1. Muitos de nós gastámos uma boa parte da nossa energia juvenil a abastecer-nos uns aos outros... Ainda periquito, participei (eu e os meus camaradas da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12), no 2º semestre de 1969, em diversas colunas logísticas, fornecendo-lhes a segurança, de Bambadinca até ao Saltinho (via Mansambo e Xitole, mas também via Galomaro), e fazendo chegar às companhias em quadrícula do Sector L1 os "comes & bebes", mas também os artigos de cantinha, os combustíveis, os lubrificantes, as munições, o fradamento e calçado, os medicamentos, o correio, etc., indispensável à organização, funcionamento e manutenção da máquina de guerra... Chegou-se a ter que fazer em dois dias um percurso de 60 km, com vituras civis e militares que, no tempo das chuvas, ficavam facilmente "atascadas"...
Sabe-se que uma companhia (160 homens, em média) precisava de cerca de 40 toneladas de abastecimentos por mês (880 tonelados ao fim de uma comissão de 22 meses)...
Discriminam-se a seguir, por tipologia de abastecimento, os respetivos valores por mês (em percentagem do total e em quilogramas) (*)
(i) 38,7 %; víveres (alimentação): 14,5 mil kg, sendo 12 mil kg de víveres secos, e 2,5 mil kg de víveres frescos:
(ii) 34,7%: artigos de cantina (cerveja, tabaco, higiene, papelaria, etc.): 13 mil kg:
(iii) 21,4%: combustíveis (gasóleo, gasolina, petróleo): 8 mil kg;
(iv) 1,6%: munições: 700 kg;
(v) 1,3%: medicamentos; 500 kg:
(vi) 1,1%: lubrificantes (óleo para viaturas e armamento, etc.): 500 kg;
(vii) 0,7%: fardamento e calçado: 300 kg;
(viii) 0,5%: correio: 250 kg.
Total= 100% | 37750 kg (a dividir por 160 homens=235,9 kg).
O pormenor do correio é relevante: cada um de nós "consumia" em média, por mês, c. 1,6 kg de cartas, aerogramas, vales postais, telegramas e encomendas... É (era) obra!... É(era) muito papel.
Mas também cada homem gastava 3,125 kg de medicamentos... (que na altura, ou pelo menos entre 1962 e 1969, eram de fabrico nacional). Sem esquecer, os 1,9 kg de fardamento e calçado.
Já o consumo "per capital" mensal de munições ia para os 4,375 kg. E o de combustível subia, naturalmente, para os 50 kg, abaixo dos 81,250 kg dos artigos de cantina... e dos 90,6 kg de víveres (3 quilos por dia/homem).
Last but not the least, só tínhamos direito a pouco mais de 500 gramas de víveres frescos por dia (2500 kg mês /160 homens= 15,625 kg / 30 dias= 520 gr por dia / homem).
Parte destes víveres chegavam por via aérea (o DO-27 que trazia o correio, também largava, com sorte, umas caixas de ovos e pouco mais, não sabendo nós o que a Intendência entendia por "víveres frescos": talvez algumas batatas, cebolas e cenouras, que o frango e o peixe, esses, eram congelados, ou em conservas (o peixe), o leite era condensado, os legumes (feijão, grão...) eram secos, o bacalhau liofilizado, o tomate em calda, a fruta enlatada... e a carne de vaca só em dia de anos do capitão ou da companhia...
PS - Não vejo onde estejam, nestas contas, os materiais de construção (cimento, areia, ferro, chapa, madeira, pregos, etc.). Provavelmente os custos eram imputados ao Batalhão de Engenharia (BENG 447, no caso da Guiné). E, por outro, as necessidades eram variáveis, de companhia para companhia.
(*) Fonte: adapt. de Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pp. 281 e 284. Com a devida vénia...
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Nota do editor:
Último poste da série > 9 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22702: A nossa guerra em números (3): mal comidos, mal pagos, mal vestidos...