sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21855: O segredo de... (34): Dionísio Cunha, desertor e bravo soldado comando (testemunho recolhido por José Ferreira da Silva)


Gondomar > Fânferes > Tabanca dos Melros > 
Gondomar > Fânferes > Tabanca dos Melros > 

O nosso tertuliano José Ferreira da Silva (,, o "Silva da CART 1689") com o protagonista desta história, o camarada Dionísio Cunha , aqui à direita. 


Foto (e legenda): Jorge Teixeira (Portojo) /José Ferreira da Silva (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. É um segredo... que já não é segredo (****). Foi recolhido e divulgado há cerca de 8 anos, pelo nosso camarada (e escritor, com três livros publicados), o José Ferreira da Silva (ex-fur mil op esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com mais de 160 referências no nosso blogue.


Foi publicado na sua série "Outras memórias da minha guerra" (e mais tarde reproduzido em livro, o I volume das "Memórias Boas da Minha Guerra", Lisboa, Chiado Books, 2016) (*).

Já na altura tive ocasião de dar os parabéns ao Dionísio e ao Zé Ferreira pela coragem, frontalidade, autenticidade e honestidade deste testemunho. Não tinha na altura (nem tenho ainda hoje) razões para pôr em causa a sua veracidade nem o rigor da recolha do Zé Ferreira. Sei que ele levou alguns meses a confirmar e acertar certos pormenores. E obteve aautorização do Dionísio para publicar esta "história", primeiro no nosso blogue (*) e depois em livro [, vd, imagem da capa à esquerda].

Eu próprio falei, há dias, no dia 24 de janeiro passado, com o Dionísio. E mais uma vez ele não levantou qualquer objecção a que o seu testemunho pudesse ser de novo reproduzido, agora, nesta série, "O segredo de...". Disse-me: "Tudo o que lá está foi verdade"...

Por sua vez,eu retorqui-lhe que um dia ainda haverá um cineasta que pegue  nesta história já esquecida, mas reveladora da importância que têm os valores humanos, na paz e na guerra.  E repeti o que tinha comentado há oito anos atrás:

 "Na América, esta história dava um filme. Em Portugal, não passaria de um 'fait-divers' da guerra colonial, se o Fernando Gouveia e agora o José Ferreira da Silva não a tivessem posto em letra de forma. (...) Vou pedir ao Silva que traga esse camarada até nós, à Tabanca Grande. Eu próprio gostaria de o conhecer pessoalmente. Eu e mais o nosso batalhão da Tabanca Grande."... 

Sei que o Dionísio não é utente das redes sociais, não conhece o nosso blogue, não tem computador nem endereço de email... Mas tem um filho que é informático, e a quem vou pedir um dia destes uma foto do pai, do tempo da Guiné, para o apresentar formalmente à Tabanca Grande e sentá-lo à sombra do nosso poilão, como ele tão justamente  merece. 

Continua ligado ao Centro Social e Paroquial de Valbom. Estava em casa com a sua Ângela, um e outro já com alguns problemas de saúde  próprios da idade. Desejei felicidade a ambos.

E vamos agora "ouvir (e saber ouvir)" o seu testemunho (****), reproduzido com talento, detalhe e rigor pelo Zé Ferreira.  Mesmo que para aqueles que já o conhecem, o depoimento merece ser lido, relido e comentado. 

O único ponto de discórdia (, já discuti isso com o Zé Ferreira),  é o nome da operação, referida no texto: estamos a publicar a história da 3ª CCmds (1964/66), na versão de João Borges, e em maio de 1967 não parece ter havido nenhuma Op Azimute: houve duas no Oio (Op  Vermute, a 10 de maio;  e Op Vinagre, a 17; e uma terceira, na ponta Matar, na região de Cacheu, a 26 de maio). 

Pela descrição do Dionísio (que não se lembrava já do nome da operação, o Zé Ferreira é que lhe chamou Op  Azimute),  admitimos nós que possa ter sido  a Op Vermute, mas o relatório  parece ter sido omisso quanto a eventuais baixas civis. O que não admira: quem conheceu a realidade operacional do CTIG, sabe que os nossos relatórios de operações por vezes pecavam, uns por excesso, outros por defeito. Confronte-se, entretanto,  as declarações do Dionísio com o resumo da Op Vermute feito pelo João Borges, infelizmente já falecido em 2005  (***):

(...) "Fomos de lancha para participarmos numa operação no Olossato (“Op Azimute”) na zona do Oio. Levávamos um guia, que se perdeu, o que nos obrigou a retirar. Viemos por outro lado e ouvimos barulho de pessoas. Aproximámo-nos em progressão lenta, fizemos o assalto, tal e qual como era costume." (...) [Dionísio Cunha]


Resumo  da Op Vermute, segundo João Borges (***)





Feia > Fiães > 2 de dezembro de 2017 > Sessão de apresentação dos Volumes  I e II de "Memórias Boas da Minha Guerra", do nosso camarada José Ferreita da Silva.   

"O  cmnbatente  da 3.ª CComandos, Dionísio Cunha - protagonista da história “É Guerra, é Guerra (Será?)”, pág,119, I Volume - fala da guerra, da sua justeza e da sua condição de desertor, de que se orgulha muito, segundo diz. Preso na Metrópole, voltou à Guiné e à sua Unidade, tendo participado voluntariamente em perigosas operações até terminar a sua comissão de serviço." (**)

Foto (e legenda): José Ferreira da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O segredo de Dionísio Cunha, desertor e bravo soldado comando

por José Ferreira da Silva


Eu estava sentado à mesa, já na ponta final do abundante almoço/convívio na Quinta dos Melros, em Fânzeres, Gondomar. Tinha à minha direita o José Carvalho, herói de Gadamael, na guerra da Guiné, e à minha esquerda o meu amigo Jorge Teixeira, que foi da CCS do nosso BART 1913, sediado em Catió (que, agora, é muito conhecido por “Portojo”, na sua actividade de fotógrafo de arte). Este já havia aberto uma garrafa de conhaque “caseiro” especial, oferecida pelo Bateira de Cinfães que, pelos vistos, a destinava à próxima quadra natalícia.

Na nossa frente estava uma garrafa de água (a única em toda a mesa), ainda por abrir. Uma mão, vinda de trás de mim, estendeu-se pela nossa frente, procurando alcançar a dita garrafa. Surpreendido, perguntei:

– Quem está doente?

Logo a resposta veio célere:

– É para lavar o copo. Vou tomar um remédio especial.

E como eu não tinha ainda travado conhecimento com este ex-combatente, perguntei-lhe:

– Onde andaste?

– Estive na Guiné, na 3ª Companhia de Comandos, a do Álvaro Cardoso, marido da artista Paula Ribas.

– Éh, pá, estive selecionado em Vendas Novas para integrar essa Companhia – disse-lhe, enquanto ele se afastava para junto do topo sul da mesa.

O Portojo aproveitou logo para falar do Dionísio, portador de uma história curiosa e que ele já andara tentado em conseguir.

Não levou muito tempo para que o Dionísio aparecesse, junto de nós e já bem “medicado”, com a firme disposição de contar a sua história. Logo se fez uma rodinha de curiosos, bem atentos, saboreando todas as palavras.


A paixão, aos 18, pela Ângela, de 14

E foi assim:

É o quarto dos seis irmãos nascidos e criados pelo casal José e Rosalina, de Valbom [Gondomar] . Na escola, o Dionísio entrou directamente para a 2ª classe, uma vez que já sabia ler.

Com oito anos já trabalhava de manhã num ourives, onde ganhava 5$00 por semana. À tarde frequentava a escola.

Aos 12 anos entrou para a Fundição Herculano [Azevedo], no sector dos componentes eléctricos.

Aos 18 anos apaixonou-se pela Ângela, com quem namorava às escondidas, em virtude de ela só ter 15 anos. Um ano depois, já farto de andar a esconder o condicionado namoro, resolveu ir falar com o futuro sogro, um homem analfabeto mas de palavras muito sábias. Aproveitando um bom momento das suas relações, atirou:

– Senhor Zé, tenho uma coisa para lhe dizer, mas até me custa falar.

– Desembucha, rapaz. Sabes que até gosto de te ouvir – respondeu.

– Ando a namorar com a sua filha há um ano, sei que ela é muito nova, mas queria que me autorizasse a namorá-la à frente de toda a gente. – disse o Dionísio.

–Olha, rapaz: cada um que trate de si, porque eu já estou servido há muito tempo.

E foi assim que namorou 8 anos com a mulher que escolheu e que, ainda hoje, ama e admira.

Em Julho de 1964 foi à Inspecção. Recorda ter sentido alguma revolta quando verificou que o colega da escola primária, Júlio Sousa, o “Matulão”, filho do patrão Albino, das Indústrias de marcenaria, um destacado dirigente da União Nacional, ficou “Livre”, ao contrário dele, um “caga-tacos” à sua beira, que ficou “Apurado  para todo o Serviço Militar”. Ele, futuro engenheiro, abastado e disponível, ao contrário do Dionísio, que era pobre e amparo da mãe e de dois irmãos menores.

Foi para Espinho (GACA 3) em 25 de Outubro de 1965. Confessou que teve um aspirante que o tratava muito bem e que odiava um tal tenente  Grilo, que o castigara injustamente. Fez ali a escola de cabos e seguiu para os Comandos de Amadora. Aqui também mereceu alguns castigos, que o forçavam a apoiar o Refeitório. Porém, o Cabo do Rancho acabou por o rejeitar devido ao prejuízo que dava. Dali seguiu para Lamego, onde formaram a 3ª Companhia de Comandos.


Maio de 1967 : No Oio, três mulheres mortas, 
com os respectivos filhos ainda amarrados nas costas, vivos.


Seguiram de barco para a Guiné no dia de S. João de 1966, depois de uma noite mal dormida no RALIS de Lisboa. Foram directamente para o Quartel de Brá, em Bissau.

– Então como foi isso lá na Guiné? – perguntei.

E ele iniciou:

"Tive muitas operações, muitos combates e algumas aventuras. Mas há uma que me marcou imenso e foi considerada uma loucura. Aconteceu nos primeiros dias de Maio de 1967.

Fomos de lancha para participarmos numa operação no Olossato (“Op Azimute”) (***), na zona do Oio. Levávamos um guia, que se perdeu, o que nos obrigou a retirar. Viemos por outro lado e ouvimos barulho de pessoas. Aproximámo-nos em progressão lenta, fizemos o assalto, tal e qual como era costume.

Avançavam as equipas de dois de cada vez para cada lado, enquanto os outros faziam o fogo. De seguida, avançavam estes, enquanto os outros disparavam. Envolvemos o objectivo e,  após despejarmos bastantes munições, entrámos no pequeno acampamento. Encontrámos alguns corpos baleados, caídos e, entre eles, estavam três mulheres mortas, com os respectivos filhos ainda amarrados nas costas. Vivos.

Eu agarrei numa garotinha, linda, que, sem chorar, se abraçou a mim, enquanto dois dos meus companheiros, pegaram as outras duas crianças. Que fazer com as crianças, foi o problema. Abandoná-las, à mercê dos animais? Deixá-las a fazer barulho? Trazê-las? E para onde?

Disse que queria ficar com a minha (a que tinha ao meu colo) mas o subcomandante Rodrigues disse que isso não era possível e insistiu que teriam que ser caladas. E acrescentou:
– Cada um cala a sua e rapidamente, porque estamos já a correr muitos riscos."


O Dionísio, já com a voz embargada, parou e aproveitou para limpar os olhos. E continuou:


"Após algumas hesitações, os meus companheiros resolveram o problema, e eu também ia fazer o mesmo. Pousei a criança no chão e, quando ia a puxar o gatilho, ela estendeu a mãozita na direcção da ponta da arma. Senti-me quase sem acção, indeciso e sem forças. Reagi, apontei a arma de novo e disparei na direcção do chão, evitando atingir a criança. Os outros não se aperceberam e corri rapidamente para junto do grupo, que já se afastava.

Entrámos para a lancha e dei comigo a matutar naquela situação e noutras a que a guerra me havia obrigado. As imagens não me saíam da cabeça."


Saudades da Ângela e uma 'boleia' no Uige até casa, clandestino,  
no meio da comissão
 

"Estávamos aquartelados em Brá, Bissau,  e era para lá que sempre regressávamos. Quando chego ao Cais da Amura verifico, mais uma vez que ali, ao largo, se encontrava o navio Uíge, que havia trazido mais militares (BART 1913) [, desembarcado em 1 de maio de 1967] e que regressaria a Portugal com outros, já com a sua missão cumprida.

Já andava a sofrer há muito com as saudades da minha Ângela, da minha família, dos meus amigos de Gondomar e estava cheio da guerra e, agora, com as imagens dessa última operação, comecei a pensar na hipótese de fugir.

As saudades eram cada vez maiores. A cabeça já não pensava noutra coisa. E já tudo me parecia possível. Meti algumas coisas nos bolsos e fui para o cais na expectativa de me meter no barco. E não foi nada difícil.

Quando dei por mim, já lá andava dentro à vontade, sem que ninguém me exigisse qualquer formalidade. Andei de um lado para o outro e cheguei a integrar um grupo de amigos na maior das confianças. Talvez pensassem que eu fora em rendição individual. Entre os vários passatempos, a maior parte do tempo era passado a jogar as cartas.

Quando cheguei a Lisboa,  fui aos CTT mandar um telegrama para casa, para não chegar lá sem ser esperado. Meti-me no comboio e à noite já estava junto da minha namorada. No dia seguinte, por coincidência, quando ia para a matinée com ela, o Carteiro perguntou-nos por um endereço (que era o de minha casa) para entregar o tal telegrama.

Dois dias depois já estava a trabalhar normalmente, na Fundição Herculano Azevedo, nos componentes para energia eléctrica.

Os meus colegas de trabalho perguntavam-me coisas sobre a guerra mas eu desviava o assunto. Sabia que era perigoso falar disso porque a PIDE andava atenta e ainda mais por constar que eu era comunista.

Entretanto, em Brá, o Capitão Álvaro Cardoso não queria acreditar no desaparecimento do Dionísio e dizia: 

– O Dionísio era valente e patriota, portanto não ia fugir para os turras."


Alguns dos amigos mais chegados, conhecendo o seu aparente descontentamento recente, ainda esperaram ouvi-lo através da Rádio Argel, no Portugal Livre [, leia-se: "Voz da Liberdade"], programa do conhecido Manuel Alegre. Depois, a hipótese mais provável era a de que ele fora sozinho ao bairro negro Pilão, porque era um gajo sem medo e fora apanhado e morto.

Desaparecido ou morto eram as palavras constantes na participação efectuada pelo Capitão Álvaro.

Num domingo, ao fim da tarde, 42 dias depois da fuga, estava o Dionísio a namorar quando a sua mãe o foi avisar:

–Olha, disseram-me que anunciaram na RTP que te andam a procurar e que te deves apresentar do Quartel-General do Porto.

– Ó, mãe, não se aflija, vai ver que não é nada de especial. Amanhã ou depois, vou lá ver o que querem.

No dia seguinte, eram umas 10h30 quando o altifalante da empresa chamou:

– Atenção, Dionísio Cunha, por favor venha ao escritório!... Atenção, Dionísio Cunha, por favor venha ao escritório!

Duas praças da Policia Militar, esperavam-no. Estava entregue, 24 horas depois, à sua companhia de Comandos, em Brá.


Eh!, pá, estás f..., sabes o que é um  desertor?!


Quando chegou ao Aeroporto de Bissalanca,  encontrou o condutor Formiga, que costumava ir buscar o Correio e lhe deu boleia. Surpreendido com o Dionísio, alarmou-o:

– Estás fodido, pá. Como desertor, vais direitinho para a cadeia.

Uns minutos depois já estava a ouvir do Capitão:

– Já vieste? Fazes alguma ideia daquilo em que te meteste? Sabes o que se faz aos desertores? Sabes, ou não?

– Ó meu Capitão, eu andava muito abatido, cheio de saudades e, ao ver o Uíge, ali a receber malta para regressar, não resisti à tentação.

– Pois, e agora vais ver a malta a ir embora e tu ficas aqui a fazer outra Comissão de Serviço. Eu não te quero fazer mal algum, mas tens um processo a correr, devido à tua fuga. Vai-te apresentar ao teu alferes Sampaio Faria.

"Participei em muitas Operações. Nem sei bem por onde andei. A nossa Companhia ganhou duas vezes a Flâmula de Honra em ouro. No aspecto disciplinar, lembro-me de uma aposta que fiz com o Condutor 'Comando' Garcia que correu mal. Ele gabava-se que mais ninguém era capaz de pôr o Unimog a trabalhar. Apostámos e eu, em pouco tempo, pus-me a dar voltas com o Unimog na parada. Por azar, a cena foi vista pelo sargento Mariano Agapito que logo foi fazer queixa ao Capitão. Como eu não tinha carta de condução, a coisa agravou-se para o Garcia, que apanhou 10 dias de prisão. Eu, solidário com ele, fiz-lhe companhia permanente até ele sair. Conversávamos, jogávamos às cartas, às damas e dominó."

Finais de Março de 1968. Está em preparação uma das maiores e mais perigosas operações militares realizadas na Guiné: “Op Bola de Fogo”, para a implantação de um quartel (Gandembel), na zona do “corredor de Guileje”, no coração do Cantanhez, zona controlada pelo PAIGC. Foram mobilizadas forças extraordinárias quer em qualidade, quer em quantidade.

Na 3ª. Companhia de Comandos, também convocada para esta operação, o ambiente não era favorável para a sua participação voluntária. Como faltava pouco tempo para regressarem à Metrópole, o Capitão teve dificuldades em fazer-se representar com 2 grupos.


Voluntário para a Op Bola de Fogo: 
a salvação do Dionísio

O mau ambiente está retratado na história da Companhia, através do ex-furriel João Borges, já falecido (mulher, filhos e netos continuam a participar no Encontro anual da 3ª Companhia), acusando o “método insólito e discriminatório” usado, uma vez que “o voluntariado nunca foi posto em causa” e que não podiam aceitar a divisão criada entre os camaradas. Chegou-se ao ponto das mesas separadas e dos reforços específicos só para os novos voluntários.

– Entretanto, o sargento Agapito, que parecia nunca ter gostado da minha pessoa, um dia, nesta fase final, teve a amabilidade de, em voz alta e em público, avisar-me: 'Ouve lá, ó Dionísio, vai arrumar as tuas malinhas para ires para os Adidos, para alinhares noutra comissão de serviço'.

O Dionísio, chateado, ainda perguntou:

– Quem foi que lhe disse que vou para os Adidos?

– Foi a informação que chegou do Quartel-General – respondeu o Sargento.

O Dionísio saiu ao encontro do Capitão:

– Então, meu Capitão, pedi-lhe para ficar integrado na 5ª Companhia e o Sargento diz-me que vou para os Adidos. Não foi isso que lhe pedi.

– Ouve lá, ó Dionísio, tu não fazes parte do grupo de voluntários para a última operação? – prguntou o Capitão.

– O meu Capitão sabe que sou sempre voluntário, desde que cheguei a Lamego, para formarmos a 3ª Companhia.

– Vamos lá para o Cantanhez e depois vamos ver o que se poderá fazer pela tua situação – disse o Capitão.

Antes da “Op Bola de Fogo”, a 3ª Companhia de Comandos ainda participou em acções de flagelação próximo do local do futuro aquartelamento Gandembel, na “Op Rolls Royce”. Foram 2 grupos a participar nessas operações de apoio.

(A Op Bola de Fogo teve início em 8 de Abril de 1968. A minha CART 1689, já experiente neste tipo de tarefa de apoio à construção de novos aquartelamentos, desempenhou o seu papel na progressão e escolha do local, bem como na sua defesa. Lá permaneceu até 15 de Maio, regressando para junto do Batalhão, em Catió, no dia 24, tendo sofrido 53 ataques, durante esta Operação).

Poucos dias antes da 3ª Companhia de Comandos regressar a Lisboa, o capitão chamou o Dionísio, para o informar de que, graças ao seu comportamento em toda a comissão e em particular no exemplo de voluntariado que deu nesta última operação, havia conseguido anular o seu castigo e que ele iria regressar com os seus camaradas.

O Dionísio afirmou ter sentido uma das maiores alegrias da sua vida.

– Todos os meus camaradas se sentiram felizes por este desfecho, o que justificou uma grande farra e uma das nossas maiores bebedeiras de sempre.

José Ferreira da Silva
___________

Post scriptum do autor:

Hoje, o Dionísio, um grande colaborador do Centro Social e Paroquial de Valbom, tornou-se num dos responsáveis promotores de Cursos sobre a Pastoral da Família, Preparação para o Matrimónio, Pais e Padrinhos, Acompanhamento de Casais com Problemas e Celebrações de Casamentos e outras festas religiosas.

Logo que chegou da guerra, o Dionísio tratou do seu casamento e, como tal, teve de se confessar. E como vivia preocupado com o passado recente da guerra, abriu-se com o padre, a quem expôs a sua preocupação:

– Sr. Padre, tenho uma preocupação que não me sai da cabeça.

– O que é isso, rapaz, que não se possa resolver?

– Olhe, eu tenho a certeza de que matei gente, e agora, como é?

– Deixa lá, Dionísio, matar na guerra não é pecado. Deus perdoa-te, até porque quem não mata, morre.

Foi então que o Dionísio rematou:
 
– Pois é, padre. Tudo bem se o Deus for branco, porque se for preto, estou fodido.

[Revisão / fixação de texto /título e subtítulos, 
para efeitos de publicação deste poste: LG. 
Com a devida vénia, ao José Ferreira da Silva e ao Dionísio Cunha]

 
2. Comentários dos nossos leitores [em 2013; repare-se que três, infelizmente, já não fazem parte da lista dos vivos: o Jorge Teixeira 'Portojo', o Luís Faria e o Mário Vasconcelos]  (*)

(i) Fernando Gouveia

Luís Graça: Aqui tens a história, inderectamente contada pelo próprio, estória um pouco romanceada incluida no meu livro NA KONTRA KA KONTRA, a páginas 139. O Dionildo da minha estória, como podes ver, chama-se efectivamente Dionísio. (...)
 
19 de março de 2013 às 13:12
 
(ii) Luís Graça

Fernando, tinha ideia de ter ouvido esta história ... do "arco da velha". Algures... Afinal, foi no teu livro. Dou os parabéns, aos dois, ao Dionísio e ao José Ferreira...

Não tenho razões para pôr em causa a veracidade do testemunho do Dionísio e o relato do Silva. De resto, no blogue é proibido julgar um camarada. Na América, esta história dava um filme. Em Portugal, não passaria de um "fait-divers" da guerra colonial, se o Fernando Gouveia e agora o José Ferreira da Silva não a tivessem posto em letra de forma.

Vou pedir ao Silva que traga esse camarada até nós, à Tabanca Grande. Eu próprio gostaria de o conhecer pessoalmente. Eu e mais o nosso batalhão da Tabanca Grande. (...)

19 de março de 2013 às 17:04

(iii) Carlos Silva

Olá,  Luís: A história do nosso camarada "melro" Dionísio Cunha e aqui contada pelo Zé Ferreira já é conhecida no seio da nossa Tabanca dos Melros, creio que desde a altura [2010/2011] que o Fernando Gouveia tomou conhecimento.

De facto a história das crianças é arrepiante ...

Quanto a conheceres pessoalmente o Dionísio Cunha, tu que vais várias vezes ao Norte, porque não apareces num 2º sábado de um mês à Tabanca para conviver com a rapaziada ?

Pode ser que ouças mais histórias por lá. (...)
 
19 de março de 2013 às 17:54

(iv) Jorge Teixeira

Eu estava lá, ou por outra, estava cá a ouvir com atenção a história do Dionísio (estava mesmo em frente dele), mas também estive lá na guerra e como costumo dizer, aquilo em certas situações mais parecia a guerra do Solnado:

- Porra! Mas o que é que eu estou aqui a fazer, esta guerra nem é minha, aproveito a boleia do Uíge e vou mas é para casa! Se bem o pensou, melhor o fez!

Também sei que se contam muitas "estórias", mas estar ali frente ao Dionísio a ouvir a sua narrativa fluída e sem artifícios, sem dar ares de quem se estava a armar, foi impressionante.

Se porventura inventou alguma coisa foi sem maldade, porque via-se mesmo que não era fanfarrão e não estava a inventar.

Tempos de guerra. (...=)

20 de março de 2013 às 00:29
 
(v) Luis Faria

Gostei de ler.

A crueza da passagem (?) referente às crianças, reconduziu-me lá para as bandas de Capó,  Teixeira Pinto (Balanguerez). Vd. Poste P7172 de 24 Out 2010.

Por vezes a guerra obriga a tomada de opções com potenciais implicações, sempre dificeis de tomar e a meu ver nunca mais esquecidas! (...)


20 de março de 2013 às 10:48

(vi)  Unknown [Jorge Teixeira 'Portojo']

Ao apresentar estes dois camaradas, sabia que o Silva era capaz, como ninguém, de anotar e escrever de forma notável esta história de vida do Dionísio.

Não conheço o relato do Fernando Gouveia, mas presumo que também deve ser interessante.

Se bem me lembro há uma "Pasta" aqui no blogue referente ao capítulo dos desertores. A quem muita gente chamou de covardes. Parte da história do Dionísio poderia ser contada e arquivada nessa "Pasta". Alguém teria coragem de lhe chamar covarde ? (...)

2 de abril de 2013 às 13:40

 (vii) Mário Vasconcelos

Na verdade, este testemunho ou depoimento dava um perfeito filme.

O Dionísio é de facto, pelas descrições feitas, um grande militar, ao qual acrescenta situações mirabolantes, mas compreensivas. A leitura deu-me um bom dia para hoje.

Um abraço ao nosso camarada com votos de uma vida cheia de tudo. Ele merece-o, como tantos outros afinal.

14 de abril de 2014 às 13:18

 (viii) Ze de Lamego

Meus caros amigose camaradas.Adorei! Nunca tinha ouvido uma estoria deste cariz.Vou querer conhecer o ator.Consehuiu emocionar-me.Ao Ze Ferreira apenas dizer-lhe que continue a dar-nos o prazer de ler os seus escritos,pois são sempre de uma rigorosa veracidade.Abraço-vos. Ze de Lamego

14 de abril de 2014 às 14:17

 (ix)  Unknown [Jorge Teixeira 'Portojo']

Zé Lamego Pereira, já estiveste várias vezes ao lado dele. Pelo menos na mesma sala.
Na próxima vou-te apresentá-lo.

14 de abril de 2014 às 15:44

(x) Silva da Cart 1689 [José Ferreira da Silva]:

Caros amigos,

Tal como mostram algumas fotos, o Dionísio contou a história diante alguns camaradas, na Tabanca dos Melros (*). Daí até à sua publicação, foram vários meses. Como se tratava de um relato verídico, procurei que todo o resto também o fosse. Até porque os nomes se mantiveram os verdadeiros. 

Por outro lado, foi preciso aferir das coincidências ligadas à minha pessoa (Companhia de Comandos), ao desembarque do meu Batalhão, o  1913 (Uíge, Bissau, 1 de Maio de 1967) e à minha Cart 1689 (Gandembel, Op Bola de Fogo). Desloquei-me algumas vezes ao encontro do Dionísio e, com ele, efectuei algumas correcções.

Resta-me agradecer ao Dionísio pela sua disponibilidade e pela sua verticalidade nos testemunhos que me prestou. (...)

_________

Notas do editor:



Guiné 61/74 - P21854: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (38): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
As semanas passam, a vida profissional destes dois cinquentões é intensa, ocupam-se muito um do outro, estão a aprender a mitigar a distância, a vida de intérprete tem aspetos aliciantes, passeia-se um pouco por toda a Europa, gera um sentimento nómada onde não falta a saudade de regressar ao ninho, no caso dela; ele tem o dia todo ocupado, é funcionário público, desdobra-se na escrita, dá aulas, preserva uma certa vida social, também tem falta de regressar ao ninho, são as leituras, a doçura do ambiente, rodeado de fotografias e de pequenos objetos de arte. Correspondem-se, ela chamou a si o trabalho de organizar a comissão da Guiné dele, já se sonha com o romance, Rua do Eclipse, imagine-se, ele falou do título numa roda de amigos, houve quem ficasse intrigado, o que é que tinha a ver os tiroteios da bolanha e a vida de tabanca com o tal eclipse? Tudo se explicou e houve mesmo gente que aplaudiu a solução imaginativa de voltar ao passado com uma história de amor. Mas mesmo nessa mesma roda de amigos houve quem ficasse de boca à banda quando ele revelou que havia para ali dois romances, e que mais importante que pôr tudo em papel e trazer de volta a guerra da Guiné, acontecera que essa mesma guerra da Guiné espoletara uma bela história de amor, que aqueles dois, que se tinham conhecido numa conferência, já não podiam viver um sem o outro, acreditassem ou não era uma relação que gerara um eclipse total.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (38): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon adorable Paulo, conversámos longamente ao telefone (e como foi bom para mim!), antes de partir para Viena, onde fui trabalhar numa conferência de dois dias referente aos doadores que apoiam projetos em África, Caraíbas e Pacífico. Momentos houve das exposições de responsáveis de projetos que me deixaram o coração contrito, ressurgem ditaduras, a impressionante corrupção das cliques à volta dos dirigentes totalitários, o desvio de fundos destinados a projetos de bem-estar para as contas desses dirigentes. Dentro e fora da cabine de interpretação, recordava as nossas conversas sobre as desditas da Guiné-Bissau, com os seus elefantes brancos, as sórdidas negociações com as duas Chinas, a ver quem dá mais, a riqueza dos dirigentes graças a apoios à agricultura, os atropelos e manigâncias perpetradas por um antigo valoroso líder militar que não se coibiu de meter as mãos no erário público e encher os bolsos. Numa das noites, a organização da conferência ofereceu-nos bilhetes para a Ópera de Viena, foi um espetáculo memorável, representou-se O Navio Fantasma, com interpretações de luxo. Mas na noite da chegada dediquei-me de alma e coração a organizar toda a cronologia dos tais meses de julho a novembro de 1969, que tu designas por um dos períodos mais ásperos da tua comissão na Guiné. Se em junho tenho o registo de três pequenas flagelações, a de 15 de julho, como tu escreves, teve um início brutal, foram todos apanhados de surpresa, mas a reação foi pronta, pouco depois de meia-hora o fogo da guerrilha esmoreceu, e durante horas ouviam-se tiros à distância, significava gente desaparecida ou desorientada ou gravemente ferida ou morta. Como se comprovou na manhã seguinte, a força hostil tivera um desaire. Tu tiveste no início do mês em Bissau, foste testemunha abonatória do tal cabo da milícia que deixara fugir um prisioneiro, no regresso deixaram-te em Nova Lamego e tiveste conhecimento de que havia flagelações com uma arma nova a que chamavam foguetões. Não deixei de sorrir com a descrição que tu fazes de um jantar a bordo de uma lancha, por convite do comandante Teixeira da Mota, um jantar quase cerimonioso, mas cá fora havia uma gritaria imensa de gente que experimentava as armas e que não se coibia de um bom palavrão – soubeste mais tarde, por aerograma enviado por Teixeira da Mota que eram fuzileiros que partiam de madrugada para um local da região do Xime onde irás várias vezes. Nessa flagelação de 15 de julho, também houve revezes do vosso lado, uma roquetada entrou pelo teto da casa de Quebá Soncó, as vigas aluíram e Nhamô, uma das mulheres de Quebá perdeu um braço na derrocada, tu guardas uma fotografia de braço dado com ela no dia em que foram ao Enxalé, voltarás a visitá-la na tua estadia em 1991. Registas também que o PAIGC estava muito ativo na região de Ponta Varela, na outra margem do Geba e a uma boa distância de Mato de Cão, vinham depois as embarcações civis altamente danificadas e as pessoas não escondiam o terror vivido.

Meu adorado, nunca imaginei o que era um tornado, as mudanças que tu notavas no céu, os relâmpagos, o lusco-fusco, e depois um dia de tons elétricos, guardei para mim e naturalmente que ficou registado o que tu escreveste, estavas a ver o tornado no fundo da bolanha de Finete á espera de cambar o rio Geba:
“Com ronco, ergue-se um redemoinho sobre o cais de Bambadinca e saltaram as primeiras chapas dos telhados. Do céu escuro estalavam mais relâmpagos, viam-se os animais a fugir, e depois as árvores de diferente porte a quererem desprender-se pelas raízes. Os militares no cais gritavam a pedir a clemência de Deus ou, espavoridos, fugiam para dentro dos armazéns. Os civis afastavam-se das árvores, certamente com medo dos raios. Do lado de cá do Geba, Bambadinca estava espetral: formavam-se e desapareciam os redemoinhos, as águas saltavam o cais, os arbustos voavam, as crianças fugiam, os adultos procuravam dar-lhes proteção. Estávamos a ser recebidos por um desses tornados que tornam o dia noite, que destroem casas, revolvem as florestas, despedaçam os bissilões, os poilões, o pau-de-cabaceira e o pau-de-mandjandjan. E de repente tudo se aquietou, como se a natureza estivesse cansada daquele grande grito da revolta, dos soluços e das imprecações dos sofredores”.

Registo patrulhamentos no Cuor, recebeste em estágio um pelotão de uma nova companhia africana. Naturalmente, amor da minha vida, solucei com a descrição daquela horrível noite de 3 de agosto em que numa emboscada noturna um dos teus colaboradores te chamou branco assassino por teres fogueado mortalmente o que se veio a descobrir ser uma mulher, e tu escreves que foi uma noite que mudou a tua vida. Esse mês de agosto foi um mês duríssimo, tu foste encontrar elementos em cartas que dirigiste a familiares e amigos. E recebeste a nota de punição, mesmo depois do teu recurso eram mantidos dois dias de prisão simples por “tendo sido chamado à atenção pelas deficientes condições de defesa e limpeza do seu aquartelamento, não ter dedicado o máximo do seu interesse à resolução de tais problemas”, percebe-se perfeitamente o grau de humilhação. Eu peço-te para ficarmos por aqui, temos neste momento inventariado todo o primeiro ano da tua comissão, desembarcaste em 29 de julho de 1968 e interrompo a 4 de agosto de 1969, isto para dizer que ainda há acontecimentos funestos, muito funestos, a contar, até à vossa partida para Bambadinca, em novembro.

Paulo, regressei a Bruxelas, cheguei a casa e era um tumulto pela tua falta, tumulto quer dizer inquietação, a minha vida sem sentido quando tu estás ausente, a minha cabeça sempre a girar, a recordar o que era a minha vida sem ti, como daquela curiosidade com que tu chegaste para me pedir ajuda e a transformação que se operou. Jean-Luc, como tu sabes, trabalha com um contrato precário, é aquilo que hoje se chama um mileurista, é uma expressão em voga para quem aufere à volta de mil euros, e o meu filho precisa da ajuda dos pais. Convidei-o para jantar ontem, está aborrecido com o que faz, é uma perfeita sensaboria, tirou habilitações universitárias para viver de um trabalho rotineiro, sem nenhuma chama. Fala em emigrar, para uma mãe é mais uma inquietação.

Paulo, vê se vens depressa, eu bem contrario estes pensamentos negros, procuro trazer à memória o que de melhor há na nossa vida conjunta, o conforto praticamente diário dos teus telefonemas, dos teus mails, dos subscritos com papéis da guerra, aerogramas e fotografias. Espero que percebas o meu desabafo, às vezes a tua ausência é-me insuportável. Foi o caso de hoje, foi um dia de trabalho excecional, compareci logo de manhã a uma reunião entre a Europa e a Coreia do Sul num dos edifícios da Comissão no Rond-point Schuman, já em direção ao Parque do Cinquentenário, de que tu gostas tanto. Ainda não eram quatro horas e a reunião terminara, europeus e asiáticos felizes por terem chegado a acordo quanto a novos termos de cooperação. Eu pensava desesperadamente em ti, meti-me no carro e lancei-me numa romagem de saudade. Primeiro fui a Laeken, sei muito bem que tu gostas das Estufas Reais, por ali me passeei. Escurecia quando vim até à Praça Real e pus-me a olhar o Museu Magritte, que tu tanto gostas, e depois prossegui até Ixelles, parei o carro e pus-me defronte do museu de que ambos gostamos tanto. Regressei a casa pela Avenida Louise, não sei se te recordas mas não muito longe da Universidade Livre há uma escultura que uma vez tiraste uma fotografia e que chama A Fénix, estavas muito contente quando regressaste ao carro disseste-me que eu era a tua fénix renascida, e renascida para todo o sempre, não sei o que te deu mas desataste a beijar-me, e eu com aquele sentimento ambivalente do teu toque de paixão e o meu convencionalismo de ver as pessoas passar na rua e a olharmo-nos, um tanto perplexas, como se o mais importante não fosse o tu me quereres, esqueci-me da minha idade e entreguei-me ao teu ardor como uma adolescente irrequieta, na idade das descobertas.

Para te dizer o quê, Paulo? Que te amo, que há momentos em que esta ausência é um escuro vazio que não sei aplacar, e pergunto-me se não seria melhor vivermos ao menos e eu ir para o pé de ti. Depois destes rompantes, arrefeço e tomo consciência de que estamos a agir bem, e sei perfeitamente que tu estás ansioso de voltar para o local do teu romance, aquele título que tu adoras, e naquele espaço onde nos entregamos, a Rua do Eclipse. Bien à toi, Annette.
A Escultura “Fénix 44″ d'Olivier Strebelle, Avenida Louise, Bruxelas
Pormenor das Estufas Reais de Laeken, Bruxelas
Detalhe do Museu Magritte em Bruxelas
Visita animada a uma exposição no Museu d’Ixelles, Bruxelas
Mapa da África Ocidental, 1901
Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21823: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (37): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21853: Álbum fotográfico de António Marreiros, ex-alf mil, CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e CCaç 3, Bigene e Guidage, 1973/74 - Parte IV: Crianças de Buruntuma

 

Foto nº 1


Foto nº 2


 Foto nº 3

Foto nº 4


Foto nº 5


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > CCAÇ 3544, "Os Roncos de Buruntuma" > 1972 > População local.

Fotos (e legenda): © António Marreiros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de camarada António Marreiros [ a viver há quase meio século no Canadá (Victoria, BC, British Columbia), ex- alferes miliciano em rendição individual na Companhia CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e, meses depois, transferido para Bigene, CCaç 3, até Agosto 1974]:

Date:  domingo, 31/01/2021 à(s) 20:38
Subject: Álbum de fotografias: Crianças de Buruntum

 Olá, amigos,

As notícias que me chegam de Portugal são tristes e preocupantes. Aqui também não está risonho e temos de continuar vigilantes por muito mais tempo do que era previsto!

Como está de chuva e não posso ir procurar trabalho no quintal , venho enviar mais fotos, desta vez imagens de crianças em Buruntuma .

Desde 2015 que participo com o Plano Internacional  na campanha de desenvolvimento e ajuda a crianças na área do Gabu. Por razões de segurança eles nunca revelam exactamente o lugar onde a criança mora.

Recentemente fui informado que esta organização não tem tão grande reputação junto da população como eu esperava e isso deixou-me surpreendido e desapontado. Vou tentar saber mais.

Cuidem-se e até à próxima colecção!

Um abraço
A. Marreiros

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21784: Álbum fotográfico de António Marreiros, ex-alf mil, CCaç 3544, "Os Roncos", Buruntuma, 1972, e CCaç 3, Bigene e Guidage, 1973/74 - Parte III: População de Buruntuma, 1972

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21852: Manuscrito(s) (Luís Graça) (197): Para um especial aniversariante do dia, o luso-lapão José Belo, régulo da Tabanca de Um Homem Só


Para o luso-lapão Joseph Belo,  especial aniversariante do dia

por Luís Graça

Ó régulo da Lapónia,

Tamanha escuridão

E tão grande solidão,

Fazem mal às cachimónias.

 

Fazem mal às cachimónias,

Tal como o confinamento,

E eu saio ou rebento,

Que de noite tenho insónias.

 

E tão grande solidão,

Ó exilado de guerra,

Já esqueceste a tua terra,

Ó Belo, luso-lapão!

 

Com tamanha escuridão,

Até confundes as renas

Com as malditas hienas,

A rondar o casarão.

 

Ó régulo da Lapónia,

Estamos os dois confinados,

E ainda não vacinados,

Na nossa santa parvónia!

 

Da Lourinhã para a Lapónia

Em dia de anos do régulo da Tabanca de Um Homem Só, 

4 de fevereiro de 2021,


Luís Graça

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Nota do editor:


Último poste da série > 9 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21753: Manuscrito(s) (Luís Graça) (196): Parabéns, Cristina Silva, filha do Jacinto Cristina, um dos bravos da Ponte Caium... Que as filhas dos nossos camaradas, também nossas filhas são...

Guiné 61/74 - P21851: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (6): A web câmera, em tempo real, de Karesuando, a localidade mais ao Norte da Suécia e na área da minha casa, município de Kiruana: o pior confimamento... é o da noite escura de 24 horas (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)



Fotograma nº 1 

Suécia > Kiruna > Karesuando > A web câmera, em tempo real,  que fica mais a Norte da Suécia, na fronteira com a Finlândia...na área da casa do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia. Fotograma obtido ontem às às 22 horas 19 minutos e 28 segundos. Amanhã amanhece às 7h28 e anoitece às 16h02...



Fotograma nº 2

Suécia > Kiruna > Karesuando > A web câmera, em tempo real,  que fica mais a Norte da Suécia, na fronteira com a Finlândia...na área da casa do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia. Fotograma obtido hoje  às às 11 horas 49 minutos e 31 segundos, locais. Do lado direito, na ponte sobre o rio Muonio, gelado, vê-se uma viatura que me pareceu ter derrapado no gelo... Só passado um bocado o condutor retomou a marcha. 

A manhã amanheceu às 7h28 e vai anoitecer às 16h02, diz o "me(n)teorologista"...



Fotograma nº 3

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 13 horas 39 minutos e 38 segundos, locais.  P...!, que já é noite. Acabou o turno de sentinela... E não vivalma!... E eu pensar que tinha descoberto o passatempo divertido para o resto dos meus dias... de confinamento!



Fotograma nº 4

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 15 horas 14 minutos e 16  segundos, locais.  Bolas,  que já é noite!...  O tom da foto agora é azulado, que estranho!...E continuo a  não ver ninguém a atravessar a ponte...




Fotograma nº 5

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 15 horas 53 minutos e 40  segundos, locais.  Os finlandeses já acenderam as luzes...  Não vi luz do dia nenhuma... muito menos gentes a atravessar a ponte... E até nem faz muito frio: só menos 6 graus...


Fotograma nº 6

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 16 horas 11 minutos e 41  segundos, locais.   Heureca!, está passar um carro na ponte, de faróis acesos!.. Quem será ?...  E a noite é cada vez mais noite... A partir daqui a web câmera passou a dar só imagens a "preto e branco"... Devem estar na "poupança"..., 



Fotograma nº 7

Suécia > Kiruna > Karesuando >  Fotograma obtido hoje  às 16 horas 44 minutos e 53 segundos, locais, mais uma hora que a nossa. Há mais movimento agora; vi mais um ou dois carros... E um "motoqueiro" veio dar umas voltinhas na "pista de gelo"... Entrou e saíu por debaixo da ponte...


Karesuando   é a localidade mais a norte da Suécia, localizada na margem direita do rio Muonio, que constitui a fronteira com a Finlândia. Pertence ao município de Kiruna, condado de  Norrbotten,  ou Bótnia Setentrional (, território com 14 municípios, tão grande como Portugal, mas apenas com 250 mil habitantes; capital: Luleä). É na cidade de Kiruna que  o Zé Belo vai comprar as "rações de combate"... 

Kiruna (cidade e município) tem cerca de 23 mil habitantes, (menos que o concelho, atlântico, que tem 26 mil). E vivia, desde 1900,  sobretudo das suas famosas minas de ferro. Tem ligação rodoferroviária e aérea com o resto do mundo...Por aqui passa a estrada europeia E10. Isto significa que, mesmo a quase 5 mil quilómetros de distância, podemos lá ir direitinho, um dia destes, beber um copo com o régulo da Tabanca da Lapónia.

Karesuando, por sua vez,  tem apenas  280 habitantes.  Do lado finlandês, Karesuvanto tem cerca de 140 habitantes. As duas localidades gémeas estão ligadas por uma ponte, construída em 1980. A zona circundante foi palco de violentos combates entre alemães e finlandeses em Dezembro de 1944, na Segunda Guerra Mundial. (Fonte: Wikipedia).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)



1. Mensagem do José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia:
 
Date: terça, 15/12/2020 à(s) 00:36
Subject: A web câmera mais ao Norte da Suécia e na área da minha casa 

Camarada:

Como julgo teres interesse nestas curiosidades exóticas,  aqui segue instrucäo para acederes à web câmera de Karesuando, no município de Kiruna.

A maneira mais fácil é escrever esta frase [ou carregar no link]

Välkommen till Karesuando,sveriges nordligast kyrkby  


[Em português, leia-se: "Bem-vindo a Karesuando, a aldeia-igreja mais ao norte da Suécia"... e onde, para este fim de semana, o nosso editor LG não conseguiu arranjar um hotelzinho...] 

Depois de carregar no título acima, tens entrada na página local. Na coluna da esquerda,  e sob as bandeiras [informação em inglês e alemão],  encontras 

Webbkamera


Carregando então na web câmara surgem duas alternativas,  mas só a última está a funcionar, ou seja:

Kamera mot Muonioälven och gränsbron mot Finland

 
[Em português: Câmera apontada em direção ao rio Muonio e a ponte fronteiriça,  em direção à Finlândia]
 
Esta câmara está a funcionar dia e noite.

É a ponte-fronteira com a Finlândia, e as luzes ao fundo são finlandesas. [Fotograma nº 1]

Com muita sorte (!!!)  durante as horas do dia talvez vejas passar algum camião ou carro [Fotograma nº 2], mas não se pode esquecer que nos próximos tempos [, o José Belo escreve em 15 de dezembro de 2020] é... sempre noite escura nas 24 horas.

Bem Vindo!

José Belo


A aldeia-igreja de Karesuando, Kiruna, Suécia...Deve distar quase 5 mil quilómetros da terrinha onde estou confinado por causa da maldita Covid-19... (LG)

Cortesia da menina do turismo de  Karesuando.



Suécia > Distância entre Kiruna (sede do município) e Karesuando, na fonteira. Um bom sítio para a gente fazer o próximo Encontro Nacional da Tabanca Grande, o primeiro da era pós-Covid.

Fonte: Cortesia de  Rome2rio

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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de janeiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21820: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis"(5): Contra a Covid-19 e a pérfida caixinha de Pandora que vem sempre associada às pandemias, a palavra de ordem é: Confinemo-nos, sim, camaradas!... Mas não nos (con)finemos, ámen! (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P21850: FAP (122): Memórias que o tempo não apaga ou uma crónica de bons malandros! (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA)

Equipa de manutenção FIAT em 1967


1. Em mensagem de 31 de Janeiro de 2021, o nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69) fala-nos de:


Memórias que o tempo não apaga ou uma crónica de bons malandros!

A minha entrada na FAP foi registada em Maio de 1966 após rigorosa inspecção médica que me qualificou como apto para todas as especialidades da Força Aérea Portuguesa. Tinha então 17 anos de idade.
Após três meses como soldado aluno recruta, passei a integrar o GITE (Grupo de Instrução Técnica de Especialistas) que formou mais de 15.000 técnicos durante o período da Guerra do Ultramar.
A escolha de Especialidade dependia em primeiro lugar das qualificações académicas. Toda a gente tinha pelo menos o 5.° Ano do Liceu, ou o equivalente da Escola Secundária. Muitos já com o Curso Liceal concluído, o que quer dizer que em caso de "chumbo" fisico ou académico, iria tudo parar ao Exército, como Oficiais ou Sargentos Milicianos. Em caso de sonegaram habilitações académicas, era garantido que passariam ao Serviço Geral da FAP como Soldados, cumprindo apenas mais um ano de Serviço. Bastante estranho, uma vez que na FAP, todos seriam apenas e só 1.° Cabos Especialistas. A não ser que metêssem o "chico" de 1.° Cabo ninguém saía.

No meu caso, como tinha terminado recentemente o Curso Industrial na área de Tecnologia Mecânica, a escolha não foi dificil. As disciplinas eram-me quase todas familiares, exceptuando as aulas de aerodinâmica, motores, e dos sistemas hidráulicos, pneumáticos, pressurizantes etc.
Passado um ano, recebi o "meu canudo" de apto na especialidade MMA (Mecânico Material Aéreo) vulgo Mecânico de Aviões.
Como prémio pela minha boa qualificação de curso, foi-me concedida a primazia de escolher a Base Aérea onde iniciaria a minha actividade.
Como residente em Lisboa, a escolha teria que necessáriamente recair no AB1 em Figo Maduro :(Aeroporto de Lisboa)

O meu primeiro contacto com aeronaves foi assim como 3.° mecânico de bordo do DC-6.
Passados uns meses, recebi guia de marcha com destino à ZACVG (Zona Aérea Cabo Verde e Guiné)

Foi assim, que no dia 27 Setembro 1967, embarquei no DC-4 7504 Skymaster, com escala nas Ilhas Canárias e pernoita na Ilha do Sal.
A Esquadra de Tigres de Bissalanca e os Fiat's G-91 foram o meu destino a partir do inicio de Outubro 67 e até meados de 1969.
Assim, na minha curta passagem pela FAP, registei nas sucessivas décadas de operação, competentes Comandantes e Aviadores... homens de grande carácter com quem tive o privilégio de interagir.

Verificação do Pylon

Na FAP, ao contrário dos outros ramos das Forças Armadas, por força das circunstâncias, foi sempre previligiada a relação individual em detrimento do colectivo.
É, quanto a mim natural, que consoante as convivências nas diferentes décadas se tenham desenvolvido particulares simpatias e cumplicidades entre superiores e subordinados.
Nalguns casos, amizades que perduraram através dos tempos e ainda hoje se mantêm.
Como a vasta maioria, deixei a FAP, no terminus do meu contrato.
Muitos outros, com quem me cruzei, Militares de carreira por escolha e convicção prosseguiram até atingirem altas patentes e cargos de enorme relevância nos destinos do nosso país.
Mantenho contacto e amizades sólidas com alguns deles.
Cada um com a sua personalidade própria, rigorosos, todos eles! Afáveis alguns, outros nem tanto...
Afinal somos todos diferentes.

Alguns já não se encontram entre nós, como o
General Manuel Diogo Neto, por duas vezes meu Comandante na BA2 e BA12 já desaparecido.
O General Fernando Vasquez, meu Comandante de Esquadra, simbolo de correcção e tratamento tanto com os seus pares, como com subordinados, amistoso com toda a gente que com ele lidou. Um príncipe entre militares!
O General Fernandes Nico, uma amizade que perdura há mais de 50 anos. Militar e Historiador, homem rigoroso, frontal, educado e que viu sempre a FAP, como um todo, em que todos eram parte importante da instituição FAP.
Sargentos, Furriéis, 1.° Cabos Especialistas, como eu. Soldados do SG, Polícia Aérea, Enfermeiras Para-Quedistas, e Pilotos / Aviadores.



Formámos um todo, uma família unica à qual me orgulhei de pertencer!
Sentimento de contentamento, porque embora indirectamente, contribuímos com o nosso esforço para ajudar os camaradas do Exército e da Marinha, que por inerência de funções tinham a vida em risco permanente.
A todos as minhas saudações e abraço solidário.

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Nota do editor

Último poste de Mário Santos de 28 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21399: Efemérides (335): Cumpre-se hoje 28 de Setembro, 53 anos da minha chegada à Guiné no HC-54 Skymaster 7504. Uma memória com mais de meio século (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA)

Último poste da série de 8 de Outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21431: FAP (121): Cor pilav Gualdino Moura Pinto, comandante da BA 12 (1971/73), já falecido: "um grande líder" (Victor Barata, fundador e editor do blogue Especialistas da Base Aérea 12, e membro sénior da nossa Tabanca Grande)

Guiné 61/74 - P21849: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (3): "Colibuia"; "O banho e o atavio" e "Os esperados"


1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):


7 - COLIBUIA

A minha Companhia foi colocada em Colibuia, aquartelamento situado na estrada entre Aldeia Formosa e Cumbijã, alcatroada, com sinais de um forte rebentamento perto da zona de abastecimento de água.

Curiosamente, a minha memória, que até nem é má, recorda pouco do dispositivo interior deste aquartelamento, onde permaneci dois meses.

O seu perímetro seria o de um retângulo semelhante a um campo de futebol pelado e tinha 4 ou 5 casernas sendo a mais pequena para os oficiais e sargentos, tinha 4 postos de observação e vigilância, latrinas, zona de banho (sem chuveiro), cozinha, pequena messe que incluía um bar de janela que servia para o exterior e, talvez, refeitório.

O perímetro era vedado com duas fiadas de arame farpado, onde se dependuravam garrafas vazias de cerveja que constituíam um acréscimo de segurança importante no caso de intrusão, e entre elas alguns fornilhos. A entrada, que dava para a estrada, tinha um cavalo de frisa.

O armamento fixo constava de um morteiro de 81mm.

No canto direito do lado da mata situava-se a caserna do pelotão da milícia e um posto de vigilância por ele controlado. Era o local ideal para se desenfiarem e durante as rondas verificava-se que o posto de vigilância estava sempre deserto. Enfim, por ali não havia perigo.


Aspecto do aquartelamento de Colibuia, provavelmente em 1973. Foto: © António Murta

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Distintivo da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4516


8 - O BANHO E O ATAVIO

Colibuia era um aquartelamento ao nível do pior que vi na Guiné. Ficava cada vez mais invejoso à medida que ia sabendo da existência de alguns que até tinham piscina.

As tarefas cometidas à Companhia, para além da defesa do aquartelamento, tinham a ver com o patrulhamento diário da zona envolvente, o abastecimento de água e géneros alimentícios e, periodicamente, emboscadas e participação em operações que exigiam a passagem da noite no mato.

No regresso do cumprimento das tarefas era normal o pessoal querer tomar banho. Essa função desenvolvia-se sob uma estrutura construída com troncos de árvore que suportava um latão que, cheio, levava cerca de 200 litros de água. A meio da estrutura, ao nível da cintura dos utentes, existiam umas tábuas com cerca de meio metro de altura que preservavam a intimidade dos banhistas, com excepção da entrada que estava voltada para o arame. O depósito não tinha chuveiro mas apenas um furo que se tapava e destapava com uma pequena cunha de madeira, permitindo apenas a saída de um fiozinho de água gastando o utente largos minutos para molhar o corpo e ainda mais tempo para tirar o sabão (Lifebuoy). Como, normalmente, havia mais que um banhista o seguinte molhava-se enquanto o outro, calmamente, se ensaboava e assim sucessivamente.

Após o banho, o pessoal vestia-se à civil: calção, tronco nu e chinelos. O calção era a grande moda na altura e tinha a sua origem no corte das pernas das calças levadas da Metrópole que não serviam para nada. Pessoalmente, transportei para a Guiné uma mala cheia de roupa que apenas serviu para tornar mais penosas as várias mudanças de instalações com que fui contemplado.

Conclui-se, assim, que a consciência que eu tinha da guerra e das circunstâncias em que ela se desenrolava,  era tipo turística mas que rapidamente se modificou.


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9 - OS ESPERADOS

Existia no Exército uma figura de mancebo que se denominava o esperado (ou coisa parecida), que, não sendo incorporado logo após a inspeção,  poderia sê-lo mais tarde, durante um período de 4 ou 5 anos, conforme as necessidades de pessoal.

Do meu pelotão, inicialmente com 25 homens, faziam parte 4 esperados, com idades próximas de 25 anos, sendo que um até já tinha 27 anos, oriundo do Brasil em passo de corrida para cumprir o serviço militar em Portugal, trazendo consigo duas hérnias e um jeito singular para assar frangos e fazer pão. De todos eles apenas um, o Silva, integrou sempre o pelotão nas suas saídas e o seu raquitismo não o impedia de ser um dos mais firmes e constantes. Um dia, perante um calmeirão que no mato se lastimava amargamente do peso da HK21 e respetivas munições, logo ali o Silva se ofereceu para proceder ao seu transporte e manuseamento.

Se, por um lado, me entristecia a situação daqueles rapazes com nítidas debilidades físicas, incorporados como atiradores de infantaria e depois desviados para outras tarefas, por outro lado apeteceu-me dar um grande abraço ao Silva e dizer-lhe o orgulho que sentia em o ter na minha secção.

Mas, era assim que se ganhavam guerras?

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21839: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (2): "Pira desenfiado"; "A praxe" e "Os Ray-Ban"

Guiné 61/74 - P21848: Parabéns a você (1928): Cap Inf Ref José Belo, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Os Maiorais) (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70) e Dr. Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Bedanda, 1971/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21837: Parabéns a você (1927): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1970/73)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21847: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (16): O regresso dos lagostins... à bolanha



Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 > 1969  

Na tasca do Zé Maria, comendo lagostins do Rio Geba e bebendo umas "bazucas"  da esquerda para a direita, o alf mil cav José António G. Rodrigues (já falecido, há uns anos largos) e os fur mil Tony Levezinho e Humberto Reis, meus queridos amigos e membros desta Tabanca Grande. A "chapa" foi batida por mim, membro assíduo desta tertúlia gastronómica.

Os lagostins do rio Geba, apanhados em zona sujeita ao movimento das marés,  eram muito apreciados. Não tinham nada a ver com o lagostim-vermelho-da-Louisiana ("Procambarus clarkii"), nativo do sul dos EUA e no nordeste mexicano, o terrível predador que invadiu, em 1979,  os nossos rios, lagoas e demais zonas húmidas como os arrozais, transformando-se num grave problema ecológico.

O barqueiro do Enxalé, celebrizado por Spínola, apanhava estes magníficos lagostins do rio do Geba, em "zona vermelha", que depois o Zé Maria comprava e cozinhava e que a gente pagava a peso de ouro (50 pesos o quilo!)... O preço era justificado pelo risco... (50 pesos era o equivalente a dois dias de alimentação de um militar na Guiné, ou  a uma garrafa de uísque novo...).

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné Portuguesa > Bilhete postal > Pescadora (Papel). Edição: Agência-Geral do Ultramar. s/d. Enviado pelo nosso camarada Beja Santos. Digitalizado por L.G.

Foto (e legenda): © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados, [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais uma pequena história do
Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 2 dezenas de referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.
 

 

O regresso dos lagostins... à bolanha

por Carlos Barros


O 3º grupo de combate do 2ª CART / BART 6520, com quartel em  Nova Sintra, esteve de serviço de segurança à estrada de Tite -Enxudé e, como habitualmente, os soldados foram transportados em viaturas Berliet, ocupando cada grupo de dois soldados as suas posições ao longo da estrada, ladeada por extensas bolanhas onde abundavam muitos lagostins e camarões, por sinal saborosos.

Num desses dia, um condutor ia buscar o almoço à cozinha de Tite, e na viagem deu boleia, o que era proibido, a uma jovem africana que andava na apanha desse marisco e já tinha um enorme cesto cheio de lagostins. 



Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


Aconteceu então algo de inesperado, que poderia ter trágicas consequências. O condutor, com a jovem ao lado, despistou-se com o Unimog e foi tombar na bolanha, tendo-se virado o cesto com os lagostins que rapidamente ficaram no seu “habitat” aquático…

O furriel soube do sucedido e,  depois de ouvir o condutor, reflectiu sobre a situação e “branqueou” o acidente, não chegando ao conhecimento do capitão, o que, a acontecer, teria consequências, com castigo grave para o soldado. Neste acidente, milagrosamente, não se registaram feridos e foi apenas um grande susto!






Foi um momento infeliz do condutor que pediu imensa desculpa pelo sucedido, assumindo plenamente a culpa e livrando-se de um processo que traria vários dissabores para o condutor (por sinal, não me recordo presentemente do seu nome…). Prometeu futuramente não transportar mais civis na sua viatura.

O Furriel Barros que se encontrava de serviço com este seu grupo, deu uma “ajudazinha ao condutor” porque a guerra propiciava estas aventuras, por vezes pouco reflectidas, e que eram fruto da irreverência da juventude.

Naturalmente, após estes longos anos afastado da guerra, pude descrever, em liberdade, esta história , com um cunho muito real...

O Barros só teve pena do lagostim que se perdeu nas águas da bolanha mas podem acreditar que, no fundo do cesto, ainda ficaram alguns que tiveram o destino que os leitores estão a pensar…


Tite 1972 Nova |  Sintra 1974. 

Revisto, Esposende 1 de fevereiro de 2021

Carlos M. de Lima Barros
Ex.fur mil Barros, 2ª C/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74)
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Nota do editor:

Último poste de 26 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21694: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (15): Os pobres pelicanos...

Guiné 61/74 - P21846: O nosso livro de visitas (208): Afonso de Melo, ex-fur mil cav, EREC 2641 (Bula, 1970/72)




Insígnias (guião e crachá) do EREC 2641 (Bula, 1968/70)

Fonte: Cortesia de  © Carlos Coutinho (2011).  



1. Mensagem do nosso camarada Afonso de Melo:
 
Date: terça, 2/02/2021 à(s) 00:52
Subject: EREC 2641-Bula 70/72 

Boa noite, Camarada.

Vi a mensagem da Ana Pinho, filha do Paulo Vitorino Pinho (EREC 2641-Bula 70/72). (*)

Sou um dos camaradas (furriel Melo) que aparece em duas das fotos. Como ele, fui furriel miliciano de cavalaria em Bula, no EREC 2641.

Gostaria que a Ana Pinho me contactasse através deste meu e-mail, a fim de poder saber mais notícias do pai, que já não vejo desde 1974. 

Aproveito para dar uma info sobre as fotos que ela enviou.



Foto nº 2- No jipe é o tenente de cavalaria Aparício.


Foto nº 3- Sentados na coberta do paiol de munições do esquadrão. O Pinho, na ponta esquerda,  está em pé com um papel na mão. Eu, o 4º, na primeira fila, estou sentado ao lado do Valdemar Cardoso que está de calções.


Foto nº 4- Na parada do RC 7, na Calçada da Ajuda, Lisboa, o EREC 2641 em véspera de embarcar. O Paulo é o 4º a contar da direita e eu o 5º, ao lado dele,na primeira fila.


Foto nº 5- Eu fazia parte da guarnição das AML Panhard que em 12 de Novembro de 1970 estava em Mansabá, quando houve o ataque de canhão ao fundo da pista de aviação (de terra batida).


Foto nº 7- O Paulo está na torre da AML eventualmente a sintonizar o rádio transmissor. As funções rádio eram do chefe de carro, com frequências para os meios terrestre, aviação ou marinha. Ao lado posicionava-se o atirador.

Muito em breve farei a minha inscrição e terei todo o gosto em partilhar convosco, fotos e relatos  da minha estadia na Guiné.

Saudações

António Afonso de Melo M.F. Graça

2. Comentário do editor LG

Camarada Afonso de Melo: Conforme mail que mandei à Ana, com conhecimento à tua pessoa, já partilhei o teu endereço de email que, por razões óbvias, não divulgo no blogue. 

Cabe-lhe agora a ela dar-te notícias do teu camarada e amigo Paulo Pinho. Vamos desejar-lhe longa vida, apesar dos problemas de saúde, e nomeadamente das sequelas do AVC que sofreu há largos anos. 

Quanto a ti, não preciso de reiterar o convite para integrares, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande. Serás o primeiro representante do EREC 2641 a sentar-se à sombra do nosso poilão.  E podes registrar-te com este nome, Afonso de Melo.

Como nos lês, já sabes como isto funciona: mandas as  duas fotos da praxe e duas linhas de apresentação... Não mais há quotas nem joias a pagar... Como vês, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande

Obrigado por nos ajudares a complementar as legendas das fotos que a Ana Pinho nos mandou. 

Até à próxima. Luís Graça
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de: