Diagnóstico Salomónico
Quando cheguei a Guidage tinha dois meses de Guiné. Depois de já ter passado mês e meio no Posto de Socorros e Enfermaria de Bigene e de ter visto com pouco pormenor a Enfermaria de Binta naqueles três dias que lá passei, quando deparei com o que me disseram ser o Posto de Socorros de Guidage, quase caí pr´o lado. Era praticamente pegado à Cantina onde toda a gente ia comprar as bebidas. Tinha porta da frente, mas sem fechadura o que equivale a dizer que não precisava de chave. Portanto ficava aberto dia e noite, porque na parte de trás nem porta tinha.
Coloquei o Atrelado Sanitário (que me tinham impingido em Bissau) de forma estratégica para dificultar um pouco mais a entrada naqueles aposentos maravilhosos com um chão tão irregular como a estrada que lhe passava à porta e nos levava até à pista. As paredes não podiam sentir nenhum desprezo pelo chão, pois estavam esburacadas e estragadas o suficiente para não serem consideradas nenhuma Obra d´Arte. Assim, aqueles aposentos dignos das Mil e Uma Noites passaram a ser o meu local de trabalho.
Com estas maravilhosas instalações, a única coisa boa que eu recebi foi o meu ajudante "TUMBULO". Era esse o nome do rapaz a quem eu muito pomposamente designava "Pelo meu Tradutor Oficial de Línguas".
Como estávamos em cima do Senegal ou o Senegal em cima de nós, tínhamos uma considerável clientela do lado de lá, que nós tratávamos gratuitamente o melhor que sabíamos e podíamos, e eles também conforme podiam lá iam trazendo uns ovitos e outras vezes as bichezas que os punham, ou seja umas galinhitas.
Dentro deste panorama geral, certo dia aparece por lá um indivíduo a quem o Tumbulo no seu afã habitual de perguntar o que as pessoas tinham para me comunicar em seguida, diz-lhe com toda a rapidez e num tom de cortar à faca: "PENCÓ".
Eu naquela altura já sabia algumas palavras de mandinga e de fula e, entre elas, que pencó ou pingo significavam injecção, portanto fiquei logo elucidado ele queria levar uma injecção e "mais nada".
O Tumbulo vira-se para mim muito atrapalhado:
- "Furié ele só fala injecção!"
Digo-lhe:
- Eu já percebi, mas volta-lhe a perguntar o que é que lhe dói ou o que ele sente para eu lhe poder dar o remédio adequado.
Então o Tumbulo cheio de boa vontade lá recomeçou com a lengalenga toda outra vez, ao que o indivíduo impávido e sereno lhe atira com outro "PENCÓ", não negociável.
O Tumbulo ainda mais atrapalhado volta-me a dizer:
- "Furié ele só fala injecção".
Nessa altura eu já estava a dar voltas à cabeça a pensar no que havia de fazer para dar a volta àquele mânfio. Então viro-me para o Tumbulo com o ar mais dramático do mundo e com uma voz muitíssimo calma para quem estava prestes a explodir e digo-lhe assim:
- Olha diz ao homem que estão aqui as injecções todas que nós temos. Umas são muito boas, fazem muito bem, outras matam. Ele escolhe a que quiser, põe mesmo a mão dele na caixa e eu dou-lha, se ele estiver com sorte a injecção faz-lhe bem ou não lhe faz nada, se ele estiver com azar leva a injecção e morre. É tudo tão simples como isto.
Quando acabei de falar deu-me mesmo a sensação que ia ficar sem tradutor oficial de línguas pois ele devia de estar com pensamentos do género: "E andei eu a dar injecções destas às bajudas sem saber podia mandar alguma pró galheiro". Logo a seguir já refeito lá passou a minha mensagem ao homem que preferiu não arriscar e acabou por dizer o que sentia e eu acabei por lhe dar a injecção adequada às suas maleitas, que espero lhe tenha feito bem, para acabar com esta treta em beleza.
O meu muito obrigado para todos os que contribuíram para que este texto e as fotografias possam sair à luz um dia qualquer num post e no blogue de todos nós, principalmente aos camarigos Teixeira e Vinhal.
Manga d´abraços para todos.
Adriano Moreira
Adriano Moreira com miúdos
Adriano Moreira com Mulher Grande
____________Nota do editor:
Vd. último poste da série de 20 DE SETEMBRO DE 2009 > Guiné 63/74 - P4978: Os Nossos Enfermeiros (7): Excerto do Diário de um Enfermeiro (José Teixeira)