as suas leis, entregaram-se à dança e à festa, fizeram galas de sangue que ofertaram ao Irã…”.

A repórter esqueceu-se de dizer que o governo de Lisboa estava muito incomodado com a propaganda que o PAIGC destilava em meios internacionais de que possuía território dentro da colónia, decretou aos comandos em Bissau a erradicação de tal presença, organizou-se operação, veio mesmo o Ministro da Defesa, Gomes de Araújo. 

Essa mesma propaganda do PAIGC irá fazer constar anos a fio que houve derrota das tropas portuguesas, que as populações afetas ao PAIGC e as suas milícias não arredaram pé, alimentaram o mito com o mais completo despudor. Acontece que a Operação Tridente está bem repertoriada, e até se inclui na documentação capturada uma carta de Nino Vieira a pedir apoio a outros camaradas da região Sul, quando o coronel Fernando Cavaleiro percorrer a ilha no fim da operação as populações e milícias tinham atravessado o canal, à cautela, e regressaram quando as tropas portuguesas ficaram circunscritas, no extremo da ilha, ao destacamento de Cachil. 

A importância do Como, avisadamente os investigadores têm-no dito, cedo desapareceu, e não só aprendeu quem não quis, o Como tem como significado o bate-e-foge, um dos cânones da guerrilha.

Mas isso não tinha importância para o tom megalómano da reportagem. Corriam rumores sobre os efetivos posicionados no Como: que era uma base central, que tinha abrigos antiaéreos, hospital, búnqueres, centenas de guerrilheiros, pura fantasia, está historicamente demonstrado que os efetivos do PAIGC ainda dispunham de escasso material, ainda não havia armamento antiaéreo, as minas surgirão pouco depois, a guerrilha ainda está num estado incipiente.

Procura-se dar o lado da guerrilha, a exploração a que Manuel Brandão sujeitava as populações: 

“Os agricultores entregavam arroz e os animais por tuta e meia, ou então recebiam géneros, trapos e aguardente de cana. No fim do ano estavam sempre a contas com a administração portuguesa. O comerciante adiantava os 150 escudos do imposto de cabeça, dinheiro que os indígenas pagavam depois a triplicar ou a trabalhar de borla nas suas plantações. Poucos se atreviam a atropelar as leis de Brandão. Se alguém era apanhado a negociar em Catió, esperava-o o tanque coberto de óleo de palma até ao pescoço, muitos escorregavam na gordura espessa e morriam”

E emerge o lendário Nino, as peripécias da sua fuga, a sua capacidade de subversão chegou ao Como, Brandão foi escorraçado e as lojas saqueadas. No Como, quando se inicia a Operação Tridente estarão escassas duas dezenas de guerrilheiros, há oito armas e quatro granadas, Pansau Ná Isna ausentara-se do Como na véspera da Operação Tridente. E começa o desembarque, precedido de bombardeamento aéreo. 

“O tenente-coronel Fernando Cavaleiro tinha como missão isolar Como das restantes ilhas, para cortar o abastecimento da guerrilha, conquistar a população e garantir que se instalasse posteriormente a autoridade civil”

Adivinha-se um terreno áspero, a ilha tem uma superfície de 210 quilómetros quadrados, mais de metade zona de tarrafe. Há desembarques em paz e outros debaixo de tiroteio. E novamente a jornalista se socorre do tom apocalítico: 

“O médico sente o desespero dos soldados. Havia quem metesse um pé ou um braço fora do abrigo para ser alvejado, e mesmo quem descarregasse a arma no corpo. Outros inventavam doenças e muitos enlouqueciam. Ele estava à beira do esgotamento e pedia ao comandante para o substituir”

Mais adiante, a jornalista pretende dar-nos um quadro de como nasce um herói, o brutamontes irado: 

“Na Guiné, quando viu os primeiros mortos e apanhou um estilhaço no olho, depressa se tornou um selvagem. Uma vez limpo o sarampo a meia dúzia de mulheres, fazia coleção de orelhas, outra vez apeteceu-lhe violar uma velha. Antes desta operação era homem para cortar cabeças se tivesse tido oportunidade, mas depressa da experiência do Como confessa que perdeu a afoiteza. Naquele dia, cercado por todos os lados, só pensava em fugir, esconder-se, escapar ao inferno”.

Os guerrilheiros também não passam de gente desalmada, aos olhos da repórter, têm acesso aos corpos de soldados portugueses, roubam fardas e um anel e até o retrato de uma namorada. A guerrilha resiste, as mulheres têm comportamento heroico, avisam os homens de que dali não saem. O contingente português debilita-se: 

“Passados quinze dias, cavalaria, fuzileiros e paraquedistas estavam reduzidos a 60% dos efetivos. 68 homens tinham sido evacuados e os outros pareciam penitentes bêbados atacados por todas as doenças tropicais”

A repórter fala do fuzileiro José Marques que viu gente morrer ali ao pé, viu mesmo um camarada dar um tiro no pé para se ir embora, tal era o desatino que até pensou em matar o seu comandante, Alpoim Calvão, e confessa à jornalista que a partir desta operação nunca mais bateu bem da cabeça.

Momentos há em que a jornalista aceita a lucidez de descrever a guerra de guerrilhas, tal qual ela é, mas a tentação miserabilista e apocalítica é mais forte, e bumba, temos agora a apatia ou o paroxismo: 

“Em emboscadas viu soldados a cavar buracos para se esconderem. Enfiavam o rosto na terra e disparavam ao acaso. Um alferes que estava meio pirado fazia malabarismos com três laranjas debaixo de fogo. E Jaime Segura, que não tinha queda para batalhas sem glória, aborreceu-se de morte. Infelizmente esqueceu-se de levar os dados de póquer, por isso entretinha-se no rio a pescar com granadas. Enquanto o Bretão, tinha ido para a Guiné por ter contas a ajustar com a PIDE não se lavava num gesto de contestação. Estava tão encardido que passava as tardes a fazer o jogo do galo no peito com um pau de fósforo”.

No meio de todas estas hecatombes, são avançados alguns dados. A operação ficará na História como a batalha mais longa e cara do Exército Português. 

“Gastaram 356 bombas, 719 foguetes, 40944 balas. O vinho correu com fartura, o álcool foi o refrigério para o medo. Os cofres do Estado sofreram um arrombo de 290 mil contos. Em meados de março, passados quase dois meses e meio de terem desembarcado, as chefias militares começam a pressionar Fernando Cavaleiro, que garantia o sucesso da operação”.

Os contingentes retiram a 20 de março. Para a repórter, a sentença da desgraça é inapelável: 

“As derrotas são osso duro de roer, partiam sem ocupar a ilha, sem conquistar a população e sem deixar a autoridade civil. Nove mortos e quarenta e cinco feridos graves era o saldo de uma batalha sem glória (…) Salazar também tirou as suas conclusões, e uns meses depois o governador da Guiné e o responsável militar eram substituídos. Mas, num ponto da ilha, encurralados entre o rio e a mata, ficava, durante dois anos, uma companhia a apodrecer”.

À distância de todos estes anos, interroga-se como foi possível o Expresso publicar esta mistela de dislates.

Atenção, mais tarde, Felícia Cabrita voltará ao Como acompanhada de Nino Vieira e voltaremos a esta mesma toada de loucura, medo e mortandade. Tudo isto para dizer que o melhor é ler a documentação sobre o que foi a Operação Tridente e perceber que não passou de uma escola de aprendizagem. E não vale a pena estar a incriminar militares ou a enxovalhá-los, a decisão da Operação Tridente partiu de Lisboa. 

Quando um dia os investigadores se decidirem a consultar os arquivos dos Ministérios do Ultramar e da Defesa seguramente que serão confrontados com uma revelação que todos teimam em iludir: as grandes decisões militares dos três teatros de operações tinham aval político. O regime não pode sair ileso das decisões que tomou.

Início da reportagem de Felícia Cabrita, título com mais equívoco não podia haver

Desembarque das tropas no início da Operação Tridente

Protagonistas da Operação Tridente, muitos anos depois

Protagonistas da Operação Tridente, do lado do PAIGC

Regresso da Operação Tridente

Às vezes, era possível comer em sossego na Operação Tridente

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Nota do editor

Último poste da série de 14 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21644: Notas de leitura (1329): "Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes; Edições Desassossego, 2020 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21669: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (17): Natal, tempo de nos reencontrarmos connosco próprios e com todos os que nos falam à alma (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos, ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70)


Guiné > Empada (Região de Quínara) > CCAÇ 2381, Os Maiorais (1968/70) > Natal de 1969: um jantar como devia ser, a que não faltou o bacalhau com batatas, o vinho, a cerveja e a música. 

O José Teixeira, à direita, de óculos esfumados: recordando esse Natal de 69,  escreveu (*):


(...) Contrariamente ao Natal vivido em 1968 em Mampatá Forrea, o Natal do Silêncio (...), o Natal de 1969 foi uma festa, em que o perigo foi desafiado mas valeu a pena: (i) já cheirava à peluda, éramos velhinhos com 18 meses de guerra, estavamos totalmente apanhados pelo clima; (ii) Empada estava mais ou menos calma, apesar de no último ataque uns dias antes termos sofrido um morto de forma algo bizarra (...);  (iii) foram criadas algumas condições anímicas para que fosse realmente uma festa; (iv) o capitão [Eduardo] Moutinho Santos [, membro da nossa Tabanca Grande], desafiou a esposa a vir passar o Natal connosco e esta aceitou: uma mulher branca no nosso meio, mesmo sendo a do esposa do capitão, foi manga de ronco.

A festa da recepção foi de arromba (...), Depois veio o jantar a rigor, com bacalhau com batatas, vinho e cerveja q.b. e muita música. Foi até cair. Uma bela noite para recordar em que faltou a animação do costume, felizmente. (...)



Foto (e legenda): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Teixeira, ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70; régulo da Tabanca de Matosinhos; membro sénior da Tabanca Grande, das bias e más horas: tem mais de 350 referências no nosso blogue:

Data: sábado, 19/12/2020 à(s) 23:22

Assunto: Natal, tempo de nos reencontrarmos connosco próprios e com todos os que nos falam à alma. (**=
 

NATAL. 

Tempo de sorrisos e abraços, 
Onde a paz e a concórdia criam laços, 
Ténues laços de bem-estar 
Que o tempo se encarrega de apagar. 

Tempo que traz à memória tempos novos 
Por mais antigos que sejam, 
No regressar a um passado 
Que todos ambicionam projetar 
Num futuro promissor. 

Tempo de olhar os mais frágeis com outro olhar 
E até permite que se abuse do verdadeiro amor, 
Distribuindo sorrisos e umas migalhas 
Porque é Natal,
Como se o tempo não devesse ser todo ele, sempre igual.

Zé Teixeira 

A todos os camaradas combatentes 

Um Natal bem passado 
com todo o cuidado 
para que o malvado 
não se faça convidado 
e deixei cada um de nós 
continuar a vida 
descansado 
e bem abonado
com bacalhau bem demolhado 
e perú ou capão assado 
...e uma pinga de estalo 


Para cairmos no regalo 
de estar em família 
num doce e carinhoso embalo 
sem o perigo de embarcar para o outro lado. 


José Teixeira 
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Notas do editor:


domingo, 20 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21668: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (16): A pensar nos meus antigos ouvintes... O Pifas, lembram-se?! (Silvério Dias, 1.º srgt art ref, locutor do PFA, QG/CTIG, 1969/74)


O Pifas... Lembram-se ?!

Foto: © Silvério Dias (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Silvério Dias, com data de hoje, às 17h35:

Boas festas... "Poderá até ser diferente, / Mas Natal, sempre!"...

A pensar nos meus antigos ouvintes... [vd. imagem acima]


Silvério Dias:

(i) ex-2º srgt art, CART 1802, Nova Sintra, 1967/69;

(ii) 1º srgt art, locutor do PFA, 'Pifas', Bissau QG/CTIG, 1969/74; 

(iii) civil, delegado de propaganda médica, 1974/76, em Bissau;

(iv) hoje, 1º srgt art ref; beirão, casado com a "senhora tenente", também do 'Pifas']

 (v) autor do blogue "Poeta Todos Dias", donde reproduzimos os seguintes versos, publicados ontem:

Fiz Parte da Lista

Também estive infectado.
Felizmente, fiquei curado,
desse vírus, ao momento.
Tive efeitos indesejáveis,
cuidados por mãos hábeis.
Sumiram, no tratamento.

No Hospital das Forças Armadas,
as melhoras tão desejadas.
Será pois, bem natural
que a todos deseje "Bom Natal"!

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21667: História da 3ª Companhia de Comandos (1966/68) (João Borges, 1943-2005) - Parte V: atividade operacional: Jugudul (Ansonhe e Ponta Bará), Tite (Jorge), outubro de 1966



Guiné > Carta  de Tite  (1955) > Carta 1/50 mil > Regulado de Jugudul, posição relativa de Bindoro, Quibir, Ansonhe e Ponta Bará, na margem direita do rio Geba. Bissá fica já na carta de Fulacunda (1955).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Continuação da publicação da História da 3ª Companhia de Comandos (Lamego e Guiné, 1966/68), documento mimeografado, de 42 pp., da autoria de João Borges, ex-fur mil comando. Exemplar oferecido ao seu amigo José Lino Oliveira, com a seguinte dedicatória: "Quanto mais falamos na guerra, mais desejamos a paz. Do amigo João Borges".

[O José Lino [Padrão de] Oliveira foi fur mil amanuense, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, Cumeré e Brá, 12-7-1974 / 15-10-1974, a mesma unidade a que pertenceu o nosso coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/12/2012; tem dezena e meia de referências no nosso blogue; vive em Paramos, Espinho]


1. Continuação da História da 3ª Companhia de Comandos 
(1966/68) (*)

3ª CCmds
(Guiné, 1966/68) / João Borges
Parte V  (pp. 15-16)




 


(Continua)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21666: Blogues da nossa blogosfera (146): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (57): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


ALMAS GRANDES

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ

Há almas grandes, almas pequenas e almas… sem alma. Eu penso que quem sente necessidade vital da escrita ou de qualquer outra forma de expressão artística, seja autor, leitor ou contemplador, procura nela o mais sublime sentimento humano, o amor. Não é fácil, porque tenham de inato aquilo que tiverem, os sentimentos vivem-se, constroem-se, estruturam-se, apuram-se e afinam-se. Para o bem… e para o mal, infelizmente.

Quem quer que o consiga perceber talvez possa estar no caminho das almas grandes. E o que será, no meu entender, uma alma grande? Qualquer um de nós pode ser uma alma grande, uma alma pequena ou uma alma… sem alma.

Sem introduzir aqui quaisquer conceitos ou critérios de moralidade ou natureza mística, eu julgo que uma alma grande é a que consegue subir até àquela espécie de interface que separa a natureza antropocêntrica, mais ou menos egoísta do ser humano e a sua dimensão universal, ainda que esta não seja mais, como sempre tenho dito, do que um belo dia de primavera nos olhos de um prisioneiro. Uma paisagem onde a mente consegue vislumbrar o verdadeiro e autêntico sentimento do cósmico, do verdadeiro e autêntico sentimento do ser e do existir, do verdadeiro e autêntico sentimento do real e incompreendido sentido da vida, do verdadeiro e autêntico sentimento de irmandade humana, do verdadeiro e autêntico sentimento poético e artístico do ser humano, bem como a mais elevada relação do Homem com a dignidade, a honestidade e a fraternidade. Quem ama a arte da vida e a vida da arte procura dar à sua obra ou à sua paixão, muitas vezes de forma mais consciente ou menos consciente, toda a sua alma, tudo o que é, toda a sua vida, toda a sua estrutura mental e cultural.

Por isso eu penso que este amor, o único que enriquece e enobrece todos os nossos processos de humanização, o que mantém limpa e transparente a nossa consciência, o que afina todas as nossas emoções e sentimentos, o que nos aproxima de todos os mecanismos de identificação com a verdade, sim, é ele o difícil mas compensador caminho da harmonia que poderá definir as almas grandes.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21546: Blogues da nossa blogosfera (145): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (56): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P21665: Blogpoesia (710): "É preciso enfrentar a tempestade", "Originalidade" e "Desgarradas da pandemia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


É preciso enfrentar a tempestade

É preciso enfrentar a tempestade
Fugir nem sempre é a melhor atitude.
Devemos calcular os riscos.
A tempestade é passageira.
É uma excepção na Natureza.
Tomar as devidas cautelas.
Arranjar um abrigo.
Recorrer à ajuda dum vizinho.
Até que ela vá.
O mesmo acontece com as interiores da nossa vida.
Para muitas, o tempo é o melhor remédio.
Se não o for, então, há que pedir a mão de alguém.
A solidariedade é tudo o que se pode à nossa
Mas, o certo é nunca estamos sós.
Vai ao lado o Criador que tudo pode e nunca nega o que for preciso.


Berlim, 14 de Dezembro de 2020
7h31m
Jlmg


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Originalidade

Mais do mesmo não é ser original.
É preciso ir acrescentando.
aqui adoça.
Ali, alisa.
Até venha ao de cima a forma bela.
A idealizada.
Num sonho de arte.
Um canto de lira.
Um canto de harpa.
Silvo de rouxinol
ou de seabá.
A beleza voa no ar.
Libelinha às cores.
De flores um mar.


Ouvindo "Rainbow"

Berlim, 14 de Dezembro de 2020
9h21m
Jlmg


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Desgarradas da pandemia

Tem garras e não é lião.
Não é tigre nem é macaco.
Come bananas a toda a hora.
Ele é de noite e é de dia.
No inverno e no verão.
Quem a quiser a leve ou fique com ela.
Só mata quem tem que matar.
Com vacina ou sem vacina.
Não há para onde fugir.
Quem a mandou sabe porquê.
A lição é para todos nós.
Foi por mim ou foi pelo outro.
Ou a aprendem,
Com atenção ou não,
Mais vale tarde do que nunca.
Quem escapou vai aprender.
Se é por ser arrogante,
Que espere a sua hora.
Oxalá não a derradeira.
Quem te avisa amigo é.


Berlim, 15 de Dezembro de 2020
10h55m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21640: Blogpoesia (710): "O fim da linha", "O ócio" e "Ofensas merecidas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P21664: Parabéns a você (1910): José Casimiro Carvalho, ex-Fur Mil Op Esp da CCAV 8350 e CCAÇ 11 (Guiné, 1972/74) e José Botelho Colaço, ex-Soldaddo TRMS (Guiné, 1963/65)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21658: Parabéns a você (1909): Humberto Reis, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71) e João Melo, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

sábado, 19 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21663: Pensamento do dia (26): “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade" [ José de Almada Negreiros (São Tomé e Príncipe, 1893 - Lisboa, 1970), um bastardo do Império, que "inventou o dia claro": fascista, colonialista, futurista, modernista, português genial...]. Seleção de Mário Gaspar e Luís Graça.

A inconfundível assinatura
do Alama Negreiros (1893 - 1970)


1. O Mário Gaspar, ex-Fur Mil At Art, Minas e Armadilhas, CART 1659, "Os Zorbas" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado, e colaborador sénior do nosso blogue (com cerca de 125 referências no nosso blogue),manda-nos um frase genial do nosso Almada Negreiros, a primeira que reprozimos a seguir... 

Pesquisámos (e selecionámos) mais umas tantas... São um motivo de reflexão para esta quadra natalícia, este ano aprisionada por um miserável vírus, o Sars-CoV 2. que nos está a tramar a vida... 

Com tantos vendilhões do templo a impingir-nos verdades eternas e salvíticas nestra quadro do ano, ensombrada por um grave crise da humanidade (que não será primeira nem a última), é bom conhecer (e meditar em) o pensamento deste português, um dos grandes e últimos do império. 

Almada Negreiros, juntamente com Fernando Pessoa, é um dos nomes maiores da nossa modernidade cultural ... É um filho bastardo do nosso império: nasceu na Roça da Saudade, freguesia da Trindade, São Tomé e Príncipe, em 1893, sendo o primeiro filho de António Lobo de Almada Negreiros, tenente de cavalaria, alentejano de Aljustrel, administrador do concelho de São Tomé, e de sua mulher Elvira Sobral de Almada Negreiros, uma mestiça com fortuna paterna, sã-tomense, falecida três anos depois, em 1896, uma mãe que ele invoca, evoca, interpela, nos seus escritos, mas de que pouco se podia lembrar!

Quando ele nasceu, numa antiga ilha esclavagista, já tinham nascido todos os grandes gurus da humanidade, de Buda a Confúcio, de Jesus Cristo a Maomé, de Lutero a Karl Marx... E em nome do mesmo Deus, continuamos a matar-nos uns aos outros. Basta percorrer as redes sociais: quantas frases de ódio e violência se irão escrever  no dia de Natal de 2020 ?

2. Citações de A Invenção do Dia Claro [, 1924], de José de Almada Negreiros, selecioanadas por Mário Gaspar e Luís Graça:

(...) “Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade.” (...)

(...) “Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão… estou perdido.” (...)

(...) "Na montra estava um livro chamado «O leal conselheiro». Escrito antigamente por um Rei dos Portugueses! Escrito de uma só maneira para todas as espécies de seus vassalos! Bendito homem que foi na verdade Rei! O Mestre que quer que eu seja Mestre!" (..,)

(...) “Eu queria que os outros dissessem de mim: Olha um homem! Como se diz: Olha um cão! quando passa um cão; como se diz: olha uma árvore! quando há uma árvore. Assim, inteiro, sem adjectivos, só de uma peça: Um homem!” (...)

(...)“Todas as coisas do universo aonde, por tanto tempo, me procurei, são as mesmas que encontrei dentro do peito no fim da viagem que fiz pelo universo.” (...)

(...) “Mas eu andei a procurar por todas as vidas uma para copiar e nenhuma era para copiar.”(...)

(...) "Imaginava eu que havía tratados da vida das pessoas, como há tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecidos com o tratamento que há para os animaes domésticos, não é? Como os cavalos tão bem feitos que há"

(...) "Imaginava eu que havia um livro para as pessoas, como há hóstias para cuidar da febre. Um livro com tanta certeza como uma hóstia. Um livro pequenino, com duas páginas, como uma hóstia. Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com a morada e o dia. "(...)

(...) "O pequeno é como o grande. O que está em cima é análogo ao que está em baixo. O interior é como o exterior das coisas.Tudo está em tudo. "(...)

(...) "Mulheres e homens são as duas metades da humanidade: a metade masculina e a metade feminina. Há coisas inteiras feitas de duas metades e aonde não se pode cortar ao meio para separar essas duas metades. Exemplo: a humanidade com a metade masculina e a metade feminina. São duas metades que deixam, cada uma, de ser uma metade se não houver a outra metade. "(...)


(...) "As mulheres e os homens estavam espalhados pela Terra. Uns estavam maravilhados, outros tinham-se cansado. Os que estavam maravilhados abriam a boca, os que se tinham cançado também abriam a boca. Ambos abriam a boca.

Houve um homem sosinho que se pôs a espreitar esta diferença: havia pessoas maravilhadas e outras que estavam cansadas. Depois ainda espreitou melhor: Todas as pessoas estavam maravilhadas, depois não sabiam aguentar-se maravilhadas e ficavam cansadas. As pessoas estavam tristes ou alegres conforme a luz para cada um: mais luz, alegres, menos luz, tristes.

O homem sosinho ficou a pensar n'esta diferença. Para não esquecer fez uns sinais numa pedra. Este homem sosinho era da minha raça: era um Egípcio! Os sinais que ele gravou na pedra para medir a luz por dentro das pessôas, chamaram-se hieroglifos.

Mais tarde veio outro homem sosinho que tornou estes sinhais ainda mais fáceis. Fez vinte e dois sinais que bastavam para todas as combinações que há ao Sol. Este homem sosinho era da minha raça: era um Fenicio! Cada um dos vinte e dois sinais era uma letra. Cada combinação de lettras uma palavra." (...)

(...) "Jesus Cristo desce sosinho por entre as duas grandes alas da humanidade. As duas grandes alas da humanidade estendem os braços para Jesus Cristo. Uma das duas alas acusa a outra ala, e esta acusa aquella.

Jesus Cristo desce sosinho por entre as duas grandes alas da humanidade, sem se aproximar de uma nem da outra. As duas grandes alas da humanidade. Jesus Christo acabou de passar por entre as duas grandes alas da humanidade, sem se ter approximado de uma nem da outra. As duas grandes alas da humanidade. Em baixo a Terra, em cima o Sol." (...)

(...) "Um dia foi a minha vez de ir a Paris. Foi necessário um passaporte. Pediram a minha profissão. Fiquei atrapalhado! Pensei um pouco para responder verdade e disse a verdade: Poeta! Não acceitaram. Tambem pediram o meu estado. Fiquei atrapalhado. Pensei um pouco para responder verdade e disse a verdade: Menino! Tambem não acceitaram. "(...)

(...) Mãe! dói-me o peito. Bati com o peito contra a estátua que tem em cima o verbo ganhar. Ainda não sei como foi. Eu ia tão contente! eu ia a pensar em ti e no verbo saber e no verbo ganhar. Estava tudo a ser tão fácil! Já estava a imaginar a tua alegria quando eu voltasse a casa com o verbo saber e o verbo ganhar, um em cada mão! Dói.me muito o peito, Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! (...)

Guiné 61/74 - P21662: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (15): Carlos Silva (ex-Fur Mil Inf CCAÇ 2548); Ernestino Caniço (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208); Luís Paulino, (ex-Fur Mil da CCAÇ 2726); Luís Fonseca (ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366/BCAV 3846) e Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728)

1. Mensagem do nosso camarada Carlos Silva (ex-Fur Mil Inf CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Jumbembem, 1969/71), Régulo da Tabanca dos Melros, com data de 18 de Dezembro de 2020:

Caros Amigos & Camaradas
Dado que nem todos acedem à nossa página do Facebook, aproveito esta via para vos desejar um Feliz Natal e aos vossos familiares dentro dos condicionalismos impostos por este maldito "bicho".

Abraço
Carlos Silva


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2. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/71):

Caro amigo Carlos
Anexo Boas Festas para todos os camaradas e amigos, fazendo votos para que a situação melhore no próximo ano, com menos Covid.

Um abraço
Ernestino Caniço


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3. Mensagem do nosso camarada Luís Paulino, (ex-Fur Mil da CCAÇ 2726 Cacine e Cameconde, 1970/72), com data de 16 de Dezembro de 2020:

Feliz Natal
Bom ano 2021

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4. Mensagem natalícia do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil TRMS da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73, com data de 9 de Dezembro de 2020:

Para todos os meus sinceros votos de Boas Festas

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1. Mensagem natalícia do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com data de 15 de Dezembro de 2020:

Prelúdio de Natal

Ainda faltam umas semanas mas a azáfama domina o interior das famílias.
Cristãs e não cristãs.
Os preparativos abrangem muitas dimensões.
A das prendas. Um sem fim.
Vai da esposa aos filhos e aos netos.
Uma doce obrigação.
A dos preparativos para a consoada.
Nunca as coisas sabem tão bem como as do Natal.
Toda a gente o sente.
Anda no ar uma nuvem carregadinha de bênçãos,
Apesar dos ventos malsãs da pandemia.
Descansem.
Isto vai passar dum momento para o outro.
Depois, ninguém vai acreditar no que se passou.
Para esquecer.


Berlim, 15 de Dezembro de 2020
6h58m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21660: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (14): Ernestino Caniço, ex-comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1970/71; hoje médico, que teima em continuar ao serviço dos outros

Guiné 61/74 - P21661: Os nossos seres, saberes e lazeres (429): Recordações da casa dos espetros (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Agosto de 2020:

Queridos amigos,
Remexer no passado, é por todos sabido, suscita memórias, sentimentos ambivalentes entre ganhos e perdas. No fundo de uma gaveta apareceram quatro aerogramas, sabe-se lá se escaparam a muitos outros que foram para o lixo, fotografias inesperadas.
Foi um encontro benfazejo para mim, guardo uma recordação muito forte da minha sogra, por tudo o que ela fez pela família, a dedicação extrema pelas minhas filhas. Não me surpreendeu a franqueza com que eu descrevia o meu dia-a-dia, nunca escondi a ninguém o fragor da guerra, a extrema penúria, os perigos constantes. Deve ter havido gente que julgou que eu tinha ensandecido quando contava como Missirá saía das cinzas, entre abril e julho de 1969, foi um repto que me preparou para saber cuidar ou lidar com as intempéries. Gostei tanto de voltar a ler estes aerogramas que aqui vos dou notícia, e não escondo o júbilo, a despeito de muita desta gente querida ter desaparecido, guardo-os carinhosamente nas fotografias que me rodeiam, o seu papel é o de um farol que nos lembra os riscos de perder o dever de memória.

Um abraço do
Mário


Recordações da casa dos espetros

Mário Beja Santos

Vivi nesta casa em dois períodos distintos: de 8 de março de 1952 a 11 de abril de 1967, aqui fiz a escola primária, o liceu e entrei na faculdade, empreguei-me como ajudante de mecanógrafo, nesse 11 de abril de 1967 veio almoçar com a minha mãe e comigo um dileto amigo, Carlos de Sampaio, que me acompanhou ao Rossio; de 13 de maio de 1982 a 30 de dezembro de 1994, após o falecimento da minha mãe candidatei-me à casa, comprei-a mais tarde, aqui vivi com mulher e filhas até 30 de dezembro de 1994, parti então para o Bairro das Ilhas, relativamente perto do Saldanha. Nesta casa faleceram a minha avó materna, a minha mãe, a minha filha mais nova, se aqui regresso é para ajudar a minha filha a pôr uma certa ordem depois da saída inopinada para um lar, devido a graves problemas de saúde, da sua mãe. Conheço ao milímetro todo este espaço, numa primeira fase houve que ir libertando traquitana inútil, removendo lixos, identificando objetos. É numa dessas arrumações, no fundo de uma gaveta, entre dois cartões, que encontro quatro aerogramas que enviei à mãe da minha noiva e mais tarde minha sogra, Celeste Brito Camacho Robalo Revez, e duas inesperadas fotografias.

A minha sogra foi filha, mulher e mãe exemplar. Tratou-me sempre com a maior das dedicações e não tem preço o carinho e o desvelo com que tratou as minhas filhas. Daí a grande satisfação que tenho em partilhar convosco as notícias que lhe enviei, houve muitíssimo mais do que quatro aerogramas, estou absolutamente seguro, oxalá que em próxima “escavação” encontre mais, garanto que então darei notícia.

O primeiro aerograma de 13 de agosto de 1969. Peço desculpa à minha sogra por uma estranhíssima troca de correio. Enviei para Moçambique, para um querido amigo, José Braga Chaves, a quem dei instrução em Ponta Delgada, uma carta em que o trato por Sr. Dona Celeste, não sei se este meu antigo instruendo aceitou que eu já estava avariado do miolo. E a Sr. Dona Celeste recebeu uma carta dirigida ao José Braga Chaves… Toda a minha correspondência acaba por ser um relato fiel do meu quotidiano, falo calmamente em insignificâncias, em problemas de abastecimento, findara há pouco o período de reconstrução de Missirá, e com orgulho vou repertoriando as casas reconstruidas, os abrigos levantados, agradecido às muitas ajudas recebidas, e assim me despeço: “No meio de algumas agruras nada se compara com esta vida que vai crescendo e esta bênção em receber a misericórdia de Deus”.

O segundo aerograma data de 29 de agosto, justifico sempre o envio de aerogramas natalícios à falta de outro papel. “Missirá está há dois dias debaixo de chuva, nem uma nesga de sol, são rios de lama e largos charcos de água barrenta, soldados e civis adoecem. Entretanto os melhoramentos trouxeram-me muita alegria, onde havia um tosco barracão há agora uma sala de convívio, as paredes ainda frescas da tinta de água, há cadeiras confortáveis, o café é servido em chávenas decentes, os móveis faiscam de verniz e temos nas prateleiras uma loiça nova que veio substituir os embaciados pratos de alumínio. As aulas de instrução primária estão a dar os seus êxitos. Vou a caminho de 18 meses de Guiné e são estas obras de paz e esta dedicação à melhoria das condições de vida que me tonifica a alma”.

O terceiro aerograma data de 28 de setembro, é um dia de calma em Missirá, houvera um período contínuo de dez dias de patrulhamentos a Mato de Cão, dificílimas colunas de abastecimento, nas condições mais precárias, sem poder utilizar viaturas em picadas transformadas em lago, para que não subsistisse qualquer dúvida de que a vida era difícil para todos, eu punha uma rodilha na cabeça e segurava com a mão esquerda uma caixa de esparguete. Registo em tom muito confessional que os meus soldados protestam pela vida violenta que levam no Cuor, sonham em ser transferidos para Bambadinca, mal sabem a vida agitada que nos espera a partir de novembro de 1969. Desejo vivamente as melhoras da minha sogra, soubera que estava a viver alguns problemas de saúde, procuro amenizar o ambiente, falo-lhe das minhas leituras, novamente das aulas dos miúdos e dos graúdos e que o mau tempo vai passar em breve, e com esta alegoria me despeço.

O quarto e último aerograma, datado de 17 de outubro, relata um dos episódios mais dramáticos da minha vida, a mina anticarro que explodiu em Canturé, na véspera, não escondo que tenho o coração enlutado, resumo a tragédia à explosão, aos tiros da emboscada, aos destroços fumegantes, ao ferido muito grave e aos sete feridos ligeiros, entreguei o comando a Mamadu Djau e retirei com as crianças para Finete, parecia-me que tinha perdido o olho esquerdo, não via rigorosamente nada, em Finete lavei o rosto e descobri que havia somente queimaduras e poeiras. Omito que coxeio penosamente, o joelho direito inchou, os óculos desapareceram, termino dizendo que a vida vai continuar e logo que acabar este aerograma vou escrever uma carta arrancada a ferros para um lugar do concelho de Ourique, informando um pai que perdeu um filho em combate.

Em resumo, a grata surpresa de rever a minha escrita para a minha sogra, de encontrar uma fotografia em que andei mascarado de guarda-redes num jogo entre oficiais e sargentos em Bambadinca e a fotografia que tirei com a minha noiva em julho de 1968, dias antes de embarcar no Uíge.

São fragmentos que valem por si, não adianta estar a expor mais razões diante de um achado que só pode ser precioso para mim.

Junto igualmente uma fotografia tirada no Bairro das Ilhas, com a minha sogra e as minhas filhas. A minha sogra insistiu que queria trazer para o jantar um lombo de porco e um bolo de gila e amêndoa, natural de Aljustrel era uma cozinheira emérita, graças a ela aprendi a cozinhar quase tudo com coentros, a gostar de gaspacho, pezinhos de coentrada e sopa de toucinho.

Deixo perguntas a mim próprio: a letra, por exemplo, como é que ela se vai manter tão certinha em tempos tão atribulados, quando o tempo escasseava, escrevia estes aerogramas de jato, havia a noiva, toda a família, os queridos amigos, uma hora de escrita era tempo a mais, logo a seguir ao jantar, com o furriel Pires a bater à porta para tratarmos do expediente, e podia muito bem acontecer que aí pela meia-noite se partia para Mato de Cão, bastava que a tabela das marés previsse maré cheia ao alvorecer. Foi assim a minha vida e dou-me muito bem com estes sinais do destino, estes aerogramas imprevistos que me recordam que foi ali, no Cuor, que se forjou o homem que hoje partilha convosco a alegria de viver.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21638: Os nossos seres, saberes e lazeres (428): Em Belmonte, na companhia de Vitorino Nemésio, e não esquecendo Pedro Álvares Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21660: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (14): Ernestino Caniço, ex-comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1970/71; hoje médico, que teima em continuar ao serviço dos outros



1. Mensagem,  de 13 do corrente: Ernestino Caniço [, ex-comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa, 1970/71; hoje médico, que teima em continuar ao serviço dos outrosm de acordo com o seu juramento hipocrático):
 

Caro amigo Luís:

Votos de ótima saúde.

Não posso deixar de responder pessoalmente aos teus (e dos demais camaradas) votos de aniversário, embora com algum atraso. Alguma "preguicite" em causa.

"Expulsaram-me" do hospital de Entroncamento, putativamente por ser "velho". Iludi  a atitude movendo uma ação em tribunal da qual aguardo o julgamento.

Sou o diretor clínico de uma agência de seguros em Tomar e faço alguma clínica privada em Torres Novas.

Por "pressão" familiar comecei a escrevinhar umas notas para escrever um livro sobre o Hospital de Tomar e a comunicação social, no período 1990 a 1996, período esse em que fui diretor e presidente do conselho de administração.

Estou ainda a elaborar umas notas, com fotos, para o blogue, sobre o tema Os nossos Capelães. Refere-se ao meu amigo Padre José Torres Neves, que fez parte do Batalhão 2885 e do qual aguardo a anuência.

Continuo a aguardar o encontro para os nossos abraços fraternos (sem "bicho")

Força para aguentar este período com votos de ótima saúde, Votos de Feliz Natal e um Ótimo 2021, extensivos à(s) família(s). (*)

Um grande abraço,
Ernestino Caniço

2. Comentário do nosso editor LG:

Bom e leal amigo e bravo camarada dos tempos daquela guerra já esquecida onde cada um de nós deve ter passado pelo menos dois aniversários, nos nossos verdes anos... 

Obrigado pelos teus votos natalícios, fico feliz por saber que continuas em grande forma e fiel ao teu juramento hipocrático... Na realidade, um médico não se reforma e continua sempre ao serviço dos outros... 

Fico a guardar o teu trabalho sobre o Capelão José Torres Neves (que esteve no CTIG de maio de 1969 a março de 1971, ou seja, é meu contemporâneo): convida-o para integrar a nossa Tabanca Grande!... Até um dia destes, ou até um próximo  encontro da malta toda. Um chicoração para a tua simpática esposa.

PS - Sobre o nosso camarada Ernestino Caniço:

(i) Ribatejano, nasceu em Almeirim, em 1/12/1944;

(ii) Tirou a a especialidade de Carros de Combate M47, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém;

(iii) Alferes Miliciano, foi Comandante do Pel Rec Daimler 2208;

(iv) Chegou a Bissau em Fevereiro de 1970:

(v) Esteve em Mansabá cerca de quatro meses com metade do pelotão e adido à CCaç 2403, comandada pelo Capitão Carreto Maia; e posteriormente à Cart 2732 (onde conheceu os Carlos Vinhal, entre outros);

(vi) Mais tarde foi para Mansoa onde ficou cerca de seis meses com a outra metade do Pelotão, dependente do BCAÇ 2885;

(vii) Findo esse período, foi desativado o Pelotão;

(viii) Foi então colocado na Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica em Bissau, até ao seu regresso à Lisboa, em Dezembro de 1971;

(viii) Depois do regresso à Pátria, licenciou-se em medicina; vive e trabalha na região Centro;

(ix)  É membro da Tabanca Grande desde 21 de maio de 2011 (**); tem cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue; e é presença regular nos Encontros Nacionais da Tabanca Grande, em Monte Real desde o VI (em 2011);
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Guiné 61/74 – P21659: (Ex)citações (380): Mensagens Natalícias de antigos combatentes. Realidades de guerra. (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas, 

Não obstante a realidade atualmente vivida, covid-19, uma pandemia mundial cujo inimigo é invisível, é tempo, tal como o tinha feito no texto anterior, em trazer à estampa as mensagens natalícias que os nossos camaradas endossavam para a Metrópole aquando se aproximavam as épocas de Natal e Ano Novo. 

Na RTP, único canal televisivo e com as imagens emitidas, a preto e branco, a proliferar nesta Pátria lusitana, os familiares e amigos regozijavam-se com a presença no pequeno ecrã dos nossos camaradas. 

E foi precisamente com o objetivo em que jamais esqueceremos uma veracidade que nos fora conhecida em tempos de uma guerra para a qual fomos atirados, que lancei no meu último livro – “Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74” – o texto que a seguir transcrevo. 

 


Mensagens Natalícias de antigos combatentes 
Realidades de guerra 

O tempo foi, é e será de uma efetiva Paz que a humanidade expressamente muito aprecia e considera. Uns acreditam piamente no solene momento espiritual; outros, guiam-se pelo inatingível “estrada de Santiago” mostrada no infatigável horizonte boreal que os conduzem ao mundo das utopias. 

Prezo a quadra mágica do Natal e do Novo Ano. Considero e respeito todas as opiniões. Recordo, com um inabalável e contemplativo sentimento nostálgico, as mensagens que os soldados fixados então nas três frentes de guerra – Angola, Moçambique e Guiné - transmitiam aos seus familiares e amigos nestas épocas festivas.  

“Daqui fala o soldado…” um combatente que transmitia à plebe que se “encontrava bem” e lá ficavam os beijos e os abraços para que o povo, carente de sensível saudade, descansasse a sua alma que se inseria num manto salpicado de tristeza. “O meu rapaz está bem”, comentava uma desconhecida mãe no mais recôndito lugar nesta pátria lusitana, mas que, entretanto, se mostrava refeita de uma desmedida saudade pela ausência do caridoso fruto que colocara no mundo. Via-o na televisão e logo o seu ânimo ressuscitava.  

Nesta panóplia de infindáveis mensagens lá surgia um camarada que enviava beijinhos para o seu recém-nascido filho ou filha, mas que por ora não conhecia. Partiu para a guerra com o embrião aconchegado na barriga da sua amorosa companheira.  

As imagens televisivas, onde o cenário de guerra mostrava jovens envergando os seus camuflados e normalmente inseridos numa paisagem onde a vegetação de fundo apontava para os gigantescos planos de uma África no seu melhor, eram escolhidas a dedo, sendo que o repórter de imagem não corria um alegado risco físico que interferisse com o bem-estar pessoal. 

Em Gabu ocorreram reportagens “encaixadas” em tempos de conflito. Todavia, as realidades da guerra eclipsavam-se por esses momentos de lazer. O combatente sentia que o seu dever era transmitir que “estava bem” e tudo se confinava a uma auréola de fértil esperança.   

Da então Nova Lamego, agora Gabu, guardo réstias de memórias dos tempos em que a televisão, a preto e branco, transmitia “Mensagens de Natal e de um Feliz Ano Novo” de camaradas que se entregavam ao elevo de uma fantástica máquina de filmar que lançava depois para o ar imagens de sonho e carregadas de confiança. 

Mas, tudo o que tem princípio tem um fim. Revejo, em lembrança, o período das nossas comissões militares na Guiné, e das “escarpas” que tivemos de ultrapassar, sendo algumas delas rotuladas de extrema dificuldade.  

Uns partiram rumo a solo guineense e chegaram isentos de mazelas; outros, infelizmente, morreram em combate, ou numa outra inusitada situação; mas existem aqueles que revelam danos corporais que um dia levarão para a sua derradeira morada, cuja consequência direta teve como origem uma mina antipessoal, uma bala que lhe perfurou o corpo numa maldita emboscada, ou como efeito uma improvável causa que entrementes lhe causou o desespero.  

E é com estas indesmentíveis realidades de guerra, sempre merecedoras de reparo, que partilho pequenos escritos sobre o conflito na Guiné, onde fomos evidentes protagonistas, uns como “heróis” no momento exato em que o combate acontecera, admitindo, com convicção, que todos foram substancialmente “heróis”, alguns deles vistos depois como “vilões” por força de um regime que libertou soldados entregues à sorte nas antigas províncias ultramarinas.  

Da Guiné, aquela em que todos nós combatemos, ficarão fundamentais retratos de homens que para além das suas mensagens natalícias, guardam nos seus baús pequenas cópias desses registos de guerra. 

Um abraço, camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.:

Vd. também o poste anterior deste autor:

23 DE NOVEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 – P21570: (Ex)citações (379): Vidas (José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp)