Mostrar mensagens com a etiqueta Alentejo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Alentejo. Mostrar todas as mensagens

sábado, 21 de outubro de 2023

Guiné 61/74 – P24779: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (12): Almocreves e ferradores, mais alcunhas e locais da Aldeia Nova de São Bento (José Saúde)



O candeeiro a petróleo


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.    


 Coisas & loisas do meu tempo de menino e moço


Camaradas,

Foi precisamente à luz de um candeeiro a petróleo que dei os meus primeiros passos de vida. Depois, veio o aprender de o a, e, i, o, u, e um pouco mais tarde a desejada bênção da luz elétrica. Tempos difíceis onde o trabalho, principalmente no campo, era o elemento mais certo para parte de uma comunidade cuja faina ao “sabor” das calamidades não se apresentava desrespeitada pelos magros tostões ganhos na base do suor derramado na imensidão da planície.

Fui uma das muitas crianças que se habituaram a conviver com as carências deparadas no dia-a-dia, porém, e afirmo-o seguramente, que jamais soube o que fora andar descalço, ou falhas alimentares em casa, vestindo sempre aprimoradas roupinhas e esse minino cresceu, fez-se homem e conheceu uma vida repleta de histórias, sendo também que existem outras estórias as quais não renegarei. Ah, também fui militar (Ranger) e conheci o conflito da Guiné.

Quando parti para a edição do livro “ALDEIA NOVA DE SÃO BENTO – MEMÓRIAS, ESTÓRIAS E GENTES”, o 10º dos 11 já editados, admiti que a tarefa que me esperava assumia-se bastante difícil. Encarar e enquadrar no texto geral o fator da intemporalidade, de construções físicas francamente alteradas, por exemplo, ou trabalhar, com minuciosidade a exatidão das eras, das festas religiosas, da origem e evolução do povoado, do cante alentejano e dos seus ilustres cantadores, das festividades originárias de uma plebe que soube comer o pão que o diabo amassou, ou de gentes que sofreram os auspícios que o sistema político impunha, ou de lugares da minha aldeia que paulatinamente se foram transformando, ou ainda as profissões que se foram extinguindo, enfim, uma panóplia de recolha de informações que levaram dias, meses e anos a trabalhar.

Todavia, a obra que deixo ao povo, o meu, será, de certeza, uma mais valia que tem como princípio básico quem somos e de onde viemos. Há gráficos que falam da evolução populacional de entre outros temas que ficarão a posteridade, ou do fluxo de pessoas que procuraram outros destinos, nomeadamente Lisboa e seus arredores, ou da migração para países onde por lá fizeram as suas vidas, proporcionando a alguns ao seu solo sagrado, mas com outras condições de vida.      

A obra é feita de eloquentes factos que nos enchem de orgulho.  

(i) Almocreves    


Um almocreve de outros tempos

      

Os almocreves foram outrora pessoas que lidavam diariamente com animais, sendo os trabalhos no campo, uma das suas principais ocupações. Durante a idade média, até a tempos mais recentemente, os almocreves exerceram, também, a função de agentes intracomunitários, sendo indispensáveis no fornecimento de bens às comunidades que viviam dispersas pelas aldeias, vilas e cidades.

Em Aldeia Nova de São Bento os almocreves marcaram, na realidade, gerações. Foram homens cuja disponibilidade de esforços físicos fizeram parte do seu dia-a-dia. Distribuíam-se pelos lavradores da terra: os senhores Bártolo, Luís Madeira, família Barroso, Guanito, Luís de La Féria, Morgado, de entre outros, e por lá trabalhavam, mas sem folgas ou férias que se protelavam por anos consecutivos. Ou seja, trabalhavam do nascer ao pôr-do-sol e sempre de cabeça erguida. Eram, no fundo, assalariados, mas com um trabalho fixo.

Claro que a jorna não faltava em casas que, à época, não se viam obrigadas a mendigarem, uma vez que o salário não faltava no final de mais uma semana de trabalho que nesses tempos marcavam o pagamento das respetivas jornas. Tanto mais que o almocreve trabalhava de segunda-feira até ao domingo, logo os tostões ganhos traduziam-se numa vida mais tranquila.

Sabia-se que as dívidas da semana feitas na mercearia seriam pagas com o recebimento do pré, isto é, logo na semana seguinte, o que proporcionava ao merceeiro confiança num freguês que não apresentava no seu livro de querelas a condição de mau devedor. Portanto, era um privilégio ser-se almocreve.

As funções de um almocreve dividiam-se consoantes as necessidades do lavrador. Ora era o lavrar da terra para mais um alqueve, ora era o rasgar de regos para as sementeiras, ou para transportar os cereais para as eiras onde as debulhadoras fixas se instalavam, ou transportar o pessoal que por altura da apanha da azeitona, ou das mondas e das ceifas seriam transportadas nos carros de bestas, ou, ainda, em pequenos trabalhos solicitados pelo patrão. Limpezas das cavalariças ou da mansão do seu proprietário, eram canseiras que o almocreve não escusava.

A azáfama dos almocreves pelas ruas da nossa aldeia era intensa. O transitar pelas artérias onde as calçadas em pedra suportavam as rodas dos carros que possuíam um aro em ferro, apresentavam-se propícias para estridentes sons que levavam, amiúde, à curiosidade de crianças que não evitavam saltar para a “arrebicha” de uma “viatura” que para eles, garotos, era simples delícias.

Recordo ver ranchos de pessoas transportadas em carros de animais a caminho dos seus locais de trabalho. Lembro, ainda, a atividade dos abegões em volta de um carro que por vezes tinha necessidade de uma revisão.

Almocreves, uma profissão que, entretanto, se esfumou no tempo!

(ii) Ferradores

     O mestre Gregório


Conheci-o com tenra idade! Homem educado, amigo, sábio na sua arte e sempre afável para com o próximo, o mestre Gregório vestia, diariamente, o habitual fato-macaco (azul) e ei-lo a cruzar as ruas entre a sua casa no Largo da Igreja e a sua oficina, situada defronte à Sociedade 5 de Outubro.

Naquele espaço, fértil em amizades, o mestre Gregório trabalhava minuciosamente as ferraduras para o gado equídeo e para os asininos. Ou seja, ali se juntavam, mulas, machos, cavalos, éguas, burros e burras. Todos estes animais tinham ferraduras apropriadas para os seus cascos.

Contava o povo que, em tempos muito recuados, as sobras dos cascos dos animais eram triviais pitéus para a presença de lobos na aldeia, ouvindo-se os seus uivos ao longo da noite e a plebe assustava-se. Os ferradores, nessas eras, possuíam uma abastada agenda diária de trabalho, dado que a tração animal era, afinal, a única força motora para trabalhar a terra. Neste contexto, ao final do dia não sobrava tempo para uma atempada varredela aos restos dos cascos que por lá ficavam. Tanto mais que a luz elétrica nas ruas era, nesses recuados tempos, vã.

O mestre Gregório fez, na verdade, escola numa arte que sempre o motivou. O ferrar implicava o arrancar de velhas ferraduras e de cravos já gastos pelo muito andamento do gado por caminhos velhos e estradas pulverizadas com pedras.

Do mestre Gregório guardo excelentes recordações. Revejo-o no seu dócil manusear de ferramentas literalmente úteis à sua profissão; da preparação dos cascos dos animais; da turquês para o arrancar dos cravos; do martelo para os cravar; da lima que alisava esses mesmos cascos; o avental para colocar as patas dos animais nas suas pernas; a feitura das ferraduras num lume feito na oficina com carvão de pedra, como na altura se dizia, e com pura veracidade; o trabalhar os moldes; o curvar do ferro na bigorna e tudo à base do fogo; enfim, uma profissão que paulatinamente se foi perdendo no tempo.

Resta relembrar e trazer a público a profissão de ferreiro onde a nossa aldeia foi abundante, existindo vários ferradores que quase não davam mãos a medir para satisfazer as solicitações agregadas à imensa quantidade de animais então existentes. A aldeia e a serra, repleta de famílias, foram assíduos fregueses destas oficinas.

Hoje, as máquinas agrícolas ultrapassaram a força animal de antigamente. Os ferreiros foram substituídos pelas oficinas. Fica, porém, a certeza que o mestre Gregório foi um conterrâneo que deixou história como ferrador na nossa terra.

Ferrador, uma profissão que se conservou ao largo de anos!



Jana trabalhando a arte de ferrador


A profissão de ferrador conservou-se ao longo do tempo em Aldeia Nova. A geração Mira Monge, o João, o Manuel e o Lourenço, um homem que, entretanto, se instalou em Vale de Vargo, foram irmãos que deram continuidade ao ofício e que se entregaram à tarefa com uma enorme determinação. A oficina localizava-se no Largo dos Madalenos, sendo propriedade do João e do Manuel e teve como seu sucessor o Jana, como o povo o conhecia, mas sendo o seu nome próprio João.      

O Jana, para além da sua profissão, a de ferrador, foi um excelente cantador do cante alentejano, pertencendo, inclusive, ao Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento. Recordo visitá-lo e vê-lo entregue à arte em moldar e trabalhar o ferro e de onde saíam as ferraduras para “calçar” as bestas.
      


 (iii)   Mote para as alcunhas na aldeia 

 Os nomes da minha Aldeia
Há nomes mesmo engraçados
Desde o Porca Chupadiça
Ao Manel Esfrangalhado
O Safarreta, o Catarro,
O Bento em Crendo, o Falcato,
Eu vi o Manel Macaco
Rir do António Chaparro
Por vezes quando me agarro
Recordar é uma teia
O Zé Engancha, o Enleia,
João Bufa, Esgaravana,
Peido, Peidinho e Peidana,
Os nomes da minha Aldeia.
Rei-Varrasco, Escalfa Cães,
O Sacadiço e o Farupa,
Catrapingas, Catraputa,
Sete e Meio e Dois Tostões,
Alho Bufo e Zé Rações,
O Gadelha e o Pelado,
O Beija-a-Poia, o Cagádo,
Facadas e Saltaréu,
Canivete e Faquineu,
Há nomes mesmo engraçados.
Gato Cravo e Paneirinho,
O Zé da Mona, o Garrocho,
O Galdrapas, o Carocho
O Chorrilho e o Chibinho,
O Tigre e o Carapezinho,
O Carola e o Belicha,
Meia-Nalga, Chico Espicha,
O Estrafique, o Biscoito,
Pé-Leve e Luís Dezoito,
Há o Porca Chupadiça.
Pata Curta, Nabo Seco,
Cu de Chumbo, Coradinhas.
O Mil Kilos, o Carinhas,
O Caga Azeite, e o Carapeto,
Cacetadas, Carapeto,
Rasga-a-Manta e Cu Suado,
Zé do Saco e Saramago,
O Mau Bofe e o Cachola,
O Nariz D’Aço, o Engrolo,
Mais o Manel Esfrangalhado 

Autor
Francisco Rafael Rodrigues,
Por alcunha o Carinhas


(iv) Locais de Aldeia Nova de São Bento

MOTE 

Anda tudo em alvoroço
P`ras bandas da varandinha
Porque o monte do Encalho
Namora o Monte da Vinha 

Está à rasca o Carrasquinho
Com a Tapada do Facho
E até a Horta de Baixo
Discutiu com os Alpendrinhos
O Outeiro do Almeirinho
Guerreou com Vale Pedrouços
Vai p`rá farra o Monte Poço
Ao sopapo e aos bofetões
Avança o Poço dos Cães
Anda tudo em Alvoroço 

Há cacetada bravia
Lá p`rós lados da Charneca
O Carapetal aperta
Com o Poço do Tio Matias
Até mesmo na Vigia
Há quem diga que a Laginha
Anda louca embeiçadinha
Pelo Monte do Africano
Pandemónio Franciscano
P`rás bandas varandinha 

Lá na nora do Malquarto
Todos vivem numa fona
Madalenos e Atafona
Não falam do Bairro Alto
A Vareta deu um salto
Fugiu com o Monte dos Talhos
Os Alpendres não quer ralhos
Que a Fonte-Branca incomoda
De mini-saia a Abóbada
Vai ao Monte do Encalho 

Va haver um casamento
Porque há muito que ela chora
A Horta das Pegas namora
Com o Moinho de Vento
O Poça de Lobo atento
Diz para a Horta de Cima
A Cova do Homem é minha
Crespo, Vale Covo e João Gago,
Pias, Ficalho e Vale Vargo
Namora o Monte da Vinha

Autor
Francisco Rafael Rodrigues, 
Por alcunha o Carinhas (16/7/1983) 


Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Texto e fotos: © José Saúde (2023).

___________

Nota de M.R.:

Vd. últimos postes desta série em:

domingo, 1 de outubro de 2023

Guiné 61/74 – P24717: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (5): A nossa feira de setembro (José Saúde, Aldeia Nova de São Bento, Serpa)

A nossa feira de setembro



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 
    

Camaradas,  

Em primeiro lugar, aplaudo a excelente iniciativa que nos faz recuar ao nosso tempo de meninos e moços; em segundo lugar, aplaudo, também, tudo o que tenho lido sobre esse tempo no nosso blogue; em terceiro lugar, mas com a devida vénia, vou colocar um texto que fez parte de um dos meus livros sobre a terra que viu nascer: Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes, uma obra que vai na segundo edição.      

O texto diz-nos como era a feira de setembro, 1, 2 e 3, na minha aldeia e os seus diversos contextos para uma miudagem que não perdia a oportunidade de acompanhar passo a passo o desenvolvimento de uma novidade, anual, que traziam normalmente novidades. Aliás, era assim esse já recuado tempo, pois, atualmente tudo mudou de forma radical. 

A nossa feira de setembro

por José Saúde

 

Aspeto geral da feira, mas numa fase de construção. Vê-se a marcação das ruas ainda incompletas 


A curiosidade da rapaziada ao longo da semana que antecedia a nossa feira que se realizava nos dias 1, 2 e 3 de setembro, apresentavam-se divinalmente ao rubro. A bisbilhotice da miudagem era interessante. Tudo começava quando se dava início ao colocar os postes de iluminação, o estender dos fios nos postes e o subsequente colocar das lâmpadas, assim como a definição das ruas. 

Seguia-se o interesse pela chegada dos primeiros tendeiros que se faziam transportar por um carro puxado por uma besta. Depois as camionetas atulhadas com o material para o carrossel, ou de carros para a pista de automóveis, e outros que transportavam tudo o que fosse importante para a montagem do circo. O circo era constituído por famílias de artistas que utilizavam as suas próprias caravanas, o mesmo sucedendo para os proprietários dos carrosséis e da pista dos automóveis. De resto, tudo passava pelo coabitar nas próprias barracas.

Na verdade, a semana era deveras estonteante para uma juventude que passara o ano a pensar na sua feira. A malta, sempre ativa, não arredava pé do recinto e inteirava-se de todos os pormenores. Seguiam-se as cavaqueiras de uma mocidade que via na feira a grande novidade desse tempo.Novidades que se estendiam por diversos acontecimentos, quiçá únicos, vistos nessa altura.           

Apareciam os vendedores de versos avulsos, os amola-tesouras, as bancas de brinquedos no exterior do mercado, gentes a pedir esmola, as tendeiras a procurarem uma costureira para lhe arranjarem um vestido, ou de pessoas dos circos, carrosséis, ou da pista dos carros a procurarem um mecânico para um pontual arranjo no seu veículo, enfim, havia de tudo um pouco.

Recordo o mestre Portela que tinha uma oficina num casão que era propriedade de Luís de Lá Féria, propriedade esta que fazia parte da sua mansão familiar, hoje essa antiga residência é pertença da Junta de Freguesia, ser muito solicitado para os amanhos dos velhos automóveis dos feirantes, sobretudo de pessoas do circo que possuíam a maioria desses de transporte. Um ano tive a oportunidade em assistir a um arranjo na oficina do Portela do automóvel do “palhaço pobre” do circo e que era um espetáculo de homem. Os seus apartes punham a malta em delírio.

O primeiro dia de feira era, na parte da manhã, destinado à corredora. Ali faziam-se os negócios do gado. Não havia cheques nem transferências bancárias. Todo o negócio era feito com dinheiro vivo. O vendedor aprontava para o preço do animal e o comprador retorquia com um valor muito abaixo do pretendido pelo dono da besta. Pelo meio aparecia o “cortador” (homem feito ao ganho de uma percentagem previamente acertada e normalmente um individuo de raça cigana), pessoa esta que fazia “chantagem” para a concretização no negócio, sendo os ciganos mestres nestas andanças.

Ciganos, “negociantes” de gado

A muito custo o vendedor lá ia cedendo ao preço lançado pelo comprador. Exemplificando: partindo do princípio que o vendedor pretendia dez notas, isto significava que uma nota, nesses tempos, era de 100 mil réis, sendo o preço lançado de mil réis, mas o comprador propunha o valor de 500 mil réis. Entretanto, aparecia o “cortador” a intrometer-se no negócio oferecendo, também, dinheiro para a compra do animal. Conversa puxa conversa, o vendedor fraquejava e o comprador avançava com mais uma nota. Chegava-se, finalmente, a um acordo e a passagem do dinheiro para a venda do animal ficar concluída.

Ao lado dos negócios do gado, situavam-se pequenas barrancas que continham os apetrechos para os animais. Cabrestos, chocalhos, albardas, golpelhas para transportar a palha, molins, arreatas, de entre outros utensílio

                                                            A corredora

Nesses tempos dizia-se que o primeiro dia era dos campaniços. Esta pressuposta dicotomia é-nos plenamente admissível. As pessoas viviam em montes dispersos na serra aldeã, logo, o dia era propício para se fazerem negócios. Havia que reforçar a frota com animais novos. A idade sabia-se pelos dentes das bestas. Mas, na feira compravam-se utensílios que não existiam normalmente na aldeia.

O povo enchia-se de gentes que, vestindo-se de grave, passeavam pela feira que assumia o estatuto de evento de grande porte. Comprava-se torrão, algodão doce, bugigangas, pratos, panelas de alumínio, tachos, cadeirões em buinho, jarras, molduras, jogava-se um tiro nas barracas onde as meninas, sempre solícitas, chamavam os clientes que no fim recebiam um miminho, andava-se no carrossel, conduziam-se os carros na pista, e, à noite, ia-se ao circo. 

Havia, ainda, quem se dedicasse aos jogos de lazer, onde o objetivo passava por trazer algo para casa ou umas moedinhas para os bolsos, ou desembolsar os tostões que lhe fugiam inadvertidamente da algibeira. Existiam também as barracas de comes e bebes e um frango assado na brasa, naquele tempo, apresentava-se como repasto de se lhe tirar o chapéu.

A rua que dava acesso à feira, aquela que se situa entre o Largo do Rossio pequeno e o Rossio grande, estava apetrechada com barracas de fruto, particularmente de peros amarelos, sendo o seu cheiro deveras divinal, sobretudo ao longo da noite. Ou de barrancas onde se vendiam as mantas trazidas pelos vendedores vindos das Beiras, onde se comercializavam os safões, as pelicas, com a famosa lã de ovelha, as mantas, de entre outros agasalhos de inverno.

Lembro, também, a visita dos forasteiros que se instalavam nas tabernas onde mastigavam os seus farnéis. Puxavam de um “talego” e lá vinham os bons nacos de presunto, ou de paios, ou de toucinho com “vieirinho” magro, que acompanhavam com o vinho, ou cerveja, arrefecidos no fundo do poço localizado no quintal, pois nesses tempos não havia frigoríficos, sendo que nessas vendas aconchegavam os seus estômagos. Existia, ainda, a possibilidade de refrescar a bebida, comprando-se barras de gelo na fábrica que os taberneiros colocavam em alguidares de barro.

O terceiro dia de feira era o mais forte. Pelo menos foi essa a impressão com que o povo ficou e que ainda hoje preservo. O circo, por exemplo, cedo anunciava “grátis às damas, damas grátis” e a plebe enchia as bancadas à volta da pista do espetáculo.

Nós, então crianças, delirávamos com a magia do espetáculo. Os contorcionistas, os palhaços (o rico e o pobre), os trapezistas, os ilusionistas, os malabaristas, o trabalho com animais ferozes feito pelos domadores, enfim, uma amalgama circense que nos levava a inimagináveis sonhos.

À entrada da feira, à esquerda, situava-se, habitualmente, a barraca do Favinhas, um retratista que fora, sem dúvida, um homem que fotografou milhares pessoas cujas imagens são agora restos de saudade. Não fora ele não existia hoje reproduções dos nossos antepassados.

Assim era, em resumo, a nossa feira de setembro!


Um abraço, camaradas

José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________ 

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série de  1 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24716: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (4): A minha primeira viagem, de camioneta, a Lisboa, com 9 anos (Eduardo Estrela, Faro)

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23558: Agenda cultural (821): Filme a não perder: "Montado, o Bosque do Lince Ibérico", realizado pelo naturalista Joaquín Gutiérrez Acha, uma produção luso-espanhola (2020, 94 minutos). Em exibição nos cinemas.


M
ontado, o Bosque do Lince Ibérico: Um filme a não perder. Um coprodução luso-espanhola (2020, 94 minutos). Um orçamento de 4 milhões de euros.  Surge na sequência da candidatura do montado a património da humanidade da UNESCO  Estreia em Portugal no dia 11/8/2022.

Rodagem: período de 18-20 meses: locais: Alentejo (Pt), Andaluzía (Es), Estremadura (Es), Castilla-León (Es). Conclusão do filme 2020.

Ver aqui o trailer oficial:


Segundo informação da distribuidora, a Zero em Comportmento, "este filme, surge na sequência da candidatura do montado a património da humanidade da UNESCO e leva-nos, através do olhar particular de Joaquín Gutíerrez Acha, numa viagem imersiva.

" Com a narração da atriz Joana Seixas, o realizador mostra-nos um raro exemplo de boas práticas da interferência do homem no curso da natureza em voos contemplativos sobre este bosque ancestral na Peninsula Ibérica."

Em exibição em Lisboa, com sessões programadas (em setembro e outubro) também para Seia, Castelo Branco e Coimbra. Sessões do filme podem ser feitas a pedido (nomeadamente municípios), para a distribuidora, através de formulário disponível aqui.

Sobre o realizador e a ficha técnica. ver aqui.

1. Montado, o Bosque do Lince Ibérico

Documentário 94 min | 2020 | M/6 

Realizado por Joaquín Gutiérrez Acha

Elenco:  Joana Seixas


Sinopse

O montado é um ecossistema peculiar que contém em si uma enorme biodiversidade e riqueza natural, desempenha funções importantes na conservação do solo, na qualidade da água e na produção de oxigénio, é um pilar importante da economia local e dá origem a uma paisagem particularmente bela. 

Feita de bosques abertos, de azinheiras e sobreiros que só se encontram na Península Ibérica, lembra-nos a Savana africana. 

Um lugar onde a Natureza se cruza com a actividade humana, em que nem a floresta sai prejudicada, nem a larga comunidade de predadores que nele luta pela sobrevivência.” é deste modo que a actriz Joana Seixas, a narradora, vai descrevendo as imagens captadas pelo documentarista e naturalista espanhol Joaquín Gutíerrez Acha que, para este filme, contou com um orçamento de quatro milhões de euros. 

O filme estreou em 11/8/2022, está em exibição em Lisboa, no Cinema City Alvalade, todos os dias, às 13h25, 15h25, 19h50.

Fonte: Público > CineCartaz (com a devida vémia...)

Informação mais detalhada sobre o filme: 

Wilder >  “Montado, o bosque do lince-ibérico” vai ter novas sessões, 
por  Helena Geraldes | 18.08.2022 


2. A versão original,  em castelhano, está disponível (incluindo legendas em castelhano) na rtve play (desde 11/6/2022 até 8/5/2032)

Dehesa, el bosque del lince ibérico


Duração: 01:33:25 

Sinopsis

En la Península Ibérica existe un bosque muy particular, la Dehesa; un bosque único en el mundo donde descubrimos sensaciones muy diversas. Aquí, las selvas espesas del pasado se adaptaron a la actividad del hombre creando un ecosistema de especies autóctonas en perfecto equilibrio, hasta ahora.
 
Fonte: rtve play (com a devida vénia...)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22999: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (11): em dia de namorados, relembrando uma peça do falar alentejano que é uma obra-prima de marotice e de saudável bom humor... (Manuel Gonçalves, ex-alf mil manut, CCS/ BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73)


Capa do livro "Dicionário de falares do Alentejo", de /Vítor Fernando Barros e Lourivaldo Martins Guerreiro. - 3ª ed., muito ampliada ( Lisboa;: Âncora, 2013. - 294 p., a 2 colunas,  ISBN 978-972-780-420-7). VItor Fernando Barros, transmontano, professor do ensino secundário,  é aind autor de outros livros que podem interessar os nossos leitores, tais como: "Dicionário de Falares das Beiras", "Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro", "Dicionário de Português Europeu para Brasileiros e vice-versa".


1. O
nosso querido amigo e camarada, transmontano de Bragança,  Manuel Gonçalves, ex-Alf Mil Manut da CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), mandou-nos há dias uma deliciosa peça ilustrando o "falar alentejano" que já se perdeu (ou está-se a perder) à medida que o rolo compressor da modernização e da globalização mata o que é diversidade cultural, incluindo os nossos falares, de Norte a Sul do país, passando pelas regiões autónomas...  Já tenho saudades de ver e ouvir gente, na televisão com sotaque tripeiro, alentejano ou açoriano... Ou de ouvir falar termos e expressões que transgridem a norma cula d língua portuguesa...e que só a enriquecem.

Adicionalmente, em dia de Namorados, esta peça é uma obra-prima de marotice e de saudável bom humor, pese embora o traço grosso da caricatura da mulher alentejana e do padre católico perdido em antigas terras de mouros...  Sem "tradutor", a gente ficava a "ver navios"... Afinal, quantas "línguas" se falam em Portugal ? 

O Manuel Gonçalves não refere a página em que vem esta peça no "Dicionário de Falares Alentejanos", livro que não tenho mas que  vou adquirir. Obrigado, Manel, pela tua atenção. Esperamos não ofender ninguém, a começar pelos alentejanps e os católicos... De qualquer modo, é de "caranço" (ternura) que todos estamos a precisar, nos dias que correm, e nas nossas idades... (LG)


Data - quinta, 10/02/2022, 15:42 
Assunto - Alentejano vs Estrangeirismo

A língua portuguesa é muito rica, não há dúvida... Quando toda a gente fala por estrangeirismos bacocos, neologismos ou no vaidoso jargão técnico, sabe bem lembrar a bela e rica linguagem popular alentejana contida neste delicioso e maroto texto. Deliciem-se. 

Confissão Alentejana 

 Louvado seja Jesus Cristo!

 − Louvado seja sempre 

  Há quanto tempo não te confessas, minha filha ?” 

  − Vai fazer um mês, Senhor Padre.

  Ó minha filha, então porquê? Costumas vir todas as semanas. O que te apoquenta?
 
 −  Senhor Padre, nem sei como lhe dizer. Anda um assunto aberrundando-me, mas...

 − Procura-me o que quiseres, filha. Não deves ter melindres de desabafar com o teu confessor.

 − O meu noivo, Senhor Padre... Está em alas para experimentar... O que as pessoas fazem depois de casadas...

 − Agora cá! Mas vocês não são casados, valha-me Deus! Não podem ir contra as leis de Deus, filha! Querem casar ou querem ajoujar-se?

    Casar, Senhor Padre. Mas ele diz que entre noivos não haveria de ser grande pecado.

  Isso é lá a julgadura dele. Mas é a ele que cabe estabelecer a lei de Deus? Que pachouvada! Tu tens de ser rabeta e ter tinório.
 
 − Então, como devo fazer? Não quero que ele fique alcanchofrado comigo. E Senhor Padre, nós estamos muito encegueirados um pelo outro. Ele anda desinsofrido.

 − Eu entendo-te, filha. O caso está bichoso. Um homem não é de ferro e uma moça também não. Se não existissem esses desejos ninguém casava. Tal como se não existisse o paladar ninguém comia e morríamos todos. Acontece que o ser humano quando é cristão tem de seguir as boas leis de Cristo. Não nos devemos afastar do Evangelho. Atinta nas minhas palavras, pois elas são para teu bem. Mas para que te possa aconselhar melhor deves contar-me tudo o que vós tendes feito durante o vosso derrete.

 −  Como assim, Senhor Padre?

    Tudo. Conta-me tudo. Já o viste à espervela? Ele toca-te?

     Ai Jesus! Que entalo!

    Mexeu-te nas lanteriscas? Não sejas marreta e conta-me.

      Senhor Padre, quando estamos beijando ele quer que lhe mexa no martelinho. Mas eu não sei se devo. Mas nunca o vi nadavau.

  Ele é merlo mas tu terás de ser mais mérrula. Não podes albardar isso. Tal mimo desperta os apetites do verdugo e num flaite estás em privança. Não te esqueças que podes ficar embaraçada. Já viste que papel seria?

 − Não quero isso, Senhor Padre. Que dava um patatum à minha mãe. E o arrecuão que o meu pai me daria até me causa agasturas.

   Tem calma, filha. Tenta apressar a boda. Podes beijá-lo com caranço mas sem escofiar as lanteriscas do moço. Não tomes isto como um recado. És esgalhada, empapoilada e tens andado a aziá-las. Ele também te mexe na rola?

    Ai, Senhor Padre!

  Se não me contas a mim hás-de contar a quem? Dou-te bons conselhos no sentido de evitar a gadela. Todo o homem é pirata. Sei que não és moça alvarina. Confia no teu confessor. É para tua boa orientação, filha. Apressa a boda. Mexeu-te na pinta? Por cima ou por baixo dos froxéis?

  Por baixo, Senhor Padre...

  − Não  é galinha-morta esse teu noivo, não! E enquanto isso acontecia estavas dando-lhe galanduchas no seu romão-cego ?

 − Sim, Senhor Padre...

 Nâo  é nenhum mata-formigas, não. Não ficaram almareados? Conseguiram parar a tempo?

 − Sim, Senhor Padre... Mas está ficando cada dia mais difícil. Dá-me a espertina de noite.  Sinto uma calorina pelo corpo todo. E passo o tempo afofando estar com ele outra vez.

   Apressa a boda! Não te deixes enodoar, filha. A vila está cheia de trogalheiras sempre à espreita. Fazem de ti uma bagaça e lá vai o noivado para o maneta.

 − Isso  é que nunca! Dava-me uma travadinha que nunca mais me recompunha. Vou ter cautelas, Padre.

 − Agora  diz três Avé-Marias e o acto de contrição. Para a semana voltas cá. E tornas a contar-me tudo.


Aberrundar: atormentar 
À espervela: à mostra, a nu 
Afofar: achar gosto antecipado a qualquer coisa 
Agasturas: ânsias 
Agora cá!: não penses nisso! 
Ajoujar-se: amancebar-se 
Alas (Estar em): estar ansioso 
Albardar: permitir 
Alcanchofrado: zangado 
Alvarina: leviana 
Arrecuão: descompostura 
Atintar: ver bem 
Bichoso: difícil de resolver 
Calorina: calor 
Caranço: ternura 
Derrete: namoro 
Desinsofrido: impaciente 
Embaraçada: grávida 
Empapoilada: bem vestida, garrida 
Encegueirados: apaixonados 
Enodoar: manchar a reputação de alguém 
Entalo: aflição 
Escofiar: acariciar 
Esgalhada: airosa, formosa 
Estar a aziá-las: estar a pedi-las 
Flaite (Num): num instante 
Froxéis: roupa interior de senhora 
Gadela: cópula 
Galinha-morta: tolo 
Julgatura: opinião 
Lantriscas;  partes íntimas 
Marreta: teimosa 
Martelinho: pénis 
Mata-formigas: parvo 
Merlo: esperto 
Mérrula: astuta 
Nadavau: nu 
Pachouvada: asneirada 
Papel: escândalo 
Patatum: chelique 
Pinta: vagina 
Pirata: malandro 
Procurar: perguntar 
Recado: repreensão 
Romão-cego: pénis 
Rola: orgão sexual feminino 
Tinório: muito juízo 
Verdugo: homem musculoso 

Fonte: Adapt. livre de Dicionário de falares do Alentejo / Vítor Fernando Barros, Lourivaldo Martins Guerreiro. - 3ª ed., muito ampliada. - Lisboa : Âncora, 2013. - 294 p., a 2 colns ; 23 cm. - Bibliografia, p. 291-294. - ISBN 978-972-780-420-7 (Com a devida vénia...)

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22896: Notas de leitura (1408): "Aldeia Nova de São Bento: Estórias, Memórias e Gentes", de José Saúde: nota sobre o autor, introdução e sinopse

 


"Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes": capa, badana e contracapa do livro (Edições Colibri, Lisboa, 2021, 299 pp.). 

Sessão de autógrafos, no sábado, dia 15 de janeiro, às 15h00, no Pátio Àrabe da Casa do Alentejo, Rua Portas de Santo Antão, 58, Lisboa. (*)



José Saúde, escritor e jornalista, 
ex-fur mil op esp, CCS/BART 6523 
(Nova Lamego, 1973/74), 
membro da nossa Tabanca Grande, 
com mais de 210 referências no nosso blogue


Autor: José Saúde

José Saúde nasceu em Aldeia Nova de São Bento no dia 23 de Novembro de 1950, todavia, o seu registo oficial de nascimento reporta-se a 23 de Janeiro de 1951. 

Ainda muito jovem, e sem nunca renegar as suas origens, fez da cidade de Beja a sua terra de adoção. Na velha Pax Júlia concluiu o ensino primário e foi aluno da antiga Escola Industrial e Comercial de Beja, agora D. Manuel I, na qual finalizou o Curso Geral de Comércio, ainda que pelo meio tivesse ficado uma passagem pela Escola Comercial Veiga Beirão, em Lisboa. Mais tarde completou o 12º Ano na Escola Diogo Gouveia, antigo Liceu de Beja. 

Desportivamente, iniciou a sua carreira futebolística no Despertar Sporting Clube e aos 16 anos ingressou no Sporting Clube de Portugal, como juvenil. 

Depois dessa experiência enriquecedora em Alvalade, e já como jogador sénior, representou o Desportivo de Beja e o FC Serpa. 

Em 1975, com o serviço militar obrigatório cumprido, foi um dos grandes impulsionadores do reaparecimento do futebol de competição na Aldeia Nova de São Bento ao reativar a atividade no Clube Atlético Aldenovense. 

O jornalismo foi sempre uma das suas grandes paixões. Em 1985 iniciou a sua carreira como jornalista no jornal desportivo bejense “O ÁS”. De agosto de 1989 a janeiro de 2000 assumiu o comando do pelouro desportivo da Rádio Voz da Planície (RVP), em Beja. Coordenou a equipa do desporto da Planície Desportiva da RVP aos domingos; foi o rosto do programa “Estádio” aos sábados e desenvolveu ao largo dos vários anos radiofónicos duas rubricas diárias desportivas de nome Livre Direto.

No ano de 1994 frequentou o Curso de Comunidades Europeas para Profisionales de Medios de Comunicacion no Centro de Documentacion e Formacion Europea de Extremadura, em Badajoz, onde recebeu o Diploma.

A nível nacional foi colaborador do jornal A Bola entre 1990 e 2015. Colaborou, também, com o JN - Jornal de Notícias - no período de 1996 a 2006 na área desportiva.

Em 2006 estreou-se na TV Beja (televisão por internet), sendo responsável pela área desportiva e em agosto de 2008 integrou o Departamento Desportivo do Diário do Alentejo, órgão no qual se mantém.

Em maio de 2009 foi galardoado pela Câmara Municipal de Beja com o Diploma de Medalhas e Insígnias Municipais – Mérito Grau “Prata” – “por ter sido destacado por serviços distintos e altamente meritórios ao Município, e cujo nome está intrinsecamente ligado a Beja” e em junho de 2015 foi distinguido com o Diploma de Sócio Honorário da Associação de Futebol de Beja. 

De entre a sua bibliografia fazem parte as obras:

  • Glórias do Passado, volumes I, 1999 e II, 2006 - relatando a evolução do futebol no século XX na Associação de Futebol de Beja; 
  • AVC Na Primeira Pessoa, 2009; 
  • O Trilho, 2013; 
  • Guiné-Bissau, As Minhas Memórias de Gabu 1973/1974, 2014; 
  • Associação de Futebol de Beja, 90 Anos de Memórias e Relatos, 
  • 2015; AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade; 
  • Do Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense 1923 em 2016; 
  • Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/74, em 2019.   


Introdução

por José Saúde


Nasci em Aldeia Nova de São Bento no dia 23 de novembro de 1950 e sou filho de Francisco Saúde e de Ana dos Reis Romeiro, ambos naturais da povoação.

Oriundo de uma família humilde, gente que “comeu o pão que o diabo amassou”, mas cujo princípio familiar passou por me colocarem a estudar num ensino secundário, ensino este que ia para além da então trivial quarta classe, foi, de facto, o literal propósito dos meus saudosos pais, pessoas modestas, mas que oportunamente se identificaram com uma enorme solidez humana que motivou o homem que hoje sou.

Neste contexto, e num desafio permanente às “Memórias da Minha Aldeia”, deixo escrito, neste livro, parte das raízes da minha infância e dalguns pormenores de profissões que marcaram épicas gerações, onde os mestres foram personalidades que inspiraram épocas inesquecíveis, sendo que o seu labor ficará eternamente contemplado. Para além dessas inequívocas lembranças, recordo alguns dos nossos conterrâneos que ficarão perpetuamente expostos numa montra de eloquentes e requintadas individualidades.

Mas, além de tudo o que aqui vos deixo escrito, o que é sempre muito pouco, preocupei-me em investigar temáticas sobre a lenda da origem da nossa Aldeia, do seu Padroeiro São Bento, da Festa das Santas Cruzes, um dos nossos ícones anuais, assim como a envolvência da Procissão, do nosso fabuloso Cante Alentejano, do simbolismo das Santas Cruzes feitas em casas de devotos, enfim, uma panóplia de narrativas avulsas indiscriminadas no tempo e que dão maior força ao tema trabalhado com imensa ternura e resplandecente paixão.

É, ainda, plenamente crível que articule histórias genuínas da nossa terra e, obviamente, dos seus antigos costumes. Recupero, também, parte de narrativas inseridas numa outra obra que em tempos lancei para os escaparates, mas que julgo apresentarem-se determinantes para a composição de recordações do antigamente da comunidade aldeã e que jamais serão esquecidas.

Reconheço que muito mais haveria para expor, admito. Mas, neste planeta da escrita, sempre perplexo, o autor procura, neste caso, dar uma imagem do universo aldeão, embora o faça meticulosamente, sem preconceitos e isento de presumíveis susceptibilidades. Os textos, avulsos, são determinados por capítulos, mas não por ordem cronológica no tempo e nem tão-pouco sequencial no plano alfabético.

Deixo explícito nesta introdução à obra que me propus efectuar, o meu profundo agradecimento ao David Monge da Silva pela sua prestável colaboração, e pelo excelente espólio de memórias da nossa terra que possui e de onde bebi profícuos saberes, bem como ao Francisco Costa, à Constança Joana pela sua enorme disponibilidade de comigo colaborarem, sobretudo na recolha de fotografias e de instrumentos básicos para a construção dalguns dos textos, ao Zé Bica e à minha prima Mariana pelas muitas perguntas que lhes fiz sobre questões de outrora o que implicava, como é óbvio, um conhecimento mais rigoroso dessas eras, principalmente quando a minha perspicaz curiosidade impunha um saber mais sóbrio e literalmente verdadeiro.

A todos os meus conterrâneos um bem-haja! (**)

José Saúde

Sinopse

(...) "Ao ler estas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudar a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.

(...) Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.

(...) Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.

(...) As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós. Este livro é serviço público." (...)




(...) Esta é a décima obra de José Saúde que apresenta este livro como “uma obra que cruza gerações e onde explanei-o temáticas diversificadas. Aliás, nesta obra, que se estende pelas suas 299 páginas, relato a origem da localidade e os povos que lhe deram o nome em plena guerra da Restauração de 1640 (que durou 60 anos) aquando a dinastia dos Filipes se apoderou no nosso reino, das suas festividades mais marcantes (Festa do Círio e das Santas Cruzes, nomeadamente), assim como da sua originalidade, ou a forma que a história as relata, a antiga feira anual, em setembro (1, 2 e 3), gentes que marcaram a localidade, as antigas profissões, de pessoas simples que ficarão memorizadas na terra.”

José Saúde aborda também “os costumes da aldeia, as virtualidades dos mestres, o início do seu futebol, 1923 e o seu processo evolutivo, enfim, um conjunto de situações que nos leva a viajar no tempo, onde ressalta o êxodo rural para os grandes centros populacionais, Lisboa e os seus arredores assumindo-se como ponto fulcral, as “carradas” de famílias que diariamente deixavam a terra que os vira nascer em procura de uma vida melhor, da emigração, conterrâneos que partiam a salto para países que lhe proporcionavam um futuro mais risonho, o contrabando, ou do uivar dos lobos, as lutas politicas dos trabalhadores rurais” (...)

O autor destaca ainda “o Cante Alentejano elevado ao ponto mais alto, Património Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) a 27 de novembro de 2014 numa reunião do Comité em Paris, os jogos da minha infância, os amigos, as conversas dos mais velhos, mulheres e homens sábios que profetizavam o tempo e as culturas no campo, os petiscos, o tempo da miséria, o tempo das crianças com os pés descalços, enfim, um quase interminável número de circunstância a que propus e deixarei escrito para o meu povo.” (...)


_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22892: Agenda cultural (795): Convite para sessão de autógrafos do meu livro "Aldeia Nova de São Bento: memórias, estórias e gentes", sábado, dia 15, às 15h00, no pátio árabe da Casa do Alentejo (José Saúde)

(**) Último poste da série > 10 de janeiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22893: Notas de leitura (1407): Um livro que é "serviço público": "Aldeia Nova de São Bento: Memórias, Estórias e Gentes", José Saúde, Edições Colibri, 2021 (Prefácio de David Monge da Silva)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22893: Notas de leitura (1407): Um livro que é "serviço público": "Aldeia Nova de São Bento: Memórias, Estórias e Gentes", José Saúde, Edições Colibri, 2021 (Prefácio de David Monge da Silva)



Capa do livro "Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes",de José Saúde. Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp. (*)Para encomendas com oferta de 10% de desconto sobre o PVP + portes de envio para Portugal: encomendas@edi-colibri.pt


O escritor e jornalista José Saúde, ex-fur mil op esp, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), é membro da nossa Tabanca Grande, tendo mais de  210 referências no nosso blogue, Natural de Aldeia Nova de São Bento, vive em Beja. Prefácio de David Monge da Silva que aqui reproduzimos com a devida vénia  (**).


Prefácio

por David Monge da Silva


Quando o Zé Saúde me convidou para prefaciar esta obra aceitei imediatamente e sem qualquer hesitação. Temos, na infância e adolescência, um passado comum na nossa aldeia, e uma posterior ligação ao desporto, ele como praticante de futebol e depois como jornalista e escritor, e eu como profissional da educação física e do desporto. Mas aquilo que mais nos liga é o amor à nossa terra, à nossa aldeia, e o orgulho que sempre mostrámos quando dizemos que somos de Aldeia Nova de São Bento.

Apesar de estarmos fisicamente afastados contactamos muitas vezes usando as novas tecnologias. O tema de que habitualmente falamos é a nossa terra, os seus costumes e as suas gentes. Partilhamos alguma informação, sobretudo fotografias e documentos antigos, que tenho vindo a coletar e a publicar nas redes sociais. Aprendemos um com o outro somando memórias e linhas de investigação.

Ao ler as suas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudarem a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.

O Zé tem uma escrita muito própria que o identifica de imediato. Ao descrever um facto ou um personagem utiliza muitos adjetivos portadores de sentimentos e emoções, que imediatamente despertam a minha sensibilidade adormecida.

Quando o leio surge em mim um inevitável sorriso de alegria e felicidade, volto a ser quem fui, os meus familiares e amigos voltam a acompanhar-me na escola, nas coletividades, nas brincadeiras de rua, nas súcias e nas futeboladas intermináveis. Estou a escrever estas simples linhas e estou a sorrir.

Quando volto à minha e nossa terra natal, o que cada vez é menos frequente, fico sempre triste, não consigo encontrar a aldeia da minha infância. A casa onde nasci está fria e abandonada, os meus amigos emigraram para a periferia de Lisboa ou para o estrangeiro. Todos partiram levando consigo o ambiente onde cresci e fui feliz.

Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.

O que explica, muito sumariamente, a minha aldeia e, por extensão, todo o Baixo Alentejo é a enorme emigração, a perda continuada de população. É uma região cada mais deserta, cada vez mais envelhecida, cada vez mais esquecida.

Mas nem sempre foi assim.

Se olharmos para os dados disponíveis nos recenseamentos da população entre 1747 e 2011, encontramos longos períodos de aumento populacional e de posterior diminuição.

Tentemos compreender o fenómeno olhando rapidamente para esses números.


Da observação destes dados podemos destacar os seguintes pontos:

  • Foi em 1950 que Aldeia Nova atingiu o maior número de habitantes (8842). No último recenseamento, em 2011, tinha apenas 3072, o que significa uma redução populacional de 65%. 
  • É preciso recuar mais de 140 anos para encontrar, em 1878, um número inferior (2839) 

  • De 1747 a 1950 verificou-se um continuo e gradual crescimento com uma nítida aceleração a partir de 1900/1910, data em que as glebas da Serra de Serpa foram distribuídas pela população de Aldeia Nova. Esta desintegração do maior baldio do país, com cerca de 40.000 hectares, iniciou-se em1906, mas a população de ANSB protestou, como já o havia feito em 1755, por não concordar com a metodologia seguida pela Câmara de Serpa, o que atrasou o processo. Estas sortes, como o povo lhe chamava, tinham 16 hectares e foi algo de muito positivo o que permitiu e suportou um rápido aumento da população. Houve um grande incremento da cultura cerealífera, principalmente do trigo, o que deu trabalho a muita gente, sobretudo na monda e na ceifa. Contudo, a pobreza dos terrenos e a sua continuada exploração levou a um rápido esgotamento dos solos e ao seu progressivo abandono. Muitos possuidores de glebas viram-se obrigados a vende-las aos grandes proprietários que acabaram por ser os maiores beneficiários. Os montes abandonados espelham esta triste realidade. A progressiva mecanização da agricultura reduziu a oferta de trabalho. Só lhes restava partir. 
  • De 1950 até aos dias de hoje verificou-se uma contínua perda de população com os valores mais altos de decréscimo nas décadas de 50 (menos 1164 habitantes) e de 60 (menos 2450). Em apenas 20 anos houve uma diminuição populacional de 40,8%. 

Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.

Como exemplo, verificámos que actualmente há somente 40 rapazes a frequentar os quatro anos do 1º ciclo do ensino obrigatório, sendo apenas dez no primeiro ano. Nos pretéritos anos 50, no meu 1º ano, com a excelente professora D. Ermelinda Calvinho Grilo, éramos 52 rapazes, as meninas tinham uma outra professora, já que não havia ensino misto. Houve, comparando aqueles números do 1º ano, um decréscimo de 80%, muito superior ao decréscimo total da população que no mesmo período é de 65%, o que mostra o envelhecimento dos actuais residentes. Não se vêem rapazes a brincar nas ruas, o que nos anos 50 era uma exuberante realidade.

 Destes 52 saudosos colegas só um ou dois permaneceram na aldeia. Todos os outros partiram e constituíram família longe do seu berço natal, tal como eu e o Zé. Alguns não tiveram tempo de o fazer, morreram na guerra colonial.

As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós.  

Este livro é serviço público.

David Monge da Silva

Nota final - Para além das razões que, muito brevemente, apresentámos para explicar a fuga dos nossos conterrâneos, há muitas outras de natureza sócio política que conduziram a uma sobre exploração da classe trabalhadora e a uma enorme degradação da sua qualidade de vida.

Como não cabe num simples prefácio a análise desse problema proponho a leitura deste poema em que pretendo mostrar o percurso de vida do trabalhador alentejano e as razões que o levaram à emigração.






_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


25 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22844: Agenda cultural (794): General Manuel Monge na apresentação do meu último livro (José Saúde)

5 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22783: Agenda cultural (793): Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes, 10º livro do José Saúde: sessão de lançamento, 11/12/2021, 15h00, Vila Nova de São Bento. Apresentação do prof David Monge da Silva.

(**) Último poste da série > 7 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22886: Notas de leitura (1406): CCAÇ 1550 - Quando a história de uma unidade militar ajuda a perceber a evolução da guerra da Guiné (Mário Beja Santos)