terça-feira, 17 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22462: António Damásio: um português nos EUA que muito honra Portugal e a nossa geração (José Belo, Key West, Florida)


O médico neurologista e neurocientista 



Um dos livros mais livros de António Damásio, 
"Ao Encontro de Espinosa" (2003)



Capa do livro de António Damásio,  edição portuguesa, 
Temas & Debates, 2012 "Ao Encontro de Espinosa: 
as emocões sociais e a neurologia do sentir" (364 pp, 
preço de capa, em papel: 19,90 euros)

Sinopse:

«A minha [anterior] invocação de Descartes foi puramente emblemática de uma perspetiva sobre um problema científico e filosófico e pouco tinha a ver com o personagem histórico. A minha relação com Espinosa, porém, é inteiramente diferente. Espinosa é uma pessoa impar e as suas ideias e maneira de ser fundem-se com os problemas psicológicos que aborda e com a correspondente neurociência.»


1. Mensagem de José Belo, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, que reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA). Foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia (. Na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref. ; durante anos alimentou a série "Da Suécia com Saudade"... Agora escreve sobre o que lhe apetece, dentro da(s) temática(s) do nosso blogue, onde também cabem descritores como "EUA",  "Suécia", "Portugal", "diáspora", "médicos" e "lusofonia".)


Data - sábado, 24/07, 20:10



Assunto - António Damásio: Um português nos Estados Unidos a não esquecer

Não sendo propriamente desconhecido em Portugal,  não creio haver, por parte de muitos, consciência de quão considerado e admirado este nosso compatriota é.

Isto não só nos Estados Unidos como também pela comunidade científica mundial especializada
na sua área de investigação.
 
Não creio existir hoje, nem mesmo nunca (!) ter existido anteriormente, representante científico português com tais prémios, louvores e cargos docentes ao mais alto nível.

Infelizmente o nosso único prémio Nobel de Medicina (1949), Egas Moniz (1874 - 1955), está hoje bastante desvalorizado após os seus estudos e práticas sobre a lobotomia serem agora  olhados de modo muito crítico pelos actuais especialistas internacionais.

Não tendo andado ultimamente muito preocupado quanto à “Busca de Espinoza”  (por o ter encontrado há muito ),  contínuo a sentir a falta de uma referência, no Blogue,  ao tão nosso António Damásio.

Ele é um dos grandes portugueses na diáspora, da nossa geração, e felizmente ainda está muito activo tanto na sua vida de investigação como na carreira de docente e, não menos importante, como  escritor.

Nunca será demasiado salientar que a sua educação básica e superior foi adquirida em Portugal! E é hoje figura científica de topo tanto nos meios norte-americanos como mundiais.

António Damásio:

Professor universitário, Professor de Psicologia, Filosofia, Neurologia e Neurociência. | Director do Instituto do Cérebro e Criatividade da Universidade da Califórnia do Sul | Professor do Instituto Skalk em La Jolla, Califórnia.

Damásio têm contribuído para uma compreensão fundamental dos processos cerebrais subjacentes às emoções, sentimentos, decisões e consciência.

É autor de inúmeros trabalhos científicos. (O seu Índide h no Google Scholar é de 99 com um total de mais de 170 mil citações). 

A sua actividade como nvestigador  tem vindo a receber contínuo subsídio económico federal (EUA) nos últimos 30 anos.

É Doutor Honoris Causa em inúmeras Universidades, entre outras: Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2013); Universidade de Leuven (2013); Universidade C’a Foscari/Veneza; Escola Politécnica Federal de Lausanne (2011); Universidade de Coimbra (2010); Universidade de Leiden (2010); Universidade Raman Llull (2010); Universidade de Copenhagen(2009); Universidade de Nangin (2005); Universidade de Aachen(2002).

Entre outros, recebeu os seguintes prémios:

Prémio Príncipe das Astúrias em Ciências e Tecnologia (2005); Prémio Gravwemayer(2014);
Prémio Honda Fundation (2010); Prémio Melhores Médicos Americanos; Prémio da Associação Internacional de Psicoanálise,  por extraordinários resultados científicos (2004); Prémio Sigoret em Neuro-Ciência Cognitiva (2004).

É membro do Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências e da Academia Americana de Artes e Ciências. Membro da Academia Bávara de Ciências e da Academia Europeia de Ciências e Artes.

Foi nomeado “Investigador Altamente Citado” pelo Instituto de Informação Científica (USA); Prémio da Universidade da Califórnia de Criatividade e Escolaridade (2012); Prémio Jimenez (2012); Prémio Literário Corine International (2011).

Nomeado membro do Conselho Escolar da Livraria do Congresso (2009/USA); Leitor Distinto da Universidade da Califórnia do Sul (1985); Primeiro prémio Pfizer para o melhor artigo de investigação nas ciências médicas (1974); Prémio do Conselho Britânico de Pesquisa e Treino (1970); Prémio Boleeringer para o melhor estudante em Farmacologia Médica (1966).

António Damásio é um dos reconhecidos líderes internacionais em neurociências. As suas investigações têm vindo a ajudar a compreender a base neural dos sentimentos e emoções. Tem também demonstrado o papel central do afecto na consciência social e na tomada de decisões. O seu trabalho têm contribuído e influenciado a actual compreensão dos sistemas neuronais subjacentes à memória, linguagem e consciência.


- A Estranha Ordem das Coisas (2018)
- O Erro de Descartes (2005)
- Na Busca de Spinoza (2003)

Um abraço do J. Belo


Guiné 61/74 - P22461: Parabéns a você (1983): José Manuel Cancela, ex-Soldado Apontador de Metralhadora da CCAÇ 2382 (Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Buba, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22430: Parabéns a você (1982): TCor Inf Ref Rui Alexandrino Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857 (Fulacunda, Bissorã e Mansoa, 1965/67); ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 18 (Aldeia Formosa, 1970/72)

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22460: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-Alf Mil, cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte IV: Ordem de serviço, nº 279, de 28 de novembro de 1970, pp. 1 e 2

Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > Janeiro de 1969 > No meu gabinete, individual, recebendo uma mensagem rádio


   
Foto nº 2 > Guiné > Bissau > Brá > BENG 447 > Dezeembro 1969 > Cortando o cabelo, no meu gabinete.

Fotos (e legendas): © João Rodrigues Lobo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem de João Rodrigues Lobo   [ex-alf mil, cmdt Pelotão de Transportes Especiais / BENG 447 (Bissau, Brá, dez1967/fev1971): fez o 1º COM, em Angola, na EAMA, Nova Lisboa; vive em Torres Vedras onde trabalhou durante mais de 3 décadas como chefe dos serviços de aprovisionamento do respetivo hospital distrital; membro nº 841 da Tabanca Grande.]

Date: sábado, 3/07, 23:07 | 
Subject:  Contributos para o blog.

Como combinado começo a enviar o que julgo serem alguns contributos pessoais para o blog, embora um pouco personalizados.

Duas Ordens de Serviço de Maio e Novembro de 1970, cujos originais me foram dados por nelas constar o meu nome, mas que revelam um pouco do que foi o BENG 447, e o que foi por este Batalhão construído.

De notar que a primeira é assinada pelo Major Engº João A.Lopes da Conceição e a segunda pelo Tenente Coronel Engº João António Lopes da Conceição.

À  data apenas Tenentes Coroneis podiam comandar batalhões. No entanto o Brigadeiro António Spinola (Comandante do CTIG), que conhecia a elevada competência do Major Engº Lopes da Conceição, exigiu a sua nomeação para o BENG 447 após o fim da comissão do anterior Comandante, o que foi concedido não obstante um certo desconforto em meios militares. (Ao que julguei na ocasião). Pouco após a sua chegada foi graduado em Tenente Coronel.

Junto mais duas fotos de um Alferes Miliciano, que me parece ter sido um dos poucos a ter direito a um gabinete próprio na Guiné. (Nada de comentários foleiros...);

- Lendo um rádio acabado de receber com os próximos movimentos do PTE  (Foto nº 1); e,

- Cortando o cabelo que por aqueles lados também crescia (Foto nº 2). (Nota: O actual bigode começou a crescer no preciso momento em que aterrei na Guiné, e no fim da comissão já começava a notar-se). A garrafa que se vê está ali por engano, era para despachar no transporte seguinte...

As O.S. têm os nomes cortados pois não sei se a CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados) os deixaria publicar ou os visados não se oporiam, embora já se tenham passado CINQUENTA ANOS. (chiça, tanto tempo que ainda parece que foi há pouco).

Seria interessante que quem se reconhecesse nestas O.S. ou nas fotos que enviei, se juntasse á Tabanca Grande , dissesse: "Aquele sou eu !!!"  e nos transmitisse as suas opiniões.

Cumprimentos,

AS O.S. seguem em próximos mails devido ao tamanho.




BENG 447 - Ordem de Serviço nº 279, Quartel em Brá, 28 de novembro de 197o, pp. 1 e 2.
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Nota do editor

(*) Último poste da série > 3 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22339: Reavivando memórias do BENG 447 (João Rodrigues Lobo, ex-cmdt do Pelotão de Transportes Especiais, Brá, 1968/71) - Parte III: Cumeré, março de 1969

Guiné 61/74 - P22459: Notas de leitura (1372): “Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura", por Ângela Benoliel Coutinho; edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, Novembro de 2017 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Publicar um trabalho universitário, datado de 2004 em 2017, quando a historiografia deu passos significativos em matérias que a então doutoranda investigou e que hoje são, em certos casos, matéria refutável, acarreta uma severa interpolação: por que razão a historiadora dá à estampa um trabalho que em pontos fundamentais a investigação já encontrou outras respostas? Historiadores cabo-verdianos, guineenses, portugueses e de outras nacionalidades têm continuado a estudar a génese do PAIGC, as suas atividades na luta armada, as questões internas, o legado de Cabral, o fracasso da política de unidade, designadamente na Guiné-Bissau.

Mas o mais grave de tudo é quando a historiadora desembainha o sabre sobre os dirigentes guineenses, culpa-os diretamente da rutura de 1980. Pergunto seriamente como é que este trabalho foi aplaudido numa universidade da Sorbonne e como é que o professor Luís Reis Torgal vem saudar a publicação deste livro na Universidade de Coimbra, como é possível?


Um abraço do
Mário



Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura,
por Ângela Benoliel Coutinho (2)


Beja Santos

Este livro resulta da tese de doutoramento em História da África Negra Contemporânea, defendida em 2005 na Universidade de Paris I – Panthéon – Sorbonne: “Os Dirigentes do PAIGC” é uma edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, novembro de 2017.

A que se afoitou Ângela Benoliel Coutinho? Ela responde: “O presente estudo debruça-se sobre as trajetórias dos fundadores do PAIGC e dos membros do seu Comité Executivo de Luta. Interrogar-nos-emos acerca do recrutamento destes dirigentes, mais precisamente o recrutamento geracional, geográfico, de género, social, procurando também saber que formação tiveram, tendo em vista as suas atividades de direção política”.

Lançada luz sobre a primeira geração dos dirigentes do PAIGC, tendo-se mostrado quem eram os combatentes desde a primeira hora da luta, como, no fundo, se constituíram como a segunda geração dos dirigentes do PAIGC, a investigadora procura traçar o perfil dos valores e princípios dos heróis e ideólogos do PAIGC. As publicações guineenses, caso de Nô Pintcha, os heróis são guineenses, a maioria pertence à segunda geração, só Amílcar Cabral pertence à dos fundadores. Como são apresentados? Como dedicados, nunca se poupando a sacrifícios, abnegados, corajosos, verdadeiros filhos do povo. Cabral está noutro pedestal, é estudante brilhante, foi engenheiro brilhante, homem profundamente humano, honesto e de grande estatura, aceitou o sacrifício mais elevado, foi guia incontestado. O Nô Pintcha não deixa de relevar o universalismo de Cabral e a internacionalização da sua imagem. Analisando os selos de correio, Amílcar Cabral é a imagem maioritária, tanto na Guiné como Cabo Verde. Depois de exprimir o entendimento sobre a ideologia do PAIGC, a autora destaca expressões e trabalhos de Cabral sobre a cultura, o trabalho, a promoção da mulher, a gestão do tempo, a dedicação, a apologia de uma nova sociedade em consonância com os valores do PAIGC e retoma a controversa questão das relações suicidárias da pequena burguesia e do PAIGC, o que Cabral pensava da democracia revolucionária e também da união política, não descurando esta observação das atividades do PAIGC num quadro de unidade com certos movimentos ou partidos políticos africanos, com destaque para o MPLA e Frelimo. Ângela Coutinho não traz nada de novo sobre a questão das principais linhas ideológicas nem da questão da unidade, em momento algum no seu trabalho se relevam as questiúnculas permanentes, as dúvidas permanentes, os ressentimentos de longuíssima data, entre guineenses e cabo-verdianos.

Em novo capítulo, a autora tem um olhar de relance sobre os revolucionários no poder, no fundo não se ultrapassou o legado ideológico de Cabral no conceito de partido-Estado, vemos que houve uma gradual sobreposição de cargos de direção dos militares no poder político, o que é compreensível na época da escassez de quadros técnicos altamente qualificados. Não nos explica como começou logo a falhar a democracia revolucionária, o militantismo muito cedo foi desaparecendo, mesmo nos comités de tabanca.

Já estamos na independência, as heranças económicas eram distintas, o modelo ideológico o mesmo, ainda que mais atenuado em Cabo Verde, o PAIGC sabia que não podia afrontar literalmente os seus emigrantes, caso tentasse um modelo de nacionalizações em massa, haveria uma estrondosa quebra na remessa dos emigrantes tanto da América como da Europa. A grande polémica passava sobre o modelo de desenvolvimento, como introduzir novas formas de progresso sem chocar com os milenários usos e costumes africanos. Mas o modelo existia, era dado incontornável: havia que romper com a economia de autossuficiência que ocupava 80% da população. Escreve a autora: “Defendia-se uma articulação entre a agricultura e a indústria, no sentido em que a primeira era o setor de base da economia e a segunda seria a dinamizadora do seu desenvolvimento. Ou seja, de forma a romper com a economia de autossuficiência, a indústria devia colocar produtos no mercado, o que deveria criar nos camponeses o desejo de produzir mais e melhor, de forma a poder vender o excedente e adquirir os referidos produtos. Era necessário modernizar previamente o setor agrícola, tarefa que seria cumprida com a introdução de fatores de produção suscetíveis de aumentar a produtividade, tais como os utensílios de lavoura e os fertilizantes”. Mais tarde, virão as críticas ao modo como se tentou esta modernização, que falhou redondamente. Como igualmente se irão fazer críticas duríssimas à criação de indústrias de transformação. Estas tinham como objetivo primordial a resolução de problemas de desemprego e de subemprego nas cidades. Por altura da independência, o potencial circunscrevia-se a 14 unidades de produção industrial. Após a independência criaram-se novas estruturas, a prazo, irão todas ao fundo, desde as cervejas e refrigerantes, passando pelos sumos e compotas, pelo descasque de arroz, pelos móveis, pelas casas pré-fabricadas e colchões e estofos de espuma.

Na altura em que Ângela Coutinho preparou o seu doutoramento ainda não tinha saído o testemunho de Filinto Barros, um Ministro da Indústria que pouco antes do seu falecimento resolveu revelar o porquê de tantos fracassos, a começar pelos Armazéns do Povo até à indústria do descasque. Falando de Cabo Verde, a tomar como referência os dados utilizados pela autora, as coisas correram um pouco melhor. Falando de outras mudanças, elenca-se o que se pretendeu fazer na Justiça, na Educação, na Saúde, contando-se com imensos apoios da cooperação internacional.

O III Congresso do PAIGC (1977) apostou na educação, na conceção científica do mundo, tudo sob a alçada do partido-Estado. Aumentou de facto o número de escolas, tanto na Guiné-Bissau como em Cabo Verde e ganhou prioridade a política cultural.

Sem nunca nos oferecer qualquer tipo de esclarecimento sobre os confrontos internos no PAIGC, Ângela Benoliel Coutinho reserva a última parte do seu trabalho ao golpe de Estado de Bissau de 14 de novembro de 1980. Se até agora pudemos contar com uma postura tendencialmente neutral relativamente à evolução da conduta destes dirigentes, tanto na Guiné como em Cabo Verde, agora, em plena tese de doutoramento, e contrariando as regras elementares da ciência histórica, a historiadora desmanda-se sobre o PAIGC da Guiné-Bissau, veremos como ela vai exprimir a triste figura dos seus argumentos.

(Continua)
Os dirigentes do PAIGC Amílcar Cabral, Luís Cabral e Aristides Pereira saindo da reunião do CSL em Boké, 1971. Imagem da Fundação Mário Soares, com a devida vénia.
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Notas do editor:

Poste anterior de 9 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22444: Notas de leitura (1369): “Os Dirigentes do PAIGC, da Fundação à Rutura", por Ângela Benoliel Coutinho; edição da Imprensa da Universidade de Coimbra, Novembro de 2017 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 13 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22454: Notas de leitura (1371): "Os Roncos de Farim", por Carlos Silva; editora 5 Livros, 2021, a ser apresentado amanhã na Tabanca dos Melros (Mário Beja Santos)

domingo, 15 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22458: (De)Caras (173): "Afinal, de quem são as árvores?"... Recordando os madeireiros Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta) e Albano Neves (Contuboel) (José Eduardo Oliveira, JERO, 1940-2021 / António Rosinha / Valemar Queiroz / Cherno Baldé)






Anúncio da empresas madeireira Manuel Ribeiro Carvalho,  com estabelecimentos em Binta e Farim, em meados dos anos 50. Imagem reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


1. Dois conhecidos madeireiros do nosso tempo de Guiné, são aqui evocados, por camaradas nossos, em comentários a postes diferentes,um de 2015 e outro de 2021. Vale a pena ir recuperá-los (**):

(i) José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2020):

"Tropecei" com particular emoção neste anúncio do madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho, que conheci em Binta no 2º.semestre de 1964. 

Pertenci à CCaç 675 que esteve em Binta desde 30 de Junho de 64 a finais de Abril de 1966. Fui o Furriel Enfermeiro da Companhia e recorda-me de ter tratado do sr. Ribeiro duas vezes: a uma retenção de urinas, em que tive o algaliar e um "ataque" de abelhas muito grave. 

A minha Companhia fez-lhe segurança em algumas idas ao mato para cortar madeiras quando se aproximava a data do carregamento de barcos que vinham até Binta, pelo Rio Cacheu. Falei muitas vezes com ele. Era uma pessoa de bom trato e , nesse tempo, já com uns 30 anos de Guiné.

Quando vi o seu "anúncio" nesta postagem fiz uma autêntica viagem ao passado. E já vão 50 anos !!! Obrigado. Jero.

5 de fevereiro de 2015 às 21:02 (**)


(ii) António Rosinha:

Amigo Jero, Binta era de facto um antigo importante ponto de embarque de troncos de madeira, talvez a maior parte para exportação.

Se te lembras tinha uma ponte cais de madeira, pois o governo de Luís Cabral que dava muita importância ao transporte fluvial, ainda conseguiu dinheiro para substituir a pequena ponte cais de madeira por uma idêntica mas em betão armado.

Luís Cabral foi corrido e já não viu a sua obra. Mas os guineenses já não precisavam da ponte cais porque com o equipamento e máquinas modernas e grandes tractores e camiões da Volvo que a Suécia ofereceu, num instante cortaram e transportaram a maioria dos grandes troncos no porto de Bissau, e por via terrestre. (...)

5 de fevereiro de 2015 às 22:18 (*)


(iii)  JERO:

Boa, noite António Rosinha

Tenho muitas fotos da ponte cais que referes e "vi" muitos anos depois a de betão, que descaracterizou Binta. Digo eu. (...) Abraço de Alcobaça. JERO

5 de fevereiro de 2015 às 22:51  (*)

 
(iv) Valdemar Queiroz:


Lembro-me, em Contuboel, da serração do Sr. Albano (Neves). Quem passou por Contuboel, pelo menos, de Fevereiro  a Maio/Junho de 1969, interrogava-se, afinal de quem são as árvores?. Nunca soubemos.

Depois CART2479 / CART11 foi para Nova Lamego, para o Quartel de Baixo. Grandes árvores faziam parte da área no nosso Quartel, principalmente uma grande árvore que fazia sombra ao refeitório dos nossos soldados, á cantina e ao armazém da Companhia. 

Um dia, um enxame de abelhas fez poiso, na grande árvore do refeitório. Tanto o refeitório dos soldados, como o dos oficiais/sargentos, do outro lado, em frente, começaram a ser fustigados pelas abelhas. O 2º. Sargento Almeida, "o Velho Lacrau', aprontou-se para resolver o problema e, munido de um archote ateado, subiu à árvore para escorraçar as a abelhas com o fogo e conseguiu afasta-las para nunca mais serem vistas. Mas criou outro problema, pegou fogo ao 'coração' da grande árvore. Para apagar o fogo no interior da árvore despejaram-se vários 'Unimogs' de água, mas nada conseguia afastar o, mais que provável, desmoronamento da árvore. 

Por isso, surgiu ideia de contactar o senhor (cujo nome já não recordo),  da serração local, para abater a árvore. Depois, numa manhã, bem cedo, dois homens quase nus, apenas de tanga, com grandes serras e cunhos de ferro chegaram para abater a árvore que, entretanto, já tinha sido desbastada dos ramos principais. 

Disseram, quem viu, que os dois homens a serraram, compassadamente, de cachimbo aceso na boca, apenas pararam para meter os cunhos de ferro que iam aguentando a parte serrada, até chegarem ao fim, completamente a verterem suor por todo corpo que mais parecia uma nascente em cascata, até à queda da grande árvore. Depois, foi sendo levado tudo da árvore, para a serração. Não sei, nem agora estou interessado em indagar, como é que foi feito o 'contrato'.

8 de fevereiro de 2015 às 02:00 (*)


(v) Cherno Baldé:

A Serraçao do Português Albano Neves, com sede em Contuboel continuou a explorar madeira nesse Sector antes, durante e depois da guerra colonial (1963-1974). Eu cresci a ver os velhos camiões desta empresa a transportar madeira para Contuboel, inclusive depois da independência a partrir de sitios dos mais improváveis da nossa zona.

E a plantação de novas árvores pelos madeireiros ou quaisquer outras entidades para recuperação ou compensação era um mito, pois eu nunca vi uma única planta de substituição em todo o Sector e nunca vi nenhuma obra de infraestruturas para beneficiar a população local. 

E acreditem que eu conhecia a minha terra como poucos pois fazia pastorícia desde a mais tenra idade e só deixei de o fazer com a minha partida para os estudos em 1985 (em Kiev). Os sinais da exploração da madeira eram visíveis em todas as partes da floresta onde cortavam o bissilão o pau-de-sangue e o pau-de-conta.

A exploração dos recursos do continente, sejam eles florestais ou aliêuticos sempre foram feitos com a participação dos europeus em primeira linha,  sejam eles do Leste ou do Ocidente. Pessoalmente sou a favor da exploração controlada se isso fosse possível num pais tão desprotegido e fragilizado, porque de qualquer modo todas essas riquezas naturais estão condenadas a desaparecer seja pela acção do homem seja por causas naturais ligadas às mudanças climáticas.  E, porque não aproveitar quanto antes (digo eu) ?!

 12 de agosto de 2021 às 11:02  (***)


(vi) António Rosinha:

A "Serração do Albano", só foi do Albano após o 25 de Abril, pois o verdadeiro proprietário entregou as rédeas ao Albano que era o gerente ou encarregado.

Rezavam as crónicas dos moribundos resistentes brancos que iam desaparecendo de Bissau aos poucos,  que aconteceu isso com outros comerciantes e proprietários brancos,  entregarem as suas propriedades e casas a empregados enquanto eles, patrões, cansados de guerra, desvaneceram-se.

Só que o Albano não só manteve como desenvolveu e se entendeu muito bem com aquela empresa com a independência da Guiné Bissau.

Albano, quase sem exemplo, digo "quase". Entendeu-se às mil maravilhas, como peixe na água.

Na Guiné só se modernizou ou tentou modernizar a industria madeireira à "grande e à sueca" com Luís Cabral e seus ministros e continuou.

Até uma moderníssima fábrica de contraplacados e afins se montou em Buba, coisa linda, não sei como estará hoje.

Entraram mais máquinas, tratores, máquinas de corte, giratórias e camiões todo o terreno, tudo Volvo, tudo moderno para a Socotram de 1975 a 1983, do que desde 1500 até 1974 para os rudimentares madeireiros portugueses.

Aliás, era precisamente a medíocre iniciativa industrial e comercial e mineira dos portugueses, que os dirigentes dos movimentos nacionalistas mais criticavam e mesmo ridicularizavam o "portuga" e a sua presença nas colónias.

Dai-nos a independência e vão ver o que fazemos desta terra. (o que eu ouvi em Angola e depois repetido no Brasil, e depois na Guiné na inauguração da fábrica do Nhaie-Citroen).

Falar em ecologia em África é muito complicado, e na Guiné não é o pior país. Há linhas de água na Nigéria que o petróleo de pipe lines rotos contaminou. E nós, exploradores indignos, selávamos furos de prospecção de petróleo.

Eramos mesmo uns ecologistas, lá e cá, só mais tarde é que caímos nessa dos eucaliptos e celuloses, que estupidez de riqueza.

12 de agosto de 2021 às 18:27  (***)
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P22457: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XI: Alberto Slva Matos, cap inf (Braga, 1879 - França, CEP, 1918)



Alberto Silva Matos (1879-1918)

Nome; Alberto Silva Matos
Posto; Capitão de Infantaria
Naturalidade:  Braga
Data de nascimento:  2 de Agosto de 1879
Incorporação:  1901 na Escola do Exército (nº 243 do Corpo de Alunos)
Unidade:  4ª Brigada de Infantaria, Regimento de Infantaria n.º 29
Condecorações:  Cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada (a título póstumo)
Cruz de Guerra de 2ª classe (a título póstumo)
Promoção a Major por distinção (a título póstumo)

TO da morte em combate: França (CEP)
Data de Embarque: 22 de Abril de 1917
Data da morte:  9 de Abril de 1918
Sepultura
Circunstâncias da morte:  No desempenho da sua função de 2º comandante do Batalhão de Infantaria 29 bateu-se com coragem e valentia na defesa da Red House até ser mortalmente ferido pelos fogos alemães.

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António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem

1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.
 
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sábado, 14 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22456: Os nossos seres, saberes e lazeres (464): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (11) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
Havendo aqui tantos tesouros botânicos, belíssimos recantos, alguns deles de atmosfera tropical, dragoeiros majestosos, fósseis, troncos ressequidos que podem ser percepcionados como esculturas contemporâneas, palmeiras e afins por todos os lugares do jardim, não resisti a esticar a visita ao Jardim Botânico de Lisboa em dois momentos, talvez para estimular os indecisos a não esperar mais para usufruir de tão espetacular visita. Grandioso e sereno, jardim cheio de pergaminhos, que começam com o Colégio dos Jesuítas na Cotovia, no século XVII, espaço de importância indeclinável a partir do momento em que o ensino liberal quis cuidar de fazer convergir para Lisboa espécies de todo o mundo, e todos os elogios se devem tecer em quem organizou como espaço cénico os patamares, os lagos românticos, havendo sempre aquela envolvente dos edifícios da Rua da Escola Politécnica, o Observatório Astronómico, as construções que aguardam restauro, aquele portão fechado que noutros tempos permitia subir da Avenida da Liberdade até ao Jardim, e não foi por acaso que começamos esta última itinerância que a pandemia fadou por um banco de jardim onde dá para contemplar o que de sereno apetece sentir face à monumentalidade arbórea, concebida como instituição científica e ponto alto de fruição que a Natureza dá. Há visitas guiadas e visitas grátis aos domingos de manhã. Para quem ainda conserva a energia do caminheiro, é possível acoplar no bilhete a visita ao Jardim Botânico e ao Museu de História Natural e da Ciência, tudo somado excede os 20 valores.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (11)

Mário Beja Santos

O que chamamos hoje Jardim Botânico de Lisboa foi no passado recente Jardim Botânico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Recorde-se que um incêndio devastador incinerou uma parte importantíssima da faculdade e do Museu, a Faculdade mudou-se para o Campo Grande, deu-se uma centralização de patrimónios, incluindo os laboratórios e as salas de aula da Faculdade de Ciências oriundas do século XIX. Recomenda-se vivamente que esta visita inclua o Museu de História Natural e da Ciência e o Jardim Botânico de Lisboa.

Qualquer adjetivo que se use para empolgar a riqueza patrimonial do Jardim Botânico fica sempre aquém da palpitante experiência de quem o visita. As palmeiras, vindas de todo o mundo, os catos e dragoeiros, o arvoredo, os arbustos, a possibilidade de percorrermos um espaço com reminiscências tropicais mas onde podemos encontrar avencas, boninas, buxos, carrasco, o carvalho português, o cedro do himalaia, o cerquinho, a conteira, a erva-cavalinha, a lucerna, a murta, a purgueira… Estima-se de 1300 a 1500 espécies para deslumbrar o visitante.



Encontrei na Internet alguns elementos úteis acerca deste paraíso natural que tem mais de 140 anos e que já antes da sua fundação era utilizado para o estudo da Botânica. É uma curiosidade, mas o estudo da Botânica começou no Colégio Jesuíta da Cotovia, que ali existiu entre os anos de 1609 e 1759. Mas há mais alguns aspetos curiosos sobre este monumento nacional.

São cerca de 4 hectares de área verde, bem no centro da capital, divididos pela Classe e pelo Arboreto. A primeira, atualmente encerrada ao público, acolhe a biblioteca, o herbário e o Lago de Cima. Já o Arboreto, na parte inferior do jardim, recebe as árvores de grande porte e outras plantas.

A temperatura entre as partes de cima e de baixo do Arboreto pode variar dois ou três graus centígrados. É por isso que nas zonas superiores foram plantadas as espécies que gostam de climas quentes e secos, como as carnudas, enquanto em baixo estão as que precisam de mais humidade.

Junto à escadaria que liga as duas zonas do Arboreto existe um busto de Bernardino António Gomes, médico e farmacologista que teve um papel importante no estudo do paludismo, imagem que publicámos no texto anterior. Este busto está perfurado por uma bala, o que deverá ter acontecido durante o golpe de fevereiro de 1927, que ali colocou frente a frente as tropas revolucionárias e governamentais.

Os investigadores acreditam que o jardim tem um efeito dissuasor na poluição da Avenida da Liberdade, a mais poluída da cidade e uma das mais poluídas da Europa. Há um aspeto pitoresco que veio referido no texto da Internet, uma advertência que eu não recebi na entrada: Cuidado com as pinhas da Bunia-bunia, uma árvore de grande porte australiana. Com cerca de 10 quilos cada, podem magoar seriamente quem levar com uma na cabeça. O jardim tem uma imponente árvore-do-imperador que, segundo dizem, foi oferecida ao conde de Ficalho pelo Imperador Pedro II do Brasil. Só há seis jardins no mundo que albergam um exemplar vivo da árvore-do-imperador. O Botânico de Lisboa é um deles. Muitas árvores do jardim são autênticos fósseis vivos, oriundos de floras antigas, muitas delas já extintas.



É do senso-comum, mas vale a pena insistir que quem se vem deslumbrar com o Jardim Botânico de Lisboa tem um museu valiosíssimo de paredes meias. O Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), cujo acervo conta com quase um milhão de exemplares. Este inclui importantes coleções de história natural (como botânica, mineralogia, paleontologia, zoologia e antropologia) e é complementado com várias exposições temporárias.


Põe-se aqui termo a um conjunto de itinerâncias que a pandemia veio facultar, visitas aqui e acolá. Claro que vamos prosseguir, com ou sem pandemia. Por exemplo, acicatado pela curiosidade, voltei ao Parque dos Poetas em Oeiras, houve alterações, e de vulto, cuidei de as registar. Um grupo de amigos dos jardins de Lisboa anunciou que era possível visitar os jardins da Residência Oficial do Primeiro Ministro. Mais um ponto de curiosidade, nunca lá tinha posto os pés, via-os à distância todas as semanas, quando passava as sextas-feiras a trabalhar num órgão constitucional, na Assembleia da República. Não esperei por segundo anúncio, prantei-me ali à porta, cumpridos os requisitos de segurança, percorri com satisfação o que era possível visitar. E com essa mesma satisfação vos darei conta da visita.


O Jardim Botânico está aberto todos os dias (exceto nos feriados de Natal e de 1 de janeiro), desde as 9h às 17h ou 20h (ver horário em baixo). O Jardim Botânico fica na Rua da Escola Politécnica, 54, no Príncipe Real. O bilhete custa 3€, mas aos domingos de manhã a entrada é gratuita.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22440: Os nossos seres, saberes e lazeres (463): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22455: Passatempos de verão (27): Humor negro: "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... Epitáfios para todos os gostos e feitios...


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Cemitério de Paredes de Viadores > 1 de novembro de 2017 > O mais sumptuoso jazigo, da família dos "fidalgos da Casa da Igreja", como lhes chamam as gentes locais; grandes proprietários rurais da região, donos de muitas quintas, outrora exploradas por pobres  rendeiros... (nos tempos da agricultura pré -capitalista em que só havia quatro classes sociais: fidalgos, pequenos lavradores proprietários, rendeiros e cabaneiros).   É um jazigo capela, em mármore, em estilo revivalista, neogótico, com a seginte inscrição em latim: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar) (*)....

Até na morte os homens tentam reproduzir as desigualdades sociais que existiam em vida: esta capela, dos "fidalgos da Casa da Igreja"  é a única que existe, para além da de outra família não fidalga, neste pequeno cemitério rural, cuja construção remonta a 1894... Logo nos finais do séc. XIX, os ricos e poderosos procuraram contornar a aplicação lei liberal do enterramento público (que proibia o enterramento em espaço privado: palácios, conventos, igrejas, ermidas, capelas...) erigindo no espaço do cemitério público uma "jazigo capela", uma espécie de minicasa de Deus, reservada aos seus mortos queridos...

Há algo de patético neste encarniçamento em manter, na morte, a segregação socioespacial que existia em vida... Mas, na realidade, os cemitérios públicos, que só surgem no séc. XIX, com o liberalismo, são (ou deviam ser) verdadeiros "campos da igualdade", já que metaforicamente falando, a "gadanha da morte" ceifa tudo e todos, ceifa rente a vida, e não poupa tanto a espiga de trigo como a erva do campo, o rico e o pobre, o herói e o cobarde, o novo e o velho, o são e o doente, o amigo e o inimigo... Afinal, "na morte ninguém finge nem é pobre"...

Foto: © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dizem que não se deve brincar com a morte, porque dá azar... O ser humano é um animal supersticioso. E na verdade lidamos mal com a morte... Não conseguimos rir dela. Porque a nossa cultura baseia-se, afinal, na negação e na ocultação da morte, que é parte integrante da vida.

Quando andámos na guerra, não falávamos da morte, tínhamos "vinte anos e a vida toda à nossa frente" (sic)...mas aprendemos a avaliar o risco de morrer ou de ficar para sempre "deficiente", sem uma perna, sem um braço, cegos, surdos, mudos, paraplégicos, tetraplégicos... 

Afinal, "temer a morte é morrer duas vezes"... Pelo que, caros leitores,  em boa verdade não há aqui "humor negro", há apenas humor, puro e duro, humor de caserna:  rindo de nós e da nossa condição mortal, estamos a exorcizar os nossos medos, fantasmas, pesadelos... que esta pandemia (e a morbimortalidade a ela associada) veio reavivar.

Quando dizemos que "o temor da morte é a sentinela da vida", no fundo estamos a querer dizer que "o humor faz bem à nossa saúde mental"....É também um forma de resiliência contra a doença e a morte, no fim da picada da vida, já de si tão cheia de "minas e amadilhas"... 

Os provérbios populares ajudam-nos nessa tarefa, enfatizando a inevitabilidade da morte mas também a igualdade no morrer (e, para os crentes, "a honra e a glória" da eternidade):

"A vida é um sono de que a morte nos desperta"
"Hora de morrer não tem retardo"
"Mais vale andar neste mundo em muletas do que no outro em carretas"
"Muita saúde e pouca vida, que Deus não dá tudo!"
"Nada mais certo do que a morte; nada mais incerto do que a hora da morte"
"Quem de novo não morre de velho não escapa"
"Só uma porta a vida tem, enquanto a morte tem cem".

Passei praticamente todo o tempo desta pandemia, desde março de 2020, na Lourinhã... No adro da igreja matriz local, junto à estátua do papa João XXIII, há um placar onde se afixam as notícias necrológicas, 

Houve semanas em que o placar estava cheio. Em tempos surpreendi um fulano, meu conhecido, a comentar: "Ainda não foi desta!"... Perguntei-lhe, intrigado: "Ó fulano, não foi desta... o quê ?!"... Resposta pronta: "Não foi festa que li, em primeira mão, a notícia da minha própria morte"... 

E o fulano ainda lá anda, sempre com medo de ser "co(n)vidado", usando dupla máscara, e espreitanto de soslaio as últimas novidades necrológicas... E eu adivinho o que ele diz entre dentes: "Bolas, ainda não foi desta!"...

A pandemia também tem os seus "apanhados do clima" como o fulano da Lourinhã... Mas, mais do que isso, marcou-nos  a todos e matou alguns dos nossos amigos, camaradas, conhecidos, vizinhos e parentes... Falando só dos membros da Tabanca Grande que faleceram  (107, no total, em 17 anos): um em cada quatro morreu em 2020 e 2021, ou seja, em apenas ano e meio...

2. Reproduzo, abaixo, uma lista de epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z, uns da minha lavra (a maior parte), outros recolhidos da Net, e depois livremente adaptados ou reformulados ... Alguns leitores poderão não achar muita graça... sobretudo para aqueles para quem a morte é do domínio do sagrado... 

Mas este poste é um mero (e inocente) passatempo (de verão). Às vezes é preciso "tapar buracos" para o que o blogue cumpra a meta dos 3 ou 4 postes diários em média... (**).

Se tiverem tempo, pachorra, saúde e boa disposição (tudo coisas de difícil combinação na nossa idade...), "entrem no jogo" e "façam vocês mesmos o vosso próprio epitáfio"... Há coisas que não podemos deixar para o último dia e muito menos para o último minuto, "à portuguesa"... 

E não deixem essa tarefa aos vivos, que são capazes de maltratar a vossa memória, sabendo nós quão verdadeiro é o provérbio, "Coitadinho de quem morre, morre e para a glória vai; quem cá fica, come e bebe e o pesar logo se vai"... (LG)


Epitáfios ou lápides funerárias, de A a Z:


Almirante: O grande naufrágio!...


Amigo do Peito: À volta... cá te espero!


Antigo combatente: A última batalha!


Astronauta: Bolas, chego por fim ao fim... do mundo!


Ateu: Mas porquê eu, o escolhido, meu Deus, se eu nem sequer acredito em Ti ?!


Barqueiro de Caronte: Última viagem, uma moeda para o ceguinho.


Bombista suicida, anarquista: Abaixo o Estado! Viva o Nada!


Bombista suicida, islamista radical: Virgens, cheguei!


Budista: Transmigro, logo existo!


Calceteiro: Erros meus e do meu médico... a terra os cobre!


Caloteiro: Que Deus te pague, que eu estou liso!


Capitalista:  Esqueci-me da taxa de depreciação do meu corpo enquanto forma de capital!


Catastrofista: Que pior me há de acontecer ?!...


Católico: Obrigado, Pai, vou por fim conhecer-Te, ao vivo e a cores!


Cemitério Judaico, Ilha de São Miguel, Açores: ”Campo da Igualdade”


Chef: Minhas estrelas Michelin!... Trocava-as por uns jaquinzinhos fritos!... Que no Céu não há disto!


Claustrobófico: Por favor, tirem-me daqui!


Cobrador de impostos: Afinal, não é só o fisco, também a morte não perdoa!


Comerciante: Liquidação Total. Preços de saldo. Motivo: força maior.


Comodista: O último a morrer que feche... a tampa do caixão!


Contabilista: Fiz mal... as contas!


Contador de histórias: Era uma vez...


Coveiro: De pés para a cova!... Não se aceitam mais encomendas!


Diabo: Tinham-me prometido a eternidade... antes das alterações climáticas!


Ecologista: Espécie extinta!


Epicurista: Morro  de papo cheio, gozei em vida


Fadista: "Com que voz chorarei meu triste fado" ?!...


Filósofo: Ser ou não ser ?!... Era... a questão!


General: Bolas, lerpei!


Gourmet: Acabou-se o que era doce!


Herói: Saltei para o lado errado da barricada!


Historiador: Desempregado. Motivo: fim da História.


Humorista: Ói, pessoal, afinal onde é que está a piada ?


Informático "covidado": Vítima do pior vírus do mundo!


Jogador de Futebol: Arrumei as botas!


Latinista: Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris! (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te tornarás!)


Marido Fiel: Até que a morte, por fim, nos separou!


Marido Infiel: Agora foi "ela" que me pôs...os cornos!


Médico: O cangalheiro e o coveiro são sempre os últimos... a rir!


Metereologista: No inferno deve estar... um frio de rachar!


Negacionista: Não acredito!...Recuso-me a acreditar!


O (E)terno Apaixonado: Voltaria a morrer por ti, meu amor!


O Caçador: A última armadilha!


O Corrupto: Incorruptível!


O Crente: O melhor ainda está por vir!


O Dorminhoco: Descanso eterno!


O Hipocondríaco: Eu bem avisei que... estava doente!


O Homem Mais Velho do Mundo: Arre, custou mas foi, o sacana do... velho!


O Malcriado: A vida... é uma merda!


O Optimista: É só um momentinho, por favor!


O Pessimista: Nunca mais vou sair daqui!


O Politicamente Correcto: Tudo acaba!


Padre: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o sacristão ou o Papa ?


Paleontologista: De fóssil em fóssil... até à jazida final!


Papa: Porquê, meu Deus, meu Pai, entre tantos os chamados, fui logo eu o escolhido ? E porque não antes o bispo da minha terra ?


Pedófilo: Meus queridos anjinhos, meus fofos... cheguei!


Perfeccionista: A repetição leva à perfeição... exceto na roleta russa!


Predador: Agora a presa... sou eu!


Poeta: Saudade eterna!


Poeta Bocage 1: Já Bocage não sou!... À cova escura / Meu estro vai parar desfeito em vento...


Poeta Bocage 2: (...) Ah! Se me creste, gente ímpia, / Rasga meus versos, crê na eternidade!


Poeta Camões: Lembrem-se de mim, ao menos, quando eu morrer no 10 de junho!


Poeta Fernando Pessoa: O eterno desassossego!


Poeta Ruy Belo: Adeus, Terra da Alegria!


Portuga (Pobre): Nunca mais vejo a tal luz... ao fundo do túnel!


Portuga (Rico): Uma suite...para a eternidade!


Racista branco: A coisa está preta!


Racista negro: Branco... como a cal da parede!


Rambo: Sempre me avisaram, em Lamego, no curso de "rangers", que não se pode abusar da sorte!


Rei: Destronado e... desterrado!


Retornado: Bom filho...  a casa torna


Revolucionário: Os vermes ao poder! A terra a quem... a trabalha!


Romancista: Ponto final parágrafo. The End.


Suicida Arrependido: Porra, esqueci-me de comprar bilhete de ida e volta!


Último habitante da terra:  Tenho pena de não ter sido o primeiro


Soldado Desconhecido: Levantado do chão!


Toxicodependente: Enfim, meu, é só pó!...


Velho militante comunista: Até sempre, camaradas!


Viciado na raspadinha: Não jogo mais ?!...


Viciado no jogo: Bingo!


Virgem (Resistente): Maldita terra que por fim me hás de... comer!


Virologista: "Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega"


Zarolho: Se no céu for tudo cego, quem tiver um olho será rei.


3. Camarada, acrescenta aqui (, em baixo, na caixa de comentários...) uma lápide da tua lavra (do latim lapis, -idis, pedra). 

 Afinal, à morte ninguém escapa nem o rei nem o papa... E, a menos que queiras ser cremado, alguém vai pôr uma pedra, uma lápide, em cima do teu caixão...


Pelo sim, pelo não, é melhor deixar as tuas instruções pessoais em vida, com antecedência... Para o que der e vier... Mete o teu epitáfio no testamento vital.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13833: Manuscrito(s) (Luís Graça) (41): Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris

(**) Último poste da série > 10 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22446: Passatempos de Verão (26): A cabra Joana de Nhacobá e o cão Tigre do Cumbijã, uma fábula que pode ser entendida como uma metáfora das relações coloniais do passado (Lucinda Aranha)

Guiné 61/74 - P22454: Notas de leitura (1371): "Os Roncos de Farim", por Carlos Silva; editora 5 Livros, 2021, a ser apresentado amanhã na Tabanca dos Melros (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2021:

Queridos amigos,

Carlos Silva tinha guardado este acervo de apontamentos em que trabalhou durante anos até 2007. Dá-os agora à luz do dia com um conjunto apropriado de imagens, depoimentos e bibliografia junto até esse tempo. Continua a mexer nos papéis e promete para breve surpresas. 

O que ele aqui rolou tem a ver com o início e o desenvolvimento da história dos Roncos de Farim, falta esclarecer como é que este mítico grupo de combate arrumou as botas e quem o dirigiu depois do grave acidente de Cherno Sissé. 

Também não fica esclarecida a saída de Marcelino da Mata que mais tarde aparece como fundador de um grupo especial, Os Vingadores. Inquiriu os diferentes responsáveis pelo grupo de combate ao mesmo tempo que compendiava os sucessivos anos de atividade operacional desenvolvida. 

Temos aqui uma peça de extrema utilidade, se bem que focado numa região, Farim, onde a presença do PAIGC era constante, e presta-se a justa homenagem aos valorosos combatentes guineenses que sacrificaram a vida não só durante a guerra, como foram enxovalhados e executados no período da pós-independência.

Um abraço do
Mário



Aquele que foi o mais mítico grupo de combate português da guerra da Guiné

Mário Beja Santos

Começo por uma declaração de interesses: há anos que reúno uma estreita amizade e cooperação ao Carlos Silva. Vezes sem conta lhe bati à porta para lhe pedir livros emprestados (é possuidor de vastíssima biblioteca alusiva à nossa guerra), emprestou-me a história do BCAV 490, que eu não encontrava em parte nenhuma, ele atravessou o país para ir a um quartel e fotocopiá-la, foi obra indispensável para tudo o que escrevi no livro "Nunca Digas Adeus às Armas"; e o seu precioso dossiê sobre os "Roncos de Farim" já aqui foi alvo de recensão[*] e consta de um outro livro meu. 

Chamo a atenção do leitor que este livro, "Os Roncos de Farim", 5 Livros, 2021, reporta-se a um trabalho que estava concluído em 2007 e que hibernou até aos dias de hoje.

Surpreende-me a tenacidade deste nosso confrade que combateu em Farim, em 1969/1971, acompanhou o período terminal deste audacioso grupo de combate e conheceu os protagonistas, desde oficiais superiores, líderes do grupo de combate, com todos contatou para elaborar o documento, profusamente ilustrado, é uma verdadeira homenagem aos vivos e aos mortos que fizeram tremer os combatentes do PAIGC.

Carlos Silva começa por precisar a criação dos Roncos, falou com o alferes Filipe Ribeiro que postulou que foram constituídos na Operação Cigarra, que ocorreu em 10 de outubro de 1966, intervieram secções de milícias comandadas pelo 1.º Cabo Marcelino da Mata e por Cherno Sissé, Filipe Ribeiro contava com a sua colaboração e ficou satisfeito pelo valor militar demonstrado. 

O Tenente Coronel Agostinho Ferreira, comandante do BCAÇ 1887, concordou com a criação do grupo especial de tropa de choque. Filipe Ribeiro terá pensado nalguns nomes e considerou que os Roncos era a melhor designação que correspondia literalmente ao comportamento daqueles combatentes. 

Na ordem de serviço o grupo é criado formalmente em 15 de novembro de 1966, na dependência do BCAÇ 1887, sediado em Farim e com unidades militares disseminadas em Bigene, Guidaje e Binta, localizadas a Oeste, Jumbembem e Cuntima a Norte e Canjambari a Leste, bem como a zona de Bricama e Saliquinhedim-K3, a Sul, na outra margem do rio Cacheu. 

O comandante dos Roncos era o alferes Filipe Ribeiro coadjuvado por Marcelino da Mata e Cherno Sissé. Carlos Silva faz o historial de outras unidades a quem o grupo de combate esteve ligado, refere que participaram em mais de 30 operações desde a sua criação até ao final de 1967, com destaque à Operação Chibata, que decorreu em Cumbamori, já no Senegal. 

Ainda não está esclarecida a data de saída de Marcelino da Mata deste grupo de combate e o percurso percorrido por este, nos anos seguintes. O autor releva a atividade operacional no âmbito do BCAÇ 1887, há sempre louvores para o alferes, para Marcelino e Cherno, e descreve minuciosamente a Operação Chibata, de que, curiosamente, Luís Cabral, virá a ser primeiro dirigente da Guiné-Bissau depois da independência também relata no seu livro "Crónica da Libertação", pois nessa data ele e Chico Té estavam em Cumbamori. 

Os Roncos seguiam no primeiro dos três destacamentos da força operacional, entraram no acampamento de forma surpreendente, infligiram ao PAIGC um elevado número de mortos, capturaram armamento e documentos, mas na refrega perderam-se quatro vidas, Cherno Sissé foi ferido. Vale a pena destacar o que escreve Luís Cabral: 

“A surpresa tinha sido total. Depois de mais de quatro anos de luta armada, era a primeira vez que as forças colonialistas se aventuraram a entrar em território senegalês para, a partir daí, atacar uma base no interior deste país. Antes do romper da aurora, tinham-se aproximado cautelosamente do local onde estava instalada a nossa base. Até chegar à enfermaria, não tiveram nenhum contacto com a nossa gente. A barraca onde se encontravam os médicos e os técnicos cubanos foi a primeira a ser avisada. Um técnico cubano de artilharia deu o primeiro tiro que alertou toda a gente. Pela primeira vez eu estava presente num encontro entre as nossas Forças Armadas e o exército colonial”

Cherno Sissé contará mais tarde ao autor, chegou a haver luta corpo a corpo com recurso ao emprego da faca de mato.

Noutro capítulo, Carlos Silva destaca a atividade operacional no âmbito do BCAÇ 1932, estamos já em 1968, os atos valorosos sucedem-se e preparam as condecorações de Marcelino da Mata e de Cherno Sissé como Cavaleiros da Ordem Militar da Torre e Espada, para além das suas promoções. 

Nesta sequência, também o autor faz sobressair a atividade operacional dos Roncos com outra unidade militar, o BCAÇ 2879, estamos em 1969, ocorre um acontecimento histórico, numa localidade chamada Faquina foram apreendidas várias dezenas de toneladas de armamentos e munições. Os Roncos já são comandados pelo Furriel Cherno Sissé. 

A documentação oficial e as investigações apresentavam números díspares sobre a quantidade de armamento apreendido e foi neste contexto que Carlos Silva escreveu ao Major General Agostinho Ferreira para que este confirmasse o resultado da Operação Faquina, foram 24 toneladas. Mais tarde, os Roncos ficaram adstritos à Companhia de Caçadores 14, também sediada em Farim, o seu comandante, o então Capitão José Pais, irá contar no seu livro "Histórias de Guerra" o drama de Cherno que ficou, por razões de combate, sem uma perna e um olho e com um braço retorcido e mais curto, a viver em Lisboa em condições manifestamente degradantes. Foi assaltado em casa, reagiu disparando um tiro à queima-roupa, matou um dos gatunos. 

“A polícia desarmou-o e, enquanto saía à rua pedindo reforços e uma ambulância para o morto, a populaça atacou Cherno e com um varão de ferro vazou-lhe o único olho que lhe restava. Cherno Sissé ficou cego e foi preso. Lá fui à Boa-Hora e lá tentei explicar ao meritíssimo juiz o que é ter servido o Exército Português, o que é ter sido combatente operacional na Guiné durante nove anos seguidos, o que é ser ex-combatente desprezado e o que representa para um homem destes a perda da dignidade pessoal, face à vida. O meritíssimo parece ter entendido e aplicou-lhe três anos e meio”.

Carlos Silva junta anexos, referências, por exemplo, a Bodo Jau, um bravo do pelotão dos Roncos de Farim que posteriormente fez parte do grupo Os Vingadores, que foi fundado por Marcelino da Mata.

Uma obra de profundos afetos, insista-se. E dou comigo a pensar como a atividade operacional destes bravos veio de um passado que historicamente parece inexistente, lê-se a atividade operacional de 1966 a 1968, há todos estes atos de bravura que o autor aqui regista e em quase tudo quanto se tem publicado sobre a História da guerra da Guiné há um manto diáfano de silêncio sobre tudo o que foi combater com denodo e bravura até Spínola ter surgido e merecer em exclusivo as honras do heroísmo e da combatividade. Mistérios da historiografia.


Tenente Coronel Marcelino da Mata
Alferes Miliciano Filipe José Ribeiro e o 1.º Cabo Cherno Sissé (CCAÇ 1585)
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Notas do editor

- Este livro vai ter amanhã, dia 14 de Agosto de 2021, a sua primeira apresentação na Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, durante o habitual convívo dos segundos sábados de cada mês.

[*] - Vd. poste de 25 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12199: Notas de leitura (528): "Os Roncos de Farim - 1966-1972", por Carlos Silva (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 10 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22445: Notas de leitura (1370): Prefácio de Ricardo Figueiredo ao livro "Um caminho a quatro passos", de António Carvalho