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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13855: Efemérides (177): A guerra, a água e o nosso 1.º de Novembro de há 50 anos… (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 28 de Outubro de 2014:

Olá, Carlos Vinhal:
A faculdade de mudança será um atributo da idade, incluindo a de esquecer e eu entrei numa estratégia de embargo à ameaça do aparecimento da "doença do alemão", como lhe chama o Luís Graça, com as abatises das actividades mentais.
Assim, sujeito mais um texto evocativo à tua paciência beneditina, para lhe dares o destino que melhor entenderes.

Com um grande abraço,
Manuel Luís Lomba


A guerra, a água e o nosso 1.º de Novembro de há 50 anos…

Na mais remota antiguidade, a água e o leite materno eram mobilizados como bens estratégicos de guerra: aquela, porque a água é a vida; este, porque havia mais vida, para além da guerra. Na segunda quinzena de Outubro de 1964, a nossa CCav 703 recebeu a missão de desimpedir a estrada Mansabá-Farim, obstruída há mais de um ano pela malta do PAIGC do Oio e do Morés, logo na primeira onda da subversão no Norte da Guiné. A tropa invejava o livre-trânsito do médico Dr. Maurício, incansável combatente, mas contra lepra dos guineenses, e dizia-se que os guerrilheiros apareciam a desimpedi-la de minas e abatises, logo que a sua carrinha Peugeot 403 era avistada. O Dr. Maurício era avesso às colunas militares e a tropa “lerpava”…

Saímos da Amura, atravessámos Bissau adormecida, fizemos a cambança do Geba na vetusta jangada de João Landim, rodámos em velocidade de cruzeiro e o asfalto terminou em Mansoa, (era exemplar único, na Guiné!), onde nos dividimos em “coluna, vanguarda de segurança e guardas de flanco”, no sentido de Mansabá.

O Estado-Maior determinara a nomadização em Bironque, onde levantámos as tendas cónicas de lona, modelo dito de colonial. Nos tempos em que as guerras eram feitas por homens e bestas, os chefes determinavam os bivaques em locais com água; como aquela era feita por homens com amparo de máquinas, tal preocupação foi negligenciada.

Troço da estrda Mansabá-Farim. Vd. Carta de Farim 1:50.000

Em Bironque, os patrulhamentos sucediam-se mas não contactavam – nem água, nem IN; e os ”sintrep” chegavam ao QG em conformidade. Até que o Brigadeiro Sá Carneiro, Comandante do CTIG, veio pelo ar num Allouete II de evacuações sanitárias, característico pelas duas macas acopladas no exterior, a simular uma inspecção ao bivaque e a prevenir o capitão da iminência de um ataque; e, ao apressar-se de regresso o zingarelho, não teve como se furtar às queixas gerais, não da falta de guerra, mas da falta de água para beber, cozinhar, lavar as marmitas… Aquele segundo soldado da Guiné (o primeiro era o General Schulz) providenciou apenas a última:

- Na guerra, as marmitas lavam-se com terra e não com água! - retribuído com a “boca”, dirigida ao piloto:
- Não precisávamos de um brigadeiro; precisamos de gerricans de água!

Na Frente Norte do IN pontificava o comandante Osvaldo Vieira, ex-furriel do Exército Português e, duas noites depois, dirigiu-nos prolongada flagelação; teremos sido a primeira tropa a levar com morteiradas de 82. E sem dispor de abrigos cobertos, do nosso equivalente (de 81) e sem água.

Eu fora escalado para substituir o vaguemestre, de baixa ao então HM 241. Chegámos ao dia 1 de Novembro, o capitão mandou-me formar uma patrulha com o pessoal da cozinha e voluntários, constituída por 10 atiradores, um condutor e um apontador de morteiro de 60 e ir buscar água a Mansabá. Esfalfámo-nos a fazer parapeitos de sacos de areia na caixa de carga do camião Mercedes novinho em folha e fizemo-nos ao caminho, que havíamos desimpedido, levantando uma nuvem de pó. Os “Águias Negras” de Mansabá foram malta fixe: atestaram-nos o atrelado-tanque, facultaram-nos os chuveiros e as suas toalhas de banho, partilharam comida e bebida fresca. A minha já longa vida jamais experimentará satisfação idêntica à daquele banho, daquela cerveja gelada e daquela conserva de perdiz, da marca Brandão!

Fazia-se tarde, o comandante deles ajuizou-nos de temerários e mandou um pelotão num Unimog escoltar-nos até certo ponto do caminho, que avariou, e o tempo gasto a removê-lo da estreita via, colocou-me perante um dilema: retroceder para Mansabá ou prosseguir para Bironque. A nossa malta veio em meu auxílio:
- P´ra frente é que é o caminho! - expressão em voga, atribuída ao capitão Henrique Galvão, quando do assalto ao paquete Santa Maria.

Fizemo-nos ao caminho, mas o malvado do ex-camarada Osvaldo Vieira continuava por ali, aprontou-nos uma emboscada na margem direita, a misturar insultos às nossas mães com rajadas de metralhadoras, a cravejar os sacos de areia, a cabine do camião e as granadas de mão a explodir, afortunadamente, do lado oposto da estrada. O condutor Pardal (Domingos, estou a corrigir o erro do livro!), estirou-se sobre os bancos, cabeça de fora da porta, uma mão no volante, outra no acelerador e saiu da zona de morte, enquanto 5 dos nossos reagíamos à sua retaguarda e outros 5 à sua frente. Pude acompanhar todo o filme, a cabeça de encontro a um providencial poste telefónico, que eles deixaram derrubado na valeta, quase a sentir a respiração do IN e tive a noção do momento da sua manobra de retirada.

Corremos em zigue-zague até todos subirmos para o camião, que se aguentou até Bironque, com o motor a verter os seus líquidos e os sacos a espalhar a sua areia.

Fomos protagonista de duplo “ronco”: regressamos ilesos, nós e o atrelado-tanque; e, com metade do pessoal que pegara pela primeira vez numa G3, demos troco e escorraçamos o ex-furriel Osvaldo Vieira e os seus turras, que tinha dois anos do Exército Português, mais dois anos de especialização na Academia Militar de Pequim, ao passo que eu fizera a recruta e saíra “especializado” em guerra convencional, revolucionária e no seu comando em apenas 4 meses – de Agosto a Dezembro de 1963, no CISMI, em Tavira!

Novembro é o tempo de toda a Cristandade evocar os fiéis defuntos.

Evocamos a memória dos únicos derrotados da guerra da Guiné - os seus mortos, porque a(s) pátria(s) não os mereceu…
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Nota de editor

Último poste da série de 15 de Outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13739: Efemérides (176): A primeira Operação da CART 494 foi em 11 de Outubto de 1963 (Coutinho e Lima)

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13668: Efemérides (174): Os guineenses libertaram-se de Portugal mas não se libertaram da opressão (Manuel Luís Lomba)

1. A propósito de se completarem, neste mês de Setembro, os 40 anos da independência da Guiné-Bissau, recebemos do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), este artigo, em mensagem do dia 26 do corrente:

Saudações ao Carlos Vinhal, formiga trabalhadora deste blogue colectivo, bem como ao Luís Graça, o ”homem grande” da nossa Tabanca Grande.
Setembro foi o mês de acontecimentos decisivos que atiraram para o caixote do lixo da História os sacrifícios que, enquanto combatentes, doamos à Guiné portuguesa. Escapou o denominador comum do respeito e empatia criada entre os ex-IN e a generalidade dos bissau-guineenses, nomeadamente com os da estirpe do profícuo Pepito, in memoriam, e do corajoso “menino de Fajonquito”.
Não deixei acabar este Setembro quarentão sem te enviar o texto seguinte, desalinhado do politicamente correcto, para lhe dares o tratamento que entenderes.

Manuel Luís Lomba


Os guineenses libertaram-se de Portugal mas não se libertaram da opressão

Saudamos os nossos irmãos bissau-guineenses que celebram o 40.º aniversário da sua independência política, em especial os grisalhos sobrevivos da geração dos turras, que nos infernizaram a vida durante o logo tempo que passámos no seu chão. A efeméride é oportunidade para abordar os acontecimentos ocorridos em Setembro de 1973, da fundação da nacionalidade, em Madina do Boé e em Setembro de 1974, com o MFA a outorgar a exclusividade do senhorio do povo da Guiné e a entregar as chaves da capital de Bissau ao PAIGC, até então com a cabeça em Conakry, Moscovo e Havana.

Havia séculos que os portugueses da Metrópole e da Guiné se compraziam com idêntico sentimento patriótico, do querer de uma nação e do seu próprio Estado. Para além da nostalgia, mas sem saudosismo, a geração grisalha dos seus ex-combatentes vai rezingar até à sua extinção em como o seu exército, que serviram com honra, fora o fundado por D. Afonso Henriques, no Castelo de Faria, em 1127 e ganhador da nossa independência, em Guimarães, em 1128, e não o que emergiu a abandonar o povo da Guiné e a causar o efeito sistémico do abandono do Ultramar – a mãe das catástrofes que desabaram sobre os nossos irmãos africanos.

Se é verdade que os fins não justificam os meios, o desencadear das guerras será ilícito imoral. Na da Guiné, os dois lados reclamavam-se da legitimidade subjacente às suas origens, mas o tempo e modo da independência política bissau-guineense evidenciaram que ela fora prematura, pela pressa de Amílcar Cabral e do seu PAIGC pela emancipação de Portugal e pela pressa da Comissão Coordenadora do Programa do MFA, em dar ouvidos e reconhecer apenas a voz das armas, num juízo em causa próxima. Sem pedir culpados à História, em causa estará o facto de haver outorgado o poder ao PAIGC, à revelia da consulta ao seu povo. Anunciava a autodeterminação e entregou o poder a um partido-estado e armado. Naquele tempo, pela multiplicidade das suas mais de 600.000 almas, apenas 12% dos guineenses teriam aderido ao ideário marxista e terceiro-mundista daquele partido único, enquanto 88% se mantinham vinculados à civilização ocidentalista, que as FA portuguesas veiculavam esforçadamente.

O MFA usou a camuflagem ideológica para se alcandorar ao poder político, o seu desempenho foi um misto de mediocridade e ingenuidade e teve a mesma pressa a complementar a derrota política sofrida na desértica Madina do Boé com a derrota pelas suas armas, existentes e imaginárias, como era o caso dos aviões MIG, ao capitular na mata de Morés, nos princípios de Julho de 1974.

Sendo velho de 500 anos, a derrota política do Ultramar tinha a mesma idade - vinha dos “velhos do Restelo” - e, ao longo desses séculos, os insofridos soldados e marinheiros de Portugal e colónias sempre esconjuraram a sua derrota militar. Os ex-combatentes da Guiné, que palmilharam as matas e bolanhas a expor-se como alvos nas emboscadas, a dar ao gatilho em batidas, cercos e assaltos, a levar com minas, bazucadas, mísseis e obuses, nas noites de insónia nos seus estacionamentos e a sacrificar-se graciosamente pela melhoria social e económica do seu povo, não compreendem como é que, no confronto entre os cerca de 4000 combatentes paigcistas, entremeados de internacionalistas, e os 45 000 militares e militarizados, metropolitanos e naturais, num espaço de dimensão geográfica inferior à do Alentejo, estes saíram derrotados. Fazem recordar que nem a Espanha, a maior potência do mundo de então, nem o imperialista Napoleão haviam conseguido derrotar os soldados portugueses no Alentejo, aquela nos 28 anos da guerra luso-espanhola da Restauração e o génio militar de Napoleão com as 5 Invasões Francesas. O MFA complexou os militares, os que baixaram a espada, não despiram as fardas e se alcandoraram a políticos foram muitos, entrando rapidamente nos jogos da mentira e da manipulação, como é apanágio destes.

Nos 11 anos da guerra que desencadeou e aguentou, o PAIGC apenas ganhou a vitória política que desembocou na fundação da nacionalidade bissau-guineense, em 24 de Setembro de 1973, na inóspita Madina do Boé e uma vitória militar indirecta, não decorrente dos cercos e bombardeamentos massivos com que martirizou as populações e as guarnições militares de Guileje, Gadamael, Guidaje e Buruntuma: a sobreposição do golpe do MFA da Metrópole, em 25 de Abril, pelo golpe militar da malta esquerdista do MFA da Guiné, na manhazinha de 26 de Abril, em Bissau, a culminar a ruptura das cadeias de comando e a decapitação dos altos comandos militares, em pleno teatro duma dura guerra. Por ironia do destino, a vitória política do PAIGC e a derrota militar de Portugal, decisórias da libertação da Guiné, aconteceram sem tiros…

Todo o mundo apoiou e reconheceu a fundação do seu Estado e todo o mundo conhece o estado a que a Guiné-Bissau chegou. Um Estado fraco descamba na violência - sequelas do seu parto prematuro, carente da incubadora -, criado pelo PAIGC e a sua pesporrência e pela “Descolonização exemplar”, segundo o MFA. Volvemos o olhar para os contextos da fundação da sua nacionalidade, em Madina do Boé, cujos contornos não têm sido bem contados pelos seus encenadores e actores.

Em 1972, Amílcar Cabral já havia convencido mais de meio mundo da sua vitória e da iminência da proclamação unilateral da independência, sem que o PAIGC houvesse conquistado qualquer posição, sem conseguir embargar o chão da Guiné aos soldados portugueses nem a sua presença junto da maioria do seu povo. Com garantias do seu reconhecimento e do voto diplomático dos países afro-asiáticos, comunistas e de alguns do Ocidente (40 em 112 na ONU), elegera a região de Cassacá/Quitafine para encenar o evento e marcara-o para 12 de Setembro de 1973, data do seu 49.º aniversário natalício. O útero de D. Iva Pinhal Évora, que conheci em 1965, a residir no bairro do Chão de Papel, constituíra-se em causa remota da libertação da Guiné: ao gerar o libertador gerara o embrião da libertação. O líder regressara de Moscovo em finais de 1972, sem os aviões de combate MIG, mas com a certeza da entrega do primeiro fornecimento de 44 mísseis terra-ar Strella, destinados a interditar os céus da Guiné às máquinas de guerra voadoras da Base Aérea n.º 12, em Bissalanca, que tão desequilibravam os pratos da balança da guerra que desencadeara. Veio perder a vida em Conakry, longe do teatro dessa guerra, em 20 de Janeiro de 1973, não em combate próprio da guerra, mas à mão de correligionários de longa data, no contexto da discordância pela união da Guiné e Cabo Verde, não obstante o Partido Comunista Português o haver prevenido da conjura, por escrito; a fonte dessa informação seria uma “toupeira” no Estado-Maior português. Álvaro Cunhal, o pragmático Secretário-geral do PCP, foi o único chefe oposicionista ao Estado Novo que sempre advogou e pugnou, no país e no estrangeiro, pela descolonização do Ultramar – à moda do MFA…

Os herdeiros cumpriram as instruções e respeitaram a agenda do líder defunto, preparando e desencadeando manobras militares de guerra clássica, vigorosas e simultâneas, de cerco e ataques massivos às povoações fronteiriças dos “3G´s” – Guidaje, Guileje e Gadamael -, durante mais de um mês, na procura de vitórias tangíveis, para ilustrar a próxima proclamação da independência. Em Guidaje, foram contidos pela valentia do comandante e forçados à retirada para o Senegal; em Guileje, o comandante fintou-os com a manobra da retirada para Gadamael, decisão inaudita, susceptível de ofuscar a boa imagem da guarnição e Nino Vieira desceu de Boké, precavendo-se num blindado para abordar o alvo abandonado há 2 dias.

O passamento de Amílcar Cabral trouxe a luta pelo poder ao interior do PAIGC. Nino Viera havia concorrido a seu sucessor, mas os seus pares (apenas um voto em 15) deram a liderança ao Luís Cabral, que era o controleiro do aparelho paigcista, no seu desígnio de transitar da presidência da Assembleia Nacional Popular para presidente do Conselho de Estado - a rampa de lançamento para futuro próximo presidente da Guiné-Bissau -, e Gadamael tornou-se o alvo das suas frustrações, deslocando a panóplia de armamento pesado para o interior da Guiné. Os defensores de Gadamael passaram a sujeitos de situações patéticas e a dramas de alta densidade. Os primeiros obuses puseram os seus dois capitães fora de combate e cerca de 300 elementos debandaram da guarnição, em fuga ao inferno em que o dilúvio de obuses transformara a povoação e o estacionamento militar. A defesa deste esteve reduzida a cerca de 30 elementos, por um período superior a 24 horas, que a aguentaram firmes e valentes, como homens e como soldados, à maneira dos portugueses de outras eras. Os pára-quedistas vieram de Guidaje e de Cufar, os fuzileiros e os comandos vieram de Bissau em seu socorro e obrigaram Nino Vieira a retirar para o conforto do território estrangeiro, tendo de recriar uma “grande marcha” à moda maoísta, com combatentes e carregadores a alombar com a panóplia desse armamento pesado por trilhos inóspitos, totalmente vulneráveis às previsíveis manobras de exploração do sucesso – que não foram desencadeadas. Os pilav já haviam superado os Strella e os T6 e Fiat G91 de Bissalanca surgiam sobre a copa das árvores e derretiam, sem oposição, as retaguardas e santuários do PAIGC, no Senegal e na Guiné-Conakri.

O general Spínola superou a crise dos 3 G´s e veio para Lisboa, de férias e para se demitir, quando no teatro da guerra da Guiné emerge o MOCAP, Movimento dos Capitães, corporativo, rapidamente metamorfoseado em MFA, Movimento das Forças Armadas, político e conspirativo. Depois do facto consumado ficou a saber-se que o PAIGC era posto ao corrente de tudo o que era essencial. O PAIGC não alcançará maiores êxitos militares do que os decorrentes da sua robusta luta de guerrilha e continuou o seu caminho rumo à vitória, pela declaração unilateral da independência política, com a proclamação prevista na aludida região do sul, tendo apenas alterado a data de 12 para 19 – acabou por ser fixada em 24 de Setembro. A Guiné estava para a Spinolândia como o Boé estava para a Cabralândia.

A data da proclamação da independência aproximava-se, a tropa de intervenção de Bissau começara a vigiar o Cantanhez e, nas antevésperas, um Fiat G91 afundou uma embarcação que fazia a cambança de pessoal da Guiné-Conakry com destino ao local do evento. Nino Vieira, responsável pela segurança, pela qualidade de chefe de operações, avaliou a situação e fez saber aos seus pares que não a poderia garantir.

A liderança do PAIGC à data divulgará que ultrapassou a expectativa do fiasco transportando, durante toda a noite da véspera, a tralha da sua logística para o Boé, considerada pelo Amílcar como a mais segura das “áreas libertadas”, correspondente à quadrícula de Madina e Beli, abandonada pela tropa, desde 1968. E Luís Cabral até foi mordaz quanto à competência de Nino Vieira, ao dizer, ao jeito de confidência, que ele levara os foguetões mas que se esquecera de levar o mecanismo do seu lançamento…

Ou as explicações são pouco cuidadas, mistificadas ou estaremos perante um milagre. O PAIGC andou toda a noite da véspera a mudar a tralha e o armamento do Cantanhez para o Boé mas, manhã manhãzinha, o cerimonial atingia o pleno, as centenas pessoas instaladas - deputados, dirigentes, convidados, diplomatas estrangeiros (o embaixador russo diz que não assistiu) e enviados da imprensa internacional, com Nino Vieira a ler o texto da proclamação, da autoria do dr. José Araújo, pelas 8H55 TMG. E a publicidade à volta desse evento fez elevar de 40 para 82 o número de países que lhe deram apoio e reconhecimento diplomático.

Do lado português, não compareceram nem a Força Aérea nem as tropas heliotransportadas. Eficiência da contra-informação?
Dizia-se que o Estado-Maior de Bissau estaria infiltrado de capitães e de oficiais superiores comunista.

Terão acontecido acções de traição à pátria, na guerra da Guiné? A seguir ao 25 de Abril, a amnistia dirigida a refractários e desertores não encontrou traidores à pátria. O PAIGC começou a fuzilar em 1964 e fuzilou muitas centenas de guineenses, pelo menos até 1980, sob essa acusação. Na I Grande Guerra, pela simples manifestação da intenção de um soldado condutor amalucado, natural da Foz do Douro, de entregar aos alemães duas cartas de itinerários para as posições portuguesa, foi julgado como traidor à pátria na forma tentada e sentenciado com o fuzilamento, presenciado por uma grande formação de camaradas.

Nino Vieira demorará 7 anos a anular Luís Cabral e a ascender a PR da Guiné-Bissau.
Passou de IN e grande vilão da guerra da Guiné a amigo de Portugal e o PR Jorge Sampaio condecorou-o com o Grande Colar da Ordem Militar de Santiago de Espada, cujo chanceler era … o general António de Spínola…

Manuel Luís Lomba
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13530: Efemérides (173): Romagem anual ao Cemitério de Lavra / Matosinhos, de homenagem aos combatentes mortos na Guerra do Ultramar, levada a efeito no passado dia 8 de Agosto de 2014

terça-feira, 20 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13167: (Ex)citações (233): Venho manifestar o meu apoio ao camarada Veríssimo Ferreira pelo repto que faz ao camarada Manuel Vitorino (Manuel Luís Lomba)

[...]
- "A MINHA COMPETIÇÃO FOI OUTRA"
- "A GUERRA DA GUINÉ SÓ PODIA SER GANHA PELO PAIGC"
- "...UMA COLUNA DE «TEMÍVEIS GUERRILHEIROS DO PAIGC ULTRAPASSOU O ARAME FARPADO E VEIO FRATERNALMENTE AO NOSSO ENCONTRO"
[...]
Manuel Vitorino (jornalista e ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4518/73, Cancolim, 1973/74) no post 12955

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[...]
Mas muito calmamente, vamos lá ao contraditório:

- "COMPETIÇÃO" significa disputa.
E então o camarada estava a competir ou a lutar, cumprindo o seu dever enquanto militar integrado no Exército, que lhe ensinou e pagou, para defender a Pátria?


- "SÓ PODIA SER GANHA PELO PAIGC"
Não consigo chegar a tal conclusão, nem tão pouco a admito, embora a tenha ouvido já algumas vezes, e ouvido o contrário por muitas mais. Ou será que eu e os que pensamos que a guerra podia ser ganha por nós PORTUGUESES, somos heróis, e aqueles que pensam o contrário são cobardes?


Estou convencido que uns e outros coexistiram em quaisquer dos casos, mas só que os heróis, não renegam...
NÃO COMPETIAM MAS LUTARAM...
SOFRERAM...
VIRAM AMIGOS A DESAPARECER...
COMBATERAM POR SI E PELOS SEUS, PARA SE DEFENDEREM, que essa era a sua missão.


Mas aquela: "UMA COLUNA DE TEMÍVEIS GUERRILHEIROS, etc etc etc... fez-me rir e lastimar o autor destas opiniões que o sendo, mereceriam o meu desprezo mas que aqui postadas como afirmações sem nexo, apenas repudio com nojo.

Brincamos ou quê?
[...]
Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422/BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, Pelundo e Bissau, 1965/67) no Post 13066

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1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, BissauCufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 9 de Novembro de 2013:

Camarada Veríssimo Ferreira:
Venho manifestar o meu apoio ao repto que fazes ao camarada Manuel Vitorino, em reacção à substância activa do seu post 12955, a desafiá-lo ao debate acerca de quem merecia ganhar a nossa última guerra da Guiné, perdida pela desistência do MFA, que se antecipou à desistência do PAIGC, depois de os nossos antepassados, de cá e de lá, se haverem defrontado em cerca de 150 guerras, desde 1474 (500 anos, certinhos...), sem haver vitoriosos nem derrotados.

E porquê?
Porque a organização social da Guiné assentava no tribalismo (não consubstanciava um povo) e a maioria das suas tribos valorizava e acabava por apoiar a presença portuguesa.

Quando o MFA “libertador” levou a cabo essa desistência, a História estaria em vias de se repetir, para grande decepção dos arautos internos e externos do “anticolonialismo” - a grande moda das elites políticas de então - e da perda total dos vultuosos investimentos em armamento e financeiros dos interesses que não tiveram outro meio de correr Portugal senão a tiro, para a Guiné lhes abrir a caixa de Pandora às ubérrimas Angola e Moçambique.

Quando da capitulação do MFA, na mata de Morés, na sequência do 25 de Abril, que o Acordo de Argel ainda tentou lavar, cerca de 85% dos guineenses manifestavam-se pela presença portuguesa, contra os cerca de 15% de paigcistas; o efectivo, militar e militarizado, da guarnição da Guiné, ascendia a 45 000 homens, em oposição aos “temíveis guerrilheiros” das FARP e milícias, inferior a 4000.

Se as nações fazem exércitos, os exércitos não fazem nações. Após ter corrido com a presença portuguesa, rompendo o tecido conjuntivo da sociedade guineense (e não a cabo-verdiana), o PAIGC voltará as suas armas contra o próprio povo...

Quando Amílcar Cabral se “apoderou” do PAIG e o transformar em PAICV, havia 500 anos que a Guiné era portuguesa, ao passo que a governação salazarista só tinha 30 anos... Herdamos dos antepassados romanos a condição cívica de soldados: defender o império e o imperador...
...E como os Portugueses fizeram de Portugal um império, a partir da “época Gâmica”... O povo humilde, que lutou na guerra da Guiné, foi entregar-se à luta pelo país, não pelo regime político. A defesa do “império e do imperador” era da ordem de grandeza dos militares profissionais, nomeadamente da poderosa classe dos capitães... Fizemo-lo, na esmagadora maioria, por consciência, convicção e sem criar complexos de superioridade moral ante os refratários e até os desertores (com ressalva para os que foram pegar em armas contra os seus compatriotas e camaradas).

No advento do MFA, havia apenas dois impérios no mundo: o da então União Soviética e o de Portugal. Enquanto havia civis e militares portugueses empenhados na expansão soviética ao império de Portugal, não havia portugueses empenhados na expansão de Portugal ao império soviético.

A guerra do Ultramar entrava no seu advento e Álvaro Cunhal, no seu discurso ante o X Congresso do PC da União Soviética, criticou duramente a China, por ainda não ter corrido com Portugal de Macau, estabelecido desde 1557 (400 anos, certinhos...). Virá a ser a única parcela portuguesa ultramarina sujeito duma “descolonização exemplar”, cerca de 42 anos depois... De onde se infere que se o MFA e os seus “progressistas” não tivessem renegado à vocação colonizadora de Portugal, talvez tivesse bastado uma década, após o 25 de Abri, para a Guiné, Angola e Moçambique haverem ascendido a nações livres, prósperas e pacíficas. Nem todas o conseguiram iniciar, 40 anos depois...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Região do Xime > 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12, deslocando-se numa bolanha em zona controlada pela guerrilha do PAIGC... 
Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Os ex-combatentes do Ultramar estão em vias de extinção, mas perseverantes em rezingar, enquanto documentos vivos, transmissores históricos, dos factos acontecimentais dessa guerra, resistindo à sua lavagem.

Não será muito, pedir-se mais decoro no endeusamento dos protagonistas e na invocação do 25 de Abril, politicamente correto, à náusea.
Sem desmerecimento da sua substância libertadora, a verdade é que Descolonização ultramarina, obra e graça do MFA, constitui a maior derrota de Portugal, após a sofrida em Alcácer-Quibir. Por causa dela, passamos para a Espanha, em 1580; como sequela dessa “Descolonização exemplar”, fomos sujeitos a 3 ciclos de governação externa, em 30 anos, a última chamada de troika, que se limita a pôr a babete aos governantes das elites políticas emergidas do 25 de Abril e a impor-lhes o óbvio de toda e qualquer governação.

Sofremos e sofreremos essa disciplina imposta do exterior, de longa duração. E os povos que abandonámos passaram a chamar Pobregal, ao país pelo qual esta geração grisalha tanto lutou e sofreu.

E voltando à Guiné, nos 12 anos da sua guerra apenas houve soldados portugueses derrotados pela morte, num total de 2070, em combate, por acidentes com armas, outros e por doença, nativos e metropolitanos, conforme a contabilidade apurada pelo camarada José Martins.

Na Batalha de La Lys, na Flandres, em apenas 4 horas sofremos 7500 baixas, em combate, feridos graves, desaparecidos e prisioneiros...

Com a devida vénia a Almanaque Republicano
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Maio de 2014 > Guiné 63774 - P13159: (Ex)citações (232): "Tristes artilheiros solitários" no meio dos infantes... (Vasco Pires, (ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

terça-feira, 22 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13020: 10º aniversário do nosso blogue (16): Falar ou não falar da guerra, aos filhos... O 25 de abril, o 11 de março, a catarse do blogue, o meu primeiro livro, os primeiros convívios ao fim de 48 anos... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba, [ ex-Fur Mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66; autor de "Guerra da Guiné: A batalha de Cufar Nalu" (Terras de Faria Lda: Faria, Barcelos, 2012, 341 pp.)]:


Data: 21 de Abril de 2014 às 01:09

Assunto: Falar ou não falar da guerra, aos filhos



Olá, meu caro Carlos Vinhal. Ao mote do 10º aniversário do blogue, tento corresponder com esta achega, cuja primeira emissão parece ter saído defeituosa.


Mil anos de vida para a Tabanca Grande!

Um grande abraço, extensivo a toda a malta.
MLLomba


2. Falar ou falar, da guerra, aos filhos...
Aos 24 anos acabaram-se-me dois empregos - o da vida militar e o da vida civil (as obras da Ponte da Arrábida estavam concluídas). Fiz-me à vida, carregadinho de maleitas, em esforço de mandar as muitas e variadas memórias da guerra da Guiné para o fundo do baú da memória e desenvolvi o tabu de não falar dela, como de coisa íntima se tratasse.

Ainda não eram 8H00 e encontrei-me com o "25 de Abril", junto do QG do Porto; as maravilhas feitas pelos ex-camaradas seus protagonistas encheram-me de orgulho, pela nobreza da sua missão e a categoria revelada pelo seu trabalho militar.

Veio o "11 de Março" e as suas derivas contra-revolucionárias compulsaram-me para outra guerra, desta feita sem orgânicas nem armas, quando Vasco Gonçalves, Rosário Dias, Álvaro Cunhal, Otelo e outros enviesaram pelos caminhos da utopia, pela desestabilização da sociedade portuguesa e a vilipendiar o nosso pluricentenário país. Se as nacionalizações nada me diziam, "as intervenções estatais" vieram bulir-me com a cidadania. Os sindicalistas arvoraram-se em agitadores, furiosamente votados a escaqueirar a harmonia sócio-laboral, para resultar na nomeação de comissões administrativas, enformadas por licenciados indicados pelo ministério do Trabalho, ancorados no PCP ou no MDP/CDE e por oficiais milicianos subalternos, arvorados em MFA, em geral barbudos e cabeludos -, reconhecidamente oportunistas, medíocres e calaceiros, salvo honrosas excepções. Os "trabalhadores" passaram a muitos, mas os que trabalhavam eram cada vez menos.

O primeiro lote dessas"intervenções" respeitava à Facar, Real Companhia Velha, Têxtil Manuel Gonçalves, Salvador Caetano e Soares da Costa - a sede do meu posto de trabalho. A tampa do conhecimento das técnicas da subversão, adquirido na guerra da Guiné saltou e então regressaram as noites sem dormir, as vigílias, a observação perseverante, análise e manobras consentâneas, mas sem laivos de violência. A Facar, Têxtil Manuel Gonçalves e a Real Companhia Velha foram intervencionadas; mas os mais de 3 000 trabalhadores da da Soares da Costa organizaram-se, fizeram abortar a intervenção, foram dar uma ajuda à Salvador Caetano e ainda uma ajudazita ao restabelecimento da normalidade na Têxtil Manuel Gonçalves. Exemplo da intervenção social e da resistência cívica ao desvario, dos trabalhadores que trabalhavam.

Soldado uma vez, soldado para sempre; mas fora actor em duas guerras e conservava o silêncio como o melhor meio para as esquecer.

Iniciava-me no manejo das novas tecnologias e surgiu-me o blogue, por acaso. A curiosidade mata o gato e a sucessão e grandeza dos seus testemunhos, sem complexos nem preconceitos, não fez saltar a rolha - destampou-me as memórias e motivou-me até chegar a autor de um livro acerca da guerra da Guiné e minhas vivências.

Por essa circunstância, os filhos começaram a puxar conversa, num misto curiosidade e de incredulidade, pela recusa de imaginar o pai metido na selva tropical, a sofrer e a montar ataques e emboscadas, com mortos e feridos, numa realidade de tiros, granadas, bombas e minas, envolvido nas acções da aviação e navios de guerra. "O cota está agora numa de imaginação" - pensariam (julgo eu).

Passados 48 anos do regresso da Guiné, decidi-me pela primeira vez a participar no encontro de confraternização do BCav 705 (a seguir fui pela primeira vez ao encontro da Tabanca Grande, em Monte Real), levei o meu filho mais novo, pela primeira vez me reencontrei com o meu comandante, o então Capitão de Cavalaria Fernando Lacerda, e complementei as apresentações, a dizer:
- Olha, pá, nas muitas situações de combate, nunca vi o meu comandante a atirar-se para o chão...
- Seria indigno da minha pessoa sujar a farda - respondeu o meu ex-capitão, a exibir orgulho nobre.

No regresso, o meu filho disse-me que até ali pensava que essa coisa de homens destemidos, a enfrentar tiros e explosões, era próprio dos filmes, dos Rambos. Protestou a sua admiração pela pessoa do meu antigo capitão e adotára-nos como os seus heróis.

E passou a interessar-se pelo tema da Guerra do Ultramar.

E já agora e a propósito: o 25 de Abril, sempre! O anti-25 de Abril, como o 11 de Março ao 25 de Novembro, jamais!

Manuel Luís Lomba
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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12320: In Memoriam (171): Alferes Miliciano Adelino da Costa Duarte do 3.º Pelotão/CCAÇ 1416/BCAÇ 1856, morto em combate no dia 22 de Novembro de 1965 (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 9 de Novembro de 2013:

Prezado Amigo e camarada de armas Carlos Vinhal,
Vivi a ocorrência da morte do alferes Adelino, a leitura do livro Uma Campanha na Guiné, do Manuel Domingues, trouxe-me a sua lembrança e a efeméride da data levou-me a escrever esta narrativa, a evocar o acontecimento e o seu contexto, para editar, se lhe reconhecer mérito. 

Receba um abração, extensivo à malta que dá vida ao blogue
Manuel Luís Lomba


In Memoriam, 48 anos depois...

Alferes Miliciano Adelino da Costa Duarte

A vigília do alferes miliciano Adelino da Costa Duarte à sua própria morte em combate, comandante do 3.º Pelotão, da CCaç 1416, destacada em Nova Lamego, de reforço operacional ao BCav 705, na noite de 21 de Novembro de 1965.

A CCav 703 nomadizava há dois meses em Cufar e, naquele domingo, pelas 22H00, a voz troante de Manuel Alegre, vate da Trova do Vento Que Passa, então locutor da Rádio Portugal Livre, de Argel, anunciou que o seu amigo Amílcar Cabral acabava de abrir a Frente Leste da guerra da Guiné, que os famigerados barbudos de Cuba vinham reforçar o PAIGC e regozijava com a expectativa da derrota dos seus camaradas de armas, em sofrido cumprimento do seu dever na então Província Ultramarina portuguesa.

Depois dos 63 dias dessa nomadização em Cufar, fomos dar com os costados a Buba, via Bissau, e andávamos a passar as penas do inferno de ferro e fogo por Nhala e Incassol (o camarigo João Parreira, dos Comandos Os Fantasmas, recebeu um estilhaço de RPG, próximo de mim), quando a nossa intervenção foi abreviada, para regressamos apressadamente ao Forte da Amura, em prenúncio de algo de novo. A alvorada do dia seguinte aconteceu sem toque de clarim, para não perturbar o sono à Companhia de Polícia Militar 590 nossa vizinha e, cansados, estremunhados e sem outra bagagem, senão armamento e munições, atravessamos a Bissau adormecida, com destino à Base Aérea de Bissalanca, e os Dakota iniciaram uma ponte aérea, a colocarem-nos de emergência em Nova Lamego, capital do Leste da Guiné, com a companhia do próprio Comandante-Chefe, brigadeiro Arnaldo Schulz, logo no primeiro. Distribuíram-nos de imediato, a nível de secção, pelas pequenas tabancas de Pinto da Silva, Cheche, e Camajabá, nas missões de tampão às já então sacrificadas guarnições de Canquelifá, Madina do Boé e Buruntuma.

Iniciamos então o contacto com um território diferente, desarborizado, descampado e também despovoado, pelo trabalho do Vitorino Costa, um dos primeiros comandantes do PAIGC, que não obstante ter recorrido aos requintes de malvadez terrorista, não conseguirá nem escorraçar nem esmorecer a fidelidade das populações fulas a Portugal. Em contraste com o Oio e o Cantanhês, o Gabu era um campo de batalha aberto, que na altura não era exclusivo da malta do PAIGC, porque os Paraquedistas da República da Guiné, da base fronteiriça de Kandica, começaram por lhe proteger a retaguarda e depois associaram-se-lhe ao fogacho contra nós, bazofiadores, a ostentar as suas vistosas boinas vermelhas. Obrigámo-los a vazar “no gosse-gosse”, logo ao segundo contacto e nem todos regressaram à base da partida. Após um ano a guerrear o PAIGC por aqui, ali e acolá, foram esses combates na savana do Gabu que nos fizeram sentir como verdadeiros soldados portugueses de sempre.

A CCav 703 foi destinada à quadrícula em Buruntuma, em plena época das chuvas e a nossa decadência física agravou-se, como pacientes do paludismo, combatido com doses cavalares de comprimidos “Camoquin”. A febre foi debelada, mas eu entre outros, dos quais apenas o Cabo Pedrosa me acode à memória, perdemos as forças, ficamos esqueléticos e dobrados a meio, a movimentarmo-nos arrimados a paus, à laia de bengala, tal o grau da nossa debilidade, dizia-se que em consequência do plasmódio inoculado pelo mosquito anopheles se nos ter alojado nos rins. Buruntuma era como que um labirinto e o capitão Lacerda não dispensava a quem restasse força para puxar o gatilho, no entanto, graças ao alferes médico Dr. Sequeira, condescendeu em mandar passar-nos a guia de marcha para a sede do Batalhão, em Nova Lamego, em demanda do tratamento especializado, ministrado no posto médico da Circunscrição, com valências em paludismo e na doença do sono, criação do Dr. Maurício, lendário missionário da Saúde no chão da Guiné.

Buruntuma

Foto: © Luís Guerreiro (2012). Todos os direitos reservados

Fomos encontrar a CCaç 1416 adida ao nosso Batalhão, como subunidade de intervenção do Sector, que se revelou malta fixe, descontraída e miliciana (a começar pelo seu capitão, Jorge Monteiro), em contraste com os tiques ou complexos elitistas da Cavalaria. Com o tratamento endovenoso as pernas pareciam peadas, o manquejar agravou-se e aqueles camaradas não regateavam o apoio à decrepitude deste mais velho. E uma tarde fui com alguns para o já conhecido bar dum casal libanês, na rua principal da capital do Gabu, que tinha um anúncio escrito a giz, sobre uma padieira: temus bebida gelado. Preferi o verde branco Gatão, de Amarante, à cerveja Sagres, de Lisboa; mal terminara o “desabafo” com a garrafa e já as sequelas me compulsavam para a posição horizontal, fui esticar-me na tarimba e perdi a visão - dei comigo totalmente cego e angustiado.

Um enfermeiro acudiu-me e dialogamos, à moda da caserna:
- “Quantas loirinhas emborcaste?”
- “Nenhuma; perdi-me com coisa melhor, uma bajuda de verde branco!” (o verde branco daquele tempo era loiro).
- “ Oh desgraçado, durante este tratamento só podes beber água e muita! Se te apetece líquido loiro, bebe mijo!”

E da abstinência resultou o regresso da visão.

Os paraquedistas guineanos desapareceram do chão do Gabu, mas a malta do PAIGC mais crescia e se multiplicava, por obra e graça dos cubanos. Naquele tempo, o Senegal dificultava-lhe a circulação de armamento e munições pelo seu território; os seus camiões de reabastecimento às frentes Leste e Norte partiam do Boké, estrada fora por Kondara, Sareboido e Kandica, no estrangeiro, passavam ao largo de Buruntuma, a carga era baldeada para carregadores, além Catabá, que atravessavam o Piai, pequeno rio fronteiriço, para se embrenharem, fortemente escoltados, no sentido de Canquelifá, eleita como central à sua guerra da Frente Leste. A informação da passagem duma dessas colunas chegara ao comando do BCav 705 e o então Major Ricardo Durão aprontou-lhes a Operação Gerês.

Naquele noite de 21 de Novembro a malta foi reunir-se ao convívio de copos, do “abafa” e da “lerpa” nas instalações de aboletamento da 1416, paredes meias com o Posto Administrativo. Encontramos o alferes Adelino no topo daquela mesa corrida, defronte ao gravador, numa atitude de ausência e que continuará alheado daquele ambiente ruidoso, peculiar às casernas. E surgiu o primeiro-sargento, como mensageiro:
- Saída operacional da 1416, pelas 5H00 da manhã; regresso dos convalescentes da 703 a Buruntuma, na volta da escolta que partiria de lá.

O alferes Adelino reagiu alvoroçado, mas sem qualquer afectação na voz, a dizer:
- “Hoje é o meu fim!”

Premiu o botão e o gravador começou a desbobinar a música “Il Silenzio”, orquestrada não sei por quem de apelido Rossi - o disco mais pedido pelos militares à então Emissora Provincial da Guiné Portuguesa. E seguida, sem interrupção. A melodia e o virtuosismo do trompetista começaram a mexer-nos com a alma, a fazer-nos pele de galinha, mas fomo-la suportando, enquanto compensava o rom-rom do motor do electro-gerador, ali ao lado. À meia-noite desligaram-no e então pedimos-lhe para baixar o som, mas ele respondeu:
- “Estou a fazer a minha despedida”.

Alguém começou a rezingar, um seu furriel foi pôr-lhe um braço sobre os ombros, a pedir-lhe para se ir deitar, descansar, e ouvimos a resposta:
- “Calma; dentro em pouco adormecerei para sempre”.

O alferes Adelino não calava O Silêncio, os palavrões e as picardias cessaram, a jogatina entrara na monotonia, o ambiente começou a assemelhar-se a velório, a comoção foi-se apoderando da turma, uma ou outra lágrima nalgum canto do olho, até que cada um se retirou para o seu canto, silenciosamente.

Il Silenzio, interpretado por Nini Rosso

Naquela madrugada de 22 de Novembro de 1965, a malta da 1416 saiu para o palco da Operação Gerês, algures entre Canquelifá e Buruntuma, o 3.º Pelotão a progredir em vanguarda, segundo a escala, e o alferes Adelino ao encontro do seu destino.

A escolta de Buruntuma chegou atrasada, com alguns feridos ligeiros e uns tantos combalidos: accionara uma mina anti-carro, perto de Ajango. Em Camajabá, o rádio-telegrafista informou-nos que havia desgraça com a 1416, pois escutara repetidos pedidos para a evacuação de feridos. Pela recorrência em minas e emboscadas, a partir dali entraríamos na nossa “estrada do Vietname”. Éramos passageiros, sem armas, e cuidamos de providenciar as “pastilhas”, para o inimigo que nos pusesse a mão nos acompanhasse na viagem para a eternidade: duas granadas, a meter nos bolsos superiores das fardas. A do lado esquerdo, bem sobre o coração, cavilha de segurança preparada - bastaria um ligeiro puxar da golpilha...

A escolta voltou a accionar outra mina anti-carro, nessa fatídica “estrada do Vietname”, houve mais projectados pelos ares, mais feridos ligeiros e mais combalidos. Causa da sorte, dada a ausência de casos de maior gravidade: a época das chuvas terminara, mas o terreno ainda estava muito mole. Chegados a Buruntuma, toda a malta nos veio dizer que a 1416 sofrera um morto - o alferes Adelino da Costa Duarte!

Localização da Picada Canquelifá-Buruntuma. Vd. Carta Província da Guiné - 1:500.000

Fora atingido num joelho, logo no primeiro momento do combate; falecerá 6 horas depois, pela demora na evacuação. Constou que terá manifestado ao furriel enfermeiro que o socorria o pedido de ser sepultado ao toque de O Silêncio. A morfina não o livrou do estado de choque e terá sucumbido à embolia que lhe sobreveio, eram 14H00 de 22 de Novembro de 1965.

A música Il Silenzio tornou-se referencial da infelicidade peculiar à condição de soldado. Na Guerra da Secessão, nos Estados Unidos, um capitão da União, após repelir uma tentativa de assalto às suas trincheiras, começou a ouvir gemidos, além do arame farpado. Correu grandes riscos e rastejou até ao ferido, arrastou-o mas chegou com ele morto ao acampamento, onde o reconheceu como o seu próprio filho, estudante de música no Sul, que se havia alistado nos Confederados, sem seu conhecimento. Pediu honras musicais para o seu funeral, que lhe foi indeferido, por se tratar de combatente do outro lado, mas autorizaram-no a escolher um músico; a sua escolha recaiu no melhor trompetista da banda marcial, ao qual pediu que tocasse as notas musicais da pauta encontrada no bolso do filho. Assim nasceu e foi pela primeira tocado O Silêncio, que muitos exércitos adoptaram para toque de finados. O Toque da chamada aos mortos em combate, adoptado pelo Exército Português, será menos melodioso, mas é muito comovedor, causa-nos calafrios e estremecimento.

A destemida e valente malta da 1416 entrou noutros combates de igual teor e acabará a comissão na quadrícula de Madina do Boé e Beli, em rendição à nossa CCav 702. Na tenda montada na “sua” colina, Amílcar Cabral ordenou a sua aniquilação, incumbindo essa missão ao capitão cubano Ulises Estrada, chefe dos internacionalistas cubanos, e a Domingos Ramos(1), então o melhor comandante do PAIGC, furriel miliciano desertor do Exército Português, que chegara a ser o porta-bandeira da então Bateria de Artilharia de Santa Luzia (antes de ser o QG de Bissau), o qual morrerá no combate que lhe oferecera a sacrificada Companhia 1416. Aquele ex-português da Guiné e nosso ex-camarada de armas era o comandante da Frente Leste - o primeiro responsável da morte do malogrado alferes Adelino da Costa Duarte.
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Notas do editor:

(1) - Vd. poste de 12 DE DEZEMBRO DE 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)

Último poste da série de 19 de Novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12314: In Memoriam (170): O princípio do fim do Amigo e Camarada Sargento-Chefe Fernando dos Santos Rodrigues (2): A sua morte no dia 29 de Outubro de 2013 (Arménio Estorninho)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10599: (In)citações (43): Recordando coisas da Guiné (Manuel Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviada no dia 28 de Outubro de 2012 à caixa de correio do nosso Blogue:

Prezado camarada Carlos Vinhal,
Venho correspondendo ao teu incitamento de recordar coisas de Guiné...

Aproveito para partir mantenhas e responder ao Henrique Cerqueira, ao Mário Fitas e ao António Rosinha, que a minha prosa lhes mereceu atenção (P10554).

O capitão João Bacar Jaló começou a carreira militar nos Caçadores Nativos, em Bissau e Bolama. Dou a mão à palmatória: não comandava a CCaç 13, mas da Companhia de Milícias 13, de Catió, aquando dos eventos em Cufar. Fui recorrente nesse erro de simpatia.

Meto a minha colherada na desavença de natureza cronológica do NAVEG e do Mário Fitas e aproveito para espraiar memórias da Guiné.

A Operação Razia, do assalto final à mata de Cufar Nalu, ocorreu em Maio; a CCav 703 veio de Bissau para Catió, para a integrar. Nos referidos dias de Abril, andávamos com Os Fantasmas e outra malta, pela região de Buba e Incassol; o tabanqueiro e camarada comando João Parreira foi um dos feridos perto de mim, pelos estilhaços da bazucada turra que abriu as hostilidades, naquela sinistra madrugada de 20 de Abril de 1965.

Da Operação Razia fomos directos para a Fortaleza da Amura, sofremos a redução do período de descanso e voamos nos Dakota, para Nova Lamego (Gabu), de emergência, porque turras e companhia de boinas vermelhas, militares da República da Guiné, andavam por aquela imensa savana, pobre de arborização a meter-se com a tropa, a queimar tabancas, a roubar gados e a matar populações fulas. Uns andaram por Canquelifá, outros por Pirada, outros por Madina do Boé; a mim calhou-me a defesa e segurança à fatídica jangada do Cheche.

Em vésperas da rendição da nomadização em Cufar fixei a notícia da rádio de Argel, pela voz do Manuel Alegre, que Cabral convocara a imprensa internacional para dar a conhecer ao Mundo a iniciativa de limpar a Frente Leste de tugas, aniquilando-os ou empurrando-os, implacavelmente, pelo seu novo e poderoso armamento e lembro-me, como se fosse hoje, de ter premeditado o afundamento da jangada, em contingência, confiado na guarnição e no canhão sem recuo 10.7, instalado num jipe americano Willis, que o comando afectara à minha missão. A força que nos rendeu disparou-o contra um grupo inimigo, abateu dois, impecavelmente fardados, armados com duas “pachanga “ para eles e “costureirinhas” para nós (as pistolas-metralhadoras PPSH), despojaram-nos dos quicos, cintos, sapatilhas de ténis e de uma catana nova, decorada com as cores da bandeira bissau-guineense, que comprei ao novo dono pagando-lhe uma cerveja e uma lata de conservas de anchova, no estabelecimento de um libanês, na rua principal de Nova Lamego, que exibia a tabuleta publicitária da venda de “Bebida gelado”. Foi-me confiscada na mala do carro, na noite de 28 de Setembro de 1974, na barricada montada antes da ponte de Vila do Conde, enquadrada por um marinheiro, jovem e barbudo, que se borrifou para a minha justificação de a fazer circular comigo, como talismã, a indiciar-me “reaccionário da maioria silenciosa”.

A CCav 703 assumiu o sector de Buruntuma em 25 de Maio de 1965, salvo erro ou omissão, a render o Pelotão comandado pelo alferes Vinhas (CCaç 509 ou da CCaç Nativos 3?). Além fronteira via-se a testa duma força de blindados da República da Guiné, salvo erro Panhard´s, com os seus esguios canhões apontados à tabanca. O capitão Lacerda fez o reconhecimento e cuidamos de aprontar um potente fornilho, no eixo da aproximação, ribeirinho ao pequeno rio Piai, que se nos interpunha, um molho de granadas de morteiro e de bazuca, os detonadores conectados a um extenso fio condutor, ligado ao dínamo-explosor, que ficou no posto de comando. Constava que ele havia feito explodir uma ponte, à guarda do pelotão de Cavalaria mecanizada e do seu comando, decidido a opor-se ao avanço de uma força de blindados indianos, na sua agressão ao Estado Português da Índia, havia 4 anos. Caiu prisioneiro e teria sido sujeito de maus tratos extra, por tal valentia. Vivemos mais uma das incontáveis noites de insónia e de prevenção extrema, particularmente aos bazuqueiros, municiadores e remuniciadores, as reservas de granadas à livre disposição, que cobrimos com os panos de tenda individuais.

Nessa noite, a Natureza brindou-nos com o início da época das chuvas, diluvianas e trovejantes, relâmpagos prolongados, o céu em fogo e a dardejar raios e coriscos. Não obstante as propriedades de tanto metal de armas e munições a expor-se à sua atracção, dispersas quanto nós, Santa Bárbara terá orientado um deles a penetrar pelo cabo condutor eléctrico e a viajar directo aos detonadores do fornilho, que se consumiu, numa explosão medonha; o chão tremeu e, por momentos, ficou mais fogo que o fogo do céu. Amanhecemos pela enésima vez ensopados até à medula dos ossos e a tiritar, mais do desconforto que do medo, inseparável companheiro, esgotados pelo cansaço endémico e pela tensão e angústias das vigílias que precedem os combates; e logo nos sentimos mais soltos, ante a gratificante visão de uma enorme cratera, capaz de engolir mais que um dos blindados ameaçadores e pelo desaparecimento destes, sem nos dar combate. O reconhecimento coube à secção e ao furriel Simas que os topou recolhidos no quartel estrangeiro de Kandica, situado a cerca de 1,5 km de Buruntuma e de nós.

A informação posterior encheu-nos o ego. Ao ter conhecimento da vinda para Buruntuma da “cavalaria” de Bissau, o comando guineano da região mandou aqueles blindados para a fronteira, com missão dissuasiva. A fama dos novos vizinhos, a fazer a sua apresentação com a dantesca explosão duma “arma secreta” fê-los dar meia-volta. Tal cavalaria referia-se ao BCAv 705, apodado de Cavaleiros Marinhos e a esteira da sua fama vinha das constantes intervenções pelo Sul e pelo Norte e a economia das suas baixas. Sem embargo os bons comandantes das subunidades, companhias 702, 703 e 704, que a vinda do major Ricardo Durão, para segundo-comandante, veio potenciar, considerávamo-nos soldados afortunados, com mais sorte que valentia, eficientes como pilha-galinhas, pouco dados à lamechas e propensos à maroteira. Começamos a operar no Leste em interacção com a CCaç 727, destacada em Canquelifá e Ponte Caium, comandada pelo capitão madeirense Evónio Vasconcelos; a sua malta era muito fixe, tinha menos tempo de serviço, mas contava 16 mortos em combate. Dir-se-ia que cada tiro cada baixa.

Incluí a equipa da Soares da Costa que, em 1982, negociou o estaleiro e o património mecânico da Tecnil, na estrada de Santa Luzia. Diligenciamos pela contratação de alguns dos seus quadros, já transferidos para Angola. Seria o António Rosinha? Na ocasião, o engº Ramiro Sobral presenteou-nos com garrafas de vinho do Porto, de sua produção no Douro. Num espaço fronteiro a esse estaleiro jaziam as estátuas derrubadas em Bissau, escondidas pelo capim. Paguei 50 contos pela do navegador Nuno Tristão e obtive o respectivo BRE (Boletim de Registo da Exportação), destinando-a ao meu jardim, em memória patriótica. Começara o seu embalamento e apareceu um jovem, apresentou-se como Secretário de Estado da Cultura e anulou a transacção, a incumbência do ex-ministro, o angolano Mário de Andrade, ex-MPLA, alegando que as estátuas pertenciam ao património histórico da Guiné-Bissau. O memorial ao descobridor da Guiné continuou estendido no capim e os meus 50 contos reverteram para os cofres (?) do novel Estado.

O comandante Alpoim Calvão passou por situação idêntica, recentemente. Comprou a estátua do presidente americano Ulisses Grant, derrubada em Bolama, o negócio acabou anulado, mas a ele calhou-lhe ficar arguido de tentativa de contrabando. Que a nossa memória enferruje, mas devagar...

Manuel Lomba
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 28 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10203: (In)citações (42): Bombeiro ou Militar, há que optar (José Martins)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10508: (Ex)citações (198): O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar (Manuel Lomba)

1. Comentário do nosso camarada Manuel Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), deixado no dia 6 de Outubro de 2012 no seu Poste de apresentação*: 

Até Dezembro de 1964, as situações de guerra em Cufar foram contas do rosário operacional da BCaç 619, de Catió, da CCaç 6, de Bedanda e das tropas especiais, enviadas de Bissau. Os Comandos Os Fantasmas não tiveram sucesso na sua surtida em finais de Novembro, precedente à intervenção da CCav 703, e os Fuzileiros, que interagiam frequentemente com o BCav 705, os Cavaleiros Marinhos, diziam-nos que era um fuzileiro desertor e atirador especial, de alcunha G3 quem lhes embargava a penetração na mata de Cufar Nalu.

A primeira surtida da CCav 703 à mata de Cufar Nalu ocorreu em 19 e 20 de Dezembro de 1964, em interação com aquela unidade e sub-unidade de quadrícula e fomos três vezes repelidos, não obstante a simultaneidade da acção dos Paraquedistas e os bombardeamentos da aviação mais a Sul, na área de Cafine, etc, a condicionar Nino Vieira ao envio de reforços, acoitados em Quitafine. O capitão Fernando Lacerda estava de licença e não comandou essa operação. Será o comandante da ocupação das ruínas da fábrica de descasque de arroz, a quinta de Cufar e a nomadização da CCav 703, entre Janeiro e Março de 1965 - Operação Campo.

No contexto do longo e exaustivo período dessa nomadização, além da nossas acções de batidas, emboscadas, etc, o Comando-chefe (General Schulz) desencadeou as operações Alicate I, II, III e Ursa, em conjunto com as mesmas tropas de quadrícula e/ou especiais, sem surtidas ao coração da mata de Cufar Nalu. O assalto e o desmantelamento de Cufar Nalu foram executados pela Operação Razia em Maio de 1965, tendo a CCaç 763 como força nuclear, com a participação do BCaç 619 e da CCav 703, vinda de Bissau, enquanto os Paraquedistas manobravam sobre o Cantanhês e os Fuzileiros a partir das margens do Cumbijã.

Cufar Nalu constituía um refúgio- base paigcista, dotado de armamento terra-terra e terra-ar, protegido pelo ânimo dos seus combatentes, pelo grande porte do arvoredo e com abrigos cavados, que me calhou contactar, em Dezembro de 1964; a CCav 703 e, depois, a CCaç 763 nomadizaram, entrincheiradas, com armamento terra-terra e terra-ar, durante 10 meses, na quinta de Cufar. Ao fim e ao cabo de quase 18 meses a dar batalha recíproca, o ferro e fogo nosso e os cães de guerra da CCaç 763 forçaram as já então FARP a retirar da mata de Cufar Nalu.

Houve mortos e feridos, longe da dimensão das carnificinas das batalhas das guerras clássicas, que faziam a glória dos seus altos comandos. O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar; mas a semelhança não será coincidência, salvo erro ou omissão.

Cerca de um milhão de portugueses cumpriram o seu dever, em “tributo de sangue”, nela e por ela. Dos incorporados e ou mobilizados, apenas cerca de 2 mil tomaram a opção de desertar. Dos recenseados, os refractários serão mais de 100 mil; mas só em Paris haveria cerca de 80 mil - a maioria familiares das vagas da emigração clandestina. Eloquência dos números, quando cotejados com as estatísticas de outras guerras. Os veteranos não poderão deixar as narrativas da história da guerra do Ultramar aos seus construtores, presente e ou tendenciosos.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10396: Tabanca Grande (361): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 2 de Setembro de 2012:

Caro Luís Graça e demais Camaradas de Arrmas.

Sou Manuel Luís Lomba, ex-furriel mil da CCav 703, do BCav 705, os "Cavaleiros Marinhos", e penamos na Guiné, em 1964/66.

Estivemos um ano na Amura, como reserva às ordens do Comando-Chefe e terminámos a comissão no Sector de Nova Lamego - a Companhia 703 na quadrícula de Buruntuma, a 704 em Bajocunda e a 702 em Madina do Boé.

O BCaç 1856 foi render-nos, ficando a Companhia 1418 em Buruntuma e a 1416 em Madina do Boé, a qual causará a morte, em combate, a Domingos Ramos, um dos primeiros e dos mais competentes comandantes do PAIGC, ex-furriel mil desertado do Exército Português, por ter sido vítima de flagrante injustiça de superior hierárquico, quando era instrutor no CIM (Centro de Instrução Mililitar), em Bolama.

Nas muitas missões de intervenção interagimos com o BCav 490, os Sempre em Frente", com o BCaç 600 (desconheço a divisa), com o BCaç 619, as "Sentinelas do Sul", com o BArt 635, os "Águias Negras", com Companhias independentes, com Grupos de Comandos, a Companhia de Pára-quedistas e Destacamentos de Fuzileiros.

Chegado à reforma, entrei em correntes de escrita. Acabo de publicar o livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu", em edição de autor.

Manifesto o mais elevado apreço pelas vossas iniciativas e a minha vontade de adesão.
(Manuel Luís Lomba)


2. Em resposta, foi enviada em 7 de Setembro a seguinte mensagem ao camarada Manuel Lomba:

Caro camarada Manuel Lomba

À boa maneira do nosso Blogue vamo-nos tratar por tu.

Muito obrigado pelo teu contacto e pela vontade de pertenceres a esta família de ex-combatentes da Guiné. Na qualidade de relações públicas deste Blogue estou a receber-te e a sugerir que nos mandes uma foto do teu tempo de Guiné e outra actual (mais ou menos) para podermos proceder à tua apresentação formal à tertúlia.

Se quiseres desenvolver um pouco mais o texto da mensagem que nos mandaste servirá para a tua apresentação. Fala-nos um pouco mais do teu livro, manda-nos a capa digitalizada, e se há hipótese de algum interessado o adquirir, à cobrança, por exemplo.

Fica a teu critério outros pormenores para que te possamos ficar a conhecer melhor.

A tua correspondência deverá ser enviada sempre para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com e simultaneamente para mim ou para o Eduardo.

Qualquer dúvida, é só perguntar.

Sem outro assunto de momento, fico ao teu inteiro dispor.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal


3. No dia 9 de Setembro recebemos esta mensagem do camarada Manuel Lomba:

Meu caro Carlos Vinhal.

Grato pela sua resposta, a que tento corresponder em conformidade.

Envio duas fotos e acrescento um texto extraído do livro que acabo de publicar: "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu" (opto por escrever conforme a antiga ortografia).

Manuel Lomba


4. Do livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu",  de Manuel Luís Lomba:

Outras manobras, no contexto da manobra da rendição da CCav 703 pela CCaç 763, na nomadização de Cufar, em 18 de Março de 1965

Chegou ao cais do rio Meterunga o grosso do efectivo da Companhia de Caçadores 763, comandada pelo capitão Costa Campos, para a nossa rendição, dotada de 8 cães de guerra, treinados por si e por sua conta e risco, género de combatentes que os turras também já mobilizavam. Os cães vieram acrescentar-se aos passarinhos, às vacas, aos patos bravos, às árvores, à vegetação, a toda a magia da Natureza, na engrenagem da máquina de sacrifícios, de sofrimento e morte que era a guerra da Guiné. Pelos cães, pelo brasão e pelo guião, pusemos-lhe o nome da Companhia dos Cães. Os turras não terão visto o que vimos deles, mas sobrar-lhes-ão motivos para, posteriormente, os alcunhar de “lassas” (abelhas).

O abrigo do depósito de géneros do estacionamento estava escancarado e vazio. Havia dias que não se via o fumo das chaminés das cozinhas rodadas a elevar-se ao céu, a anunciar rancho quente, e o estado de ruína dos nossos aparelhos digestivos já tolerava melhor a fome que a ingestão das rações de combate da Manutenção Militar. Aqueles “periquitos” (fardas verdes) da rendição vieram de Bissau, com volumoso carregamento de mantimentos e de suficiência, ou soberba, na exibição do direito ao seu exclusivo proveito. Coube a nós, mais velhos e “maçaricos”, (fardas amarelas), manter os turras à distância, para a chegada das suas pessoas e bagagens e tivemos de continuar a contê-los, a seco, para o desembarque dos comes e bebes, próprios para gente refeiçoar. Alguém bichanou a ideia e começamos a magicar expedientes de como lhes surripiar um garrafão de vinho e um bacalhau, para dizermos o adeus às armas de Cufar com uma “punheta” (do dito).

A ambiência da guerra é vivida como de outro mundo; mas aqueles “periquitos” da Companhia dos Cães pareciam vindos de outro, tal era a disciplina e método incutidos à desestiva das lanchas e ao tráfego das suas provisões de géneros alimentícios. Treinavam os cães e parecia-nos que os cães os treinavam a eles. O seu furriel vagomestre supervisionava todos e tudo, omnipresente, e enviava uma espécie de “guia de remessa” pelos grupos que faziam o tráfego para o estacionamento, que o seu primeiro-sargento conferia no destino, presencialmente. Os garrafões partidos ou esvaziados por consumo na viagem eram-nos entregues, com a maior displicência, qual tarefa menor, pela nossa missão de segurança, para os levar a vazadouro, à montureira que o estacionamento havia criado, na margem direita do Meterunga, exterior ao perímetro da sua segurança, povoada por um bando de flamingos, originários do rio Cumbijã, e por uma colónia de abutres jagudis, que a putrefacção do lixo atraíra para ali.

Tamanha vigilância conseguia conter as nossas intenções predadoras. Justificava-se a falta de iniciativa da acção específica fazendo circular entre nós o trocadilho de que tínhamos “os cães da Companhia” à perna. Nenhum mal é absoluto e havia muito tempo que a vida nos ensinara a reverter em nosso proveito a pequena parcela de bem que todo o mal contém. A situação não nos escapará à melhor análise, para o desencadear da acção dela consequente. Um tiro de aviso seria decisivo; mas com coisas sérias não se brinca, a despeito de dispostos a fazer um séria brincadeira.

Saiu um aviso, dirigido àquele vagomestre, a alertar que os turras viviam a cerca de 2 km, com super-metralhadoras, morteiros e canhões, que a morosidade do serviço estava a colocar-nos em grande risco, pelo que a segurança disponibilizava dois elementos em seu reforço e ajuda.

A invocação da proximidade dos turras era eficaz a impor o respeitinho, monopolizador das atenções. A solicitude sensibilizou o vagomestre, a contribuir para a sua fragilização. Um dos disponibilizados encheu um garrafão vazio no rio, outro pegou num garrafão partido e começou a dissimular um desvio, em sentido oposto à montureira; ele deu em cima dele, a farejar furto, afrouxou a vigilância, já afrouxada pela solicitude e pela atenção a eventuais sinais dos turras, enquanto aqueloutro trocava o garrafão de água por um garrafão de vinho, que levou, na maior das calmas, a esconder na montureira. O vigilante voltou, contou e recontou os garrafões. Tudo em conformidade, tudo num ápice, como de um golpe de mão se tratasse. O inconfundível cheiro de bacalhau salgado andava no ar, a provocar-nos as suas memórias gustativas, libertado duma caixa rebentada, com dizeres “graúdo” a encimar o lote do dito, rabos e badanas esparramados - e as operações da desestiva das lanchas aproximavam-se do fim. A sorte protege a audácia, escrevera Virgílio, na Eneida. Ante essa iminência, a segurança instruiu e destacou um outro do seu efectivo, para ajudar “a esfolar o rabo” e dar fim a esse trabalho, que o vigilante se apressou a agradecer, sem reparar no pormenor de ele se apresentar com o dólmen camuflado, a contrastar com a generalidade, em tronco nu.

Era sabido que os turras não gostavam de andar à luz do dia e, partindo da ideia que estariam a descansar das suas noitadas operacionais, um vigilante foi destacado para irritar os abutres jagudis, que reagiram furiosamente, com o seu grasnar fúnebre, contagiando os flamingos e toda a passarada ao redor entrou em alvoroço. A segurança correspondeu ao alarido com a emissão do alerta de perigo, toda a malta se colou ao chão - o respeitinho que faltava, decisivo, pelos turras. O último “maçarico” disponibilizado para o “tráfego e estiva” mergulhou junto ao lote das caixas de bacalhau e atracou-se à rompida, para surgir a rastejar, no sentido da montureira, tendo alegado ao vigilante que ia “pela arma”. No sítio certo, largou dois bacalhaus, que levava sob o dólmen camuflado, badanas entaladas na cintura e rabos entalados nos sovacos, razão bastante e suficiente para provocar o imediato levantamento do alerta de perigo; logo ele foi retomar a sua tarefa de ajuda, agora com a arma, mas em tronco nu, tal como os “periquitos”.

Algumas horas passadas, aqueles dois bacalhaus estavam desfiados, dessalgados por açúcar, feitos em salada com as últimas cebolas picadas, regados com os restos de azeite e comidos (e “bebidos”), com a discrição aconselhável, no ventre do poilão sagrado, novo posto de sentinelas avançadas, no segmento que nos cabia na defesa da nomadização em Cufar. Os turras e o Irã da mata de Cufar Nalu portaram-se condescendentes. A irreverência não negligenciara a prudência; para não se correr riscos, como alvos de participação e acção disciplinar, a prevenir “porradas” e, também, pela ausência de confiança mútua, a praxe não foi respeitada, ao não se convidar o proficiente vagomestre da Companhia de Caçadores 763 a partilhar da petiscada, na nossa despedida da nossa estada de 65 dias naquele palco no coração da guerra da Guiné.


5. Comentário de CV:

Caro Manuel Lomba, à boa maneira do Blogue (onde é que já ouvi isto?) temos que nos tratar por tu.
Estás apresentado à tertúlia, e logo com um texto muito curioso do teu livro, onde falas dos Lassas, Companhia do outro nosso camarada Mário Fitas. Podeis trocar impressões sobre o tempo de sobreposição, se é que deu tempo para vos conhecerdes. Este nosso camarada, assinando-se como Mário Vicente, escreveu um pequeno livro, também edição de autor, patrocinado pela Junta de Freguesia do Estoril, com o título "Pami Na Dondo A Guerrilheira", passado em Cufar, uma história, segundo o autor, ficção e realidade, de uma prisioneira. Para conheceres a história, que foi publicada na íntegra no nosso blogue, clica no título sublinhado.

Fiquei agradavelmente surpreendido pela tua vinda a minha casa para me entregares de mão um exemplar do teu livro "Guerra da Guiné: A Batalha de Cufar Nalu". Não chegaste a dizer-me como é que os possíveis interessados em adquiri-lo o poderão fazer.

Durante a nossa conversa apercebi-me que os anos não passaram por ti, estás em boa forma, tens uma excelente memória, muitas recordações do tempo da Guiné "à flor da pele" e escreves muito bem. Pelo que acabo de dizer, poderás ser uma mais-valia para o nosso Blogue, ainda mais se acrescentar que estiveste mais recentemente na Guiné-Bissau, em trabalho, onde tiveste oportunidade de estar com ex-combatentes do PAIGC.

Depois do que acabo de dizer sobre ti, não poderás escusar-te a falar-nos da guerra que viveste nos meados dos anos 60 em Cufar e Buruntuma e do que viste na Guiné-Bissau já independente e soberana. Disseste-me que muitas das tuas fotos desapareceram, mas incluíste algumas no teu livro, e outras terás que nos poderás facultar para publicação.

Termino a tua apresentação enviando um abraço de boas vindas em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10381: Tabanca Grande (360): Manuel Serôdio, mais um camarada da diáspora, ex-fur mil at inf, CCAÇ 1787/BCAÇ 1932 (Bula, Bissau, Empada, Buba, Quinhamel, 1967/68)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6674: O Nosso Livro de Visitas (91): Hélio Matias, ex-Alf Mil Cav, comandante do Pel Rec Daimler 805 (Nova Lamego, 1964/66), que conheceu o Triângulo do Boé (José Martins)

1. Recebemos, através do nosso camarada e colaborador José Martins [, foto actual à esquerda], a seguinte mensagem, assinada por Hélio Matias.

Boa tarde.

Segui com interesse o que escreveu sobre os intervenientes e histórias da zona do Gabu.

Fui o Alferes Miliciano que comandou o Pelotão de Reconhecimento Daimler 805, e que se deslocou para Nova Lamego com o Batalhão de Caçadores 512, transitando depois para o de Cavalaria 705 e finalmente o de Caçadores 1856.

Atravessámos o Cheche inúmeras vezes, apoiámos todo o sector de Madina do Boé (penso ter sido dos últimos a lá ir somente com o comandante do Batalhão no seu jeep e motorista), percorremos Béli, estivemos em Piche com a 727, fomos a Canquelifá e Buruntuma em situações complicadas, etc.

Se achar de interesse, poderei fazer-lhe chegar um texto mais pormenorizado e melhor elaborado do que este que fiz ao correr da memória, até porque tenho documentação escrita e fotográfica.

Cumprimentos e bem-haja.

Hélio Matias.


2. Resposta do José Martins:

Data: 15 de Maio de 2010
Assunto: Re: Madina do Boé

Caro Hélio Matias

Agradeço as palavras amáveis acerca do meu trabalho sobre o Triângulo do Boé. Foi durante a elaboração do mesmo que tomei conhecimento de que tinha sido a antecessora da minha unidade - a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas, posteriormente Companhia de Caçadores nº 5 - que instalou os aquartelamentos de Madina do Boé e Beli.

Eu próprio estive na evecuação das mesmas,  em Junho de 68 e Fevereiro de 69.

Constato, em breve pesquisa, que se trata de um combatente que esteve na Guiné entre Outubro de 64 e Agosto de 66, depois de consttituir unidade em Cavalaria 6, no Porto.

Quanto à oferta de colocar à minha disposição material escrito e fotografico, é uma honra. Mas proponho o seguinte:

Existe o blogueforanadaevaotres.bloguespot.com, que agrega mais de 400 antigos combatentes da Guiné que, dentro das possibilidades e saber de cada um, vai escrevendo os seus textos que, ao serem fixados e colocados na Internet,  constituirão um documento de inegável valor para as gerações vindouras. É de notar que alguns académicos já beberam, no blogue, as informações de que necessitavam. Assim proponho que adira ao blogue e, na primeira pessoa, possa transmitir a todos nós as experiências e vivências que troxemos da Guiné, para mim considerada como uma segunda pátria.

A Tabanca Grande, assim também designada, reune-se em convívio uma vez por ano (esta ano [foi] no dia 26 de Junho, em Monte Real), além de já haver outras, espalhadas por várias regiões do país, que se vão emcontrando para um simples café ou para uma confraternização à volta da mesa, como portugueses que somos.

Fico a guardar a entrada de mais um camarada da Guiné na Tabanca Grande.

Este mail segue com conhecimento aos editores do blogue.

Um fraterno abraço e até breve, já que a linha está aberta.


José Martins

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Nota de L.G.:

Vd. último poste desta série > 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6530: O Nosso Livro de Visitas (90): O Alenquer, condutor, Pel Rec Fox 42 (Aldeia Formosa, Guileje, Ganturé, Sangonhá, Cacoca, 1962/64)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4568: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (11): Um modelo de gestão de conflitos: Vasco da Gama, Luis Rainha, Rui Ferreira...

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Rainha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Um dos passos importantes para a resolução construtiva de um conflito é evitar a fulanização e as situações em que é preciso "salvar a face", tipo "Com aquele gajo, só por cima do meu cadáver"...


Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: António Carvalho, Rui Ferreira, Luís Rainha e Vasco da Gama... Ao fundo, do lado direito, o Francisco Godinho (que mora no Seixal) , ex-Fur Mil, CCAÇ 2753, Madina Fula, Bironque, K3 e Mansabá... (Julgo que não se deu conta desta animada negociação de paz, da iniciativa do Vasco).

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Rainha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho...

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Da esquerda para a direita: Luís Rainha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Diz o provérbio popular: "Os homens conhecem-se pelas palavras e os bois pelos cornos"...

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Rainha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Fnalmente, o bacalhau da reconciliação e da paz, acarinhado pelo Vasco, testemunhado pelo Carvalho e fotografado pelo Luís Graça...

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > (*) Julgo que foi aqui, pela primeira vez, que se encontraram, face a face, o Luís Rainha e o Rui Ferreira, em tempos protagonistas de um conflito, que teve por origem uma troca de nomes no livro do último, Rumo a Fulacunda (2ª edição, Viseu, Palinage, 2003, pp. 106/107). O Luís publicou no nosso blogue uma carta de protesto, o Rui por sua vez reconheceu e procurou reparar o erro (*)... Conversaram então os dois, inclusive, ao telefone.

Isto passou-se em Agosto de 2008. O Carlos Vinhal, que estava nesse mês de serviço, como editor, lidou de maneira impecável e exemplar com esta situação difícil e potencialmente explosiva... O assunto ficou encerrado. Faltava, no entanto, o tête à tête, e o abraço de reconciliação...

O nosso IV Encontro Nacional foi o pretexto para o Vasco, amigo de infância do Luís, pôr os dois a falar e a esclarecer o que ainda havia a esclarecer e dar, por fim, o abraço (ou pelo menos o bacalhau) da paz...

Admirei, aplaudi e registei não só o gesto do Vasco da Gama, como a postura dos dois protagonistas, Luís Rainha e Rui Ferreira... (Na utilíssima presença, diga-se de passagem, do António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250, Os Unidos de Mampatá, Mampatá, 1972/74, hoje autarca em Gondomar, e habituado também ele a lidar com conflitos e suas sequelas).

Não é fácil, na vida real, gerir conflitos, não fácil a negociação, não é fácil arbitrar conflitos... Fica aqui o exemplo, vivo e didáctico, de que na nossa Tabanca Grande nós fomos capazes, quase sempre, de resolver de maneira construtiva e sem mágoas as nossas pequenas guerras, pessoais ou grupais...

Falo em bacalhau da paz por que tanto o Vasco como o Luís são da Figueira da Foz, cidade com gloriosas tradições na pesca e na conservação do bacalhau. Aém disso, o pai do Vasco era muito amigo do pai do Luís, o Dr. Rainha, médico de saúde pública e autoridade de saúde na Figueira... A amizade entre os dois estava muito para laém das suas posições públicas e políticas. O pai do Vasco era um homem da oposição democrática e republicana. O pai do Luís era um homem do sistema vigente.

É agora a boa altura para convidar o Luís Rainha a formalizar a sua entrada na nossa Tabanca Grande. Segundo elementos apurados pelo Carlos Vinhal que na altura lidou, com sabedoria, lisura e isençã, esta história, o ex-Alf Mil Luís Rainha teve o seguinte percurso militar:


(i) Além do Curso de Oficiais Milicianos, fez um estágio de Educação Física Militar e frequentou também com aproveitamento o Curso de Operações Especiais, em Lamego;


(ii) Foi colocado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa;


(iii) Incorporado no BCAV 705/CCAV 704, foi mobilizado para a Guiné (1963/66);


(iv) Os primeiros meses passou-os na CCAV 704 e os restantes nos Comandos do CTIG, em Brá;


(v) Foi formado pelos então Major Monteiro Dinis, Cap Nuno Rubim, Alf Mil Justino Godinho, Pombo dos Santos e Maurício Saraiva, Sargento Mário Dias e Furriel Miranda (participantes na mítica Op Tridente, Ilha do Como, Jan/Mar 1964, com excepção dos dois primeiros);

(vi) Foi Comandante do Grupo de Comandos Centuriões, de que fez parte o nosso Amadu Djaló;

(vii) foi contemporâneo dos Alf Mil Cmd António Vilaça, Neves da Silva, Vítor Caldeira, Virgínio Briote e do então Cap Comd Garcia Leandro (hoje Maj Gen, reformado);


(viii) foram-lhe atribuídos dois louvores, um ao serviço do BCAV 705 e outro ao serviço dos Comandos do CTIG atribuído pelo Comandante Militar da Guiné;


(ix) mais tarde foi condecorado com a Cruz de Guerra de 2.ª Classe, por feitos em combate.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:

29 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3155: Ainda o "Rumo a Fulacunda" e o ex-Alf Mil Luís Rainha (Carlos Vinhal/Luís Rainha/Rui Ferreira)

22 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3144: Dando a mão à palmatória (15): Alf Mil Rainha era comandante do Gr Cmds Centuriões (Rui A. Ferreira)

Vd. também:

17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)

1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3899: Os nossos médicos (1): Alf Mil Médico José Alberto Machado (Nova Lamego)

1. Mensagem de Carlos Marques Santos, ex-Fur Mil da CART 2339, Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69, com data de 14 de Fevereiro de 2009:

Um abraço.

Mais uma vez lanço pedido de informações sobre o percurso de um cunhado, médico (*), já falecido, mas do qual não se têm informações do seu percurso militar na Guiné.

Presumo ter andado na área de Nova Lamego, mas são presunções.

Obrigado,
CMSantos


2. Este é um texto de pedido de ajuda em relação a um Cunhado meu, já falecido, mas do qual, por várias razões, nada se sabe do seu percurso na Guiné.

Nova Lamego e os dados do José Martins apontam para aí. Quem conheceu??? Teve a mulher e um filho pequeno a viver lá.

Agradecem-se informações.
CMSantos
CART 2339
Mansambo
1968/69



José Alberto Machado. Alferes Miliciano Médico


3. Dados coligidos por José Martins

BATALHÃO DE CAVALARIA N.º 705 (BCAV 705, 1964/66)

Mobilizado no Regimento de Cavalaria 7, em Lisboa, desembarcou em Bissau em 24 de Julho de 1964, ficando nesta cidade como força de intervenção às ordens do Comando - Chefe, sendo as suas Companhias atribuídas como reforço e para realização de operações noutros sectores.

Em 15 de Fevereiro de 1965 foi deslocado para Bafatá, onde comandou a actividade operacional das suas Companhias e preparou a rendição do Batalhão de Caçadores n.º 512.

Em 1 de Junho de 1965, rende o Batalhão de Caçadores n.º 512, estacionado em Nova Lamego e assume a responsabilidade do Sector L3, que inclui os subsectores de Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.

Em 1 de Maio de 1966, rendido pelo Batalhão de Caçadores n.º 1856, regressa a Bissau, embarcando de regresso à Metrópole em 14 de Maio de 1966.


BATALHÃO DE CAÇADORES N.º 1856 (BCAÇ 1856, 1965/67)

Mobilizado do Regimento de Infantaria n.º 1, na Amadora, desembarcou em Bissau em 6 de Agosto de 1965, ficando aquartelado em Brá (Bissau), às ordens do Comando – Chefe, orientado para a zona Leste, sendo as suas subunidades atribuídas de reforço a outros Batalhões para diversas operações.

Em 2 de Março de 1966 o comando instalou-se em Nova Lamego, enquanto a Companhia de Comando e Serviços era instalada em Piche até 23 de Abril de 1966.

A 1 de Maio de 1966 e substituindo o Batalhão de Cavalaria n.º 705, assumiu a responsabilidade do Sector L3, que englobava os subsectores de BAJOCUNDA, Canquelifá, Piche, Buruntuma, Madina do Boé e Nova Lamego.

Rendido pelo Batalhão de Cavalaria n.º 1915, tendo embarcado para a Metrópole em 15 de Abril de 1967.

José Martins
ex-Fur Mil Trms
CCAÇ 5, Gatos Pretos
Canjadude
1968/70
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2887: Em busca de...(27): José Alberto Machado, Alf Mil Médico (Carlos Marques Santos)