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terça-feira, 10 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21531: Casos: a verdade sobre... (14): as razões da retirada de Madina do Boé em 6 de fevereiro de 1969... Já oito meses antes, em 8 de junho de 1968, havia saído uma Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade ali estacionada, a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício


Fotigrama nº 1


Fotograma nº 2

 

Fotograma nº 3


Fotograma nº 4


Fotograma nº 5

Fotogramas do filme "Madina Boe" (Cuba, 1968, 38'), do realizador José Massip (1926-2014), obtidas a partir da função "print screening" do teclado do PC e da visualização de um vídeo. de menor duração (28' 22'') , disponibilizado no You Tube, na conta "José Massip Isalgué".  

O documentário (ou excertos) foi carregado no You Tube no dia da morte do cineasta (ocorrida em Havana, em 9/2/2014). 

O documentário chama-se "Amílcar Cabral" (e pode ser aqui visualizado): é narrado em espanhol, tem subtítulos em espanhol, mas também pequenos diálogos em crioulo e em português (por ex., com o médico dr. Mário Pádua, angolano branco, oficial do exército português, de que desertou, tendo saído de Angola para se juntar mais tarde ao PAIGC). 

Possivelmente o documentário do You Tube baseia-se em grande parte na média metragem "Madina Boé", mas parece estar amputado da parte final, incuindo a ficha técnica. (Faltam-lhe cerca de 10').

Esta média metragem, "Madina Boé" (1968),  foi  financiado pelo Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográficas, de que o José Massip foi cofundador, e pela Organização de Solidariedade com os Povos da Ásia, África e América Latina. O documentário retrata a organização do  PAIGC na região do Boé, e o quotidiano dos seus guerrilheiros. O Boé
é considerado como "área libertada". 
 
O cineasta José Massip e o operador de câmara Dervis Pastor Espinosa  estiveram no Boé em março e abril de 1967,  pelo que as imagens do  ataque ao quartel de Madina do Boé em 10 de novembro de 1966 (, trágico para o PAIGC, com a morte de Domingos Ramos e outros militantes) só podem ser de arquivo e, nessa medida, são (ou podem parecer) um embuste: a verdade sobre o que se passou nesse dia trágico foi pura e simplesmente ignorada ou escamoteada.

Sabe-se que em março-abril de 1967,  a equipa cubana não filmou nenhuma cena de guerra, alegadamente por razões de segurança. As imagens de guerra que foram incorporadas no filme terão sido obtidas por outra equipa cubana, que estava no terreno em 10 de novembro de 1966, o que ainda está por esclarecer. (Já fizemos referência à operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que estava ao lado do guineense Domingos Ramos e do cubano Ulises Estrada) (**)

O filme foi estreado entre nós no doclisboa'16, em 24 de outubro e 2016, às  15h30, na Cinemateca Nacional, Sala M. F. Ribeiro.  Sinopse que vinha no programa, e que não deixa de ser reveladora de alguma ingenuidade dos organizadores.

"Filmado nas áreas libertadas [sic] da Guiné-Bissau, durante a sua guerra de libertação de Portugal, o filme segue o Exército Popular para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, documentando a educação política dos combatentes, as técnicas de guerrilha e o treino físico."  

De resto, tanto Cuba como  PAIGC mantiveram inicialmente em segredo a "ajuda estrangeira" em conselheiros, médicos e combatentes cubanos... No filme não aparecem combatentes estrangeiros, a não ser o médico Mário Pádua, de costas (que diz no filme: "eu sou um médico português antifascista e anticolonialista"... e acrescenta: a guerra que aqui se trava não é do povo guineense contra o povo português mas contra um regime político fascista...)

O filme do José Massip foi várias vezes premiado (. nomeadamente em países do chamado bloco soviético), passou na televisão cubana mas não obteve grande entusiasmo  da crítica interna. Há cenas no filme que não terão agradado ao regime de Fidel Castro, Em contrapartida, foi muito útil à propaganda do PAIGC. Amílcar Cabral era hábil, a explorar, no plano mediático e diplomático, testemunhos como este que devem ter seduzido, por exemplo, os suecos do partido de Olof Palme.

 Legendas: 

Fotograma nº 1 > Amícar Cabral cambando o rio Corubal,  acenando para uma das margens.

Fotograma nº 2 > As colinas do Boé

Fotograma nº 3 > Aspecto do aquartelamento de Madina do Boé (que José Massip chama "base"), vista seguramente obtida de teleobjetiva: vê-se um militar português, junto a duas dificações de alvenaria, abrigos e valas protegidoes por bidões cheios de terra.

Fotograma nº 4 >  Aspeto parcial de Madina, com algumas moranças da milícia ou guias locais ao serviço do exército potuguês. Imagem obtida seguramente por uma teleobjetiva, a partir de uma colina.

Fotograma nº 5 > Disparo de canhão s/r contra Madina do Boé [ possivelmente em 1o de novembro de 1966]

Reprodução, edição e legendagem, com a devida vénia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Foto nº 1 > O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à travessia do Rio Corunal, em Cheche, que se fazia através de um  jangada. 



Foto nº 2 > O Manuel Coelho dentro da jangada com um guineense, que tanto pode ser milícia como militar do destacamento de Cheche... Ambos ajudam a segurar o cabo (ou a corda) ao longo do qual se desloca a jangada (que também tinha um pequeno motor auxiliar)...


Foto nº 3 > A jangada que se começa a deslocar da outra margem (Cheche), seguindo o cabo, esticado de um lado a outro... No ancoradouro, é visível uma segunda jangada.


Guiné > Região de Gabu > Sector de  Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 > 

 O Manuel Coelho, fur mil trms,  com uma secção, montando segurança à jangada que fazia a travessia do Rio Corubal em Cheche (Foro nº 1). Ou puxando a corda que ligava as duas margens e ajudava deslocar a jangada (que tinha um pequeno motor auxiliar) (Fotos nºs 2 e 3)... Uma operação rotineira, ao lomgo de anos, de permanência das NT em Madina do Boé, até ao fatídico dia 6 de fevereiro de 1969, o da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche (Op Mabecos Bravios).

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Junho, 8 [1968] - Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade estacionada em Madina do Boé

Devido à sua localização, cercada de elevações de terreno {, as famosas "colinas do Boé", contrafortes do Futa Jalom, na Guiné-Conacri], Madina do Boé era considerada a Dien-Bien-Phu portuguesa-

A guarnição militar, uma companhia do Exército, reforçada com artilharia, era frequentemente atacada e vivia dentro de abrigos, sem capacidade para outra actividade  operacional que não fosse garantir o seu reabastecimento.

Não existia qualquer interesse operacional em manter ali uma guarnição, não existiam populações locais que fosse necessário enquadrar ou proteger, pelo que a manutenção de uma unidade em Madina do Boé resultava apenas do preconceito que sair podia ser visto como uma derrota.

A ordem de Spínola para abandonar a guarnição resultava da sua visão pragmática de fazer a guerra  e era reveladora do seu conceito de manobra, decididamente orientada para a conquista das populações. Abandonava terreno  desabitado e  libertava uma unidade que podia colocar numa zona de maior interesse.

In: Carlos de Matos  Gomes e Aniceto Afonso - Os anos da guerra colonial, vol 9: 1968 - Continuar o regime e o império. Matosinhos, QuidNovi, 2009, pp. 52-53.

[Nota do editor LG: a última companhia a guarnecer Madina do Boé, a CCAÇ 1790, não dispunha de artilharia p.d., mas apenas de morteiro 81 e canhão s/r, que são armas pesadas de infantaria]


2. Era também essa a opinião do comandante da Op Mabecos Bravios, destinada a assegurar a retirada de Madina do Boé, o cor inf Hélio Felgas [, do Comando de Agrupamento nº 2957, Bafatá, 1968/70], reformado com o posto de major general, e falecido em 2008.
 

O Paulo Raposo, ex-alf mil da CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-o-Novo, em 2006, mandou-me, em devido tempo, uma fotocópia de um depoimento do então Brigadeiro Hélio Felgas, sobre a trágica retirada de Madina do Boé.

Se não erro,  esse depoimento terá sido escrito em 1995, a pedido dos "baixinhos de Dulombi", os ex-alf mil Rui Felício, Paulo Raposo, Jorge Rijo, Victor David e , e demais pessoal da CCAÇ 2405, a unidade que perdeu 17 homens na travessia do Rio Corubal, em Cheche, 6 de Fevereiro de 1969. Só o Rui Felício perdeu 11 homens do seu Grupo de Combate. (As restantes vítimas mortais, 29,  foram da CCAÇ 1790.)

Desse documento  ("A retirada de Madina do Boé", até então inédito, publicado por nós em 2008)(*), retiramos alguns excertos em que o Hélio Felgas avança com as razões que levaram à retirada de Madina do Boé (e, consequentemente, ao lançamento da Op Mabecos Bravios). 

Enfim, são mais dois contributos para se esclarecer a verdade que está por detrás da retirada de Madina do Boé, rapidamente transformada pela propaganda do PAIGC em  grande vitória militar... e "trunfo diplomático"  (***)
 
2. A retirada de Madina do Boé (excertos)


pelo Brigadeiro Hélio Felgas  (1995)

[Digitalização, fixação e revisão do texto e subtítulos: L.G.]


Todo o sudeste da Guiné, ao sul do rio Corubal, era uma região praticamente despovoada onde só havia dois postos administrativos: Beli e Madina do Boé.


(i) Um ponto sem valor estratégico

Já antes de, em 1968, eu ter assumido o comando do sector Leste [, Agrupamento nº 2957, com sede em Bafatá], Beli fora abandonado [, em 15 de julho de 1968]. O pelotão que aí se encontrava fora transferido para Madina, completando a companhia aí instalada [, CCAÇ 1790, comandanda pelo cap inf José Aparício].

Madina fica a cerca de 5 quilómetros da República da Guiné-Conacri. Não tinha qualquer população civil e só dispunha de um ou dois pequenos edifícios. Nem ruas tinha. Havia sido apenas uma minúscula tabanca (aldeia nativa), sem importância de qualquer espécie.

À medida que o PAIGC aumentava o seu poder de fogo com morteiros pesados e artilharia, os bombardeamentos e flagelações a Madina, executados em geral a partir do lado de lá da fronteira, passaram a ser quase diários.

Por isso a guarnição dormia em abrigos, escavados 4 ou 5 metros abaixo do nível do solo. Muitas vezes os bombardeamentos nada destruíam, caindo os obuses e granadas fora do perímetro do aquartelamento. Mas outras vezes causavam estragos e baixas que, em caso de necessidade, eram evacuadas de helicóptero para o hospital militar de Bissau.


(ii) A rotina dos bombardeamentos e flagelações

Apesar desta situação certamente pouco agradável, o moral da guarnição era levado. Lembro-me da primeira vez em que fui pernoitar a Madina. Pouco antes do anoitecer comecei a ouvir os soldados à porta dos seus abrigos gritando “Está na hora! Está na hora!”. 

O comandante da Companhia elucidou-me que era a altura de o PAIGC começar o usual bombardeamento e os homens já tomavam aquilo como uma brincadeira, habituados como estavam ao estrondo do rebentamento das granadas. Por acaso nesse dia as granadas só de madrugada caíram e não causaram baixas nem prejuízos.

Claro que a nossa guarnição respondia com morteiros e com canhão sem recuo e toda a gente estava sempre preparada para disparar a curta distância do arame farpado. Que eu saiba, porém, nunca o adversário tentou assaltar o aquartelamento.

Na manhã seguinte um destacamento saía do recinto e percorria os arredores procurando descobrir o local de onde teria sido feita a flagelação. Umas vezes tinha êxito e o local era cuidadosamente assinalado nas nossas cartas de tiro. Mas outras vezes nada se descobria pela simples razão de o bombardeamento ter sido feito a partir do território da Guiné-Conacri e os nossos militares cumprirem escrupulosamente a ordem que tinham de não atravessar a fronteira.

As viaturas da Companhia encontravam-se dispersas pela área do aquartelamento, em especial junto às árvores para melhor protecção. E até ao princípio de 1969 havia algum gado para consumo do pessoal. O último boi foi porém abatido por uma granada do PAIGC e a isso se referia com certo humor o relatório-rádio do comando local, confirmando assim o bom moral da unidade.

(iii) Missão: defender-se a si próprio!


De qualquer forma, tornou-se pouco a pouco evidente a inutilidade da presença de uma Companhia em Madina.

A tropa estava na Guiné para defender a população civil que nos era afecta, tentando suster o seu compulsivo aliciamento pelos guerrilheiros do PAIGC vindos do Senegal, a norte, ou da Guiné-Conacri, a sul e a leste. Procurava também evitar ou dificultar a penetração desses guerrilheiros em território então considerado nacional. E pretendia ainda impedir a destruição das estruturas económicas e administrativas: pontes, estradas, edifícios, etc.

Ora em Madina e em todo o sudeste guineense a sul do rio Corubal, não havia população alguma. Não havia estruturas de qualquer importância. E a fronteira era totalmente permeável em dezenas de quilómetros.

Então, se a tropa não estava a proteger qualquer ponte nem qualquer tabanca e não tinha a menor possibilidade de impedir penetrações territoriais, o que é que estava a fazer em Madina ?

A resposta era simples: a Companhia de Madina estava lá “para se defender a si própria”! Quando, afinal, fazia tanta falta em outros pontos da Guiné!

Por outro lado, ponderou-se também a possibilidade de o PAIGC aproveitar uma possível evacuação de Madina pelas nossas tropas, para declarar a região como “libertada”.

Mas isso podia o PAIGC fazer em qualquer outro ponto, do imenso sudeste guineense. Na zona de Beli, por exemplo, que nós abandonámos havia muito tempo e onde nunca íamos por falta de objectivo.

Aliás, mesmo com a Companhia em Madina, o PAIGC podia declarar o sudeste guineense uma “zona libertada” e até lá levar jornalistas estrangeiros, como parece que fez. (...) (*)




 
Major General Hélio Esteves Felgas (1920-2008): duas comissões na Guiné, um dos militares portugueses da sua geração mais condecorados, autor de dezenas de livros e artigos sobre a "luta contra o terrorismo", a guerra ultramarina... Comparou a Guiné ao Vietname. Também considerava que a solução para a Guiné não era militar mas política... Foi, todavia, um crítico de Spínola que lhe terá roubado, entretanto, a ideia dos reordenamentos (aldeias estratégicas). Um oficial intelectualmente brilhante mas controverso, dizem alguns dos seus pares, mais novos.

Condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, em 1970, foi passado compulsivamente à reserva, a seguir ao 25 de Abril de 1974. (Estava m Angola nessa altura; e sempre se considerou vítima de um saneamento político-militar.)

Foto gentilmente cedida pela filha, dra. Helena Felgas, advogada, colega e amiga do nosso camarada Jorge Cabral, e com quem estive no funeral do pai (*) (LG)

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

25 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )

24 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2980: In Memoriam (5): Morreu ontem o Major General Hélio Felgas, antigo comandante do Agrupamento nº 2957, Bafatá (1968/69)

(**) Vd. poste de 3 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21510: FAP (122): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - Parte I (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21483: Memória dos lugares (415): Béli, Madina do Boé, Dandum...Fotos da última viagem ao sector do Boé, em 30 de junho e 1 de julho de 2018 (Patrício Ribeiro)



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de Boé > 2009 >Béli >  Restos do quartel de Béli, retirado pelas NT em meados de 1968, por ordem expressa de Spínola.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Entre 30 de junho e 1 de julho de 2018, o nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, que vive há 4 décadas na Guiné-Bissau, onde é empresário,  fez um  viagem de trabalho  ao setor do Boé,  hoje integrado na Região de Gabu. 

A partir de Bafatá e Gabu, deslocou-se nomeadamente a Béli (onde pernoitou, em 30/6/2018) e a Dandum (passando por Madina do Boé). No regresso, a Bafatá, ficou em Canjadude, onde tinha trabalho.

Já aqui publicámos, no seu devido tempo, as crónicas que nos mandou, acompanhada de belas fotos... Esta é apenas uma das diversas viagens que fez a esta região, "remota e difícil acesso", da Guiné-Bissau. o setor do Boé.

Para a maior parte de nós, antigos combatentes,  é uma região praticamente desconhecida: havia lá poucos quartéis e destacamentos: Canjadude, a norte do Rio Corubal; Madina do Boé, Belí, Cheche, a sul...  Estes três últimos foram entretanto mandados retirar por ordem de Spínola: Béli (meados de 1968), Madina do Boé e Cheche, em 6 de fevereiro de 1969.

Daí termo-nos lembrado de reconstituir e documentar o percurso do Patrício Ribeiro, nesse início da estação das chuvas dw 2018. Publicamos alguns excertos e algumas das fotos, reeditadas e renumeradas (*).

Em 2018,  não havia ainda  sinais, no entanto, da "Montanha Cabral", aqui referida no poste P.21479 (**). 

O memorial ao Domingos Ramos, morto em 1966, é referido no texto, mas não o célebre "marco ali colocado por Amílcar Cabral em 1958 e que mais tarde se torna o local de encontro com os seus homens e onde muita da estratégia militar era definida", e cuja  existência foi aproveitada pela ONGD Afectos com Letras, com sede em Pombal,  para construir,a pedido da população local,  um memorial, "de reconhecimento histórico nas colinas do Boé" (**)

Esse memorial, tudo o indica, ficará nas imediações da Tabanca de Dandum, na colina Dongol Dandum, cota 171, a sul do antigo aquartelamento e da atual tabanca de Madina do Boé  (vd, carta de Madina do Boé, 1958, escala 1/50 mil). É aqui se situaria a tal "Montanha Cabral", de que pouca gente sabia até agora existêcia.

2. A este respeito, o Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, mandou-nos o seguinte comentário (**): 

(...) Se a memória não me falha, a tal montanha está situada a meio caminho entre as localidades de Madina e Dandum, do lado direito para quem vai. Lembro-me vagamente de me terem falado dela, mas francamente, o caminho era tão mau e tantos os solavancos que não me apetecia falar de turismo, mesmo se a região, com as suas mil colinas, é simplesmente, a região mais bonita do pais.

Quanto ao marco geodésico de 1958, não acredito que tenha sido o Cabral a colocá-lo lá. Deve ser mais um mito popular a juntar-se a muitos outros. Sabemos que ele desenvolveu um amplo trabalho de recenseamento agrícola e, talvez estudo dos solos, mas não vejo em que isso estaria relacionado com a colocação de marcos geodésicos. 

Curiosamente, já tinha ouvido a mesma coisa sobre um marco do mesmo ano que tinha sido colocado a entrada da m8nha aldeia, no Leste. A verdade é que a esta data, salvo erro, o Cabral devia estar a trabalhar fora da Guiné.(...)  [, 1958,] 


3. A última viagem de Patrício Ribeiro a Beli, Madina do Boé e Dandum (30 de junho e 1 de julho de 2018):

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, antiga Nova Lisboa, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.; tem também uma "ponta, junto ao rio Vouga, Agueda, onde se refugiou agora, fugimdo a pandemia de Covid-19: é o português que melhor conhece a Guiné e os guineenses, o último dos nossos africanistas: tem cerca de uma centena de referências o nosso blogue]


(..) Há poucos dias, fui dar uma volta pela região do Boé. Nos finais de Junho [de 2018], após as primeiras chuvas, como sempre gosto de fazer.

Nesta época podemos encontrar as encostas das colinas todas verdes, como se lá tivessem plantado relva, o terreno muito colorido com as primeiras flores a desabrochar, após a época seca. Com a falta de chuva nos últimos 7 meses, começando as chuvas, a relva cresce 2 a 3 cm por dia ...

Neste mês ainda se pode passar por todos os caminhos e picadas; os rios de água cristalina começam a correr, mas ainda os podemos ultrapassar com as viaturas todo o terreno.

Claro que em alguns locais já temos mais de um palmo de água nas entradas, durante muitas dezenas de metros [,  mas como o solo é todo de pedra, não há o perigo de ficar atolado na lama.

Depois de sair de Bafatá, passamos em Gabú [, antiga Nova Lamego], a caminho de Ché Ché, estrada de terra batida, em muito bom estado até ao rio.

Lá chegamos ao primeiro obstáculo [...], a travessia do rio Corubal. [Foto nº 1], Esperamos pela jangada que estava do outro lado e, depois de algum tempo de espera, lá apareceu ela para nos transportar! Estava a ser puxada à mão por diversos homens, porque o motor estava avariado. (...)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 30 de junho de 2018 >  Margem direita do Rio Corubal > Rampa de acesso, do lado da estrad que vem de Gabu e Canjadude... Do outro lado, na margem esquerda, fica(va)  Ché Ché (ou Cheche, como vem grafado no nosso blogue): vê-se a jangada que faz o transporte de viaturas, pessoas e bens.. Mas neste dia, a travessia é feita por jangada, puxada... à corda, por avaria no motor.   

Recorde-se que, em 6 de fevereiro de 1969, neste mesmo local, houve um trágico acidente com a jangada: morreram, afogados, 46 militares e 1 civil, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).


(...) Ultrapassado o rio [Corubal], lá seguimos por cima da estrada de pedra a caminho de Beli, mais ou menos 40 km, passando por algumas poucas tabancas, que outrora eram bem pequenas, com as casas todas cobertas a palha, mas agora são maiores e com mais casas, quase já não há casas cobertas a palha. Este caminho é muito bonito e difícil.

Ao chegar a Beli, iniciamos o nosso trabalho e procuramos alojamento nas instalações da Chimbo, que tem 9 bangalós para alugar. [Foto nº 2]. São holandeses, da Fundação Chimbo Daribó. Andam a instalar máquinas fotográficas nas árvores, para fotografarem os chimpanzés, muitos, búfalos, alguns e até alguns leões: vd. o sítio na Net,  www.chimbo.org.

Não há Internet, mas na vila há telefone. No resto da região, não. A língua falada corrente é o Fula. Por vezes não é possível uma conversa em Crioulo e Português, língua oficial, só com professores e alguns funcionários. Os jovens entendem um pouco.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 1 de julho de 2018 > Béli > Bangalós da Fundação Chimbo Daribó, baseadas nas casas tradicionais fulas, circulares, e com telhado de colmo, em forma de cone.


Ao outro dia [, 1 de julho de 2018} seguimos viagem para Dandum, voltamos para trás até tabanca de Cobolo e seguimos em direção a Sate; dali por um caminho a corta mato para Diquel, por onde as viaturas ainda passam. [Fotos nº 3 e 4]



Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Setor de Boé > 1 de julho de 2018 > Picada para Dandum, q sul de Madina do Boé, ainda transitável



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 30 de junho de 2018 > Tabanca de e posto fronteiriço de Dandum, 3km a sul de Madina do Boé.


Passamos por algumas pequenas tabancas perdidas nas colinas do Bolé, mas todas têm escolas. Cruzamos alguns rios que começam rapidamente a aumentar o caudal, com a chuva que está a cair.

Lugares muito bonitos e completamente diferentes do resto da paisagem da Guiné (foto 6). Algumas destas tabancas já existiam. (Ver mapa de 1961 da Província da Guiné, e voltaram a ser implantadas na Carta Geológica da Guiné, do Dr. Paulo Alves, em 2011).

Por aqui começam a aparecer algumas hortas de caju nos vales, assim como algumas pequenas tabancas, porque os terrenos são mais férteis. O que obriga os animais selvagens existentes no Parque Natural do Boé a ter de "arranjar" outros locais … Agora são avistados para os lados de Lugajole, mesmo junto à fronteira com a Guiné-Conacri. (***)

Chegamos até perto de Madina do Boé, mas seguimos o caminho para Dandum, 3 km mais à frente.

Dandum, a tabanca é muito grande com muitas casas, tem posto de fronteira [, Foto nº 4]: alguns funcionários públicos, guardas de fronteira, professores; tem um hospital, tudo e todos perdidos na distância para Bissau... O local é uma planície com terra muito fértil, com muitas árvores de fruto.

Verificamos o trabalho que tínhamos realizado no hospital,  há uns meses, está tudo Ok!


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 1 de julho de 2018 > Tabanca de Madina do Boé. 



Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé > Restos do antigo aquartelamento, retitado em 6 de fevereiro de 1969, ao tempo da CCAÇ 1790, do cap inf José Aparício... Estas ruínas parecem ser a da antiga central elétrica...



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  Boé > 1 de julho de 2018 >  A velhinha fonte da "Colina de Madina do Boé",  construída em 1945, ainda já está, operacional... O painel de azulejos já muito degradado...


No regresso pelos mesmos caminhos, mas paramos em Madina do Boé, para as fotos da praxe. A tabanca de Madina do Boé fica em uma planície fértil, com muitos árvores de fruto e tem alguns morros ao longe (Fotos nºs 5 e 6).

A fonte "Colina de Madina do Boé", construída em 1945, ainda lá está, resistindo à usura do tempo e dos homens (Foto nº 7). Há dibversas fotos no blogue.

 Estivemos junto ao Memorial de Domingos Ramos, local onde foi ferido e provavelmente morto (foto 11). Está aproximadamente a uns 500 metros da fonte de 1945 e do antigo quartel, a poucos metros do caminho para Dandum, na planície. (Foto nº 8).

Na pedrta, não havia nenhuma inscrição. O pessoal que me acompanhava,  do Parque Natural do Boé, sabia deste local, indicaram-me talvez porque passamos perto. Das outras vezes que fui a Madina,  não me indicaram este sitio. Do outro lado da picada, perto a 70 metros, já há algumas casas.  



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sector de  Boé > 1 de julho de 2018 >  Monumento à memória de Domingos Ramos, comandante do PAIGC, morto em 10 de novembro de 1966, ao tempo da CCAÇ 1416.


Regresso a Beli, para assistir ao encontro de Portugal / Uruguai, no clube dos jovens, enquanto a trovoada deixou ver, até que o sinal da parabólica deixou passar. A Net por estas paragem não é uma ciência exacta... é muito complicado. Grande foi a festa, quando Portugal marcou o golo.

Depois regresso de Beli até Candjadude (Foto nº 9) onde passamos o resto do dia a fazer trabalhos, antes da chegada da noite, a Gabú.



Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Gabu > Sectir de Boé > 1 de julho de 2018 > Caminhos do Boé, com colinas ao fundo, no regresso a Canjadude e a Gabu (antiga Nova Lamego)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de;


21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

(**) Vd. poste de 24 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21479: Memória dos lugares (414): Região de Gabu, setor de Boé, Colinas do Boé: Montanha Cabral... Alguém sabe onde fica, exatamente, essa "montanha" (fello, em fula), que faz parte das "lendas e narrativas" do PAIGC ? 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21472: Fichas de unidade (13): CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli, Madina do Boé, 1966/68)... E recordando algumas das melhoras fotos do alentejano Manuel Coelho, que foi fur mil trms de "Os Tufas"


Foto nº 1 > Hospitalidade: "Entre. Oferecemos ataúdes de 1ª [classe]"... Arame farpados guarnecido com pares de garrafas de cerveja que tilintavam ao mais pequeno toque, acabando por pôr os nervos do pessoal em franja... Era um  factor adicional de stress...


Foto n~2 > Humor de caserna > O Barateiro: Recpordações de Madina" >  Empenagens de granadas...

 

Foto nº 3 > Engenharia regional popular: Engenhosa "porta do cavalo"... ou "porta de traseiras"



Foto nº 4 >Poesia épica: "E.. aquelas que por defeitos não vão rebentando"... Local do impacto de uma granada que não não explodiu...



Foto nº 5 >Arquitetura regional popular:  Abrigo H, com entrada caiada de branco, para facilitar, à distância, a ponataria dos canhões s/r do PAIGC... Os "abrigos" estavam idemtificados por letras do alfabeto...  A CCAÇ 1589 teve apenas um morto em combate, em resultado de ferimentos graves sofridos no decurso de um patrulhamento ofensivo, fora do perímetro do aquartelamento. o  Ilídio Bonito Claro, Soldado de Transmissões, natural de Montemor-o-Velho, inumado no cemitério da Torre em Montemor-o-Velho (. Faleceu no Hospital Militar 241, vítima de ferimentos em combate durante um patrulhamento  em 4 de janeiro de 1968.)


Foto nº 6 > Ainda não se falava de ecologia: Um "resort" turístico com chuveiro... ecológico!


Foto nº 7 > O problema da habitação: Abrigo H.. Telhados de chapa de zinco... Mais um "bairro de lata"... Ou a "bidonvilização# da guerra...


Foto nº 8 > Abrigo E... Num bidão à direita, pode ler-se: "... Aguentemos o piriquito"... O humor de caserna dos "Tufas"... 

Em cima do abrigo, a célebre cadeira de espaldar que servia de posto de sentinela...e onde o Manuel Inácio diz que tocava a corneta quando o PAIGC atacava ou flagelava o aquartelamento, a partir das colinas circundantes... Lenda ou não, o "Tufa" do Manuel Inácio tevc sorte, tendo em conta a má pontaria das tropas do Amílcar Cabral...


Foto nº 9  > Abrigo J > Uma "contrução primitiva"... a fazer lembrar os casebres das nossas aldeias serranas da época...



Foto nº 10 > Uma espécie de  posto de rádio

 

Foto nº 11 > Placa com a indicação do posto de turismo... Nas traseiras, meia dúzia de moranças... E assim se foram exorcizando os fantasmas dos combatentes...



Foto nº  12 > Um tosco aquartelamento: em primeiro plano, a à esquerda a "central elétrica" e, a seguir,, à edifício do comando e secretaria...



Foto nº 13 > Parada, com dois belíssimos e frondosos poilões que serviam abrigo às viaturas... e de ponto de mira para os "artilheiros" do PAIGC



Foto nº 14 >  Viatura das NT, destruída, na estrada de Cheche-.Madina do Boé...Esta estrada foi um cemitério de viaturas... 


Foto nº 15 > "Canhão Sem Recuo M40 10,6cm, utilizado na sua missão normal, ou seja, montado em posição defensiva e, neste caso, sem estar em cima de viatura apropriada" [Legenda de Luís Dias]... 

Ao fundo um das  colinas do Boé.. Na região havia algumas pequenas elevações que podiam chegar aos 100/200 metros, como Dongol Dandum... Em termso de posição no terreno, Madina do Boé ficava numa cota mais baixa: alguns camaradas nossos, que participaram, em fevereiro de 1969, na Op Mabecos Bravios, falavam do "fantasma de Dien Bien Phu", da guerra da Indochina, em 19954, por detrás dessas colinas do Boé,  fanrasma esse que felizmente nunca apareceu... 

Como é sabido, o Boé é única região "acidentada" da Guiné. Não houve nenhuma batalha de Madina do Boé, contrariamente a Dien Bien Phu, e a maior parte das vítimas mortais que tivemos foi na travessia do rio Corubal, em Cheche, em 6/2/1969, um trágico acontecimento já aqui profusamente documentado no nosso blogue...



Foto nº 16 > A rendição pela CCAÇ 1790, a última companhia  a guarnecer Madina do Boé: perde 29 homens durante a travessia, em jangada,  do Rio Corubal, em Cheche, no dia 6 de ferereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios)



Foto nº 17 > Uma bandeira verde-rubra perdida na região do Boé... Mas não será aqui que o PAIGC fará a cerimónia da proclamação unilateral da independência em 24 de setembro de 1973... Uma das lendas  que o PAIGC soube tecer durante anos e anos: ainda hoje se encina às criancinhas que foi aqui que nasceu a Guiné-Bissau...



Guião da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68), que tinham por divisa "Justos e Fortes"... É uma das várias subunidades que esteve aquartelada em Madina do Boé, com destacamento em Beli (*). Fotos  do álbum do nosso grande fotógrafo de Madina do Boé, Manuel Coelho, fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, natural de Reguengos de Monsaraz.


Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Temos  pelo menos 3 camaradas a representar, na Tabanca Grande, a CCAÇ 1589; Armandino Alves (1944-2014),  Manuel Coelho e Manuel Inácio. Tem quse meia centena de referências no nosso blogue, à CCAÇ 1589, muito à frente da CCAÇ 1590, com apenas 3 referências. A CCAÇ 1588 não tinha, até agora, nenhuma referência. As três pertenciam ao BCAÇ 1894 que, no nosso blogue, não chega a ter duas dezenas de referências.

Em homenagem aos bravos de Madina do Boé, desta e doutras unidades que por lá passaram (*), fazemos aqui uma seleção de fotos do Manuel Coelho (, que tem 40 referências no nosso blogue). (***)


Síntese da actividade operacional da CCAÇ 1589


A CCaç 1589 foi inicialmente colocada em serviço na guarnição de Bissau na dependência do BCaç 1876, em substituição da CCaç 728, com vista a garantir a segurança das instalações e das populações da área.

Em 16Dez66, passou a ser subunidade de intervenção e reserva à disposição do Comando-Chefe orientada para a zona Leste, instalando-se em Fá Mandinga e tendo tomado parte em diversas operações realizadas nas regiões de Xime, Sarauol, Nova Lamego, Madina do Boé e Enxalé. 

De 28Jan67 a 07Fev67, esteve colocada em Nova Lamego como subunidade de reserva do Agr24, colmatando a saída da CCaç 1625 até à chegada da CCav 1662, após o que voltou para Fá Mandinga, onde assegurou a responsabilidade do respectivo subsector durante a adaptação operacional da CArt 1661.

Após a marcha de um pelotão em 25Mar67 para Béli, foi deslocada em 07Abr67 para Madina do Boé, a fim de substituir a CCaç 1416. 

Em l0Abr67, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, com o pelotão já instalado em Béli, ficando então integrada no dispositivo e manobra do BCaç 1856 e depois sucessivamente do BCav 1915 e do BCaç 1933.

Em 20Jan68, foi rendida em Madina do Boé pela CCaç 1790 e em 12Fev68 no destacamento de Béli, tendo ambos os aquartelamentos sofrido fortes flagelações no periodo de Jun a Dez67.

Em 31Jan68, foi colocada em Bissau na dependência do BCaç 2834, para serviço de guarnição até ao seu embarque de regresso, colmatando anterior saída da CCaç 1547 e sendo depois substituída em Bissau pela CCav 1617.

Batalhão de Caçadores nº 1894 

Identificação: BCaç 1894
Unidade Mob: RI 15 - Tomar
Cmdt: TCor Inf Fausto Laginha dos Ramos
2.° Cmdt: Maj Inf Domingos André
Maj Inf António da Graça Bordadágua
Of InfOp/Adj: Cap Inf Henrique José Gonzalez Costa Jardim
Cmdts 
Comp:
CCS:.Cap Inf Anúplio Loysik Cardoso de Sampaio
CCaç 1588:Cap Inf Álvaro de Bastos Miranda
CCaç 1589:Cap Inf Henrique Vitor Guimarães Peres Brandão
CCaç 1590:Cap Inf Aires Jorge da Costa Gomes
Divisa: "Non Nobis" - "Justos e Fortes"

Partida: Embarque em 30Jul66 (CCaç 1590 em 03Ag066); desembarque em 04Ago66 (CCaç 1590 em 12Ag066). Regresso: Embarque em 09Mai68

Síntese da Actividade Operacional do BCAÇ 1894 (Bissau e São Domingos

Inicialmente, constituiu reserva do Comando-Chefe, com sede em Bissau, sendo as suas subunidades atribuídas em reforço de outros subsectores. Simultaneamente, preparou a sua instalação no Sector Ol-B, a ser criado em área pertencente ao BCav 790.

Em 190ut66, assumiu a responsabilidade do referido Sector 01-B, com sede em S. Domingos e abrangendo os subsectores de Ingoré e S.Domingos e a partir de 03Nov66, o de Barro, então transferido do BCaç 1887. 

Em 23Ag067, foi ainda constituído o subsector de Susana, retirado então à área do subsector
de S.Domingos. 

Comandou e coordenou a actividade das forças que lhe foram atribuídas, orientando a sua acção sobre as linhas de infiltração de Canja e Campada e bases inimigas instaladas na zona, tendo-lhe provocado elevado número de baixas e apreensão de grandes quantidades de armamento e material e ainda garantido a segurança dos aquartelamentos, itinerários e populações.

Destacam-se pelos resultados obtidos, as operações "Dumdum", "Drambuie I", "Derrubante II e III" e "Despeneirar", entre outras.

Dentre o armamento capturado mais significativo, salienta-se: 2 metralhadoras pesadas, 4 metralhadoras ligeiras, 12 pistolas-metralhadora, 101 espingardas, 2 lança-granadas foguete e 28110 cartuchos de armas ligeiras.

Em 02Abr68, foi rendido no sector de S.Domingos pelo BCaç 1933 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
 
Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné -  (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. 88, 89 e 90 (**)

__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

18 de novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
 
(**) Último poste da série > 2 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20801: Fichas de unidades (12): CCAÇ 414 (1963/64), do cap Manuel Dias Freixo (Jorge Araújo)

(***) Vd. postes de:

28 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18873: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte IV: O fantasma de Dien Bien Phu: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


25 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P1869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

24 de julho de 18 > Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21468: Tabanca Grande (504): Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68). Apadrinhado pelo nosso camarada Abel Santos, vai ocupar o lugar n.º 820 do nosso poilão sagrado

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, Manuel Inácio, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 1589/BCAÇ 1894 (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68), com data de 14 de Outubro de 2020:

Formei Batalhão, em Tomar, chegando à Guiné em 15 de agosto de 1966.

Estive em Bissau na CCAÇ 1589, aquartelado no antigo 600. Esta Companhia funcionava como Companhia de Intervenção sob as ordens diretas do Comando-Chefe.

Fez várias operações pelas zonas de Portogole, Enxalé, Xime, Oio, Ilha do Como, seguindo passados 10 meses para Madina do Boé, onde permaneceu 11 meses, sendo depois rendida pela Companhia que sofreu o acidente na jangada, no rio Corubal.

Durante esse período sofreu uma baixa, e nunca ninguém ou do comando, ou particular, fez uma visita a esse aquartelamento, salvo as escoltas anuais, fim das chuvas que abasteciam o destacamento.

Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam, também fazia caricaturas, versos e tabuletas com vários "epitáfios" do momento. Logo à entrada se podia ver uma tabuleta,:

"AEROPORTO INTERNACINAL DE MADINA DO BOÉ" 

e outro:

 "MADUNA DO BOÉ, O ALGARVE DA GUINÉ", 

ao lado do monumento que existia à entrada, com granadas, estilhaços e outros afins destrutivos da época.
Manuel Inácio e o seu inseparável trompete
Vista aérea de Madina do Boé - Foto atribuída a Manuel Domingues
"Além de tocar a corneta em cima do abrigo quando eles atacavam..." - Lá está a cadeira (ao alto num dos abrigos)
Madina do Boé - Manuel Inácio
Madina do Boé: Convite para umas férias inesquecíveis - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados
Madina do Boé: Memorial da CCAÇ 1416: "Aos nossos mortos"... "E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando" - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados
Recordações de Madina do Boé - Foto: © Manuel Caldeira Coelho (2011). Todos os direitos reservados

2. Comentário do editor CV:

Caro Manuel Inácio

Bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Muito obrigado por te juntares à tertúlia e pelas fotos enviadas que suponho ser todas de Madina do Boé. Obrigado também ao Abel Santos por "apadrinhar" a tua entrada. Sentas-te no lugar n.º 820, à sombra do nosso mágico, fraterno, acolhedor e protector poilão. Como gostamos de dizer, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Cabemos cá todos com tudo o que nos une e até com o que nos pode separar...  Fico à espera de mais memórias tuas para alimentar o blogue, que é um "bicho comilão e sedento"... Como vês, em 16 anos de existência já publicámos cerca de 21 mil e 500 postes, a par de 85 mil comentários... Para não falar em mais de 100 mil imagens... E vamos a caminho das 12,5 milhões de visualizações de páginas (, grosso modo, visitas). 

O teu nome, Manuel Inácio, passa a figurar, a partir de hoje, na lista alfabética, de A a Z, dos membros da Tabanca Grande, na coluna (estática) do lado esquerdo... Muita saúde e longa vida para ti, sempre, sempre ao nosso lado.
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21387: Tabanca Grande (503): António Baltazar Valente Ramos Dias, ex-Alf Mil Art MA da CART 1745 (Ingoré e Bigene, 1967/69): senta-se no lugar n.º 819 do nosso poilão

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20183: Notas de leitura (1221): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (25) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
O bardo despede-se do Como, não com uma litania ou uma epifania mas com um epitáfio. São versos de mágoa e quem o acompanha foi acidentalmente levado para uma outra experiência duríssima, não uma batalha mas uma vivência de anos num local inconfundível, Madina do Boé.
É de supor que vários autores tenham descrito esta via-sacra, a que conheço está em duas obras de Gustavo Pimenta que experimentou Madina do Boé em carne viva, estava de férias quando em fevereiro de 1969 ocorreu o brutal desastre da travessia do Ché-Ché. E dá-nos uma dimensão do que era uma coluna entre Canjadude e Ché-Ché, as primícias do Inferno, tudo contado com a serenidade e um saber de experiência feito.
E agora o BCAV 490 vai regressar a Bissau, segue para outras paragens, entre elas Farim, Jumbembem e Cuntima. Temos ainda muito rio para navegar.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (25)

Beja Santos

“Nesta grande operação
muitos rapazes sofreram:
30 feridos gravemente,
dez colegas morreram.

No Como já se sabia
que havia muitos bandoleiros.
Os paraquedistas e fuzileiros
lutavam com valentia.
O Batalhão de Cavalaria,
desempenhava a sua missão,
lutando pela Nação.
Todo o pessoal trabalhou
e muito bandido tombou
nesta grande operação.

A Comando e Serviços passou
todo o tempo livre de perigo.
Não atirámos ao inimigo,
mas foi porque não calhou.
Algumas vezes se esperou,
mas nunca lá apareceram.
Talvez fosse porque temeram
a força que lá havia.
E fazendo reforços, noite e dia,
muitos rapazes sofreram.

Dão muito que falar
estes maus tempos passados,
mas diminuímos os malvados
que a ilha queriam tomar.
Têm que se conformar
que não vencem nossa gente.
Atacaram constantemente,
mas a tudo resistimos,
e no fim da operação vimos
30 feridos gravemente.

Vamos então regressar
para a nossa bela cidade,
onde estamos à vontade
para uns dias descansar.
Pior do que tudo foi o azar,
dos que a mocidade perderam.
Pela Pátria combateram,
dando a sua própria vida,
e abalando desta lida
dez colegas morreram.”

********************

Gustavo Pimenta
O bardo, em jeito de epitáfio, regista o seu olhar quanto aos acontecimentos do Como, eleva o tom para falar da bravura, da coragem, curva-se perante as perdas em combate. É nisto que o acompanhante do bardo se lembra de outras paragens, fora dos azimutes da BCAV 490, lembra-se de um longo penar que deu pelo nome de Béli e Madina do Boé, imagine-se. Guarda memória de dois livros injustamente descurados de Gustavo Pimenta, “sairòmeM Guerra Colonial”, de 1999, e “A sorte de ter medo”, de 2017. Chegou à Guiné em setembro de 1967, em jeito de aperfeiçoamento operacional andou pela Mata do Poindom, acima do Xime, depois Porto Gole, mais tarde viajam para Madina do Boé, irá também falar de Béli. Deixará em ambos os livros impressões daquele horror.
Transcreve-se o que ele vai escrever em “A sorte de ter medo”:

“O percurso até ao rio Corubal, em cuja margem se situa a povoação de Ché-Ché, é perigoso, sobretudo após se passar Canjadude que fica a meio caminho.
É preciso ir ao Ché-Ché verificar as condições de travessia do rio, especialmente as da jangada que permitirá colocar na outra margem a companhia e as viaturas em que se fará transportar com toda a sua bagagem.
O alferes do terceiro grupo de combate vai no DO 27 com o major do batalhão que faz o PCV que controla uma operação do efetivo estacionado em Ché-Ché, e do ar fotografa o local.
No dia seguinte, com o seu grupo de combate, reforçado por outro de nativos, protege uma coluna que vai reabastecer a tropa e as populações de Canjadude e Ché-Ché e onde seguem o major e um furriel de Engenharia que vão observar a jangada.
Saem manhã cedo, até Canjadude as viaturas seguem a boa velocidade, o percurso é considerado seguro.
A partir daí a viagem é a pé, a tropa ladeando a picada em proteção à coluna com uma equipa de nativos à frente a picar o terreno, prevenindo a existência de minas.
Pela mesma hora, outra equipa de picadores sai do Ché-Ché em sentido contrário ao da coluna, devendo encontrar-se a meio do percurso.
Estabelece-se o contato: quatro nativos, com Mauser a tiracolo e uma pica na mão, aguardam a coluna – há mais de duas horas, dizem – sentados na berma à sombra de uma árvore. Escassa e débil força para tão delicada missão. A tropa retoma o seu lugar nas viaturas, a coluna avança com a velocidade possível pela estrada esburacada de terra batida.

Escassos quilómetros percorridos a viatura segue na frente – uma GMC, sem capota para evitar traumatismos ao condutor em caso de rebentar alguma mina e com os guarda-lamas cobertos de sacos de areia para amortecer o impacto – é violentamente sacudida pelo rebentamento de uma anticarro.
O major de Engenharia, que exigia ir ao lado do condutor na viatura da frente para não apanhar a nuvem de pó que a coluna levanta, fica gravemente ferido.
O alferes do terceiro grupo, que ia na caixa da mesma viatura, voa alguns metros juntamente com três soldados que o acompanhavam, um dos quais o enfermeiro.
Parada a coluna, procura-se socorrer o major. O furriel que, a dias do fim da comissão o quis acompanhar, ao precipitar-se para ele pisa uma antipessoal e morre minutos depois.
O enfermeiro fica ferido pelos dois rebentamentos.
Monta-se a segurança em volta do local. Picam-se os arredores à procura de mais minas, rebentam duas, uma delas fere mortalmente um soldado do grupo de nativos.
Tenta-se o contacto rádio com a sede do batalhão para pedir evacuação dos feridos e dos mortos, o ANGRC9 não atinge nenhum recetor, ninguém responde.
De súbito, surgem dois helicópteros, um a seguir ao outro, voando no sentido de Ché-Ché para Nova Lamego. Consegue-se o contacto com um deles e pede-se-lhe apoio para a evacuação. Responde que estão a evacuar feridos graves da tropa de Ché-Ché, que se prossiga até lá e aí se verá o que será possível fazer.

A viatura que despoletou a mina, com a frente desfeita, fica no local. Avança para a frente outra GMC, com capota, sem sacos de areia e apenas com o condutor, os grupos de combate regressam à segurança lateral da coluna, retoma-se a picagem da estrada.
Já com o Ché-Ché à vista, outra mina anticarro que os picadores não detetaram é ativada pela viatura que segue em frente, o condutor sai inexplicavelmente ileso. A iniciar a coluna vai agora um Unimog, que, de tão leve, ficará desfeito se outra rebentar. Atinge-se o aquartelamento já o fim do dia se aproxima. O efetivo local, além de vários feridos, sofreu três mortos nativos na operação que efetuara. Os helis não param de chegar e partir com os feridos, entre os quais o enfermeiro da coluna.
Os mortos ficam, serão levados no dia seguinte, nas viaturas, de regresso a Nova Lamego.”

Dias depois, a companhia ruma a Madina do Boé, faz-se a cambança:
“Os bombardeiros T6 vêm sobrevoar levemente a zona, duas horas depois a primeira viatura desembarca no outro lado.
A transferência de toda a coluna demora o dia inteiro, numa azáfama permanente, cansativa e perigosa: deslocar a jangada agarrando a corda e impulsionando-a é uma manobra que tende a desequilibrá-la dado o enorme peso que suporta com as viaturas carregadas e os homens que nela seguem.
Os jatos Fiat aparecem sobre o local e rapidamente desaparecem.
Monta-se o dispositivo de segurança ao verdadeiro destacamento em que se transforma o local de desembarque onde se vai pernoitar.
Mal o dia nasce, aguarda-se a chegada dos T6, o itinerário até Madina vai ser efetuado picando minuciosamente o terreno e com eles permanentemente, aos círculos, por cima: está-se na zona do Boé onde as colunas só conseguem mover-se com proteção aérea constante.
A coluna avança lentamente, ao ritmo em que se consegue uma picagem conscienciosa, sob um calor asfixiante e com o pessoal estafado.
Pelo caminho, aqui e além na berma da estrada, viaturas destroçadas por minas em operações anteriores adornam a paisagem com um toque inusitado e assustador.
Ao início da tarde atingem o aquartelamento que envolve e protege a isolada povoação local".

Admito que existam outros relatos tão circunstanciados como este, mas Gustavo Pimenta faz parte daquele contingente que em fevereiro de 1969 provará um desastre de imensas proporções na travessia do Ché-Ché, o que ele vai descrevendo nesta sua obra é como que um auto-de-fé, que em ponto algum deste Portugal se invoque ignorância do que ali se passou: que Béli está a cerca de 15 quilómetros da fronteira da República da Guiné e que mais para sudoeste fica Guilege; que Madina se situa para Sul, está num vale, entre pequenas elevações montanhosas, beneficia de uma nascente de água ali a cinquenta metros fora do arame farpado, tem uma população maioritariamente Fula.
Regista os abrigos, as condições do quartel, como se vive, há mesmo para ali uma dobadoira de pormenores:
“Na ponta mais a sul do perímetro há um pequeno edifício, espécie de arrecadação de coisas inúteis, em frente ao qual está o mastro em que, permanentemente, esfarrapada nas extremidades, flutua a bandeira nacional: aqui não há condições para cerimónias de hastear e arriar.
Todos os edifícios evidenciam ter sido duramente atingidos pelo fogo inimigo.
No beiral do edifício do comando um enxame de abelhas montou residência.
Dentro do terreno fortificado, uma vaca, que parece não ser de ninguém, vagueia pachorrentamente”.

Fazem-se patrulhamentos, dentro do aquartelamento os militares mantêm-se junto dos respetivos abrigos, por vezes há tréguas, a seguir vem a tempestade de fogo, os ataques a Béli também são incessantes, o destacamento será abandonado, mais tarde chegará a hora de retirar de Marina do Boé, no início do ano de 1969. O desastre na travessia do Ché-Ché é do conhecimento de todos.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 20 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20161: Notas de leitura (1219): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (24) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20170: Notas de leitura (1220): “Antologia de textos lusófonos sobre o Senegal”, seleção de textos de António Montenegro, José Horta e Mallé Kassé, sem indicação de editor; Dakar, 2015 (Mário Beja Santos)