sábado, 21 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24778: Os nossos seres, saberes e lazeres (596): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (125): Em Leiria, pedindo muita desculpa por lhe ignorar os tesouros (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2023:

Queridos amigos,
Não era uma visita de médico, mas havia as limitações de um curto fim de semana, ia-se um tanto às cegas, houve uma adorável viagem de comboio, saciou-se a fome numa viagem de comboio pela linha Oeste, o que permite seguir o itinerário dos arrabaldes lisboetas, os sucessivos tecidos do chão saloio, pôr os olhos na fecundidade do solo desse Oeste que dá boas frutas e legumes, e depois a paisagem de pinhal, incêndios recentes trouxeram a praga do eucalipto, estranha-se a inércia das autoridades em consentirem em tal atentado. Este segundo dia foi preenchido com algumas visitas de estalo, como aqui se mostra, desde uma exposição de Sofia Areal, o Centro de Diálogo Intercultural e Religioso, a grandessíssima surpresa que é o Museu de Leiria e, não menos deslumbrante, o moinho de papel, marcado pelo trabalho do arquiteto Siza Vieira. E a seu tempo aqui se voltará, em romagem ao castelo medieval e arredores.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (125):
Em Leiria, pedindo muita desculpa por lhe ignorar os tesouros (2)

Mário Beja Santos

Neste segundo e último dia de estadia em Leiria, tendo verificado à noitinha do primeiro que há um verdadeiro estendal de património entre o castelo medieval e o rio Lis, impõem-se opções drásticas, ser comedido no deambular pelo casco histórico, e selecionar com rigor os lugares a visitar. Começa-se pela antiga delegação do Banco de Portugal, obra do arquiteto luso-suíço Ernesto Korrodi, uma mistura de classicismo romântico e do despertar da Arte Nova, temos agora no seu interior, muitíssimo bem intervencionado, um espaço expositivo digno de visitas, verificara logo no primeiro dia a ver ali uma exposição de Sofia Areal, santa do meu culto, não quis perder a oportunidade de a visitar, gosto muito da dialética que ela sabe impor entre formas e luz, cores fosforescentes onde não falta o negro, onde é permanente a relação entre o desenho e a pintura, é no uso do papel que ela é mestre a fazer despontar energias primordiais e a combinação do gestual com o orgânico. A exposição incluía, aliás, um elucidativo vídeo do seu trabalho em estúdio, onde se releva a natureza deste relacionamento e até uma certa escrita automática que evoca o surrealismo. Há artistas de quem podemos dizer que fazemos o reconhecimento ao primeiro olhar, tal como há outros de quem adivinhamos a parentela das escolas, dos ensinamentos obtidos, das analogias com o mestre. Sofia Areal é completamente singular, iridescente, tumultuosa, problemática. Aqui a saúdo nestas três imagens.

Está decidido: um pouco de passeio, à laia de despedida, o castelo de Leiria, o Museu da Imagem em Movimento ficarão para segundas núpcias, agora vou caminhar para o Centro de Diálogo Intercultural de Leiria, procuro estar atento aos pormenores, acho esta ligação na rua do Arco um verdadeiro achado.
Pormenor da rua do Arco

Este Centro de Diálogo Intercultural pretende interpretar a presença ao longo dos séculos de três importantes religiões em Leiria, o catolicismo, o judaísmo e o islamismo, está sediado na Igreja da Misericórdia, edifício muito bem restaurado, painéis elucidativos do que timbra qualquer uma destas três religiões do Livro, belas imagens, etc. Visto o interior do edifício sentei-me para contemplar melhor o trabalho do altar-mor e do teto. Aqui fica o registo em duas imagens.
Nova etapa, a Igreja de Santo Agostinho e o seu Convento onde se encontra o Museu de Leiria que tem claustro de planta quadrangular. Oferecem-me uma pequena brochura onde se esclarece que este museu ficou a deve a sua concretização aos esforços persistentes de Tito Lacher (1865-1932), que levou á criação do Museu Regional de Obras de Arte, Arqueologia e Numismática de Leiria. Em 2006, iniciou-se o processo de restauro do Convento de Santo Agostinho, monumento construído a partir de 1577 (a igreja) e 1570 (o complexo conventual), é aqui que habita o Museu de Leiria. O programa museológico abrange, para além do acervo do antigo museu, as coleções artísticas municipais e a reserva arqueológica. É um museu que se organiza em dois espaços expositivos: no primeiro, uma exposição de longa duração, que faz uma leitura geral da História do território, e o segundo é reservado a exposições temporárias que permitem aprofundar temáticas e coleções específicas.
Entrada do Museu de Leiria, uma instituição cultural recheada de prémios
Claustro quadrangular do Convento de Santo Agostinho/Museu de Leiria

Passo pela arqueologia como cão por vinha vindimada, embora, confesso, rendido ao excecional trabalho museológico e museográfico, mas isto de ossadas, pedras e moedas romanas tenho tido a dita de conhecer com uma certa quilometragem. Detive-me diante de duas obras soberbas de pintura, uma festa de aldeia, tipicamente flamenga, obra que saiu da oficina de Dirk Bouts, o que me maravilha é a organização do espaço, uma festa morada, há para ali regozijos e dança, gente enfastiada ou com muito álcool na cabeça e fora deste compartimento, onde há mesmo marcas da natureza, estende-se até ao infinito a paisagem, indiferente à folia que decorre no espaço compartimentado, e as cores são soberbas. A outra prende-se com um motivo tipicamente religioso, é atribuída ao pai de Josefa de Óbidos, está marcada por uma candura esplendorosa, o Menino Jesus afinal também se magoava e não havia qualquer motivo para esconder aquela reação tão própria dos homens, a manifestação da dor.
Menino Jesus do Espinho, atribuído a Baltazar Gomes Figueira, c. 1640-1650

Dentro do museu decorria uma exposição intitulada CORPVS, Arte e Património Eucarísticos na diocese de Leiria-Fátima, exibindo uma série de testemunhos materiais que traduzem a forma de pensar a Eucaristia em cada tempo, o que permite ao visitante observar cálices, patenas, casulas, dalmáticas, castiçais, lampadários e até uma espetacular custódia do século XVIII.
Custódia do século XVIII

No final da visita, ainda deu para apreciar, dentro da temática religiosa, arte plástica como esta Última Ceia, um modernismo um tanto ingénuo, com originalidade de uma pose para a fotografia, ou uma cena teatral, porventura um relevo destinado para templo religioso. Tocou-me profundamente.
A Última Ceia

Vamos agora ao último itinerário do dia, um fabuloso moinho do papel, um dos ícones patrimoniais de Leiria. Equipamento reabilitado pelo arquiteto Siza Vieira, é um dos ex-libris da história da indústria leiriense. 1411 consagra o início da história do moinho do papel de Leiria, numa época em que a indústria da moagem era determinante para o desenvolvimento económico, este moinho é um dos primeiros na Península Ibérica. Nas margens do rio Lis, o moinho destaca-se pelas estruturas dos antigos rodízios que submergem no edifício, e pelas grandes azenhas que sublimam a imagem de uma indústria artesanal de outrora. No interior, vivencia-se o processo tradicional de produção de papel, em que os visitantes podem participar, e de moagem de cereais. No final, o visitante pode comprar as farinhas produzidas com a energia do rio.
É admirável este complexo museológico e a museografia é irrepreensível pelo caráter pedagógico que revela a todo o momento, ora vejam.

Está na hora de regressar, na vinda tomou-se o comboio de Entrecampos até Leiria, uns abordáveis cinco euros e satisfez-se um antigo desejo de voltar a andar de comboio pela linha do Oeste. Regressa-se de autocarro, com uma certa tristeza, não houvesse afazeres inadiáveis, era certo e seguro que se subia ao castelo. Mas há mais marés que marinheiros e a vontade de regressar é irreprimível.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24756: Os nossos seres, saberes e lazeres (595): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (124): Em Leiria, pedindo muita desculpa por lhe ignorar os tesouros (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24777: Manuscrito(s) (Luís Graça) (239): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte VI: no desterro em Angola, Zé do Telhado "continua a realizar proezas: subjuga os pretos, funda prósperas roças, dirige negócios" (Padre Manuel Vieira Aguiar, 1947)


Contracapa do livro de Padre Manuel Vieira de Aguiar - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947, 439 pp.




Uma das raras imagens do Zé do Telhado, de seu nome de batismo José Teixeira da Silva (c. 1816-1875), aqui com o seu irmão Joaquim Telhado, também ele bandoleiro, à sua direita. Fonte: Aguiar, 1947, op. cit., pág. 273. (Foto extraída do livro de Sousa Costa, " Grandes dramas judiciários: tribunais portuguees", Porto, O Primeiro de Janeiro, 1944)


1. O Zé do Telhado (ou melhor,  a sua memória popular) calhou-me... "em herança". Tendo casado em Candoz, a escassos quilómetros de Fandinhães (terra da minha sogra, Maria Ferreira), na serra de Montedeiras, e a 5 minutos de carro da Casa do Carrapatelo na margem direito do rio Douro (o mais célebre dos assaltos cometidos por aquele "capitão de bandoleiros", no dia 8 de janeiro de 1852), tinha que me interessar pelas "lendas e narrativas" que sobre esta personagem oitocentista se contavam, ainda nos anos 70 do séc. XX.


Andava há anos para ler as "Memórias do Cárcere", do Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825-Vila Nova de Famalicão, 1890). Só agora tive tempo e pachorra para o fazer. (E também só há uns anos conheci a casa-museu do Camilo, em São Miguel de Seide, V. N. Famalicão)

E, atrás do Camilo, vieram outros autores, não muitos, dos que tèm escrito sobre o banditismo no séc. XIX, em geral, e o Zé do Telhado, em particular.

Também, por "herança", veio-me parar às mãos o livro cuja contracapa se reproduz acima, da autoria do padre Manuel Vieira de Aguiar, "Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses" (Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947, 439 pp). Está completo (falta-lhe a capa), mas em muito mau estado, muito manuseado, a precisar de ser restaurado e reencadernado.

O autor, Manuel Vieira de Aguiar, na altura era professor do ensino liceal, sendo irmão do padre Agostinho de Aguiar. ( Este foi pároco da freguesia de Paredes de Viadores, a que pertence Candoz, e também ele conterrâneo e condiscípulo do meu sogro, ao tempo da escola primária, e amigo da família Ferreira Carneiro, para cujos convívios costumava ser convidado: Já faleceu há já  uns largos anos; era natural de Mondim, uma lugar perto de Candoz, e a sua família foi um alforge de padres e freiras.)

O livro tem interesse documental, como monografia do concelho do Marco de Canaveses e as suas trinta e duas freguesias (na altura), incluindo Paredes de Viadores. Destaque também para as 75 gravuras (reproduçóes fotográficas), que ilustram o livro, e que são valiosas para o estudo etnográfico das gentes daquela terra do Vale de Tàmega, uma das tábuas do berço onde nasceu Portugal.

A I parte do livro  é dedicada à história dos concelhos, entretanto extintos em meados do séc. XIX, que deram origem ao atual concelho de Marco de Canaveses (Bem-Viver, Canaveses, Soalhães, Alpendurada, Santa Cruz de Riba Tàmega e Porto Carreiro) e ainda aos diversos coutos que existiam dentro do território do concelho, cinco privados (Alpendurada, Tabuado,Burgo de Entre-Ambos-os-Rios, Tuías, Vila Boa do Bispo) ou e 1 real (Vila Boa de Quires), Fala-se ainda de duas beetrias do Reino, Canaveses e Paços de Gaiolo (pp. 55-154).

Já agora, defina-se, muito sumariamente, esta terminologia, menos familiar ao leitor:

(i) beetria , segundo o dicionario, é uma  localidade medieval que gozava o direito  de eleger os seus senhores, um privilégio raro:
(ii) couto era "uma determinada zona de terra, limitada por autoridade real, com certos privilégios, isenções, justiça própria, pagando determninadas pensões aos senhorios diretos" (op, cit., pág. 117).

Havia os coutos privados (dos conventos e da nobreza) e os reais (estes também chamados "coutos de homiziados", ou sejam, de fugitivos à justiça: na prática, era um instrumento de "colonização interna", ficando situados  de preferência nas regiões fronteiriças; os criminosos encontravam ali protecçáo e guarida, com exceçáo para traidores, regecidas e hereges...); foram extintos em 1790.

A II parte do livro é dedicada à "história, demografia e corografia de cada uma das freguesias do a
tual concelho" (pp. 155-360),

E a III (e última) parte é sobre "o folclore em Marco de Canaveses" (pp.361-435): vida rural, com destaque para os trabalhos agrícolas (arranca do linho, espadeladas, malhas, vindimas, esfolhadas), folclore, romarias, serões, festas, bailados populares, superstições, janeiras e reis, carnaval, clamores e pregões, alminhas e cruzeiros, etc.

Na entrada sobre a freguesia de Penha Longa, o autor dedica 13 páginas (pp. 252-265) ao Zé do Telhado e o assalto ao Carrapatelo (passados 70 anos sobre a morte do assaltante e 85 sobre o assalto).

Socorre-se, no essencial, sobre fontes já nossas conhecidas, com destaque para o Camilo "Memórias do Cárcere), Eduardo Noronha ("Zé do Telhado"), Sousa Costa (" Grandes dramas judiciários"), Pinho Leal (" Portugal Antigo e Moderno"), e António Cabral ("Perfil de Camilo").

Antes de apresentar um resumo da vida do Zé Telhado, como militar e depois como bandoleiro, o autor descreve-o nestes termos:

"Alto, gordo, de agradãvel apresentação, génio indomável e fartas barbas, eis o temível capitão de bandidos, que, durante cerca de 10 anos, espalhou o terror do saque e do sangue em terras de Entre-Douro e Minho" (pãg. 252).

O tom é "hagiográfico": afinal trata-se de saber por que é que "os nobres e os ricos lhe davam guarida e proteção"... Já o povo tinha por ele "uma certa estima que, avolumada pela tradição, se transfornou, mais tarde, em admiração profunda" (sic) (pág, 252).

O autor resume o porquê em duas linhas: Porque se dizia que José do Telhado: 

(i) "cumpria sempre a sua palavra; 

(ii) "dívida contraída, na hora marcada se saldava"; 

e (iii) "distribuía pelos pobres o fruto das suas rapinas aos ricos"...

A sua vida "épica e aventurosa", resumida pelo autor (e que inclui o episódio da  da Guerra da Patuleia em que o José Teixeira da Silva conquista a medalha da "Torre e Espada") vai acabar em 1859, quando é preso... 

Vai acabar ou é apenas interrompida... Porque, na verdade, qual Fénix Renascida, há um Zé do Telhado II, em África, onde acaba por morrer, prematuramente,  em 1875, e do qual sabemos pouco, embora saibamos que a sua memória ainda hoje é lá recordada e respeitada... De facto, ao ser desterrado para a Angola, numa época em que ainda era escassa a presença portuguesa (uns poucos de milhares, na sua grande maioria desterrados), o Zé do Telhado torna-se um  dos seus seus primeiros povoadores e colonizadores.


2. Citemos então o autor, o padre Manuel Vieira de Aguiar, conterrâneo do meu sogro, José Carneiro (1911-1996), nascido portanto em Paredes de Viadores, Marco de Canaveses: 

(...) Por fim, cansado de desgostos, resolveu embarcar para o Brasil. A bordo já da barca Oliveira foi preso por iniciativa de Adriano José de Carvalho e Melo, ex-comissário da polícia do Porto [. Foi também Deputado da Nação e Governador Civil de Bragaça, nota de rodapé, pág. 260], e naquela data administrador do jovem, concelho do Marco de Canaveses, o qual soube soube do paradeiro do famoso facínora, por indicações de José Morgado, agora a ferros.

Conduzido à cadeia da Relação do Porto, ali respondeu por tentar fugir para o estrangeiro, sem a documentação precisa. É entregue depois ao Tribunal do Marco, onde corre o processo do crime de Carrapatelo, é é transferido da cadeia do Porto para a do Pisão, em Canaveses.

O seu companheiro de clausura, que também aguarda julgamento pelo crime de adultério com Ana Plácido, o insigne escritor Camilo Castelo Branco, atendendo à sua pobreza e amizade, conseguiu-lhe para defensor o seu próprio advogado, Dr. Marcelino de Matos, que gratuitamente lhe presta os seus serviços.

E em 25 de abril de 1861, realiza-se na casa da Quinta, freguesia de Tuias, um notável julgamento em que José do Telhado é condenado a degredo perpétuo e trabalhos públicos em África. Mais tarde, mediante recurso, foi a sentença reduzida pela Relação do Porto a simples degredo.

Na selva africana continua porém a realizar proezas: subjuga os pretos, funda prósperas roças, dirige negócios. No exílio, longe da terra natal e da família, a estrela cintilante, tão nimbada de luz que por vezes nuvens negras envolveram, de novo surgia na sua velhice alquebrada. E assim, lá longe. no olvídio de tantos que o temeram e respeitaram, se findou esse bravo, de sentimentos generosos, que foi grande mesmo no crime.

É assim o destino de alguns homens tatuados com o sinete do génio!....

José Teixeira da Silva tinha qualidades como várias vezes demonstrou, de aguerrido, fidelíssimo soldado. Se, do regresso das lutas partidárias, mãos amigas o tivessem auxiliado, teria sido um homem de bem, honestíssimo. Se nas sendas tortuosas, nubladas da existência, alguém orientasse a sua juventude, tão inclinada à epopeia, ao maravilhoso, teria sido um chefe invencível, talvez mais dominador que Napoleão Bonaparte, mais temido que Júlio César, mais intrépido que Alexandre Magno.

Assim, abandonado às suas próprias forças, sem o amparo carinhoso da avara família humana, foi o que foi − um misto formidável de glória e infâmia, de grandeza e baixeza, de epopeias e tragédias. (pp. 260-262).


Não deixa de ser surpreendente este retrato, feito por um homem, sacerdote católico, que escreve em meados dos anos 40, no auge do Estado Novo. Já agora, não é de ignorar esta dedicatória do livro:  "ao Instituto para a Alta Cultura, Secretariado Nacional de Informação, Câmara Municiapl de Marco de Canavese e Junta da Província do Douro Litoral, que se dignaram patrocinar esta obra, a gratidáo reconhecida do autor"... 

Em 1945, recorde-se, tinha chegado aos écrãs das salas de cinema em Portugal, o filme de longa metragem, "Zé do Telhado", realizado por Armando de Miranda, com exteriores filmados perto de Candoz, na Serra de Montedeiras, e protagonizado pelo romàntico e popular ator Virgílio Teixeira, no papel principal. Um verdadeiro "western à portuguesa", disponível no You Tube, em versão integral, aqui (com a duração de cerca 86 minutos).

Um Zé do Telhado, vítima das "circunstâncias histórias" (as lutas fratricidas dos portugueses, na época do liberalismo), e de algum modo "reabilitado" pela História, também convinha à propaganda de um Estado Novo, "antidemoliberal": no desterro em Angola, Zé do Telhado "continua (...) a realizar proezas", isto é, "subjuga os pretos (sic), funda prósperas roças, dirige negócios" (a expressão é de Manuel de Aguiar).

(Continua)

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos: LG)

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24776: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (4): Qaqortoq, uma pequena vila piscatória de 3 três mil habitantes, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)


Foto nº 26


Foto nº 27


Foto nº 28


Foto nº 29


Foto nº 30


Foto nº 31


Foto nº 32


Qaqortoq, Gronelândia, agosto de 2023


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (4): Qaqortoq, uma pequena vila piscatória de 3 três mil habitantes

por António Graça de Abreu (*)


A vilazinha gronelandesa, com apenas 3.050 habitantes, chama-se Qaqortoq, nome não fácil de memorizar apesar de contar apenas três sílabas (Foto nº 26). Situa-se no extremo sul da Gronelândia, na margem direita de mais um fiorde, a uns seis quilómetros do mar. Como não tem cais de acostagem para grandes navios como o “Poesia”, da MSC, estacionamos o barcalhão a uns dois quilómetros do pequeno porto e tomamos três lanchas, as baleeiras do navio em serviço para a ligação a terra.

Qaqortoq, que em dinamarquês se assume como Julianehab, foi um dos primeiros lugares da Gronelândia a ser povoado por vikings no século X. Depois vieram os esquimós-inuites, os noruegueses e os dinamarqueses. 

Protegido dos ventos, porto de pescadores e caçadores de focas (Fotos nº 29 e 30) desempenhou o seu papel na pequena economia gronelandesa, assumindo-se hoje como o quarto maior aglomerado populacional do país. Vi chegar do mar, onde ainda pululam icebergues, duas ou três traineiras carregadas de salmões, enormes, fresquíssimos. Um caçador de focas, com duas espingardas a tiracolo, regressava também da sua jornada num glaciar próximo. 

Qaqortoq vive muito do negócio de transformação da pele de foca em casacos, luvas, botas, sapatos, algo proibido no Canadá e nos Estados Unidos da América. Não há proibição na Europa e os pobres animais que me dizem não estar em extinção, são por aqui impiedosamente abatidos.

Entretanto, porque Qaqortoq -- um dos lugares menos poluídos do mundo --, se transformou também num destino turístico, uma senhora esquimó, com quem meti conversa, fala-me na chegada de 35 navios de cruzeiro por ano. (Fotos nºs 31 e  e 32).

Não será muita gente, mas o turismo terá algum significado na vida económica da terra que cresce, em presépio, subindo por duas encostas, para norte e para sul, com as casinhas pintadas nas cores fortes comuns a toda a Gronelândia. Duas igrejas protestantes, três ou quatro supermercados bem abastecidos, um hotel com bom aspecto, mas com quartos nada baratos, tudo acima dos 250 euros por noite e o aviso cá fora de que lá dentro não há hi-fi para turistas de passagem.

Um campo de futebol com relvado sintético e informam-me que os qaqortoquianos são bons de bola, já foram campeões da Gronelândia por quatro vezes. Grande futebol se jogará por aqui! (Foto nº 27)

Por cima da vila, encravado entre montanhas de pedra, existe o grande lago Tasersuaq (Foto nº 28) que congela no Inverno e é óptimo para patinagem. Logo ao lado fica a zona onde se faz ski durante parte do ano. Agora as pistas encontram-se cobertas de vegetação, mas a partir de Outubro tudo estará atapetado com neve e gelo.

Caminho junto ao mar. Os pescadores aproveitam a placidez do Verão, com o Atlântico Norte azul e calmo, consertando os barcos, preparando redes e anzóis para novas pescarias. O sossego do dia, onze graus de temperatura, o silêncio avassalador envolvendo tudo.

Na pesquisa da Gronelândia na Net, encontro um poeta Gronelandês que creio ser um dos mais famosos autores do país. Chama-se Aqqaluk Lynge, nasceu em 1947 e tem um
poema que fala em caçar animais. Traduzi do inglês, assim:

Ouvir os mais velhos

Caçadores de gansos, um encontro na terra.
Ele diz: “Hoje é domingo,
ninguém deve dar um tiro.”
Assim falam os mais velhos
e nós ouvimos os mais velhos,
às vezes.

Vem um bando de gansos,
lutando contra o vento.
Ele pega na espingarda e dispara,
um ganso cai,
os outros continuam voando.
Sim, hoje é domingo.

Um bando de perdizes brancas
salta em círculos, à nossa volta,
não fazem nenhum ruído.
“Têm medo”, diz a pessoa mais velha,
“as corujas saíram para caçar,
as perdizes procuram a protecção dos homens,
nós não as caçamos.”
É o que dizem os mais velhos,
e nós ouvimos os mais velhos,
às vezes.


António Graça de Abreu
_____________________

António Graça de Abreu:

(i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; 

(ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 5/2/2007; 

(iii) tem c. 330 referências no blogue; 

(iv) é escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); 

(v) no nosso blogue, é autor de diversas séries:

  • Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo;
  • Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (em coautoria com Constantino Ferreira);
  • Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983";
  • Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias;
  • Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)

(Revisão / fixação de texto / negritos, e edição e numeração de fotos, para publicação deste poste no blogue: LG)

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de outubro de  2023 > Guine 61/74 - P24732: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (3): Nuuk, a minúscula capital da maior ilha do mundo, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)

Guiné 61/74 - P24775: Notas de leitura (1626):"Portugueses em África, Uma Breve História, Da Conquista de Ceuta à Descolonização", por Pedro Rabaçal; Marcador Editora (Editorial Presença), 2017 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Trata-se de uma iniciativa de divulgação, abarca a presença portuguesa em vários continentes, o capítulo dedicado à Guiné afigura-se-nos no essencial correto, menos correto o capítulo que dedica a descolonização, a bibliografia apresentada é muito precária e alguns dislates não impedem de considerar que a obra cumpre a sua função meramente expositiva e didática.

Um abraço do
Mário



Portugueses em África: uma breve história da nossa presença na Guiné

Mário Beja Santos

A
obra intitula-se Portugueses em África, Uma Breve História, Da Conquista de Ceuta à Descolonização, por Pedro Rabaçal, Marcador Editora (Editorial Presença), 2017. É uma obra de divulgação por alguém que tem no seu currículo o gosto por investigar, veja-se os títulos do que já publicou na Marcador Editora: 100 heróis e vilões que fizeram a História de Portugal; Imperadores Romanos, a vida de 30 Césares; Os grandes ditadores da História; 100 datas que fizeram a História de Portugal. Abarcando todas as parcelas do Império Português, ao longo de cerca de 150 anos, seleciona-se o que sobre a Guiné escreveu.

Tem um capítulo autónomo intitulado Guiné, a rebelde. Inevitavelmente fala nos lançados e tangomaus, no Tratado Breve dos Rios da Guiné, de André Alvares de Almada, nos piratas e presídios, na edificação da fortaleza de Cacheu, no enorme refluxo marcado pela Dinastia Filipina e a tentativa, após a Restauração, para melhorar a presença portuguesa; dá-nos um breve quadro da missionação e dos seus magros resultados; estamos chegados ao tráfico negreiro, a par do assédio francês e britânico, dá conta de que altas figuras da mestiçagem prosperavam com o comércio negreiro, caso de Caetano Nosolini e a sua mulher Aurélia Correia, e faz uma exposição digna de destaque:
“A atividade negreira de Caetano Nosolini correspondia à maioria da média anual de 2000 negros vendidos a Cuba. Enquanto não eram vendidos, trabalhavam nas suas plantações de café, amendoim, arroz, milho. As acusações e protestos contra Nosolini não passaram de uma brisa aquando das suas nomeações para governador interino da Guiné. Uma delas era a do homicídio do capitão mercador francês Dumaige, seguida da sua prisão e absolvição. A anulação da indemnização não teve efeito, dado a marinha francesa ter confiscado várias toneladas de mercadorias de Nosolini, sob a ameaça do uso da força.

O combate ao tráfico de negreiros significou o fim da prosperidade mercantil da Guiné no início do século XIX. As reduzidas guarnições locais passaram a ser pagas em géneros, como panos e barras de ferro, remunerações cuja a modéstia e lentidão despertavam frequentes atos de indisciplina. O hábito de enviar degredados merece ser exemplificado pelo caso do capitão-mor Manuel Pinto Gouveia, nomeado em 1905 e acompanhado de uma guarnição de 150 criminosos.
Um rival e concorrente de Nosolini, o também negreiro Joaquim António de Matos, não soube reconverter-se a novas atividades com a abolição da escravatura. E os negócios não lhe correram bem, como quando a Royal Navy destruiu o seu estabelecimento na ilha das Galinhas e libertou os escravos, em 1842”.


O autor debruça-se sobre os assédios francês e britânico, prossegue com os confrontos entre português e autóctones e o papel exercido por Honório Pereira Barreto. São referenciados vários desastres, como Bolor (1878) e a derrota de 15 de janeiro de 1886, num afluente do Rio Grande de Buba. Trata-se de um período de enorme instabilidade, em que os residentes dentro de Bissau vivem na maior das inseguranças. Mas tentou-se a expansão militar, sempre com enormes dificuldades e assim se chegou à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886. A narrativa destaca as campanhas do capitão Teixeira Pinto, as violências do seu braço direito, Abdul Indjai e entramos num capítulo sobre a modernização da economia. Extinta a escravatura, a agricultura e a exploração madeireira passaram a ser as principais riquezas da Guiné, alargou-se a relação dos produtos de exportação, chegou-se ao século XX com o comércio externo nas mãos de sete casas comerciais (três francesas, uma franco-britânica, uma alemã e uma belga, e uma única portuguesa). Somente 18% do comércio externo da Guiné era realizado com Portugal (isto de 1909 até 1913), o controlo português surgiu em 1927 com a criação da CUF.

O autor refere a questão das grandes carências, da divisão entre civilizados, assimilados e indígenas, o período de transformações trazidos por Sarmento Rodrigues. E procede a uma inflexão, dedica um capítulo às rebeldias guineenses e às respetivas operações ditas de pacificação que culminam com a rendição da ilha de Canhabaque em fevereiro de 1936.

Inevitavelmente que irá falar da Guiné no capítulo dedicado à Guerra Colonial, há poucas novidades: o início de guerra em janeiro de 1963, a Operação Tridente, a natureza dos armamentos das tropas portugueses e guineenses, a chegada dos técnicos cubanos em 1965, as tentativas de Spínola em reverter os avanços do PAIGC, as ofensivas diplomáticas de Amílcar Cabral, os desastres da Operação Mar Verde, como Sékou Touré se aproveitou desta operação para proceder a uma nova purga sangrenta na República de Conacri; e temos a questão cabo-verdiana como um dos motores do assassinato de Amílcar Cabral mas o autor não perde a oportunidade para referir outros hipotéticos responsáveis.

Faz perguntas:
“O que o Estado Novo tencionava ao ajudar membros do PAIGC a tomar o poder dentro do partido? Fazê-lo mudar de lado? Uma simples aliança temporária contra o inimigo comum? Quem sabe, enfraquecer e dividir o PAIGC, o que soa mais provável. Porém, a eliminação de Amílcar Cabral acabou por não dar em nada.
Uma vez decapitado, o PAIGC deixou crescer outra cabeça dirigente, como uma hidra, e os respetivos combatentes lutaram com a maior firmeza, ansiosos por vingar a morte do líder. O escândalo internacional perante a morte de um famoso e respeitado não foi de certeza uma vitória diplomática para Portugal. O crime não serviu de nada ao Estado Novo nem ao colonialismo português. Amílcar Cabral era um homem, mas nenhuma bala podia eliminar as suas ideias”
.

Trata-se, pois, de um livro de divulgação, dá-se como certos elementos altamente discutíveis e jamais comprovados, é mais uma obra a juntar aos extenso reportório de tantos outros títulos orientados pelo prazer de fazer histórias breves do Império Português.

Cerimónia em frente do Palácio do Governador, Bolama, década de 1930
____________

Notas do editor

Último poste da série de 16 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24762: Notas de leitura (1625): "Militar(es) Forçado(s), por Maximino R. Costa; edição de autor, 2017 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24774: As nossas geografias emocionais (8): Aldeia Formosa, ao tempo da 3ª C/BCAÇ 4513/72 (1973/74) (José da Mota Vieira, ex-fur mil at inf)


Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > Vista aérea de Aldeia Formosa, no 1º plano; a  seguir, o quartel do comando, CCS e 3ª C/ BCAÇ 4513/72; e ao fundo a pista de aviação.  
 

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1974 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) > Aterragem do avião militar, o Nord Atlas, na pista de Aldeia Formosa. 


Foto nº 3 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1974 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) >   O Nord Atlas na pista de Aldeia Formosa. 


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) >  Capela da povoação 


Foto nº 5 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) > O fur mil at inf, José da Mota Veiga, da 3ª Companhia, sentado num bidão da Sacor, na horta e pocilga do batalhão.


Foto nº 6 >  Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973  > BCAÇ 4513/72 (1973/74) > Os fur mil Vicente e Mota Vieira
    

Foto nº 7 > Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1973 > BCAÇ 4513/72 (1973/74) >
O fur mil José da Mota Vieira, "na companhia do Mamadú Djaló, um grande amigo: o que  será feito dele?"

Fotos (e legendas): © José da Mota Vieira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Originalmente estas imagens estavam alojadas no portal Prof2000, que foi decontinuado: tinha uma excelente galeria de fotos, enviadas por antigos combatentes da região de Aveiro ; era "um projecto com serviços de suporte à formação de professores a distância e de apoio às TIC nas escolas", tendo como público-alvo "Escolas, Centros de Formação, Centros Novas Oportunidades, professores, projectos de escola e comunidade educativa em geral". A página estava alojada no Agrupamento de Escolas José Estêvao (AEJE) > Aveiro e Cultura > Arquivo Digital.(*)

Ficámos a saber que uma decisão tomada em Lisboa, na Av 5 de Outubro (?), teve um efeito sísmica neste portal, como nos conta o coordenador do projeto (email: henriquejcoliveira@gmail.com ).

"Os responsáveis pela manutenção dos servidores do Ministério da Educação e Cultura, ao fim de 18 anos de compilação de documentos, eliminaram todo o espólio cultural do projecto comunitário AVEIRO E CULTURA. Todas as hiperligações tiveram de ser refeitas para o novo alojamento, pelo que, eventualmente, algumas poderão não funcionar. Por isso, agradecemos a informação, para podermos corrigir o erro. Obrigado."

O O ARQUIVO DIGITAL tem "como objectivo a constituição de uma base colectiva de imagens, de livre utilização, abrangendo todas as áreas temáticas. As imagens podem ser obtidas de diferentes suportes: fotografias antigas, postais, diapositivos, etc.".


2. Informação adicional: 

Ver o blogue do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Buba e Nhala, 1973/74). Contactos: E-mail: batcac4513@gmail.com | Editores (ex-fur mil, 3ª companhia): Adalberto Costa Silva (telem: 965 816 315) | Jaime Joaquim dos Santos Ramos (telem: 917 221 437).

O BCAÇ 4513/72  tem igualmente uma página no Facebook, mais dinâmica. Julgo que seja mantida pelo Jaime Ramos (que vive em Avintes, Vila Nova de Gaia). Não há nenhuma referência ao nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné) nem à nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça).

Mas já temos vários camaradas do BCAÇ 4513 como membros da Tabanca Grande. Fica aqui mais um poste da série "As nossas geografias emocionais" (**). Fica também aqui o convite ao José da Mota Vieira para integrar a integrar a Tabanca Grande, formalizando o sua resposta através de um dos emails dos editores, por exemplo; luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com.

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24773: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (13): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Chegada ao Olossato e sobreposição com a CCAÇ 2402 - Primeiros dias no Olossato



"A MINHA IDA À GUERRA"

13 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

João Moreira
De pé: Furriéis Moreira e Carvalho (Enfermeiro)
Furriel Moreira
(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24750: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (12): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Chegada ao Olossato e sobreposição com a CCAÇ 2402

Guiné 61/74 - P24772: Agenda cultural (842): Pré-apresentação do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", prefaciado pelo Prof. Júlio Machado Vaz


1. Em mensagem de 14 de Outubro de 2023, o mosso camarada José Teixeira faz-nos a pré-apresentação do deu novo livro O Universo Que Habita Em Nós.


O UNIVERSO QUE HABITA EM NÓS

Histórias de vida, com vida

Um livro escrito por José Teixeira

Prefaciado por Júlio Machado Vaz

Cada um de nós ao nascer, transporta dentro de si um Universo a construir – a sua vida. Com o desenrolar do tempo e com a ajuda ou desajuda de quem nos rodeia – Mãe, pai, avós, mestres, professores, amigos, vizinhos e colegas do café e tantos outros agentes educativos – vamos desenvolvendo as nossas capacidades, formando o nosso carácter, estabelecendo a nossa forma de ser e estar na vida, ou seja, construído o nosso Universo pessoal.

As histórias que vos ofereço neste livro, ajudam cada um(a), a compreender este fenómeno maravilhoso da vida, como escreve o Prof. Júlio Machado Vaz, com candura, transparência e doçura.

Com um abraço de amizade
José Teixeira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de Outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24769: Agenda cultural (841): Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo - A Guerra Colonial: Conversa/debate com escritores - Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado; moderador António Lopes (Paulo Cordeiro Salgado)

Guiné 61/74 - P24771: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (5): Quem mente, o Paulo Santiago ou a "Maria Turra" ? Ainda a flagelação a Aldeia Formosa, no fim de semana de carnaval de 1971


Página 1 de um documento de 2 pp, do PAIGC, "Acções do PAIGC: Artilharia"

Fonte: Portal Casa Coum |  Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 07198.168.083 | Título: Acções militares do PAIGC - Fevereiro de 1971 | Assunto: Acções militares do PAIGC - Fevereiro de 1971. Artilharia. Emboscadas, minas, assaltos. | Data: Fevereiro de 1971 ! Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Militar / Comunicados de Guerra 1971. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral  

Citação:
(1971), "Acções militares do PAIGC - Fevereiro de 1971", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40307 (2023-10-19) 

Edição e reprodução neste blogue. com a devida vénia...


1. Nem sempre a "Maria Turra" (Amélia Araújo,  angolana, que hoje, ainda a ser viva, será "uma simpática velhinha", a viver em Cabo Verde,  com os seus quase 90 anos) dizia "mentiras" ou "só mentiuras"... 

Seguramente que este comunicado do PAIGC (vd. documento acima) passou pelos microfones da Rádio Libertação (um potente emissor oferecido pelos suecos), que emitia a partir de Conacri... E deve ter sido lido e relido por ela...

Em todas as guerras as "Marias Turras", de um lado e do outro,  contam contos e acrescentam-lhe uns pontos...  A propaganda faz parte da guerra, de um lado e do outro. Senore fez e é com mais mais importante... 

Neste caso, o PAIGC diz que atacou ou flagelou com o sistema "Grad" (foguetões 122 mm), em fevereiro de 1971, seis localidades e/ou aquartelamentos, incluindo Quebo (ou Aldeia Formosa), no dia 20...

Há uma pequena discrepância na data, na versão do Paulo de Santiago (*), quando confrontada com a da "Maria Turra": 20 ou 22 de fevereiro de 1971? A terça feira de carnaval desse ano foi a 23 de feveriro, portanto a segunda foi a 22, domingo 21, sábado 20... 

Na versão da "Maria Turra", Quebo / Aldeia Formosa foi atacada com o "Grad" a 20 (sábado) e a 22 (segunda feira) com "artilharia" (canhão s/r, morteiro...).

Dia  6, Gadamael: "Grandes destruições; ao fugir do quartel, o inimigo caiu numa emboscada e teve muitas baixas" (sic);

Dia 7, Encheia;

Dia 12, Catió;

Dia 20, Quebo: "todos os obuses atingiram o objectivo" (sic);

Dia 21, Susana; "o inimigo ao fugir do quartel, caiu numa emboscada, sogrendo muitas baixas" (sic);

Dia 25, Cabuca. 

Na altura ainda estava em Aldeia Formosa, sede do Sector S2, BCAÇ 2892, rendido em 26 de agosto de 1971, pelo BCAÇ 3852

A CECA (2015) (**) não faz especial referência a esta flagelação a Aldeia Formosa, com o "Grad" (a 20) e com  "artilharia" (a 22/2/1971)... (Refere, sim, 4 flagelações com foguetões 122 mm em agosto de 1971, certamente de boas vindas aos "periquitos" do BCAÇ 3852 e de despedida ao "velhinhos" do BCAÇ 2892)...

De qualquer modo, o Paulo Santiago estava lá, a 12 km de distância, nesse fim de semana de carnaval de 1971, e viu os "Katyusha" a passar sob o céu do rio Corubal, e a "Maria Turra", essa, estava em Conacri, a mais de 400 km... 
____________


(**) Vd. Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015.

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24770: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (4): Paulo Santiago, cmdt Pel Caç Nat 53 e formador de milícias (Saltinho e Bambadinca, 1970/72): na 2º feira de carnaval de 1971, contei 3 dezenas de foguetes, lançados em grupos de quatro; o alvo (falhado) era Aldeia Formosa

1. Comentário do Paulo Santiago ao poste P24743 (*), contributo para a nova série " Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos" (**):

Na segunda-feira de Carnaval de 1971 (***), houve um baile na Escola situada junto do quartel do Saltinho. Naquela data, andava agarrado a uma espécie de bengala, a coxa direita com uma dúzia de pontos devido a um acidente com morteiro 60, de que julgo ter falado há anos atrás.

Fiquei pelo bar do quartel.

Não sei precisar a hora, ouvi umas "saídas" e agarrado à "bengala" saí do bar, acontecem mais saídas e vejo uns rastos de foguetes,  seguidos de rebentamentos. Aldeia Formosa a ser flagelada,  pensei. Mais rastos de foguetes, saíam em grupos de quatro, e contei mais de três dezenas.

Havia comunicações directas com Aldeia Formosa, através de AVP 1, ou AN-PRC 10, o que me levou a ir ao abrigo das Transmissões para saber se o ataque era para aquela sede de batalhão. Acontece que de lá estavam a inquirir se era o Saltinho a ser flagelado.

Passados poucos dias veio info a dizer que tinha sido utilizada, pela primeira vez, a arma Katyusha, também conhecida por "orgãos de Estaline" utilizada na II Grande Guerra.

Verificou-se uma completa ineficácia da arma.Na Guiné não havia concentração de tanques, nem grandes aglomerados populacionais junto das fronteiras.

P. Santiago

12 de outubro de 2023 às 02:00


[ Foto acima, â esquerda : Legenda: Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Sinchã Sambel > Fevereiro de 2005 > A viagem de todas as emoções, o regresso de Paulo Santiago à Guiné, em Fevereiro de 2005. o Paulo Santiago  foi amdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72, e instrutor de mílícias em Bambadinca; é engenheiro técnico agrícola reformado; natural de Águeda, é um histórico da Tabanca Grande]

(Seleção / revisão e fixação de tecto /negritos: LG)
_______________

2. Comentário do editor LG:

Paulo, sabemos que os primeiros foguetes ou foguetões 122 mm foram lançados em outubro de 1969 c0ntra Bedanda e depois Bolama...

Sem querer entrar em polémica (o nosso blogue náo serve para isso, mas para partilhar informação, conhecimentos, experièncias, emoções dos antigoscombatentes do TO da Guiné...) temos de confirmar a posse, ou não, por parte do PAIGC, de sistemas de lançamento múltiplo destes foguetes autopropulsionados ("Katyusha", na gíria soviética, para o foguete; BM-13 ou 21 para o sistema de lançamento, assente sob o capô de uma viatura pesada).

Que o PAIGC já tinha, antes de 1971, o sistema Grad (ou "jacto do povo"), isso está documemtado. Os foguetes que no carnaval de 1971 tu viste sob os séus do rio Corubal em grupos de 4 (e contaste mais de 30), só podiam ser lançados de uma rampa sobre o capô de viatura tipo BM-13 (m/1941, estreada na II Guerra Mundial) ou modelo posterior.

Pergunto: será que esta flagelação, contra Aldeia Formosa, foi feita nas proximidades da fronteira, a partir do território da Guiné-Conacri ? (Aldeia Formosa e Saltinho distavam 3 km entre si, e outros tantos em relacão à fronteira, em linha reta).
_____________

Notas do editor:


(**) Em princípio, 22 de fevereiro de 1971... Há outra versão deste "história":


(…) Em 21 de Janeiro de 1971 , aí pelas 21.00 horas, entra um militar da CCAÇ 2701 pelo bar de Sargentos e Oficiais e informa, meio esbaforidamente, que um dos sentinelas está a avistar uma pequena luz numa curva do Corubal, situada aí a uns 500 metros na margem oposta à do quartel.

 (…) Chegou-se à conclusão que as granadas estavam a cair em zona entre Saltinho e Quebo (Aldeia Formosa)  e a arma era desconhecida. Passados alguns dias veio informação do Com-Chefe: naquele ataque falhado a Aldeia Formosa, o IN tinha utilizado pela primeira vez foguetes Katyusha, também conhecidos por Órgãos de Estaline (…)

Guiné 61/74 - P24769: Agenda cultural (841): Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo - A Guerra Colonial: Conversa/debate com escritores - Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado; moderador António Lopes (Paulo Cordeiro Salgado)


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Cordeiro Salgado (ex-Alf Mil Op Especiais da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de hoje, 18 de Outubro de 2023:

Meus caros Luís e Camaradas de redação do Blogue,
É com muita satisfação que apresento este registo.
Satisfação dupla: por um lado, pelo envolvimento nesta comemoração, fazendo parte da comissão executiva; por outro, ter ao meu lado, para conversar, o Mário Beja Santos, além do moderador António Lopes, também ele militar na reforma (não foi à guerra porque ainda era jovem) e editor sediado em Carviçais, Torre de Moncorvo.
O texto é um pouco longo, mas é assim, Luís e Caros Camaradas.

Mantenhas
Paulo Salgado



COMEMORAR O CINQUENTENÁRIO DO 25 DE ABRIL EM TORRE DE MONCORVO
A GUERRA COLONIAL: CONVERSA/DEBATE COM ESCRITORES

Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado

Moderador António Lopes

Sinopse de ideias para a conversa

Escrever sobre a Guerra Colonial é algo que pode ser levado a cabo sob diversos aspetos e formas.

Quanto a mim, que não pretendo ser herdeiro de qualquer tradição de «melancolia épica, natural acompanhamento do interminável crepúsculo que nos caracteriza», como refere Eduardo Lourenço na sua obra “A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia” (Gradiva, 3.ª edição, 2004), o que me mantém motivado a escrever foi, e é, o trazer memórias que me ajudaram a crescer e que me têm acompanhado ao longo de uma vida que vai sendo longa. Os tempos passados estão ainda presentes, são o “hoje”. Que reflexo no futuro?

Digo e escrevo com franqueza: às vivências pessoais sofridas na Guerra Colonial, tenho feito juntar o Outro, sendo que este Outro se encontra expressivamente e impressivamente ligado aos vários momentos que, apesar de decorridos em tempos diferentes, estão interligados. Guerra e Raízes – os domínios da minha escrita. O “eu” como ator/narrador, e o “Outro”, como construtor de histórias que se prolongam em mim por diversas formas.

O centro da nossa História, feito de descobertas e de conquistas ao longo dos séculos XV a XVII, feito de encontros e desencontros igualmente durante os séculos seguintes, passou a ser, nas décadas sessenta e setenta, a Guerra. Não uma guerra com caravelas e naus à procura das especiarias e escravos, quase sempre em confronto, algumas vezes em encontros amigáveis com gentes com que nos deparámos, que tinham o seu próprio processo histórico, mas uma guerra agora feita com espingardas e morteiros e obuses e fiats e bombardeamentos e napalm. O que foi uma presença quase planetária, de proselitismo religioso, de comércio afanoso, de poder a estabelecer nem que fosse à força, de curiosidade científica, também, passou a ser uma humilhante saída da aventura do que restava do mundo que percorremos, por incapacidade de compreendermos o processo histórico.

Não sou historiador, nem sociólogo, nem antropólogo, nem psicólogo; sou apenas alguém interessado em factos históricos de que procuro, quer algumas figuras maiores, porque a elas se encarregaram os estudiosos de engrandecer e historiar, quer, sobretudo, personagens menores, ou “arraia miúda” – como lhe chamava Fernão Lopes, esse mestre iniciador, entre nós, da História Viva – e a que Herculano quase três séculos mais tarde apelidava de História da Verdade.

São os meus camaradas que calcorrearam os trilhos, as picadas, as matas, as zonas pantanosas;
são os meus camaradas que vieram do norte e do centro e do sul deste Portugal simultaneamente querido e amordaçado – quase sempre desconhecedores do que andavam a fazer nas matas, vales, planuras, rios e montes de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, regressando alguns, infelizmente, em caixas de pinho como canta o poeta Zeca Afonso;
são as aldeias sem gente, fugida para o longe, para o lado de lá, queimadas as suas tabancas; são as crianças sem pais;
são as mães sem eira nem beira que choram, aqui, neste rincão do sudoeste europeu, e as que lá sofriam com as bombas e com a fome, desesperadamente afastadas dos seus;
são os combatentes pela libertação que deixaram terras por arrotear e se lançaram na aventura de ter como seu o chão que pisam.
São os adeuses nos barcos que levavam os jovens como eu para o inferno das Kalashnikov e dos morteiros e mísseis.
São as cartas e os aerogramas enviados, e as cartas e os aerogramas que traziam esperanças e sonhos de regresso.
Mas são também os reis e conquistadores e frades que navegaram e caminharam pelos mundos, no que foi uma epopeia narrada em Os Lusíadas.
São ainda os chefes que reclamavam, enganados na sua mentalidade serôdia, uma Pátria multirracial do Minho a Timor.
São estas personagens que entram na minha narrativa, que, por certo, fica aquém da prosa estritamente historiográfica.
São igualmente as raízes que me sobraram da infância e juventude. Eis o que agora vos devolvo nos meus livros, porque já me fora entregue pelo Outro. É que tudo se passou como se nada tivesse importância: o mar que nos banhou ao longo de aventuras e desventuras, as andanças de homens e mulheres calcorreando as partes de África, dos Brasis, e do Oriente, e o que vivido foi por muitos de nós destas gerações, mancebos de sessenta e setenta, a morte rondando debaixo dos pés, ou na ponta das espingardas – um verdadeiro desassossego, diria Pessoa…eu gritava (como outros): não quero morrer, não quero morrer, não quero morrer. O acaso, ou talvez as circunstâncias, me levaram às terras da Guiné-Bissau vinte anos depois da guerra, em trabalho de cooperação e, mais tarde, a Angola e Moçambique e S. Tomé e Príncipe – desta maneira, as minhas crónicas são um ir e vir pelo “hoje” e pelo passado – uma mistura só conseguida graças à capacidade que a escrita tem, antecedida pelo pensamento. As multiplicidades psicológicas e existenciais do Outro, os encontros com o Outro, fixaram-se na minha obra, estão vivas. A vida é isto: é ternura, é carinho, é solidariedade, é beleza, é fealdade. Agarrei-me a tudo (a quase tudo), e os dedos empurraram-me para a escrita…

Não pretendo ter na minha escrita qualquer «fixação hipnótica», como escreve Eduardo Lourenço, na obra acima referida. Senti, durante a presença no espaço e no tempo de guerra, guerra dura de que senti, chorando, a morte nos braços, que ruía por completo o Império, se Império Português houve. E, pasme-se, senti, igualmente, que restavam resquícios de um certo “modo português de estar no Mundo”, traduzido especialmente na “pretidão de amor”, expressão que Camões utilizou e viveu, experienciada por mancebos, militares e civis, que se acolhiam, no intervalo de combates, nos braços quentes das jovens mulheres, dando corpo, físico e mental, à teoria lusotropicalista de Gilberto Freire, aproveitada de forma conveniente pelos senhores pensantes antes da eclosão da guerra colonial, que, aliás, se adivinhava.

Mas, afinal, o que é escrever? Afinal, o que é escrever sobre “este” passado histórico, tão recente e tão distante, olhado e compreendido de formas diferentes? Tenho sempre dúvidas: as que decorrem de questões estéticas e éticas. Estéticas, porque há sempre um receio de que não seja bela a manifestação do que escrevo; éticas, porque o discurso que utilizo me coloca perante questões da vida, das mais simples às mais elevadas. Falar do Outro é sempre muito complexo, por estarmos permanentemente a entrelaçar Estética e Ética.

Nas minhas obras já publicadas, por certo outras virão, encontram os leitores uma narrativa que se baseia na História, mas exibe ficção, que mais não seja por razões éticas. Os meus Amigos, o Rogério Rodrigues e o Mário Tomé, que prefaciaram e ou apresentaram dois dos meus livros, juravam, com a bondade que os caracteriza, que estas narrativas continham em si a dimensão nobre de “contos históricos” – porventura serão. Pareceu-lhes, creio, um desejo, um desafio, lúdico, o meu.

Em “Guiné – Crónicas de Guerra e Amor” e “Milando ou Andanças por África”, também em “7 Histórias para o Xavier”, permanecem fixamente factos e personagens, com que deparei nas minhas leituras e minhas diversas passagens por África, e nas Raízes do meu canto aldeão transmontano – o Larinho, aldeia do concelho de Torre de Moncorvo, que entregou a Salazar e Caetano três soldados…
Neste momento, para eles a minha saudade e admiração. O meu respeito.

Paulo Cordeiro Salgado

____________

Nota do editor

Vd. poste de 17 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24765: Agenda cultural (840): Síntese da minha comunicação destinada à conferência "Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril", realizada nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2023, iniciativa da Câmara Municipal da Torre de Moncorvo (Mário Beja Santos)